O Dia Internacional da Mulher, em 8 de março, serviu como mote para demonstração de alinhamento com o tempo. Corinthians e São Paulo estão entre os exemplos positivos, com destaque para a equipe do Morumbi. Com dados, embasamento e um tom tão assertivo quanto acertado, a diretoria tricolor aproveitou a data não para comemorar, mas para criar um marco e aderir a uma luta constante por direitos, igualdade de gênero e avanço social. Não foi apenas um reconhecimento do que realmente é o significado da data, mas uma comunicação que demonstrou entendimento ao mundo de hoje. Cada vez faz menos sentido tratar o feminino a partir de estereótipos que pulularam a comunicação durante década – o que é extremamente positivo –, ainda que a efeméride deste ano tenha alicerçado campanhas como a rede de restaurante que deu folga ou remanejou homens para ter uma loja apenas com mulheres ou a prefeitura que colocou cílios gigantes nos semáforos.
Entre tantos escorregões e absurdos disfarçados de boas intenções também há os que se calam. Não apenas numa data simbólica, mas a conivência que permeia o dia a dia. A conivência com “piadas”, comentários ou gracejos, aprendemos nos últimos anos, é tão nociva quanto a disseminação desse tipo de conteúdo. Quem fecha os olhos diante de injustiças está inevitavelmente se colocando de um lado da história.
É por essa lógica do silêncio nocivo que não se pode aceitar manifestações como o programa constrangedor da “TV Bandeirantes” com musas do Goiás e do Vila Nova em Goiás; é por causa disso que não se pode aceitar a “justificativa” da emissora local, que tentou tratar a atração como uma provocação ou exposição de como o machismo é cruel; é por causa disso que tampouco se pode calar diante da complacência da Fundação Getúlio Vargas, que puniu com três meses de suspensão um aluno que compartilhou imagem de um estudante negro com a legenda “esqueceram esse escravo no fumódromo”. Ora, se a instituição entende que o estudante é culpado, e portanto cometeu um crime ao propagar tamanho absurdo, o mínimo a se fazer é a expulsão. Sobre isso, recomendo o pertinente documentário “The Hunting Ground”, disponível na plataforma Netflix. O silêncio não é exclusividade da FGV e não devasta apenas as minorias do Brasil.
Casos de temas pungentes, como machismo e racismo, tornam mais simples a compreensão do quanto o silêncio pode ser destrutivo. O futebol brasileiro ofereceu outro exemplo na última semana, ainda que menos grave, mas igualmente didático: a articulação para conduzir Rogério Caboclo à presidência da CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
Caboclo é braço-direito de Marco Polo Del Nero, último presidente eleito da entidade, alvo de investigação sobre corrupção em contratos internacionais do futebol. Ciente de que a Fifa e o FBI impedirão seu retorno ao cargo, o ex-mandatário promoveu articulação com federações estaduais para promover seu sucessor e garantir uma continuidade de diretrizes na instituição nacional. Como diz o ditado, é como mudar as moscas para manter o bolo.
Del Nero recebeu em um apartamento da Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, os presidentes de federações estaduais. Conseguiu assinaturas de 20 deles para viabilizar a candidatura de Caboclo e afastar qualquer movimento opositor.
O colégio eleitoral da CBF é constituído por 27 federações, e cada uma tem peso três em seus votos. Também participam os clubes da Série A (20 equipes e peso dois) e da Série B (20 equipes com peso 1). Nessa composição, obra de outra manobra de Del Nero, as entidades diretivas valem 81; os times somam 60.
A articulação da última semana incluiu farta distribuição de cargos. Os vices da CBF, que antes eram cinco, serão oito a partir do próximo mandato. Além disso, a entidade nacional literalmente sustenta a maior fatia de seu colégio eleitoral – há uma “mesada” para federações, e nos casos dos estados menos ricos esse dinheiro representa parte indispensável no orçamento.
E os clubes, que já haviam sido passados para trás na composição do colégio eleitoral, mais uma vez silenciam. Ainda que a articulação de Del Nero tenha sido reprovada por muitos, não houve qualquer manifestação pública ou ação política em direção contrária. Sabe-se lá por qual motivo, mas as direções de equipes acompanham bovinamente a mais essa movimentação para mudar sem sair do lugar.
Paralelamente, o Santos ignorou acordo para negociação em bloco, rompeu o que havia combinado com diretorias de times como Atlético-PR e Bahia e fechou com a Globo a cessão dos direitos de transmissão de seus jogos para a rede aberta. O grupo é formado por times que haviam alinhavado com o Esporte Interativo a exibição em TV fechada, e a presença do clube da Vila Belmiro dava mais peso nas conversas com a emissora carioca.
Assim como tem acontecido escancaradamente desde o fim do Clube dos 13, o movimento do Santos é uma luta individualista e pensa apenas no bem do clube. É lícito e compreensível que a diretoria adote esse comportamento, mas isso também diz muito sobre o atual momento do futebol brasileiro.
Qual é o espaço que os clubes têm para discussões sobre o futuro do jogo? Em que momento eles pensam sobre detalhes, plano estratégico ou ações de comunicação para melhorar o futebol nacional como produto? Quando eles conseguem estabelecer parâmetros para formação de atletas, pensar num projeto de longo prazo e entender a concorrência com outras ligas e/ou outras formas de entretenimento?
O futebol brasileiro trilha um caminho de perda de relevância, e isso tem relação direta com o individualismo dos clubes. Tem relação direta com a ausência de uma articulação que realmente represente os torcedores e que pense no que o público quer para o jogo.
Essa discussão demanda vontade política. É preciso comprar brigas e adotar posicionamentos. É preciso reagir. O silêncio, no caso do futebol brasileiro, é a pior resposta e apenas fomenta a imagem de morosidade ou de que é impossível fugir de um sistema completamente viciado.
Mas quem vai ser a voz a gritar?