Sobre a pedagogia das pausas nos treinamentos

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Diego Simeone, conversando com os atletas em uma pausa – durante o jogo. (Foto: Reprodução/Marca)

 
Outro dia, na disciplina Metodologia de Treinamento em Esportes Coletivos I, ministrada pelo professor Alcides Scaglia na FCA Unicamp, surgiu uma dúvida interessante, levantada por um dos alunos: como saber qual é o melhor momento para pausar um jogo, durante o treino, e dar instruções aos atletas?
Bem, gostaria de trazer essa discussão aqui por dois motivos. Primeiro, porque é uma discussão importante em todas as categorias – desde a iniciação esportiva até o alto rendimento. Depois, porque é uma discussão geralmente encarada pelo olhar da fisiologia do exercício, a partir das relações esforço/pausa. Mas não é disso que gostaria de tratar aqui. Na verdade, o que quero discutir são as possibilidades pedagógicas das pausas nos treinamentos.
Vejamos.

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Em primeiro lugar, vamos estabelecer um ponto de partida. Nosso ponto de partida será o jogo. O que isso significa? Significa que falarei a partir de um lugar muito específico, que é o das metodologias de treinamento que se baseiam nos jogos. Não falarei, pelo menos não especificamente, da função pedagógica das pausas em exercícios analíticos – porque é um ponto de partida bem diferente. Falarei da função pedagógica das pausas em pequenos jogos, em grandes jogos, em jogos de manutenção da posse, de progressão ao alvo, jogos de finalização, em jogos mais complexos, em jogos menos complexos, em jogos. Neste sentido, indico esta outra coluna, na qual falei um pouco mais sobre do que falamos quando falamos de jogo.
Quando falarmos das pausas dentro de um jogo, temos uma primeira questão importante. Vamos chamá-la, como já está colocado, de estado de jogo. O ato de jogar nos absorve de tal modo que nos colocamos em uma situação de breve suspensão da realidade – que, ao mesmo tempo, traz elementos do real. Este estado de absorção, de colocar-se num outro tempo/espaço, que é o que sentimos quando jogamos algo, é o que podemos chamar de estado de jogo. E aqui temos um primeiro elemento importante nas pausas: fazer uma pausa significa tirar quem joga do estado de jogo. Sempre que nós, treinadores e treinadoras, pausamos o jogo, nós estamos automaticamente tirando nossos atletas do estado de jogo e fazendo com que eles voltem bruscamente à realidade.
Daí que algo a se considerar ao fazer uma pausa seja exatamente o estado de jogo. Se eu faço um jogo qualquer e coloco pausas a cada minuto e meio para corrigir alguma coisa ou dar instruções quaisquer, eu não estou deixando meus atletas entrarem em estado de jogo. Quando eles vão entrar, eu os tiro. Por isso só, as pausas já seriam muito importantes, porque  elas exigem de treinadores e treinadoras um enorme grau de precisão e sensibilidade, para que os jogadores estejam suficientemente absorvidos pelo estado de jogo e possam criar novos saberes.
Portanto, em primeiro lugar, vamos estabelecer que não apenas é preciso um tempo mínimo para estabelecer uma pausa, como não é saudável pausar o jogo a todo instante. Não nos esqueçamos que este tempo não é cronológico, é tempo do jogo. Exige sensibilidade.

