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Mladen Krstajic, técnico da Sérvia: seleção que mais correu (em média) durante a Copa do Mundo. Mais intensa? (Divulgação: Yahoo)

 
Leio despretensiosamente o livro Romancista como vocação, de Haruki Murakami, e nele encontro a citação por onde começamos hoje. Aqui, Murakami faz um belo apontamento sobre, veja só, os malefícios da inteligência elevada para um romancista. Muitas vezes, os raciocínios mais amplos e acurados podem ser antagônicos à lógica do romance:

“Porém, penso que as pessoas muito perspicazes ou dotadas de um conhecimento vasto e extraordinário
não são as mais adequadas para escrever romances. Essa atividade – de narrar uma história –
deve ser executada a uma velocidade baixa. A sensação que tenho é de que a velocidade da escrita
é um pouco maior do que a de uma caminhada, mas menor do que a de um passeio de bicicleta.
O funcionamento básico do raciocínio de algumas pessoas é adequado
para essa velocidade, mas o de outras, não.”

Este trecho, confesso, me causou uma impressão bastante particular. Não apenas porque me parece um argumento bastante bom, mas porque me trouxe à lembrança uma ideia que tento desenvolver há tempos, sem sucesso. Basicamente, me incomoda a doutrina, adquirida pelo futebol contemporâneo, da velocidade desenfreada, da rapidez como sinônimo de eficiência, das tomadas de decisão quase que instantâneas – tudo aquilo a que nos habituamos, em geral, a chamar de intensidade.
Posso estar equivocado, mas imagino que o termo intensidade tenha suas raízes fincadas no treinamento. Vejo a intensidade como a irmã gêmea do volume. Para além da quantidade de treino (volume), é preciso atentar para a qualidade (intensidade) dos estímulos, de modo que um treinamento qualquer seja adequado para os objetivos do praticante ou da equipe.
Evidente que, por absoluta incompetência, não pretendo me alongar sob o ponto de vista fisiológico. O que acho particularmente interessante é o empréstimo do termo, porque quando falamos de intensidade associada ao jogo jogado, parece haver uma outra relação, não exatamente próxima da qualidade, mas sim do tempo. Quanto mais rápida são as ações, mais intensas. Relação inversamente proporcional, portanto.
Tudo isso me soa ainda mais curioso quando fazemos, conscientemente ou não, interpretações deste conceito de intensidade a partir dos campeonatos estrangeiros, especialmente da Premier League– que talvez tenha se tornado o grande baluarte da intensidade no futebol contemporâneo. Não raro, há quem diga que assistir a um jogo do Campeonato Brasileiro e outro da PL significa, em linhas gerais, assistir a duas modalidades diferentes, tamanha a diferença. O jogo brasileiro seria lento, monótono, enquanto o jogo inglês (longe de ser apenas inglês, diga-se) seria rápido, quase alucinante. Isto, por si só, não seria um problema, se não trouxesse no pacote uma ideia que soa bastante perniciosa: quanto mais intenso, melhor.
Não, é claro que não. E a consequência prática disso, repare bem, é que aquele empréstimo do termo intensidade parece perder o próprio sentido, porque não mais se aplica nem na sua origem. Se, no treinamento, intensidade remete à qualidade, parece agora que falamos de quantidade, no sentido temporal – quanto menor (o tempo), melhor! Mas, na ânsia de controlarmos o tempo e a suposta intensidade, me parece que perdemos gradativamente a capacidade de mensurar a qualidade do jogo, de senti-lo na sua inteireza, de saboreá-lo, nas acelerações mas também nas pausas, no passe para trás, na paciente circulação da bola. A intensidade não seria, portanto, uma conjunção de quantidade e qualidade, na justa medida?
Ao mesmo tempo, repare como os treinadores e treinadoras que parecem realmente diferentes percebem, com alguma facilidade, que o jogo se traduz em uma série de aparentes contradições. Ataco bem para defender melhor, ataco de um lado para finalizar do outro, goleiros são os primeiros atacantes, centroavantes os primeiros zagueiros, e etc. Neste sentido, também não haveria intensidade na (suposta) lentidão? Por isso, soa bastante salutar a fala de Juanma Lillo, citada no ótimo Pep Guardiola – A Evolução, da Editora Grande Área:

“Se não se usa o tempo para jogar, é difícil que a equipe avance idoneamente para dominar o adversário.
É preciso passar a bola na hora certa, no lugar certo e no momento certo.
Do contrário, quanto antes a bola vai, antes ela volta, mas com um acréscimo:
ao ir, a bola vai sozinha; porém, quando volta, tem o costume de retornar com eles, os rivais…”

É deste tempo que falamos! Não do tempo curto, mais fast que food, mas de um tempo outro, entre o caminhar e a bicicleta, um tempo ótimo: passar a bola na hora, no lugar e, especialmente, no momento certo. Não se trata de uma velocidade desenfreada que parece, em alguma medida, reproduzir uma certa ansiedade epidêmica, que também se expressa no futebol, mas se trata de saborear a posse, as acelerações e pausas, desde que elas exprimam uma ideia, uma intenção coletiva. Intensidade, afinal, vem do verbo intendere, tornar reto, tornar firme, esticar. Mas na medida exata.
De modo que estar tenso não é exatamente difícil.
In-tenso, por sua vez, parece um desafio mais elaborado.
 

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