Robinho tinha 21 anos em 2005, quando trocou o Santos pelo Real Madrid. Àquela altura, já havia sido protagonista em dois títulos de Campeonato Brasileiro e frequentava listas de convocados da seleção. Uma história ilustra bem a expectativa que o circundava: na caixa postal de seu celular, o atacante pedia que as pessoas deixassem recados para “o melhor do mundo do ano que vem”. O “ano que vem”, como se sabe, nunca veio para ele.
É curioso acompanhar o que acontece com quem vivencia uma trajetória tão irregular quanto a de um jogador de futebol. Em poucos anos, alguns deles saltam das privações para a vida de luxo; do descaso advindo da pobreza para a fama e o desenvolvimento de um séquito de aduladores. Muitas vezes são cobrados para que mantenham em campo a leveza de quando eram meninos praticando o esporte, mas ao mesmo tempo viram esteios precoces para familiares, amigos e profissionais que os acompanham.
Esse entourage contribui sobremaneira para que algumas pessoas se descolem um pouco da realidade. Vi uma vez um caso de um menino que havia sido aprovado em uma peneira para defender o time sub-11 de um clube do interior de São Paulo. Ele não tinha garantia sequer de alcançar o profissionalismo, mas o pai deixou de trabalhar porque precisava “administrar a carreira do filho”. Aquele garoto, que podia não querer nem um futuro como jogador, de repente tinha virado a única aposta de futuro para a família toda.
Jogadores convivem desde muito cedo com um paradoxo extremamente cruel para o ego: são bajulados e possuem ao redor um enorme grupo de pessoas que inflam suas qualidades e fecham os olhos para defeito ou contexto; paralelamente, são cobrados desde muito cedo como se fossem adultos prontos, infalíveis e totalmente maduros.
Foi assim com Vinicius Junior, 17, atacante do Flamengo. Após ter feito o gol que selou vitória rubro-negra por 3 a 1 sobre o Botafogo em semifinal da Taça Guanabara, ele celebrou com um gestual que imitava um choro, provocação recorrente aos torcedores da equipe da estrela solitária. A comemoração fomentou polêmica a ponto de abalar um acordo que havia entre os clubes para uso do estádio Nilton Santos. E é claro, o ápice do “pode ou não pode” aconteceu em redes sociais.
Juninho Pernambucano, ex-jogador e atual comentarista da Globo, criticou a atitude de Vinicius. Enxergou na comemoração um tom provocativo e desnecessário para aquele momento. Novamente em redes sociais, recebeu respostas nada afáveis, foi ofendido e lembrado de uma imagem de quando defendia o Vasco e mostrou os dedos do meio para a torcida do Flamengo. Acabou levando o caso à delegacia de crimes virtuais e pediu para não trabalhar no fim de semana.
Todos esses casos mostram que o amadurecimento de jogadores de futebol nem sempre é simples ou acompanha o relógio biológico. Existe um ambiente de pressão em torno desses atletas, que têm atitudes vigiadas durante todo o tempo e precisam dar respostas não apenas para o público, mas para os que são sustentados por seu talento.
Em poucos atletas, contudo, a discussão sobre amadurecimento foi tão necessária quanto o que acontece atualmente com Neymar, 26. O atacante do Paris Saint-Germain não é mais um garoto: vive fora do país há cinco anos, tem um salário astronômico, convive com patrocinadores de ponta e protagonizou a maior transferência da história do futebol quando trocou o Barcelona pela Cidade Luz.
Neymar também ocupa há pelo menos cinco anos o posto de grande (ou talvez único) protagonista da seleção brasileira. É a esperança de quem ainda torce pelo uniforme canarinho ou pelos petrodólares despejados no PSG.
Entretanto, as atitudes de Neymar não condizem com esse status. O atacante vive, dentro e fora de campo, entre arroubos de molecagem. A picardia contida no drible virou uma marca que ele tenta sustentar em todos os momentos.
Só que falta autenticidade nesse processo. Ele não consegue transmitir, em campo ou fora, a felicidade e a vivacidade que Ronaldinho Gaúcho mostrava, por exemplo. O ex-melhor do mundo também era “irresponsável”, mas fazia isso de um jeito cativante – e esse é apenas um bom exemplo de atleta que soube fazer da brincadeira uma marca positiva.
Neymar também não se encaixa entre os “marrentos”. Não tem a autossuficiência de um Romário ou a autoconfiança de um Eric Cantona, para citar dois outros exemplos.
A impressão que Neymar passa é a de alguém em busca de autoafirmação. Alguém que vive o tempo todo tentando mostrar que aprova os caminhos que escolheu. Mesmo se os caminhos não tiverem sido escolhidos por ele.
O estafe de Neymar tem pessoas extremamente capacitadas para planejar todas as interações do jogador. Existe um trabalho em diferentes níveis, e disso eu não duvido. A questão é que o subproduto dessas ações tem sido um garoto sem confiança no que está fazendo, em busca de aprovação sabe-se lá de quem, com uma dificuldade enorme de evoluir – e evolução aqui não tem nada a ver com o jogo ou com o status profissional.
Neymar não é mais um menino. Tem 26 anos, passou por muita coisa e já suportou a pressão de ser o camisa 10 e principal líder da seleção brasileira em uma Copa do Mundo disputada no país. Não é uma questão de vivencias ou do que ele representa. Neymar precisa é deixar a casca e ser mais verdadeiro consigo. Mesmo que isso signifique mostrar lados que não façam tão bem assim para seus planos comerciais.