Vez por outra converso com meus pares, colegas que atuam também na área de gestão do esporte, alunos e ex-alunos e mesmo amigos de fora do meio esportivo e uma pergunta recorrente é: por que o esporte enfrenta tantos problemas e não consegue encontrar as soluções mais adequadas, se parecem tão óbvias?
Talvez parte da resposta esteja no quadro abaixo que montei para esta coluna, comparando o pessoal de uma grande empresa de entretenimento (que administra casas de espetáculo, realiza shows e até eventos esportivos, com sede no Brasil mas também operações na América do Sul) com três grandes clubes do futebol brasileiro (de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre). A empresa de entretenimento faturou pouco mais de R$ 500 milhões no último ano. Os clubes selecionados, somados, faturaram o equivalente a R$ 865 milhões (balanços de 2013), ou seja, média de R$ 288,3 milhões por clube.
* Do autor. Realizado com base em informações retiradas da Rede Social LinkedIN (pessoas que declaram trabalhar nas respectivas empresas selecionadas).
Amostra Total: 564 pessoas.
Não vou me ater aos números absolutos pois, do contrário, estaria tentando comparar “bananas com laranjas”. Vamos focar aos dados relativos que importam e saltam mais aos olhos nesta análise. Em destaque:
1) Atividades-fim: apresenta-se números muito parecidos entre os dois segmentos. Se no caso da Empresa de Entretenimento a atividade-fim pode ser resumida no pessoal de “Produção e Operação” (14,9% do total), no caso dos clubes de futebol são os profissionais de esporte que ocupam este lugar (23,2%). Nada mais natural e plenamente justificável. Aqui, entenda-se, incluem-se todos os profissionais que atuam na área de preparação física, treinamento desportivo, aulas de esporte etc. Poderíamos ainda somar os 12,1% de profissionais que atuam em áreas multidisciplinares (médicos, fisioterapeutas, fisiologistas, ortopedistas, assistentes sociais etc.) que, apesar de não pertencerem efetivamente ao grupo de profissionais em atividades-fim, mas dão suporte direto e muito próximo a estes. Daqui, percebe-se como a área técnica, apesar de muitas (e justas) críticas em alguns segmentos, é claramente o setor mais bem formatado dentro destas entidades. Desconsiderei nesta primeira análise tanto os artistas do mundo do entretenimento quanto os artistas do meio esportivo!
2) Atividades-meio: pelo gráfico, percebe-se como os clubes de futebol são formados por um ambiente extremamente operacional e burocrático, sem um espaço efetivo para áreas de inteligência, estratégia e planejamento. Por isso tem-se 18,7% do pessoal alocado em áreas de Secretariado e Administrativo Geral. Pode-se explicar tal relação pelo fato de os tomadores de decisão pertencerem ao quadro político (não-remunerados ou estatutários), necessitando precipuamente de pessoal que executem demandas e não que desenvolvem projetos efetivamente em prol do crescimento da organização. Em contrapartida, a Empresa de Entretenimento conta com quase 5% do pessoal alocados em áreas de planejamento e estratégia e outros 4,2% na parte administrativa geral. O setor de estratégia e inteligência competitiva é, por exemplo, o responsável pela constante identificação de oportunidades no mercado para a oferta de serviços específicos ao público consumidor.
3) Marketing e Comercial: aqui tem-se uma relação importante. Enquanto a Empresa de Entretenimento possui uma equipe de vendas que representa quase 1/5 do seu quadro de pessoal, os clubes de futebol não alcançam 1% do total. Na área de marketing o equilíbrio é um pouco mais próximo, embora a diversidade de cargos seja o grande diferencial. Na Empresa de Entretenimento os colaboradores atuam principalmente em áreas como o CRM, o Atendimento ao Cliente ou o Pós-Venda de Patrocínio. Nos Clubes, os cargos que mais se aproximam desta premissa são os de Relacionamento com o Sócio Torcedor.
A soma do Item 02 (atividades-meio) com o do Item 03 (marketing e comercial) é capaz de retratar a realidade dos clubes de futebol no Brasil: se não há equipe especializada em planejamento com vistas a inovação e a atenção ao mercado, tampouco força de vendas, preferencialmente subsidiada por informações qualificadas, como se espera vender e faturar mais?
As grandes oportunidades do mercado de entretenimento só serão alcançadas pelos clubes a partir do momento em que deixarem um pouco a arrogância de lado para se debruçarem verdadeiramente sobre construção e desenvolvimento de projetos em atenção a patrocinadores, mídia e consumidores.
E aqui não está-se a sugerir que deve-se diminuir ou minimizar as chamadas “áreas administrativas” ou “operacionais” dos clubes. Elas são fundamentais para que processos e tarefas sejam cumpridos e possam dar todo o suporte para que as atividades-fim sejam aplicadas com excelência.
A reflexão passa muito mais para ter-se a noção da necessidade de se criar núcleos mais robustos de planejamento e que deem suporte para setores de vendas, de modo a atingir o maior número de stakeholders possível.
Se olharmos para o Relatório Anual do Manchester United (2013), por exemplo, vê-se que a equipe de vendas do clube beira as 125 pessoas (não, eu não errei. São 125 colaboradores dedicados a área comercial dos diabos vermelhos). A área comercial, naturalmente, não se limita a venda de patrocínios, obviamente. Trata-se do conjunto de todas as atividades de venda, que vão desde a bilheteria até os naming rights do Centro de Treinamento. Muito por isso que a área de marketing fatura quase R$ 600 milhões (o patrocínio máster, de camisa, representa apenas 15% deste total).
A resposta à pergunta do título desta coluna pode ser tão simples quanto “pessoas”. Tanto em quantidade quanto em qualidade. Tanto na sobreposição de setores quanto na ausência de pessoal para áreas específicas.