O último fim de semana foi marcado pela última rodada da fase de classificação da maioria dos Estaduais de futebol pelo país. Mas também foi marcado por uma importante lição de gestão de eventos e por uma enorme quantidade de “com todo respeito” para justificar escolhas.
Dados sobre a audiência da TV fechada no fim de semana ainda não foram divulgados, mas uma base empírica aponta para um recorde do “com todo respeito”. Questionados sobre qual jogo pretendiam ver no domingo de decisões dos Estaduais, torcedores respondiam: “Com todo respeito ao meu time, hoje é dia de Real Madrid x Barcelona”.
O clássico espanhol é o principal jogo da temporada nacional deles, é verdade, mas não foi esse o único elemento que atraiu a atenção de torcedores brasileiros. As escolhas, “com todo respeito”, refletem o quanto os Estaduais perderam importância.
Uma das explicações para isso é a questão da promoção. Não há evento que sobreviva e mantenha sua força sem um trabalho adequado de promoção, e o futebol no brasil vive há muito tempo do potencial estabelecido.
Na Espanha, em contrapartida, há um esforço para transformar os clássicos entre Real Madrid e Barcelona nos assuntos mais relevantes da temporada. Há um trabalho para que o jogo repercuta.
Esse trabalho envolve parceiros de transmissão e times, mas tem como principal alavanca os organizadores dos campeonatos. É fundamental que eles entendam como atingir o público-alvo e montem estratégias para isso.
Hoje em dia, o trabalho com o público é tendência entre especialistas em marketing e comunicação. O foco da estratégia migrou da fabricação e do produto para essa parte. Para isso, porém, é fundamental que o consumidor seja impactado.
Qual foi o impacto dos Estaduais? Quantas pessoas ficaram sabendo sobre o que aconteceu no fim de semana decisivo ou cancelaram compromissos para acompanhar a rodada derradeira dos torneios regionais?
Não é só uma questão de tamanho de jogo. Não é só uma questão de tamanho de jogadores. É uma questão que envolve todo o processo de comunicação da indústria do futebol.
Enquanto acharmos que a paixão espontânea que o brasileiro tem pelo futebol é suficiente para carregar o negócio, correremos sempre o risco de ouvir que, “com todo respeito”, há opções melhores de entretenimento. O clássico espanhol é concorrente direto pela atenção quando acontece como no último domingo – os jogos aconteceram quase no mesmo horário –, mas é um rival indireto mesmo quando as faixas de horário não batem.
Afinal, não é só pela audiência televisiva que os jogos duelam. Há uma briga pela atenção do consumidor, e essa atenção está cada vez mais restrita. As pessoas são bombardeadas por informações e opções de lazer. Escolher entre elas envolve um processo que vem desde o subconsciente, e ignorar tudo isso é confiar demais na força de marcas estabelecidas.
Parte do problema que os nossos Estaduais têm está no próprio discurso de jogadores e treinadores. Não há sentido de promoção ou coletividade nas falas públicas. Ao contrário: o tom é quase sempre de crítica.
Gestores das competições precisam perceber o quanto jogadores, treinadores e dirigentes repercutem. E têm de entender que essa repercussão instantânea é uma das formas mais eficazes de atingir o torcedor.
Há o exemplo claro do Corinthians, eliminado do Campeonato Paulista uma rodada antes do término da primeira fase. A queda precoce do time foi sacramentada em um empate por 0 a 0 com o Penapolense – graças, também, a um revés do São Paulo por 1 a 0 para o Ituano em pleno Morumbi.
Depois do término dos jogos, o técnico do Corinthians, Mano Menezes, questionou a dedicação do São Paulo ao duelo com o Ituano. O atacante Romarinho fez ainda pior. “Eles entregaram”, acusou o jogador alvinegro.
As declarações serviram para mudar o foco após a eliminação do Corinthians, e essa é até uma estratégia válida para Mano Menezes. O problema é que essa mudança de foco colocou em xeque o modelo de disputa e a lisura do campeonato.
Depois de passagens frustradas pela seleção brasileira e pelo Flamengo, Mano Menezes voltou ao Corinthians no início de 2014. E desde então, o técnico tem sido responsável por umas série de entrevistas que responsabilizam regulamentos, árbitros e até rivais por tropeços da equipe que ele comanda.
Na primeira passagem pelo Corinthians e até durante o tempo em que comandou a seleção brasileira, Mano Menezes era tratado por muitos como um fenômeno de comunicação. Havia até um senso comum de que ele dava entrevistas muito melhores do que as convocações ou atuações da equipe que ele dirigia.
A eficácia dele nesse aspecto era tão grande que incensou a filha do técnico, Camila, que era responsável pelo planejamento de comunicação de Mano Menezes. Foi um período em que a influência de um profissional com potencial para esse trabalho ficou extremamente clara.
Desde que saiu da seleção, porém, Mano parece ter abandoando a cartilha montada pela filha dele. O técnico tornou-se mais ranzinza, mais ácido, e até a relação dele com a imprensa foi um pouco deteriorada por isso.
Esse é um aspecto que deve gerar muita preocupação ao estafe de Mano Menezes. Talvez até à diretoria do Corinthians. Mas quando ele começa a atacar o campeonato, isso precisa ser preocupação de quem o organiza.
A Federação Paulista de Futebol (FPF) não pode tolerar que os próprios participantes do Estadual detonem publicamente o produto. Não é uma questão de censura, mas de planejar o que é dito e o que repercute sobre o campeonato. Tudo isso faz parte de um enorme trabalho para que o consumidor se aproxime.
Se a FPF não se preocupar com nível técnico, promoção de eventos e comunicação, o caminho está muito claro. Com todo respeito, mas eu vou deixar de ir ao estádio, trocar de canal ou desligar a TV. O futebol brasileiro está perdendo essa batalha.