A seleção brasileira depois da Copa

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Tite fez na última sexta-feira (17) a primeira convocação da seleção brasileira depois da Copa de 2018, competição em que o time dirigido por ele foi eliminado pela Bélgica nas quartas de final. A lista de 24 nomes tem 11 novidades em relação ao grupo que esteve na Rússia e abriu espaço para jogadores como Lucas Paquetá (Flamengo), Pedro (Fluminense), Andreas Pereira (Manchester United) e Éverton (Grêmio). Graças a um processo tortuoso e cheio de erros, contudo, todas as discussões sobre a renovação da equipe nacional acabaram subjugadas. O recomeço dos pentacampeões mundiais após o fracasso em 2018 é mais uma demonstração de que não existe comunicação sem clareza. Respostas dúbias abrem mais perguntas.
A própria relação de Tite com a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) sustenta algumas dessas indagações. O técnico foi contratado quando era unanimidade nacional e a seleção estava em risco nas eliminatórias, fora da zona de classificação para a Copa de 2018. Meses depois de ser signatário de um documento que cobrava mudanças na gestão da entidade, posou para fotos dando um constrangedor beijo no presidente Marco Polo Del Nero, um dos alvos de uma investigação do FBI sobre propina no futebol mundial.
Na época, Tite argumentou que a melhor contribuição que podia dar ao futebol brasileiro era cuidar do que acontecia na área técnica. Também lembrou que nenhum empregado pode ter 100% de certeza sobre idoneidade e intenções de todos os patrões. Os argumentos fazem sentido, claro – ou alguém aí acha que não existem pessoas honestas trabalhando em empresas que estão envolvidas em escândalos, por exemplo? –, mas o treinador perdeu, pelo tamanho que tinha na época, uma chance de transmitir uma mensagem maior.
Tite é eloquente e tem oratória extremamente prolífica. Ainda assim, porém, é recorrente em seu trabalho o desperdício de oportunidades para transmitir mensagens não ditas. Foi assim também com toda a gestão do “caso Neymar” – o principal jogador da seleção brasileira saiu da Copa de 2018 como piada mundial, reconhecido globalmente pelo excesso em simulações, e mesmo assim foi tratado como “menino” por todo o entourage da equipe nacional.
A primeira convocação de Tite depois da Copa chama atenção justamente pelas mensagens não ditas. As presenças de Thiago Silva, Filipe Luís e Renato Augusto, por exemplo: ainda que os três tenham remotas chances de permanecer no grupo até o Mundial de 2022, todos eles são sempre citados por profissionais do meio como exemplos de comportamento e presença. São esteios morais para os garotos que estão sendo chamados pela primeira vez.
A aposta nesses nomes também revela que a comissão técnica de Tite não considera possível que a transição de gerações seja comandada por Casemiro, Coutinho e Neymar. Não existe entre os jogadores da idade deles que já se afirmaram na equipe nacional alguém com perfil de liderança ou que possa servir como exemplo para os neófitos.
Ademais, Tite demonstra enxergar que alguns jogadores brasileiros ainda precisam de amadurecimento antes de serem incorporados na equipe nacional. São os casos, por exemplo, de Vinicius Júnior, Malcom, David Neres, Paulinho e Richarlison, todos preteridos em uma lista que segue apostando em Douglas Costa e Willian, nomes que, qualidade à parte, já deixaram claro o limite que podem atingir. Existe uma predileção por atletas que já tenham atingido certo nível de maturação, e isso a lista deixa claro.
Outro ponto é a lateral direita: Tite chamou Fabinho, que tem jogado como meio-campista e foi como meio-campista do Monaco para o Liverpool, a despeito de ter passado anos dizendo que não daria chances a um atleta que não fosse da posição. A mudança pode ter relação com a ausência de outros nomes viáveis ou pode ter um sentido mais tático: depois de ter ido à Copa com dois alas que usam mais o fundo, o treinador pode estar disposto a encontrar alguém com mais perfil de construção pelo centro – algo que Daniel Alves podia fazer, por exemplo.
Existem muitas mensagens não ditas na lista de Tite – toda convocação tem. A questão é que em muitos momentos esses tópicos ficam em segundo plano. Em vez de um espaço para discutir liderança, troca de geração ou os planos do treinador para uma posição específica, os dias que se seguiram à primeira lista pós-2018 serviram apenas para esgarçar ainda mais a relação entre seleção e seus torcedores. Tudo porque os amistosos contra Estados Unidos e El Salvador vão desfalcar os semifinalistas da Copa do Brasil na primeira perna do duelo.
Para a torcida do Flamengo, portanto, nada é mais relevante do que perder Lucas Paquetá na semifinal contra o Corinthians, que também reclama de jogar sem Fagner – embora a importância dos dois jogadores seja incomparável. O Cruzeiro também enfrentará o Palmeiras sem Dedé, e Fluminense e Grêmio serão desfalcados em rodadas relevantes do Campeonato Brasileiro.
Questionado sobre isso, Tite disse apenas que tentou ser justo e revelou ter cogitado convocar Bruno Henrique, jogador do Palmeiras, apenas por uma questão de isonomia. Não fez qualquer crítica à real matriz do problema, que é o calendário estapafúrdio da CBF.
A entidade que comanda o futebol brasileiro segue criando eventos que se canibalizam e parece estar confortável com o desgaste que uma coisa impõe às outras. Na balança da CBF, pesa mais o aspecto político da relação com as federações estaduais.
Tite não precisa falar mal de seus patrões ou se recusar a fazer o jogo da CBF, mas a mensagem não dita nesse caso é extremamente relevante. Simples seria não convocar jogadores envolvidos nas rodadas concomitantes com os amistosos e dar aos dirigentes o ônus do enfraquecimento da seleção. Em vez de ser artilharia, entretanto, o treinador preferiu ser escudo. E nesse caso, todos perdem com a retranca.
 

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