Estreando hoje o “bate-bola” colunista-leitor (conforme descrevi na coluna anterior), vou começar com o competente professor, amigo e leitor B. P. (iniciais do nome dele), de São José dos Campos, que nos escreveu comentando o texto “Os chutões, o português José Mourinho, a beleza de jogar futebol e a Lógica do Jogo” (http://149.28.100.147/udof_migrate/Coluna/12349/Os-chutoes-o-portugues-Jose-Mourinho-a-beleza-de-jogar-futebol-e-a-logica-do-jogo), sugerindo um debate maior a respeito do mesmo tema, mas agora “conversando” com as categorias de base e formação de jogadores.
Ele diz: “Li sua Coluna e pude concluir, com base até nos exemplos que citou (Barcelona x Internazionale) que você se refere ao jogo de futebol profissional. Quanto às categorias de base, o texto mudaria o foco da crítica, correto?
Em linhas gerais o cerne do texto anterior foi o debate sobre o fato de que muitas vezes, apesar do resultado final de uma partida parecer dizer, à grande parte dos olhares, muito pouco a respeito daquilo que foi o jogo, é possível e provável, que haja grande necessidade de se ajustar, sintonizar e parametrizar jogo e olhares – e não que o placar final da partida não se relacione com aquilo que foi visto em campo.
Em outras palavras, muitas vezes o que observamos em campo nos faz pensar que o “acaso” e a “injustiça” prevaleçam um importante número de vezes sobre a competência e bom futebol.
Então, sobre isso, escrevi no texto anterior “(…) como já mencionei outrora, o futebol é mais um jogo de como aproveitar chances do que um jogo de como criar oportunidades (…)” e completei “(…) há beleza nisso… Mas tudo depende de como olhamos para essa “beleza”. E além de beleza, há muito, mas muito conteúdo de jogo nisso!!!”
Pois bem. O debate sobre formação de jogadores é um terreno amplo, rico e muitas vezes pouco concreto.
Em geral, não há um currículo formal que estruture e coordene conteúdos que possam e devam ser desenvolvidos ao longo de toda vida do jogador de futebol em sua passagem pelas categorias de base dos clubes.
Em muitos clubes não há nem sequer uma ideia clara do perfil de jogadores que se pretende formar. Isso pode (e tem sido), ou não, ser um enorme problema.
Vejamos:
1) Fato 1: Pode e tem sido problema porque em alguns casos, ao não se saber bem o perfil de jogador a ser formado, são criados modelos baseados nas primeiras equipes (as profissionais dos clubes). O problema é que algumas vezes, as “primeiras equipes” têm modelos subordinados ao pensamento e filosofia dos treinadores que as comandam, e não dos clubes como instituição. Sendo assim, quando sai o treinador, há uma apocalipse de processos construídos na formação de jogadores de base – e uma mudança quase que permanente de rumo.
2) Fato 2: Quando cultura, filosofia e modelo de jogo estão bem claros e definidos nos clubes, é então possível criar uma organização pedagógica de conteúdos que identifiquem os jogadores desenvolvidos e “formados” para jogar no primeiro time. E isso parece uma solução, e não um problema.
O certo é que, tanto no 1º apontamento (fato 1), quanto no 2º (fato 2) – descritos acima – podem haver lacunas de conteúdos ao longo do processo. Isso é relativamente simples de ser comprovado.
No apontamento 1, é como se, por exemplo (analogamente), alunos do ensino médio tivessem os conteúdos de uma disciplina da escola (Matemática, por exemplo) escolhidos segundo as preferências do professor – e não do currículo escolar. E mais ainda, como se esses conteúdos fossem ensinados de acordo com uma sequência definida por ele, e não pela escola e órgãos públicos reguladores responsáveis.
