Notas sobre a Pedagogia da Rua

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A liberdade e improviso das ruas: mas nos faltam mais as ruas ou a Pedagogia? (Foto: Urban Pitch)

 
Em um passado recente, cujo início eu mesmo não sei precisar, parece ter havido um interesse maior sobre o significado do jogo, e como o jogo é uma condição a priori para entender o futebol. Creio que isso se deve, majoritariamente, ao trabalho dos professores João Batista Freire e Alcides Scaglia. Ambos nos permitiram entender melhor as nuances de uma pedagogia que foi plantada desinteressadamente e floresceu, durante tanto tempo, nas ruas brasileiras. Ela, como sabemos, é responsável pelo nascimento de tamanhos talentos.
Ao mesmo tempo, me parece haver um certo equívoco sobre a assim chamada Pedagogia da Rua. Neste texto, é claro que não pretendo oferecer nenhuma definição, não seria correto, mas pretendo, na verdade, lançar parte do meu próprio olhar sobre a rua e sobre algumas das consequências da sua morte paulatina.
Aqui, um passo que me parece importante é a distinção da rua literal para a rua metafórica: melhorar o nível da nossa formação não significa, por exemplo, levar os garotos e garotas das nossas categorias de base para treinarem nas ruas. Não é exatamente disso que se trata. É preciso, na verdade, perceber a existência de uma tensão entre espaço e lugar, decisiva para melhor compreensão da rua como fenômeno. Não se trata da rua como lugar físico, mas sim do espaço por ela representado, daquilo que pode brotar neste espaço. Por isso é salutar perceber a rua através da riqueza do possível, dos seus potenciais, e aqui reside a importância do olhar do treinador/professor/pedagogo. O desafio já não é mais perceber a rua literalmente, mas sim fazer nossos garotos e garotas sentirem novamente a experiência daquilo que, outrora, era primazia das ruas.
Isso significa que nossos jovens precisam, por exemplo, reencontrar a experiência da liberdade. Na rua não havia treinadores, a rua era livre, permitia materializar a liberdade, nas suas mais diversas formas. As decisões de um jogador de rua – como todos nós já fomos – partiam não apenas da vontade de resolver os problemas do jogo, mas também dos desejos, dos afetos e do olhar de cada uma das crianças que jogam. A rua, afinal, era uma experiência humana! Aqui, aliás, está aquela que parece ser uma das nossas grandes derrotas modernas: a obsessão pelo controle e as tentativas de domesticação do jogo e dos jogadores estão matando a liberdade pela raiz. A partir de treinadores e treinadoras, estamos não apenas cerceando o jogar dos nossos pequenos e pequenas, como tolhendo sua criatividade, sua perspicácia, seus pequenos lampejos de desobediência – que também estão na raiz do nosso jeito de jogar futebol. Temo que todo este percurso esteja levando nossas crianças e jovens a um estado de equivalência, de mediocridade, todos causados por um jogar domado.
Por isso que deve saltar aos olhos uma pedagogia vinculada ao jogo, que perceba as potencialidades metodológicas e existenciais do jogo como fenômeno. O mesmo jogo que permite às nossas crianças experienciar a liberdade que parece se esvair para todos nós, em algum momento da vida. As crianças precisam jogar. Quando falamos da Pedagogia da Rua, falamos portanto de um movimento artesanal do ato de jogar, por uma razão primordial: as ruas, onde estiverem, não necessariamente guardam o jogo, mas o jogo – em especial quando apropriadamente tratado por treinadores e treinadoras – leva consigo as ruas, os campos de terra, a imprevisibilidade, a coragem para superar o mais juvenil dos medos, enfim… guardam o passado e o presente de quem já jogou alguma vez na vida.
Ou, para além disso, guardam uma dimensão do tempo que não se reduz ao ontem, ao hoje ou amanhã, mas que é simplesmente atemporal. Em um país como o Brasil, a Pedagogia da Rua está para além do tempo. Curiosamente, quanto mais nos afastamos dela, mais ela se faz visível no horizonte.
Daí a sua necessidade e precisão.

***

Que a liberdade que todos experimentamos nas ruas e no jogo não nos deixe no ano que está por vir. E que os novos desafios que se avizinham sejam encarados por todos nós com a devida esperança em dias melhores.
Desejo um Feliz Ano Novo, repleto de movimento e realizações, a todos e a todas que frequentaram e frequentam este espaço ao meu lado. Espero que criemos laços ainda melhores no ciclo que se inicia em breve.
Nos vemos em 2019!
 

 

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