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A pedagogia da rua formou os maiores craques do futebol brasileiro. Há cinquenta anos, por exemplo, havia mais espaços para a prática esportiva e menos opções de entretenimento para crianças e adolescentes. A principal atividade então era o futebol de rua. E nele, se jogava ‘dois contra dois’, ‘quatro contra quatro’, com ou sem goleiro, se jogava na chuva, ora descalço ora com calçado, mais velho contra mais novo, enfim, criavam-se regras que tinham ambientes de jogo propícios para o desenvolvimento de inúmeras habilidades técnicas, físicas e motoras.
Não só o futebol, mas atividades ao ar livre geravam instintivamente uma relação que é fundamental para qualquer prática esportiva: a relação “eu-corpo”. Para ficar mais claro, trago que no futebol as principais relações são: eu-corpo, eu-bola, eu-companheiro, eu-adversário e eu-alvo (gol). Já saíamos ganhando porque aqui no Brasil essa relação inicial do jogador com o seu próprio instrumento de trabalho era favorecido com brincadeiras lúdicas como pega-pega, polícia-ladrão, subir em árvores, etc.
E dentro desse mesmo contexto, nossos jogadores eram (e ainda são) formados muito na relação eu-bola e pouco na relação eu-companheiro. Por exemplo, em nossas peladas valorizamos quem dribla todo mundo. E sem a bola valorizamos quem faz o desarme. Pouco valorizamos quem faz bons passes. Por tudo isso, é muito fácil para um jogador entender quando o seu treinador pede para ele fazer uma marcação individual.
O contra ponto disso: e quando apelamos para a marcação mais utilizada hoje no mundo que é a por zona, como fazemos? Sofremos, porque nossa cultura nunca privilegiou a relação eu-companheiro. Quando temos que defender em linha, por exemplo, a maior parte da referência de ocupação de espaço é o jogador que está ao lado.
Porém minha preocupação nem é tanto com a defesa. E sim com o ataque. É mais difícil construir do que destruir. Estamos começando a ter bons sistemas defensivos no futebol brasileiro. Mas e o ataque? E quando temos que utilizar recursos, comportamentos e ideias que não seja dar a bola para o melhor do time que ele resolve sozinho no talento?! Aí não temos a relação eu-companheiro para atacar. Perceba que os sub-princípios de ataque mais utilizados pelos grandes clubes europeus são coletivos. É claro que pode e deve ter drible. Mas estou falando de ultrapassagem, troca de posição, mobilidade, etc. Tudo coletivo. Neste início de 2018, como em anos anteriores, dá tristeza acompanhar nossos times pelos estaduais em organização ofensiva.
Quebrar paradigmas e culturas faz parte de toda a evolução. Principalmente no esporte. Podemos ficar lamentando que no Brasil não há mais craques como antigamente ou criar mecanismos para suprir a falta de jogadores que dominem tanto as valências individuais como há algumas décadas e trabalharmos para coletivamente nos equipararmos com a elite do futebol mundial.

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