Entre o jogo, os sonhos e a procura: uma breve apresentação

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Publico estas breves linhas poucas horas antes que os artistas de ofício escrevam a verdadeira história do dia, razão pela qual me contenho. Primeiro, porque não acho que possa disputar com os fatos. Depois, porque não quero fazê-lo.
Mas posso contar uma história: há exatos vinte anos, o último jogo do Brasil na fase de grupos foi contra a Noruega, em Marselha. Aquele foi um dia que começou e terminou triste. O Brasil perdeu – o que é raríssimo na primeira fase. O gol da vitória norueguesa aconteceu em um pênalti aparentemente obsceno, não captado por nenhuma das dezesseis câmeras oficiais, em um tempo distante em que as câmeras eram apenas os olhos dos espectadores ausentes. Horas depois, descobriu-se que elas não veem o essencial.
No fim do jogo, ainda triste, desci para uma espécie de garagem que tínhamos em casa, onde eu me habituei a organizar meus próprios jogos e campeonatos, mesmo que estivesse sozinho. Ali, o resultado podia ser outro. Eu era o atacante e, no encontro entre a bola e a parede, podia ser o defensor: podia ser o Rivaldo ou o Schmeichel, podia ser o Boban ou o Desailly, podia ser o Bergkamp ou o Simeone, podia ser um dos irmãos Laudrup. Podia ser quem eu quisesse! Todos aqueles que vivem o futebol desde a mais tenra idade já se imaginaram em um outro corpo, em um outro lugar, no lugar dos nossos ídolos. O mundo do jogo, afinal, é bastante particular. É uma licença poética do real.
Pois foram exatamente o jogo e os sonhos que me conduziram vida adentro, nos jogos conceituais/contextuais da adolescência e da vida adulta, aos quais todos nós nos sujeitamos. Veja bem: o jogo de futebol é um microcosmo do universo. As leis que regem o cosmos também regem o jogo. A existência dessas leis não significa que podemos conhecê-las. Ao mesmo tempo, elas devem ser procuradas. Mas repare que procurá-las apenas no jogo não basta: é preciso sair do jogo para encontrá-lo!
Foram o jogo, os sonhos e a procura que, um dia, me levaram até à Cidade do Futebol, para onde, virtualmente, me mudei. Mais tarde, ela se tornaria Universidade, o campus oficial de um mundo em nada onírico, mas que fazia minha imaginação tilintar, pois ali o jogo deixou de ser o que era e passou a ser outra coisa. Foi pela Universidade do Futebol que eu, um jovem sonhador, conheci João Paulo Medina, Manuel Sergio, Alcides Scaglia, Rodrigo Azevedo Leitão, Eduardo Barros, conheci muita gente. Conheci as referências em que deveria me apoiar enquanto jogava pelos campos da vida. Ao contrário dos pequenos jogos da infância, agora não me bastava sonhar: era preciso cruzar a fronteira para o real. Afinal, é possível estar perto dos grandes, mesmo que não sejamos como eles.
É por isso que, quando recebi o convite para o espaço que aqui inauguro, me senti como aquela criança, que jogava bola alegremente na infância. A diferença é que, neste caso, me sinto na responsabilidade de continuar uma tradição.
Afinal, de tempos em tempos o futebol clama por novos olhares, pede para ser oxigenado. Como se houvesse jogos dentro do jogo. Neste momento, me parece que o jogo a ser jogado é o jogo do humano. Precisamos discutir sobre o significado da humanização do treino e do jogo, os recursos de que dispomos para fazê-la, os meios de operacionalizá-la dentro e para além do jogo. Antes de recorrermos à máquina, é necessário esgotar as possibilidades do humano.
É o debate que esperamos construir aqui. Juntos, como fazem as boas equipes. Aos poucos, no tempo certo. Em movimento, porque tudo flui e quem ontem sonhava jogar, hoje joga de verdade.
E joga sério. Como deve ser.
 

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