Futebol: do lúdico inclusivo à prática socializada e restritiva

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Acredito que estamos todos e todas fartos de ouvir que “futebol não é coisa de mulher”. A afirmativa tem perdido força, seja por constrangimento dos interlocutores ou por uma real mudança de paradigma. Não saberia dizer. De qualquer forma, ainda há muito a se percorrer para atingirmos um consenso que, em última instância, revelaria naturalidade às mulheres nas práticas do futebol.

Como ainda estamos no patamar da desconstrução e busca de espaços, inauguro minha participação nesta zona de debate com uma hipótese que é, antes de mais nada, uma interpretação do real. Digo isso por não embasar minha teoria em parâmetros científicos, mas sim em observações do cotidiano e experiências pessoais.

Sou mulher e desde a meninice vivo o futebol. No pátio de casa, na rua, nos video games, na escola, na escolinha de futebol (praticada ao lado de meninos), no álbum de figurinhas, nas arquibancadas e, mais recentemente, como formadora de opinião e militante pela voz feminina no esporte.

De tanto experienciar e observar eu saquei, como se diz na gíria, que a infância é livre de pré-conceitos e restrições na sua manifestação maior: o brincar/jogar. Meninos e meninas se misturam em seus entretenimentos sem relativizações. Se houver a pergunta sobre o motivo dessa interação nata, a resposta está no fato de que, nesta etapa, ainda é o lúdico quem domina, não os valores.

Tomemos por base que a infância perdura até a idade dos 12 anos, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente. Neste recorte de faixa etária, não raro vemos moleques e molecas jogando bola livremente e em igualdade. Mesmo o infante em condições psico-sócio-econômicas instáveis e/ou problemáticas tem na satisfação dos desejos básicos e do jogar (brincar) sua grande preocupação.

A ruptura se dá justamente no primeiro aparelho socializador, a escola. Prontamente as mentes em formação são preenchidas de preceitos da moral, contratos de conduta e punições que regerão essa existência a partir de então. Para além do caráter dócil e de obediência, aprendemos que, naturalmente, há coisas que são de meninos e as que são de meninas.

Há séculos a soberania masculina é o nosso modus operandi social e eu poderia me debruçar nesta desconstrução. Temas para aprofundar não me faltariam: sociedades matriarcais (ou de direito materno) x sociedades patriarcais (ou de direito paterno); propriedade privada e valorização do masculino em detrimento do feminino; construção de gêneros; histórico de restrições e lutas das mulheres e etc. Mas, por hoje, quero somente dizer que o ato de jogar futebol é prática do corpo, portanto, manifestação espontânea e natural do homo sapiens.

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Cito o futebol porque é ele o motivo de estarmos aqui e por ser esta a conduta esportiva master do nosso tempo. Mas minha afirmação, a da aptidão nata para a prática, vai além do jogo de bola com os pés. Me refiro à prática física como um todo, diretamente relacionada às necessidades químicas do organismo. Registros não me deixam mentir, mostrando indivíduos organizados individual ou coletivamente em formas distintas de disputas e jogos diversos em conjuntos sociais muito anteriores ao nosso modelo. Ou seja, jogo é jogo muito antes da institucionalização das coisas.

Dado o panorama, volto ao ponto central deste escrito, o de apontar novos prismas a nós educadores, familiares e demais agentes ativos na construção humana e social de crianças e adolescentes. Em que momento os pré-conceitos de gêneros são incutidos na menoridade e o quanto corroboramos? O quanto reproduzimos verdades sem questionar suas origens e precisão? Quanto assumimos, enquanto cidadãos, e dividimos com as instituições as responsabilidades na formação das novas gerações?

As perguntas são muitas, assim como o tema é imenso. Por mais que tenha tentado ser breve, é bastante difícil não se perder nos tantos meandros dessa conversa. De qualquer forma, espero ter contribuído com este espaço criado pela Universidade do Futebol e, generosamente, cedido a mim e à Bola que Pariu para incitar o debate. Para as respostas surgirem, creio que antes o importante é levantar novos pontos de vista acerca das dificuldades que as mulheres encontram ainda hoje para praticar livremente o futebol, que é, na sua essência, para todos e todas.

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