Nelson Mandela: um santo laico!

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“Um homem que passa 27 anos, privado de liberdade, não enche a alma de ódio contra os seus captores? Um homem que é sujeito a sevícias e privações, durante décadas, não deixa morrer a sua crença, no ser humano? Um homem, roubado na sua vida, em mais de um quarto de século, não desiste de se bater pelos seus luminosos ideais?”.

Às interrogações do jornalista português Nicolau Santos, eu respondo: o homem superior não odeia, não tem nos seus lábios acusações, impropérios, mas antes as palavras de Jesus Cristo, no madeiro da cruz: “Pai, perdoa-lhes que eles não sabem o que fazem!”.

Para mim, o homem superior, entre todos os seus pares, é o santo – o santo, como Nelson Mandela (1918-2013). Se eu fosse Papa (perdoem-me a ousadia) passava por cima da pesada burocracia do Vaticano e canonizava o antigo presidente da África do Sul, que deixou uma palavra de perdão aos seus carrascos e, no exercício das suas funções governativas, assumiu uma política inspirada, não apenas nos legítimos interesses da sua Pátria, mas principalmente no culto dos grandes valores da humanidade.

A herança de Mandela ilumina o mundo todo. Depois da prisão, convidou o carcereiro que o vigiava, que o obrigava a trabalhos forçados, a partir pedra, a dormir em cela húmida onde contraiu tuberculose pulmonar – depois da prisão, convidou o carcereiro a visitá-lo em sua casa, onde lhe serviu um chá e lhe repetiu que não tinha por ele o mínimo ressentimento, um pouco que fosse de ódio.

Como presidente da República, vestiu o equipamento da seleção sul-africana de râguebi, a seleção que os “brancos” preferiam, para dizer, sem o dizer que, na Pátria que com ele nascia, brancos, pretos e mestiços tinham a mesma cor. Byron Hove, presidente da Cruz Vermelha do Zimbabwe, foi preso, durante poucos dias tão-só, pelo governo racista da Rodésia.

Em diálogo com Mandela, confessou-lhe sentir ainda ódio pelos racistas que o prenderam. Mandela sorriu e acrescentou: “Se somos diferentes dos que nos perseguiram, não podemos odiar” E continuou: “Quem odeia gasta muita energia que é bem necessária às lutas que ainda temos de travar”.

Mandela foi libertado em 11 de Fevereiro de 1990. Embora sendo um advogado, Mandela não tinha a violência tribunícia dos ditadores, nem a a verborreia mentirosa dos sofistas – mas era um orador assombroso porque as suas palavras ressaltavam nítidas de uma vida inteiramente subordinada àqueles valores sem os quais impossível se torna viver humanamente.

Na vida, o que mais conta não é o fulgor das palavras, mas o mérito das obras. Acima da beleza da oratória, está o interesse da humanidade. Nas Teses sobre Feuerbach, de 1845, Marx afirmou: “os filósofos apenas têm interpretado o mundo de diversas maneiras. Mas trata-se de o transformar”.

É verdade, foi Lenine a dizê-lo, que “sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário”. Mas o lugar da teoria é subalterno, em relação à prática. Só a prática transforma!

Não se resolvem os problemas sociais unicamente com belos discursos. Indispensável se torna, sobre o mais, uma luta implacável contra o racismo, o colonialismo, o fascismo (de todos os matizes). E que desta luta nasça a igualdade, a solidariedade, a justiça social… para todos!

Nelson Mandela, lutador sublime dos mais puros ideais que fazem honra à humanidade, há poucos dias que te extinguiste, mas o teu exemplo permanece. És um santo laico, ou seja, já és santo, mesmo antes de a Igreja Católica te canonizar.

Com mais políticos, como tu, o mundo seria inevitavelmente outro, o desporto seria inevitavelmente outro. És um santo em que eu acredito, um santo daquela santidade onde há coragem e luta e solidariedade e amor e não só missas e rezas de terços e a prudência dos cobardes. Foste um tipo humano de incomparável dignidade.

Obrigado, Nelson Mandela! Mais teria a dizer? Muitíssimo mais! Mas as palavras são pálidas para exprimir os grandes sentimentos. A verdadeira eloquência da gratidão é o silêncio.


*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal.

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