O empresário norte-americano Jeff Bezos, fundador da loja eletrônica Amazon, pagou US$ 250 milhões no último mês para assumir o controle do jornal “Washington Post”. No Brasil, poucos dias depois, a Editora Abril anunciou o fechamento de quatro revistas (Alfa, Bravo!, Gloss e Lola) e o corte de 150 profissionais. As duas iniciativas parecem contraditórias, mas fazem parte de um mesmo cenário. Mais do que uma fase de crise financeira, a comunicação global vive um período de crise de identidade.
Não é por acaso que isso acontece agora. O advento de novas mídias mudou de forma radical a relação que os usuários têm com o segmento. Quem produz conteúdo não poderia passar incólume por essa transformação de paradigma.
Nos Estados Unidos, a recessão econômica começou fortemente em 2008. Foi uma das piores fases do país em todos os tempos, e isso motivou cortes em diversos setores. A mídia foi diretamente afetada, com demissões e encerramentos de veículos.
A crise que assolou a economia europeia tem um perfil um pouco diferente. No Velho Continente, a despeito da quebra de economias como a grega, o que mais aflige é a questão do emprego. A taxa altíssima e ascendente de pessoas fora do mercado de trabalho transformou-se em uma equação de solução complicadíssima para os governantes locais.
O Brasil não vive uma crise econômica. Ao contrário, o país passou há poucos anos por um período de ascensão e euforia. Quanto ao emprego, há um movimento de inclusão. Nas duas últimas décadas, muita gente no país trocou a linha da miséria por um lugar no mercado de trabalho.
Ainda assim, com um cenário diferente dos Estados Unidos e da Europa na economia, a comunicação do Brasil está tão em crise quanto nas duas regiões. Veículos tradicionais, como o “Jornal da Tarde”, encerraram as atividades. O “Jornal do Brasil” fechou a edição impressa. Na última semana, a rádio CBN interrompeu a produção local de notícias em Curitiba.
E o esporte, que durante algum tempo foi uma ilha de otimismo no segmento, também sentiu diretamente o baque. O Brasil vai sediar a Copa do Mundo de futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Isso criou um sentimento de euforia no mercado, mas a ansiedade não se justificou até agora.
No caso da comunicação esportiva, existe uma explicação econômica. Com os eventos esportivos no país, empresas concentram seus investimentos para comprar cotas de patrocínio ou para criar campanhas relacionadas a essas competições. Para viabilizar isso, cortam investimentos na mídia. É um movimento recorrente, que já foi visto em outros países que receberam campeonatos desse porte.
Todas essas histórias estão (ou deveriam estar) entre as principais preocupações de quem trabalha ou quer trabalhar com comunicação no Brasil atualmente. Entender um pouco sobre o cenário é um caminho para encontrar alternativas.
O primeiro passo é discutir em que mercado nós estamos hoje. O Brasil tem um perfil extremamente peculiar de uso de mídias sociais – o país trabalha com ondas e com uso intenso dessas ferramentas. Com tanta gente passando tanto tempo em plataformas como Twitter e Facebook, a produção de conteúdo é gigantesca e heterogênea.
O advento das redes sociais transformou todo mundo em mídia. Há vários casos que exemplificam isso, mas poucos são tão elucidativos quanto o do Twitter “Voz da comunidade”. Na época em que houve “pacificação” dos morros do Rio de Janeiro, um garoto usou a ferramenta para narrar o que estava acontecendo ali. Foram os relatos mais fiéis e mais bem construídos. Isso serviu de subsídio para o trabalho de todo o restante da imprensa.
As redes sociais deram a todo mundo o poder de ser mídia. No Brasil, porém, ainda são poucos os que realmente produzem conteúdo para essas plataformas. A maioria do público apenas lê o que é publicado.
Isso leva a outra característica do mercado. As pessoas leem o que é oferecido a elas nas redes sociais – a linha do tempo do Facebook, por exemplo –, mas o índice de direcionamento para outras páginas é baixo. Por mais interessante que um assunto seja, é raro que ele leve um grande contingente de usuários à página que o publicou.
Há dois desafios claros, portanto, nas redes sociais. O primeiro deles é ganhar credibilidade: fazer com que as pessoas entendam que o que você produz tem relevância, apuração e estudo. O segundo é transformar o usuário de uma plataforma digital em um real consumidor da notícia.
Além da questão das redes sociais, é precípuo discutir a publicidade na mídia do Brasil. Anúncios tradicionais estão morrendo, e essa é uma lógica que vale para qualquer plataforma.
Na TV, por exemplo, já há recursos que permitem ao usuário a gravação de um programa ou o download de conteúdo por streaming. A pessoa pode ver o que quiser e no momento em que quiser, sem a necessidade de interromper a atração para assistir a intervalos comerciais.
A internet também mostra um baixíssimo grau de lembrança de marcas expostas em banners ou outros modelos tradicionais de anúncios em sites. Então, como encontrar sustento para essas plataformas?
Essa é a dúvida que a comunicação precisa responder. Essa é a resposta que pode abrir caminho e campo de trabalho para muita gente. Quem tiver a primazia de entender como transformar a mídia em trabalho rentável poderá desfrutar disso por algum tempo.
O segredo é a transformação da mídia em produto. Empresas que entenderem que precisam vender e que encontrarem o que vender vão ser as que sobreviverão com mais facilidade a essa crise de identidade. E a venda, lembremos, não pode ser de publicidade.
Quem trabalha com comunicação, independentemente da ponta em que esteja, precisa entender todo esse processo. Mesmo se não for responsável pela venda ou pelo planejamento, tem de saber que o conteúdo precisa trabalhar a serviço da marca ou do que a empresa pretende vender.
Quando Bezos decidiu comprar o “Washington Post”, a pergunta que eu mais li foi: “Como ele acha que vai recuperar o dinheiro que colocou ali?”. Os próximos anos vão mostrar se ele fez isso por vaidade ou se realmente existe um projeto econômico por trás da aquisição do jornal.
Se houver, Bezos pode ser responsável pela ratificação de um novo paradigma. Por tudo que já fez na Amazon, o empresário é um exemplo de produção de conteúdo individualizado e com foco no usuário, não no produtor.
A mídia brasileira acompanha ansiosamente o início do novo “Washington Post”. Mais do que a esperança de negociações milionárias voltarem ao segmento, a transação do jornal reacendeu a idei
a de que é possível consolidar modelos de negócio. Quem (ainda) trabalha com comunicação agradece.