As crenças fazem parte da nossa sociedade!
O futebol, como um produto e espelho do nosso povo, reflete a visão que temos do mundo e, consequentemente, da modalidade. Imprensa, dirigentes, comissões técnicas e jogadores influenciam e são influenciados por crenças, muitas vezes limitantes, que engessam e restringem nosso pensamento.
Quem não faz toma, em time que está ganhando não se mexe, só pelo jeito que anda dá pra saber se é bom ou mau jogador, tem que ser amigo do jogador para que ele produza, zagueiro tem que ser alto, jogador de futebol é burro, craque só nasce em favela, treino é treino e jogo é jogo, tem coisas que só quem jogou sabe, as equipes tem quer ser uma família, treino analítico dá confiança para o jogador, saber driblar significa jogar bem, câimbras significam má preparação física, se a equipe não fez gol tem que treinar mais finalizações, o futebol europeu é robotizado, a troca de treinador é a solução para escapar do rebaixamento, são algumas das “verdades” que escutamos e/ou reproduzimos cotidianamente, de forma consciente ou não, em nossa atuação profissional.
Na coluna desta semana, será abordada uma crença conhecida por todos e propagada pelos treinadores de futebol dos mais variados níveis, da base ao profissional: os leões de treino.
Tal expressão é utilizada no futebol para se referir àqueles atletas que arrebentam no treino, se destacam, vão muito bem nos coletivos mas que no jogo, valendo 3 pontos, simplesmente desaparecem.
Você já trabalhou com alguns leões de treino? Qual a sua opinião sobre eles?
Para quem atua no futebol sob uma perspectiva sistêmica, logo, não separa o jogo em partes (física, técnica, tática, psicológica) que não representem o todo, a essência do treinamento será criar ambientes de aprendizagem que utilizem o jogo enquanto método de ensino para a construção da equipe.
Respeitando um princípio básico do treinamento, o da especificidade, treinar jogando garantirá a imersão num ambiente imprevisível, desafiador, de desequilíbrio, e de predominância da subjetividade, ou seja, num cenário com os pressupostos do contexto competitivo.
Neste ambiente, cada jogador, poderá ser avaliado globalmente em função dos diferentes cenários que surgem e/ou são construídos. Sendo assim, é possível que se analise no treinamento como joga cada jogador com vantagem no placar, com desvantagem, ao ser cobrado pelos companheiros ou ser exposto pelo treinador, ao não lhe dar uma falta, como titular, como suplente, vivendo um bom momento, vivendo um mau momento, ou por quaisquer outras situações que possam gerar reações de jogo, ou seja, também psicológicas. E nesta análise, possivelmente, se detecta quem são os leões de treino.
Sabidamente, a carga do jogo oficial é muito maior do que qualquer treinamento realizado. Aspectos irreprodutíveis como a torcida a favor ou contra, o peso da competição, o ambiente gerado pelo posicionamento da equipe na tabela e as características do adversário dão um formato ímpar ao jogo oficial.
É sabido também que cada treinador deve ir a campo ciente do que a equipe, coletivamente, e cada jogador, individualmente, é capaz de dar.
E se o leão de treino “acaba” com os treinos, sempre com uma boa performance, os treinadores deveriam ter ciência de que o que se faz no treino, também se faz no jogo.
Utilizando a máxima do dr. Alcides Scaglia, que contraria mais uma das crenças vigentes no futebol brasileiro, “treino é jogo e jogo é treino”, deveríamos deixar os leões de treino mais vezes em campo para que se adaptassem ao ambiente e treinassem, no jogo, aquilo que tão bem eles fazem no treino. Dessa forma, se adaptariam, especificamente, aos elementos que limitam o seu desempenho.
Queremos e ensinamos os nossos jogadores a praticarem posicionamentos, finalizações, marcações, cobranças de faltas, esquemas táticos, movimentações. Muitas vezes esquecemos que, simultaneamente, também treinamos mentes!
Os leões de treino deveriam ser também os leões do jogo.
O futebol está cheio de crenças! Quais são as suas?
Abraços e até a próxima!