De: Nilton Santos. Para: Jefferson

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Jefferson,

não sei se você acredita.

Mas eu juro. Sou eu.

Nilton Santos.

Eles me chamavam de Enciclopédia. Apelido que o Waldir Amaral popularizou, lá por 1957.

(Sorte minha que eu apareci pro futebol antes do Garrincha e do Pelé. Você vai dizer que é falsa modéstia. Não é falsa. É apenas modéstia.)

Eu era assim desde a Ilha do Governador. Pergunte aos meus amigos botafoguenses. O Sandro Moreyra inventava e exagerava umas historinhas, é verdade – ou algumas mentirinhas… O Maneco Muller também dourava a pílula e a bola.

Mas eles sabem que sempre fui simples. Na minha. Tanto é que quase fui parar nas Laranjeiras. Quer dizer, fui pra lá. Mas quando vi aquela sede toda iluminada, os vitrais, toda aquela pompa, os sócios lá dentro dos salões, aquela gente chique, grã-fina, e ainda vi da rua os craques do Fluminense passeando pela sede, como o Ademir de Menezes, confesso que achei que ali não era meu lugar.

É verdade. Fiquei com minha chuteira debaixo do braço, peguei uma condução de volta pra Ilha do Governador e, naquele momento, desisti do meu sonho de ser profissional do futebol. Era 1946. O Maneco contava muito bem essa história, e está aqui, do meu lado, mandando um abração. Ele e o Sandro, que diz que você é um digno sucessor do Manga.

E eu concordo, Jefferson.

Naquela noite em que eu não fui treinar nas Laranjeiras, meu jeito tímido e meu espírito amador me deixaram longe do futebol. Mas eu, como nosso time, tenho estrela. E ela, graças a Deus, foi brilhar comigo em General Severiano.

O nosso Botafogo.

A nossa camisa. Aliás, só para lembrar pra muita gente, eu só joguei pelo Botafogo e com a camisa do Brasil. De 1948 a 1964. Dos meus 22 anos até os 39. E nunca beijei o escudo nem de uma e nem de outra. Não precisei. Ninguém precisa.

Basta honrar essa camisa. Basta dar tudo por ela. Basta jogar futebol.

Basta fazer tudo que não tem sido feito no Botafogo.

Não pelos seus companheiros, Jefferson. Alguns, de fato, não têm bola para jogar no nosso time. No máximo, jogariam lá no time do Flexeiras, da minha terra. E olhe lá.

Mas como cobrar deles se eles não são pagos?

Já os dirigentes do nosso Botafogo…

Além dos aviões, meus maiores adversários sempre foram os árbitros. Todos eles. Mas, hoje em dia, e nas últimas administrações, acho que os cartolas do nosso clube foram piores que os juízes.

Acredite.

E o pior é que parece inacreditável o que fizeram e o que estão fazendo com o nosso Botafogo.

Saudade do Carlito Rocha e do Biriba, nosso cachorrinho campeão em 1948. Hoje só parecem ter restado outros animais no clube. O seu Carlito que dava gemada pra nós depois dos treinos. Hoje, os caras dão uma ova pros jogadores! O Carlito tinha uma fábrica de tecido e ficou pobre de tanto dinheiro que deu pro Botafogo. Quantos dirigentes ficaram sem grana como ele? E quantos saíram do futebol com muito mais do que tinham?

É…

Como pode não pagar? Como pode exigir de quem não recebe?

Já ganhamos um Brasileirão com quase cinco meses de atraso. Mas não pode isso.

Aliás, eu também sou um pouco responsável por esse estado lastimável de coisas. Eu assinava contratos em branco com o clube. Falava que eles poderiam pagar o que quisessem para mim que estaria bom. E estava mesmo ótimo. Me pagavam pra jogar futebol no clube onde eu me sentia em casa!

Mas veja só o que foram fazendo comigo e com nossos companheiros, com nossos torcedores…

Dá pra dizer também com nosso país. Afinal, não pagamos para ninguém. Justo um clube com um crédito imortal no nosso futebol. Como pode?

Como deve…

E como devemos à nossa rica glória. E como estamos devendo Botafogo aos botafoguenses.

Não podemos mais ficar assim. Tenho conversado com a turma aqui de cima. Tem muito botafoguense nos céus. Muita gente boa. Mas sinto que a nossa galera vai ser menor a cada dia por aqui. Vai ter muito mais botafoguense indo pra outro lugar. Para o fogo eterno onde estão nos mandado mais uma vez.

Jefferson, você é o número um da Seleção. Merecidamente. Todo grande time começa com um grande goleiro. Uma pessoa honrada como você. Persista! Defenda a gente mais um pouco dos adversários externos e, principalmente, dos internos. Justamente os piores.

Sei que a culpa de tudo que não tem em General Severiano não é só da turma que está lá agora. Quem passou também arrasou a terra e os cofres. Derrubou o clube como quase derrubaram o Engenhão! Sei que todo o futebol brasileiro tá uma draga. Uma droga mesmo. Meus parceiros Djalma Santos e Julinho Botelho estão desesperados com a Portuguesa. Não a da minha Ilha do Governador, mas a do Canindé.

O que fizeram com ela?

O que estão fazendo com a gente?

Sei que você é profissional, Jefferson. Sei que você tem contas a pagar. Diferente do nosso clube, você paga suas contas. Mas eu te peço, por favor: seja cada vez mais amador e ame cada vez mais o Botafogo. Pelo menos alguém tem de amar esse clube lá dentro. E jogar por ele. Não o jogar na vala comum. Na várzea na pior acepção.

Eu sei que fiz errado em dar um cheque em branco aos cartolas antigamente. Hoje não se pode dar nem bom dia. Mas eu imploro: continue nos defendendo. Dê crédito a quem só tem débito.

Dizem que da nossa vida aí embaixo não se leva nada. Mas eu te digo, amigo: eu também estou aqui entre tantos Santos não porque eu sou Nilton, mas porque eu sou Botafogo.

Amor e dedicação não se cobram. Damos. Por isso estou aqui. Por isso consigo passar esta mensagem. Os que não têm, os que não tiveram, esses vão pro lugar onde estão nos mandando.

Só pra terminar, mais uma historinha que aconteceu comigo: quando parei de jogar, em 1964, muita gente teve a ideia de fazer um jogo de despedida com a renda inteira da partida sendo doada para mim. O que pensaram os dirigentes do clube na época: “vai parecer que a gente não pagou direitinho a ele durante a carreira…” E foi o que aconteceu. Eles não deram a renda para mim.

Como você pode ver, Jefferson, o problema do nosso clube não é só da turma que está aí agora. Vem de longe…

Enfim, o pessoal do Botafogo tá mandando aquela força aqui de cima.

Deus mesmo diz que está mexendo uns pauzinhos.

E Ele jura por Ele mesmo que ainda acredita no Jobson.

Mas que Ele não tem o que fazer com as postagens do Sheik no Instagram.

Saudações.

Nilton.
 

*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.

 

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