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O Brasil pagou caro por isso, mas recebeu neste ano a maior aula de comunicação da história do esporte nacional. Até o epílogo, período entre quarta-feira (16) e o último domingo (20), a Copa do Mundo descarregou no país uma série de lições que merecem ser deslindadas e que podem alicerçar mudanças paradigmáticas em âmbito nacional. Desde que sejam levadas a sério, é claro.

A primeira lição vem do próprio evento. A Copa do Mundo é feita para as marcas que a financiam. É uma festa popular, mas o foco essencial não é esse. Transmissões, estádios, entornos e eventos são projetados para satisfazer as marcas que se associam à competição. Conceitos como zona de restrição, área para ações de ativação, identidade visual, camarotes e setores corporativos estão no cerne do que a competição se transformou nos últimos 40 anos.

Quer entender o tamanho disso? Compare com as duas rodadas do Campeonato Brasileiro que foram realizadas depois da Copa do Mundo. Estádios que receberam partidas das duas competições serviram como exemplos do quanto é possível fazer muito com ações que parecem simples.

De quarta a domingo, ouvi ou li de pelo menos seis pessoas que “os estádios eram muito mais bonitos na Copa”, quando tinham identidade visual padronizada e envelopamento simples desenvolvido pela Fifa. Essa é apenas a parte mais perceptível, mas já escancara a diferença de tratamento das marcas.

Na Copa, patrocinadores tinham uma série de direitos exclusivos nos ambientes de jogos. O pacote de apoio ao evento não é baseado apenas em placas e inserções nas transmissões dos jogos, mas na experiência de quem vai ao estádio. E no Campeonato Brasileiro, quais são as marcas parceiras?

Outra lição de comunicação dada pela Copa é a isonomia. O tal “padrão Fifa” dos estádios tem uma razão de ser que influencia o jogo: gramados e ambientes similares criam um conceito de ambiente do evento. Basta olhar para saber que é um jogo de Mundial. Além disso, parâmetros como dimensões do campo e corte da grama servem para balizar um pouco o nível do jogo.

Aqui cabem parênteses: no início da década de 1990, a Premier League estabeleceu dimensões específicas para os gramados. A medida teve como principal foco o nível do jogo – a ideia foi criar campos mais estreitos e acelerar o toque de bola. O impacto disso no ritmo das partidas foi tão imediato quanto evidente.

Ainda sobre a Copa, o público que visitou o Brasil também deu lições de comunicação. A mais gritante é que consumidores apaixonados não precisam de uma experiência perfeita, mas de uma experiência marcante. Dê ao público algo inesquecível.

Essa noção foi clara em qualquer conversa com turistas ou profissionais de serviços. O Brasil não estava preparado para a Copa e não fez um evento tecnicamente perfeito, mas compensou com duas coisas: recepção calorosa e histórias marcantes. As festas, os ambientes, a troca de experiências… Todo mundo que participou terá algo para lembrar durante muito tempo.

Outra história ilustrativa: conheci em Cuiabá (MT) um turista japonês que veio ao Brasil apenas para ver a primeira fase da Copa. Perguntei se havia passado por alguma situação embaraçosa ou constrangedora no país, e ele relatou o seguinte: “Não tinha onde dormir em Recife e resolvi passar a noite no aeroporto. Quando acordei, alguém tinha levado minha mala com tudo que eu tinha. Fiquei sem documentos, ingressos, dinheiro ou roupas. Só consegui sobreviver no país porque um funcionário do aeroporto falava um pouco de japonês e me deu comida e R$ 20. Nos dias seguintes, muita gente me ajudou”. Em seguida, perguntei quantas Copas ele já havia presenciado e qual tinha sido a melhor. “Estive nos últimos quatro Mundiais, e este é o melhor. Eu amo este lugar”, respondeu o japonês sem roupas, documentos ou dinheiro.

Mas as maiores lições de comunicação que a Copa de 2014 ofereceu vieram de lugares improváveis: as seleções. Houve tantos exemplos que o torneio pode ser considerado como um curso intensivo.

– Miguel Herrera, técnico do México: é impossível que você tenha acompanhado a Copa sem notar o carisma do treinador. Ele assumiu a seleção em situação delicada no hexagonal final das Eliminatórias da Concacaf. O México correu risco de perder vaga para o Panamá, mas conseguiu classificação ao Mundial após vencer uma repescagem contra a Nova Zelândia e se tornou personagem. Com “selfies” em redes sociais, declarações divertidas e reações exacerbadas na beira do campo, o comandante Herrera simbolizou tudo isso.

– Van Persie: o capitão da Holanda não fez uma Copa acima de qualquer crítica, mas mostrou o quanto a inovação pode abastecer a comunicação. Logo no primeiro jogo, completou de cabeça um passe do lateral Blind e marcou o primeiro gol da seleção laranja no Mundial (abrindo caminho para uma vitória por 5 a 1 sobre a Espanha, de virada). O lance acrobático (ele se jogou na direção da bola e ainda encobriu o goleiro Casillas) criou uma reação em redes sociais. Fãs publicaram imagens em que apareciam deitados no chão, numa pose que foi batizada de “persieing”. A finalização foi tão inusitada que virou uma marca.

