O desafio dos alojamentos nas categorias de base – parte II

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No início do ano foi retomada a discussão inicialmente proposta pelo Dr Alcides Scaglia sobre os alojamentos nas categorias de base do futebol brasileiro (parte I). Se, de um lado, temos milhares de atletas em formação aspirando por uma das escassas vagas na elite do futebol brasileiro ou mundial, de outro, temos a certeza de que muitos ficarão pelo caminho e seguirão novos rumos profissionais.

Um dado estatístico indicado pela Universidade do Futebol aponta que a fábrica de sonhos das escolinhas e clubes, na verdade, pode ser muito mais uma fábrica de frustrações uma vez que somente 1 a cada 3000 crianças que querem ser jogadoras de futebol conseguem ingressar no alto rendimento.

Sendo assim, o compromisso pedagógico de todos os clubes e escolas de futebol, representado pelos seus coordenadores, professores, treinadores, assistentes e preparadores deve ser o de instigar uma educação para a vida além do desporto. Um conflito e uma tarefa um tanto difícil, pois comumente encaramos o jogo de futebol como uma atividade física e não humana.
Somamos a este fato também, os nossos interesses pessoais e profissionais muitas vezes alheios aos sonhos das centenas de crianças, jovens e adultos que formamos durante a nossa trajetória profissional.

Após a primeira parte da coluna, mais reflexiva do que propositiva, alguns leitores se manifestaram com ponderações e comentários importantes sobre o cenário e as possibilidades da predominantemente engessada combinação atleta-alojamento.

J. G., pós-graduado em Gestão Esportiva, fez o seguinte apontamento:

“Creio que o ambiente dos alojamentos seja o mais cruel de fato. Quando se fala de talentos, nunca podemos esquecer que devemos gerir pessoas e não atletas. Talentos têm angústias, ansiedades, medos e outros comportamentos típicos de qualquer ser humano. A gestão das categorias de base deve passar por profissionais capazes de fazer a gestão de pessoas. Não só atrair o talento, mas desenvolver suas potencialidades como ser humano. E aí é que estamos longe do que se busca. Lembrar que apenas minoria atingirá o topo da cadeia profissional de futebol nos remete a necessidade de criar condições para que a outra maioria não seja uma legião de frustrados. Quem alimentou o sonho de crianças deve, no mínimo, ser responsável pelas consequências dos sonhos não realizados. Clubes que não partilham essa ideia são lobos do próprio sistema.”

Já M. S., técnico de futebol atualmente fora do país, deu a seguinte opinião:

“Tenho assistido vários jogos de jovens e uma das coisas que mais me chama a atenção é a "marra" da maioria da molecada. Independente se jogam no …, …, … ou … usam boné de aba reta, óculos escuros, brincos de brilhantes nas duas orelhas, o cabelo quanto pior, melhor, tênis da La coste, Asics, etc. Futebol que é bom, muito pouco. Mas creio que isso reflete o atual momento de nossa sociedade e é aí onde entra o papel dos clubes e treinadores, já que podemos influenciar diretamente no ambiente que rodeia esses jovens (alojamentos). Esta no nosso raio de ação. Mas será que treinadores e diretores que não valorizam o estudo e autoqualificação, apoiarão medidas que tornem os jogadores de certa forma menos alienados?

Não seria essa alienação, excelente para quem manda? Fazendo um paralelo com nossos governantes, não é pelo mesmo motivo que nenhum político investe com seriedade em educação?

Ter bibliotecas/videotecas nos clubes, jogos de mesa (xadrez, dama, banco imobiliário) que estimulem o raciocínio e a tomada de decisão, aulas sobre investimentos financeiros, entrevistas de televisão (através de acordos com universidades de jornalismo, numa ação ganha-ganha), ações solidárias e comunitárias com os jovens seriam algumas das ideias que eu buscaria implantar. E, definitivamente, qualquer iniciativa nesse sentido faria um bem danado não só ao futebol como ao país como um todo, isso não tenho dúvida.”

E por último, R. F., que trabalhava com crianças de 11 anos (ainda sem idade para ingressar nos alojamentos), em um clube tradicional do estado de SP.

“Gostaria apenas de passar uma experiência que vivi em 2013 e que tem certa conexão com sua coluna sobre os alojamentos dos clubes. Os meninos não ficavam alojados, porém, eram constantemente estimulados a buscarem informações, sobre o jogo, música, cinema e outros diversos assuntos em conversas informais e até mesmo nas explicações antes e pós-treino. Após um determinado tempo de trabalho, a mudança comportamental dos meninos, o linguajar e até mesmo o interesse por literatura foram notáveis. Trouxe até mudanças consideráveis na parte cognitiva no que diz respeito ao entendimento de jogo e do jogo proposto pela comissão técnica. Isso deixou bem claro, ao menos em minha opinião, que se estimulados corretamente e dentro de um ambiente saudável, não seriam todos os jogadores que só ouviriam funk, usariam o mesmo boné com a aba para o lado, o mesmo kit de 18 correntes no pescoço para competir com as 18 tatuagens espalhadas pelo corpo e combinarem com os únicos 18 verbos mal conjugados que eles conhecem. E não entenda isso como um comentário jocoso e preconceituoso, pois a tristeza mora em perceber quanto talento e inteligência são escondidos e desperdiçados por trás dos estereótipos que esses jovens seguem!”

Outros contatos também foram feitos, inclusive de um leitor que tem opiniões a respeito da formação de atletas em Portugal, porém, os três comentários supracitados são suficientes para identificar o elemento central da tarefa profissional com os jovens: a educação.

A coluna desta semana foi iniciada mencionando o professor Alcides Scaglia, grande referência em minha atuação profissional, e será encerrada da mesma forma.

Para ele, a educação com os jovens futebolistas não dever ser justificada como prevenção em caso de não obtenção do sucesso esportivo. Nestes moldes, seria como se ensinássemos para a derrota profissional (mesmo ciente que ela é estatística e potencialmente certa).

Como professores e inspiradores, devemos permanentemente educar para o êxito. Sob este viés, a educação tem como finalidade tornar o homem (e atleta) cada vez melhor que ele mesmo. E, a cada dia, ser melhor que você mesmo, faz todo o sentido. No futebol e na vida…

Na próxima coluna sobre o tema, serão discutidos alguns planos de ação para os jogadores em alojamentos.

Abraços e até a próxima. 

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