As situações que me inspiram para as colunas publicadas neste portal são bastante diversificadas. A partir de diferentes contextos e cenários a mente começa a conectar ideias, buscar informações, retomar conteúdos e a dar vida a um novo texto que tem por objetivo discutir temas relacionados ao futebol.
Da leitura de um livro ao acontecimento de um treino, de um e-mail recebido a um comentário observado em um programa esportivo, frequentemente a atenção volta-se para ocasiões que podem se configurar em um assunto para a próxima coluna.
Nesta semana, a ideia surgiu num bate-papo informal com um companheiro de trabalho em que, atentamente, eu ouvia as experiências de sua jornada profissional.
Por motivos que não sei justificá-los e que, seguramente, já lhe deve ter acontecido o mesmo, caro leitor, durante o bate-papo discutíamos a conduta e atuação profissional nas categorias de base, os pré-requisitos na formação de um elenco competitivo e fomos parar na reformulação da seleção brasileira na nova era Dunga. Talvez, chegamos ao assunto seleção, pois, na ocasião, o futebol do sul do país e algumas das características que fizeram de Dunga um grande atleta estavam em pauta. Pois bem…
Se considerarmos somente os resultados de campo, o reinício de Dunga na seleção brasileira não poderia ser melhor. Até agora são quatro jogos e quatro vitórias, uma delas contra um dos maiores rivais e atual vice-campeã mundial, a Argentina. Porém, como nas reflexões que tenho costume de propor, o resultado é somente mais uma das variáveis; determinante, como sabemos, mas não a única como por vezes somos atraídos, seduzidos, conduzidos ou orientados a pensar desta forma.
E quando o resultado de campo não é o único fator de análise de um processo ou projeto, demais elementos que os constituem (os processos e projetos) também são analisados, pois são estes elementos que irão sustentá-los.
No tema Dunga e seleção brasileira, outros fatores passíveis de análise são os seguintes: perfil e conduta do treinador, formação do elenco e modelo de jogo da equipe. Com estes fatores, as análises vão além das rasas opiniões de que se ganhou está tudo bem e que se perdeu está tudo mal.
A identificação de Dunga com a seleção brasileira é indiscutível. Peça importante do tetracampeonato mundial e símbolo de raça e amor à camisa, a representatividade deste profissional como líder da equipe, agora como treinador, é significativa. Com estas características, supriu a inexperiência fora das quatro linhas. Agora, em sua segunda passagem como treinador e com quase 100 jogos na carreira (somando as passagens pela seleção brasileira e Internacional-RS) disse que se atualizou em conversas profissionais com grandes referências do futebol mundial, se preparou melhor para o cargo e que estudou futebol.
Penso que a atualização, a preparação para o cargo e os conhecimentos adquiridos nos estudos só fazem sentido após a aplicação prática destas habilidades. Dunga terá que colocar em prática seus aprendizados no cargo mais importante de treinador de futebol do país. Questiono-me se não lhe faltaram horas de treino e de jogo, para confirmar sua atualização profissional e dar início ao projeto de treinador da seleção numa condição mais consolidada. Tite, técnico de futebol e frustrado por não ter sido o escolhido para assumir o projeto “seleção brasileira”, afirmou categoricamente: “Eu me preparei para a seleção”. Ao observar sua trajetória, é inquestionável a referida preparação.
Nas declarações após reassumir o cargo, Dunga afirmou ter melhorado sua relação com a imprensa e que tinha ciência de que precisava de uma relação mais harmônica. Após um descontrole e uma discussão com um integrante da seleção argentina durante o jogo e natural questionamento posterior na coletiva de imprensa, Dunga desconversou (para não afirmar desmentiu) o fato e, como em outrora, foi áspero com um repórter. Um amistoso com um placar favorável foi suficiente para tirar do equilíbrio o técnico Dunga. Novamente me questiono, agora em relação a como serão as reações emocionais do treinador em situações cujas demandas psicológicas forem, proporcionalmente, muito maiores.
Com o término da Copa do Mundo, ficou a sensação generalizada de que nossa seleção precisava de um uma reformulação. De filosofia, de ideias, de comando e para muitos, inclusive, de jogadores.
Quando se compõe um elenco, não se deve perder do olhar a sustentabilidade em sua formação. Estar atento ao longo prazo diminui a probabilidade de mudanças drásticas e reconstruções generalizadas, comuns no futebol brasileiro, mas inconcebíveis num contexto de seleção.
Ao analisar a média de idade dos jogadores que participaram efetivamente dos últimos dois amistosos os valores são 27,5 e 26,7 anos, respectivamente. As entradas de Phelipe Coutinho e Everton Ribeiro diminuíram a média de idade no confronto contra o Japão. Se considerarmos somente o curto prazo, a média de idade atual é praticamente equivalente àquela que disputamos a última Copa do Mundo, que foi 27,8 anos. Porém, se mantivermos esta base e projetarmos esta média para a Copa de 2018, teremos um elenco com idade média próxima a 31 anos: “um tiro no pé”.
Para efeito comparativo com duas potências do futebol mundial, a Espanha jogou a Copa no Brasil com média de idade de 27,4 anos e os jogadores que participaram do último jogo das eliminatórias da Eurocopa 2016 compõem uma média de 24,5 anos. Já a Alemanha, também considerando a Copa do Mundo e os atletas que participaram do último jogo da Euro, apresentou uma média de 25,3 e 24,1 anos respectivamente.
Dados aparentemente simples, porém com efeitos sistêmicos importantes no longo prazo.
E, por último, o Modelo de Jogo de nossa seleção. Neste tópico, a opinião pública está bastante dividida. Especialistas, imprensa e comentaristas diferem sobre como a nossa seleção deve se apresentar. Enquanto uns querem ver a equipe propondo o jogo, outros acreditam que o momento pede humildade e reconhecimento na perda da hegemonia do futebol mundial.
Após a vitória contra a Argentina, o site da Conmebol publicou o seguinte trecho:
“Fiéis às crenças de seus treinadores, a Argentina tentou um jogo mais elaborado, enquanto o Brasil suportava cômodo em seu campo esperando o erro da Alviceleste para sair em velocidade graças à rapidez de Neymar, William e Oscar.”
O portal Terra publicou análise semelhante:
“A Argentina ficou com a bola, trabalhou as jogadas, buscou o resultado. O Brasil esperou em seu campo, fechou os espaços, levou alguns sustos e saiu em
velocidade para o ataque – e, mais importante, quando conseguiu criar as oportunidades, não perdoou.”
Respeitando a cultura brasileira, nossos cinco títulos mundiais e nossas potencialidades, penso que o Brasil não pode abrir mão de ser o protagonista de um jogo seja quem for o adversário. Porém, antes do término da Copa América, qualquer análise que avalie o Modelo de Jogo atual da seleção brasileira, será, no mínimo, precipitada. Já foi publicado, após a sequência de vitórias, que Dunga deu padrão alemão (?) à seleção brasileira. Após a competição e quase um ano de trabalho poderemos realmente ver a “cara” do nosso jogo e quais são as perspectivas de evolução e desempenho nas futuras competições.
A renovação do futebol e da seleção brasileira são consensos. Nossos próximos passos e decisões apontarão se estamos no caminho. Por enquanto, alguns elementos importantes da consensual renovação, aparentemente, estão sendo negligenciados. Infelizmente, no futebol brasileiro, o respaldo do resultado tem este poder.
Aguardo a sua opinião.