– Grécia e Suíça: uma das maiores dificuldades de comunicação é lutar contra conceitos estabelecidos. Nos estádios, em redes sociais e até em parte da mídia, Grécia e Suíça eram times “com defesas sólidas e ataques pouco eficientes”, estereótipos moldados por seleções da década passada (a Grécia campeã europeia de 2004 e a Suíça que não levou gols na Copa de 2006). E aí, não bastou a ambas a adoção de um modelo mais ofensivo; foi preciso reafirmar isso em entrevistas, por exemplo. Foi comum ver jogadores e membros de comissões técnicas das duas seleções dizendo que não eram mais os times que estavam na memória dos brasileiros.

– Sul-Americanos: a Copa serviu para mostrar que não há continente tão emocionalmente ligado ao evento quanto a América do Sul. As torcidas sul-americanas foram episódios no evento – independentemente da sede, foram responsáveis por dar vida e um colorido diferente. O Mundial teve festas enormes em outras edições (2006, por exemplo), mas eram apenas festas. Os sul-americanos mostraram um envolvimento incrível. Essa é a relação que qualquer marca deseja ter.

São apenas bons exemplos do quanto a Copa de 2014 ensinou sobre comunicação. Os dois maiores casos, contudo, foram a campeã Alemanha e o Brasil, país-sede do evento.

A Alemanha ensinou demais sobre projeto e organização. O tí
tulo conquistado em 2014 é reflexo de uma reestruturação que o país começou a fazer no fim da década de 1990 e que envolveu todas as esferas do futebol nacional (clubes, campeonatos, centros de formação e a própria seleção). Foram três semifinais consecutivas em Mundiais (2002, 2006 e 2010) antes de erguer a taça no Brasil. Sequência de trabalho, evolução gradual e noção de longo prazo.

No entanto, a maior lição que a Alemanha ofereceu sobre comunicação foi dada fora de campo. A seleção europeia decidiu se concentrar em Santa Cruz Cabrália, na Bahia, e construiu um espaço para isso. O aparato teve a condição ideal para unir trabalho reservado e interação com o público.

E por que a interação foi tão relevante? Porque é um projeto enorme que a Alemanha desenvolve há anos, e o futebol é apenas uma parte. O mote da Copa de 2006 foi “vamos fazer amigos”, e o país trabalha há tempos a ideia de que tem estrutura, mas também conta com um povo capaz de receber bem e ser alegre.

É lógico que o perfil dos jogadores conta e que manifestações como Neuer e Schweinsteiger cantando o hino do Bahia não foram combinadas, mas essa descontração fora do ambiente de trabalho é algo que tem tudo a ver com o projeto do país. A Alemanha tem se esforçado para construir uma imagem de país receptivo, e nada melhor do que deixar essa marca num país conhecido mundialmente exatamente por esse traço.

E aí chegamos ao Brasil. O time da casa deu algumas lições de comunicação durante a Copa, e é importante que isso seja pontuado:

– Nem todo mundo sabe lidar com pressão: O ambiente jogou enorme responsabilidade nas costas dos jogadores. A comissão técnica não fez grande esforço para amenizar isso. As reações exageradas, como choro no hino nacional, em comemorações de gol e até em disputas de pênaltis, têm relação direta com isso. O que está em discussão aqui não é o choro ou o quanto isso pode ser prejudicial, mas o que isso revela. Havia uma pressão enorme sobre os atletas, e nem todo mundo consegue lidar com isso sem exteriorizar.

– Valorize todas as peças: Em uma equipe, o protagonista deve ser preparado para resolver. Tratá-lo como salvador e única esperança diminui o potencial de ação de outras peças, e o que o Brasil fez com Neymar depois que o camisa 10 sofreu fratura em uma vértebra é um exemplo perfeito de como não lidar com um talento dominante.

– Entenda o contexto: O Brasil decidiu atacar a Alemanha na semifinal da Copa do Mundo porque é um time grande, jogava em casa e teria apoio da torcida para fazer uma blitz inicial no duelo. Perdeu por 7 a 1 e viu a importância de se colocar em um contexto. Opções não são simplesmente boas ou ruins, mas adequadas ou inadequadas. Nesse caso, por exemplo, o técnico Luiz Felipe Scolari ignorou tudo que havia acontecido nos jogos anteriores da equipe germânica no Mundial.

– Saiba que tipo de mensagem você quer transmitir: Afinal, o que o Brasil queria “vender” na Copa? É claro que o objetivo do país era o título, mas de que modo? Qual era a aposta para isso? Nenhuma dessas perguntas foi bem respondida durante o Mundial. A Alemanha tinha um projeto pronto (de jogo e de comportamento). O Brasil não passou sequer perto disso.

– Derrotas contundentes merecem reações contundentes: Não finja que erros não aconteceram. É possível absolver pessoas, mas é impossível esconder do público todas as falhas de um projeto. E se as falhas forem muito gritantes, como aconteceu com a seleção na Copa de 2014, reaja de forma enfática. Dê ao público uma nova razão para acreditar. E aí a seleção brasileira terminou ainda pior o Mundial: independentemente do próximo técnico ou do futuro imediato da equipe nacional, o fato é que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) reagiu mal e de forma pouco enfática à maior derrota da história da equipe nacional.

Há vários outros exemplos e várias outras lições de comunicação na Copa de 2014. Foi um mês de aprendizado intensivo para quem acompanhou o desenrolar do evento. Tudo isso ficou ainda mais claro com o retorno do Campeonato Brasileiro, dos estádios vazios e das crises de significados. Afinal, que história o nosso futebol conta?
 

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