No apontamento 2, é como se os conteúdos para ensino das disciplinas, fossem definidos pela escola, de acordo com a maneira com que ela (a escola) enxerga o mundo e as suas necessidades – por exemplo: a escola “A” passa o ensino médio apresentando e formatando conteúdos preparando alunos de acordo com as exigências de vestibular da Universidade “X”. Já a escola “B” passa o ensino médio apresentando e formatando conteúdos preparando os alunos para uma experiência futura em um país diferente do dela.
Ao final dos anos de estudo, em qualquer um dos apontamentos sempre haverá algum tipo de lacuna – que deverá ser preenchida pelas experiências futuras e permanentes dos alunos fora da escola.
No caso do futebol, quando olhamos para o jogo propriamente dito, em sua essência, é razoável pensar que equipes como o FC Barcelona vem formando jogadores com perfil bem característico, que aprendem muito bem conteúdos bem particulares.
Mas, os conteúdos que aprendem os jogadores formados no FC Barcelona, por exemplo, abarcam o desenvolvimento amplo de uma inteligência de jogo, individual e coletiva?
Não tenho dúvidas que o processo de formação de base do time catalão é muito bem feito e organizado!
Não tenho dúvidas também que a inteligência de jogo é muito bem estimulada e desenvolvida!
A questão central é que quando penso em “inteligência de jogo” como conceito essencial para jogar bem futebol, penso nela como algo dinâmico e circunstancial (e por isso imprevisível), ou seja, que deve se manifestar para resolver problemas aleatórios, urgentes e emergentes a cada segundo durante o jogo.
O que quero dizer com isso, é que ao se fechar a formação de jogadores a uma única maneira de perceber o jogo e a um único modelo para se jogar, não estaremos explorando em sua totalidade as possibilidades criativas e autônomas do desenvolvimento da inteligência de jogo (individual e coletiva).
Assim, mencionei no último texto:
“(…) Estou querendo, mais uma vez (a terceira nesse ano!) chamar a atenção para o fato de que sob o ponto de vista da lógica do jogo, a beleza, os conteúdos, e a inteligência para jogar não estão subordinados as estratégias de jogo, modelos de jogo, ou ao que intimamente ou culturalmente achamos bonito – estão subordinados sim, ao JOGO propriamente dito, no cerne, na sua essência!”
O boa formação de jogadores de base ao longo dos anos que envolvem o processo, deveria ser aquela que desenvolve ao máximo uma inteligência circunstancial de jogo, individual e coletiva, autônoma e criativa!
Assim então, sem me alongar mais, e respondendo a questão inicial do texto:
Não (!!!) o foco da “crítica” (construtiva, claro!!!) da coluna anterior, não deveria ser aplicado apenas aos olhares que observam atentos as partidas de futebol profissional…
Ela deveria se estender aos óculos que sobrepõem os olhos que olham para o futebol de base também.
Em geral, é normal que existam muitas maneiras de se resolver o mesmo problema. E é mais comum que exista uma maneira mais econômica, mais eficiente… e essa eficiência está no indivíduo (no jogador e suas particularidades) e não nos modelos e ideais pré-concebidos…
Então terminarei, utilizando argumentos finais da coluna anterior:
“(…) Não estou defendendo uma concepção “A” ou “B” de se jogar (e nem tão pouco os “chutões”)… Não, não é isso!!!
Estou querendo, (…) chamar a atenção para o fato de que sob o ponto de vista da lógica do jogo, a beleza, os conteúdos, e a inteligência para jogar não estão subordinados as estratégias de jogo, modelos de jogo, ou ao que intimamente ou culturalmente achamos bonito – estão subordinados sim, ao JOGO propriamente dito, no cerne, na sua essência!
O ambiente, a cultura, os modelos (e outras coisas mais) são caminhos (alguns dos inúmeros) para chegar ao jogo – eles não tem fim neles mesmos e portanto, não é para nenhum deles que devemos perguntar o que é o JOGO.
Devemos perguntar sobre o jogo ao próprio JOGO!”
Bom, por hoje é isso…
Fico no aguardo das questões dos leitores para as próximas colunas (rodrigo@149.28.100.147 ou facebook.com/rodrigo.azevedoleitao).