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Depois, vamos pensar em outra questão central: o que falamos nessas pausas?
Claro que não darei instruções, não sou capaz de ensinar nada para ninguém. Mas podemos levar a conversa para outro caminho: como dizer o que deve ser dito? Veja bem, essa é uma questão necessária. Creio que você e eu podemos admitir que nossa formação como atletas e/ou treinadores nos ensinou, de alguma forma, que devemos aproveitar as pausas para somente dar instruções aos nossos atletas, para instruí-los sobre o que é certo fazer, para dizer o que deve ser feito, às vezes para narrar como o atleta deve fazer determinada ação, ou determinada jogada, ou como deve comportar-se em uma situação de jogo.
Mas nós também podemos estar acostumados ao contrário, a pensar que instruir sobre o que deve ser feito em um jogo de enorme complexidade, como é o futebol, é um contrassenso – porque não existe resposta no singular. Devemos considerar uma alternativa, e gostaria de me atentar a ela. Nós podemos, ao invés de dar respostas, fazer perguntas. Bom, isso não é nenhuma novidade, mas talvez seja uma novidade dizer que, a meu ver, fazer perguntas (fazer as perguntas certas) é uma arte muito mais difícil do que a de dar respostas. Especialmente por um motivo: quando fazemos perguntas aos atletas, fazemos já esperando um certo caminho, uma certa resposta. O que significa que perguntas equivocadas podem perfeitamente nos fazer perder tempo, energia e, ao longo do tempo, pode nos fazer perder a confiança dos atletas.
Se levarmos em conta que nossas pausas nem sempre serão muito longas (por motivos pedagógicos e fisiológicos), é preciso que haja enorme precisão nas nossas perguntas. Por exemplo, se fizermos um jogo de manutenção da posse, de 5v5 + coringa, e na pausa perguntarmos aos nossos atletas ‘o que estamos fazendo de errado?’, talvez não tenhamos aqui uma pergunta muito precisa (porque ela pode ter respostas infinitas). Por outro lado, se neste jogo houver um problema específico de mau uso do coringa, nós podemos pensar em alguma coisa do tipo ‘vem cá, vocês acham que nós estamos usando bem o coringa?’ [a pergunta já presume que não] ‘Ótimo, por quê?’ E talvez a conversa caminhe para onde queremos. Veja bem, é apenas um exemplo, não há receitas. O importante é que as perguntas devem dar uma dose de precisão suficiente para não serem nem pequenas demais, nem grandes demais.
Ou seja, em segundo lugar, vejo que as pausas serão preferencialmente mais bem aproveitadas se fizermos perguntas, que nos permitam construir saberes ao lado dos atletas, especialmente quando as perguntas são precisas e têm alguma direção.

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Por fim, gostaria de falar sobre o planejamento dessas perguntas. Se partirmos daquela premissa do jogo, de que falamos lá no começo, devemos considerar que cada jogo que é único e que cada jogo é imprevisível. Por outro lado, se lançamos mão de um determinado jogo, sabemos que alguns comportamentos irão aparecer mais do que outros. Se faço um jogo de finalização, espera-se que haja muitas finalizações. Se não houver, talvez algo esteja errado no meu jogo.
Muito bem, sabendo que não sabemos quando nem como algo irá ocorrer, mas que este algo provavelmente ocorrerá, acho importante que treinadores e treinadoras tenham em mente, com antecedência, que tipo de coisas diremos nessas pausas. Veja bem, não se trata de construir um roteiro fechado e apenas repeti-lo no instante, mas sim de preparar-se para o que provavelmente surgirá naquele jogo. Se algo muito diferente e muito imprevisto/muito importante acontecer, ótimo! – nós sabemos improvisar. Mas se o jogo for condizente conosco, provavelmente algo do que planejamos irá nos acontecer – e aí seremos certeiros.
Entendo que fazer as observações apenas de improviso seja uma estratégia válida (que eu mesmo já utilizei bastante), mas sinto que existem possibilidades pedagógicas ainda maiores quando nos preparamos para esses detalhes. Em última análise, a própria quantidade de pausas (especialmente na iniciação, em que a relação esforço/pausa tem uma conotação diferente da especialização/rendimento) é algo que também pode ser planejada com antecedência, de acordo com o jogo e os conteúdos a serem trabalhados.
Portanto, nosso terceiro ponto nos diz que planejar os conteúdos a serem abordados nas pausas pode ser bastante valioso, dadas as probabilidades de um determinado princípio (manutenção, progressão, finalização) se manifestar no jogo, o pouco tempo cronológico que geralmente temos disponível nestes instantes e, por isso, a necessidade de aproveitar bem o tempo que nos resta.

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De alguma forma, a pausa é um momento crucial, porque é quando a atenção realmente se volta para nós, treinadores e treinadoras. Ali, somos avaliados nos nossos modos de falar, na nossa postura, nas nossas ideias, somos avaliados por inteiro. Por isso, aliás, sinto que a pausa deve causar um certo tremor, um certo receio em qualquer treinador, assim como causa uma certa expectativa nos atletas.
Por hoje, apresento apenas alguns caminhos. Caminhamos por outros lugares em breve.
 

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