Quem senta à mesa

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Quando dois irmãos brigam, a solução mais simples é a intervenção dos pais. Quem nunca viveu uma situação de “Foi ele que começou” e “Não importa quem começou”? O futebol brasileiro ainda não entendeu a necessidade de um mediador de conflitos, mas essa é uma das principais lições dadas pelo episódio recente da Primeira Liga.
Constituído pelos clubes que disputarão em 2016 a Copa Sul-Minas-Rio, o grupo surgiu como um embrião de gestão coletiva no futebol brasileiro. Era uma oportunidade para ter clubes sentados numa mesma mesa, discutindo possibilidades para o esporte e brigando por aspectos que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tem historicamente negligenciado.
Na última semana, contudo, a Primeira Liga sofreu um golpe. Na quinta-feira (10), Gilvan de Pinho Tavares, presidente do Cruzeiro, anunciou que o clube mineiro havia desistido da Copa Sul-Minas-Rio e que deixaria o grupo. Além disso, avisou que seria seguido por Flamengo e Fluminense (o que não se confirmou até agora).
A desistência de Gilvan tem a ver com a ascensão de Mário Celso Petraglia, presidente do Atlético Paranaense. O mandatário do clube mineiro ocupava a presidência da Primeira Liga, mas passou a dividir o cargo com o dirigente rubro-negro a partir de uma reunião realizada no dia 26 de novembro.
Gilvan também não estava totalmente confortável com as discussões da Primeira Liga sobre a divisão de cotas de mídia da Copa Sul-Minas-Rio. Esse talvez seja o assunto que evidencie com mais clareza a crise de gestão do futebol brasileiro.
O futebol brasileiro teve dois modelos de gestão nesse âmbito. Os clubes já negociaram coletivamente no período em que existia o Clube dos 13, mas venderam direitos de mídia individualmente antes e depois do grupo.
O Clube dos 13 também surgiu como embrião de uma liga nacional, mas nunca conseguiu ser o que se vislumbrava. No fim, o grupo sucumbiu por questões políticas e por ter se tornado totalmente ineficaz na negociação coletiva.
Depois da implosão do Clube dos 13, cresceu consideravelmente o faturamento dos times brasileiros com a venda de direitos de mídia. Cresceu também o abismo entre os que ganham mais e o restante.
Essa é uma das principais razões de cisão entre os clubes atualmente. Equipes que ocupam as primeiras posições no ranking de faturamento estão confortáveis e somam grande capital político – é difícil criar um modelo que prescinda de anuência de Corinthians, Flamengo, Palmeiras, São Paulo e Vasco, por exemplo.
A distância entre essas equipes e o restante – e até de Corinthians e Flamengo para os outros – faz mal ao futebol brasileiro. Não apenas porque cria um desequilíbrio de forças, mas porque dificulta a existência de qualquer debate. Cada um pensa no melhor para sua equipe, e dessa forma é difícil que eles sentem para conversar sobre qualquer plano que tenha um viés coletivo.
Reside aí o principal problema da Primeira Liga. O modelo funciona um pouco melhor no Nordeste, onde não existe um fator que divida tanto os clubes, mas parece intransponível no contexto da Sul-Minas-Rio.
O que acontece no futebol brasileiro é uma briga de filhos. Clubes, como muitas crianças, são individualistas, ansiosos e têm pouca experiência com mediação de conflitos. Se não conseguem organizar as coisas como querem, derrubam as peças do tabuleiro ou partem para a violência.
Em casos assim, a solução passa necessariamente por mediação. Não há futuro para uma liga que seja constituída apenas por clubes. Não há futuro para qualquer organização que seja constituída apenas por clubes ou que dependa de anuência deles. Ao contrário: é fundamental que a gestão seja profissional e independente.
Isso não quer dizer, é claro, que os clubes devam ser alijados de discussões sobre o futuro do esporte em que estão inseridos. Todas as classes devem participar do debate (clubes, técnicos, jogadores, árbitros, jornalistas, dirigentes e torcedores, por exemplo), mas é fundamental que os fóruns não advoguem apenas em benefício próprio.
O foco, aliás, é um desafio constante em qualquer movimento social no Brasil. O Bom Senso FC tem feito um esforço enorme, desde o surgimento, para ser inclusivo e mostrar que não se preocupa apenas com um aspecto ou necessidades individuais. No entanto, ainda é visto pejorativamente como “um movimento de jogadores”.
Essa divisão entre clubes, atletas e as outras classes representativas no futebol só é boa para a manutenção do status quo. É esse cenário que fomenta aberrações como a eleição marcada pela CBF para a vice-presidência do Sudeste – o pleito estava originalmente marcado para o dia 16 de dezembro, mas foi adiado por uma liminar judicial.
Marco Polo del Nero, atual presidente da CBF, está licenciado para se defender de acusações feitas pela Justiça dos Estados Unidos. Por isso, pôde nomear interinamente o vice-presidente Marcus Vicente para ocupar o cargo. Caso seja obrigado a renunciar, contudo, o mandatário será substituído pelo vice-presidente mais velho.
Atualmente, o vice-presidente mais velho é Delfim Peixoto, egresso da Federação Catarinense de Futebol, que é opositor de Del Nero. Portanto, a situação convocou uma eleição às pressas e indicou o Coronel Nunes, da Federação Paraense, que passaria a ser o vice mais velho.
A CBF nunca esteve tão enfraquecida. Ainda assim, contudo, a situação conseguiu reunir em torno do nome de Nunes algumas de suas principais federações e uma lista considerável de clubes.
A briga em torno do comando da entidade que gere o futebol nacional é mais um reflexo de que um dos problemas mais graves nessa seara é o pensamento individualista. Clubes, dirigentes, federações e confederação pensam apenas em suas necessidades, e isso só faz mal para o todo.
Todavia, essa cisão faz bem à manutenção dos modelos e do poder vigente. A briga de irmãos só é boa para quem não quer harmonia e evolução.
O futebol brasileiro precisa de muita coisa para conseguir a evolução que necessita. O primeiro passo, porém, está necessariamente ligado a uma mudança de mentalidade. Como a Primeira Liga tem mostrado, é fundamental termos fóruns que não sejam direcionados apenas pelos anseios individuais.

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