A crise de identidade do futebol brasileiro teima em não passar. Já falei sobre nossa cultura individualista e de ‘futebol-arte’, muito presente ainda no inconsciente coletivo pelas Copas do Mundo vencidas. Lembramos mais dos heróis do que dos vilões, ou carregadores de piano. Lembramos mais de quem fez o gol do que de quem defendeu. Normal. Está enraizado pensar assim.Vai demorar para mudarmos pra uma visão mais coletiva do jogo.
Mas o objetivo desse texto não é simplificar cinco Copas vencidas, dizendo que se não fossem os defensores, os atacantes não brilhariam. Quero enfatizar aqui uma teórica busca por “resgate as origens” de alguns atuais treinadores brasileiros propondo um jogo de posse de bola com a suposta tese de que assim nossa escola futebolística está sendo respeitada e resgatada. Ledo engano.
Analisando equipes da primeira divisão do Campeonato Brasileiro vejo uma pobreza de ideias e recursos ofensivos absurda. Veja bem, contra-ataque e transições ofensivas também são maneiras válidas de atacar. E que tem a sua beleza, sim! Não partilho do conceito de que só uma ação ofensiva com mais de vinte passes é esteticamente digna. Mas até para chegar ao gol adversário com poucos passes é preciso cumprir alguns aspectos básicos da lógica do jogo. E para isso precisa ideia, treino, ou seja, competência e intenção no que se faz.
Me dá agonia ver equipes com mais posse de bola do que o adversário, que trocam mais passes do que o rival só que quando mergulho nos números vejo que a maior parte desses passes é para o lado e/ou para trás e que a parte da posse menos presente é no terço final de ataque.
Oras, tivemos já o melhor futebol do mundo não porque ficávamos mais tempo com a bola. E sim porque sabíamos muito bem o que fazer com ela. Dominar o adversário não significa ter mais porcentagem de posse. Para mim, uma equipe é superior a outra quando tem suas ações com e sem bola muito bem definidas e cumpridas com excelência. A posse é meio e não fim. Não podemos nunca nos esquecer: ganha o jogo quem faz mais gols do que o adversário e não quem tem mais tempo a bola nos pés. O foco então deve ser criar conceitos, princípios e ideias que aproximem sua equipe a ter mais condições de gerar chances reais de gol. E para isso não precisa ter a bola por quatro minutos seguidos, por exemplo.
Evoluímos já do conceito de que para o momento ofensivo é só dar a bola no pé do craque que ele resolve. Porém, vejo ainda muitas lacunas não só dos treinadores, mas dos próprios jogadores sobre domínio de espaço e tempo. Resgatar o futebol brasileiro não é ter um suposto jogo bonito, tendo noventa por cento de posse. E sim ter uma intenção tão clara e bem executada, individual e coletivamente, que o adversário se treme todo ao saber que vai nos enfrentar.