O processo natural do ser humano é o amadurecimento. Como treinadores não fugimos desta tese. Amadurecendo percebemos novas situações, novos processos e especialmente novos detalhes que são importantíssimos para o real entendimento do jogo de futebol. Especialmente, aprendemos que como simples mediadores não conseguimos controlar tudo que acontece no jogo. Por mais que cunhamos teorias, cabalas, treinamentos e analisamos todos os “pormenores e pormaiores”, o jogo sempre prega uma peça, traz algo peculiar e deixa claro suas garras.
Primeiro o jogo tem seu caráter singular, natural e caótico. Segundo quem joga são os jogadores e cada jogador possui suas particularidades. Terceiro a evidência que do outro lado tem um adversário que também joga e têm jogadores com suas características únicas. No fim, e sem hipocrisia, como treinadores não conseguimos controlar todas as variáveis do jogo.
Mas nossa classe é obcecada pelo controle. Falamos em controlar, controlar e controlar. Adestrar os jogadores como cachorros. Uma obsessão que danifica coisas óbvias e simples. E, nos últimos anos, essa tese fortaleceu quando a expressão momentos de jogo recebeu uma forte conotação de controle.
Claro que as modificações das nomenclaturas geradas pela abertura científica, tecnológica e o descobrimento de novas formas organizacionais de jogo contribuíram e contribuem muito para a evolução da profissão, mas fazer da expressão momentos do jogo uma pedra filosofal que controla tudo e todos, pode negligenciar muitas coisas extraordinárias.
Os momentos Organização Ofensiva, Organização Defensiva, Transição Ofensiva, Transição Defensiva e Bola Parada começaram a ficar célebres, comentados, dissecados e não saíram mais da cabeceira das camas dos treinadores. Sem sombra de dúvidas são importantes, obviamente estão no jogo, mas a configuração usada para sua identificação beirou bastante a objetividade e o analítico.
Evidente que entender o jogo por momentos foi um avanço para o processo organizacional e metodológico. Muitas possibilidades evolutivas foram conseguidas e estruturadas. Mas o jogo passou a ser muito fracionado ficando refém dos momentos.
Sim, didaticamente podemos separá-los, pois há preferências de ideias de jogo de cada treinador, em focar determinados conteúdos dentro de um momento, mas quando se propõem apenas algo, apenas um, há uma correspondência linear, e crer apenas nisso, pode em longo prazo virar um grande problema, especialmente na formação de jogadores.
Ao longo dos últimos anos, criaram-se muitos roteiros e manuais parecidos com estátuas e monumentos históricos em cima disso. Muitos treinadores (eu me incluo nisso), passaram, passam ou vão passar por esse aspecto.
Então como desenvolver e criar um processo complexo-interativo sem perder a essência do jogo, do jogador, com uma ordem-desordem-natural-infindável? Um grande desafio. A superficialidade teórica e até mesmo mecânica da escolha de um ou dois momentos, pode prejudicar a profundidade real do jogo se não manifestar interações qualitativas? Uma boa pergunta.
Creio que se optarmos por fracionar e mecanizar o momento perde-se um episódio primordial: o instante no momento. O instante do jogo sempre vai estar presente no momento, mesmo que se queira abolir. E cada instante está “no aqui e agora do jogo” por algo que dificilmente saberemos com antecedência, por mais que cada momento esteja previamente e especificamente desenhado pelas ideias do treinador.
Nesse contexto, “ironicamente”, entendemos que não podemos entender tudo. O desconhecido do instante do jogo não deve ser negligenciado pelas escolhas organizacionais optadas pela mecanização dos momentos do jogo, pois por mais que queira e parafraseando a frase o “mesmo lugar nunca é o mesmo”, a mesma organização de jogo escolhida nunca será a mesma no jogo”.
A relação natural dos momentos do jogo e seus instantes gera mais dúvidas e incertezas para os treinadores, mas são essas dúvidas que fazem a equipe avançar e se modelar abertamente. Sem isso, a expansão do processo fica estagnada e tem um prazo de validade precoce.
E o instante do jogo não é um assunto, é uma prática. E é nisso que pecamos, pois o jogo não existe na teoria, num momento só, por mais que se queira que exista, que se camufle, mas ele não existe, e muito menos num ritmo só, pois tem fissuras e é mais descontinuo que contínuo.
É difícil ter objetivos tão concretos com uma natureza álgebra em algo que tem uma natureza que cada jogo e cada semana de treino provocam avanços e recuos consideráveis. Daí que devemos entender que o jogo, e o jogo que se quer praticar, deve abarcar uma relação sem fim de probabilidades dos instantes relacionados aos momentos do jogo.
E essa relação do entendimento dos instantes do jogo faz aceitar com mais subjetividade a liberdade e a criatividade do jogador no jogar, no jogo, claro, com os objetivos intrínsecos entre todos representes da equipe. Cada instante é incerto, mas a interação deles pode criar uma grande obra coletiva. Sejamos mais instantes e menos momentos?
Abraços e até a próxima quarta!