É fato público e notório que o novo coronavírus atingiu toda a sociedade, notadamente sob os aspectos da saúde pública e econômicos. Por determinação do Poder Executivo, com a decretação do estado de calamidade pública, bem como o esforço conjunto de todos os atores sociais para a contenção da disseminação do novo coronavírus,
seguindo as orientações da OMS, inúmeras foram as atividades paralisadas e/ou reduzidas.
No futebol, não foi diferente.
No entanto, questiona-se: quais são os principais impactos jurídicos causados pelo novo coronavírus no futebol? O primeiro deles é quanto à possibilidade de caracterização de doença ocupacional, caso algum atleta, membro da comissão técnicas, funcionário e/ou colaborador seja contaminado pela COVID-19. No período de março à meados de maio de 2020, os treinos e partidas de futebol estavam totalmente paralisados, a fim de impedir a contaminação.
A CBF, em junho de 2020, editou o “guia médico de sugestões protetivas para o retorno às atividades do futebol brasileiro”, no qual sugeriu a adoção de uma série de medidas protetivas para a retomada das atividades dos clubes, de forma a conter a disseminação da COVID-19 aos atletas, membros das comissões técnicas, funcionários e colaboradores.
Ainda, a CBF editou a “diretriz técnica operacional” referente ao retorno das competições, a qual, como o próprio nome indica, traça regras para a retomada dos torneios.
Após a fixação dos cuidados necessários e das diretrizes, os campeonatos estaduais, de forma gradual, foram retornando, com um formato totalmente atípico. Cita-se aqui o campeonato carioca, o qual retornou em 18/06/2020, sendo o primeiro no Brasil.
Em que pese as diretrizes e as orientações editadas pela CBF, poderá ser travada uma discussão judicial acerca da ocorrência de doença ocupacional, caso algum atleta, membro da comissão técnicas, funcionário e/ou colaborador, seja contaminado pela COVID-19, durante a jornada de trabalho, por exemplo, durante uma partida de futebol.
O novo coronavírus, ao contrário do que muitos pensam, é tratado como qualquer outra doença.
Ou seja, para que a COVID-19 seja declarada como doença ocupacional, deverão ser comprovados os requisitos para tal, devendo ser analisado caso a caso. Assim, será do empregado que alegar a COVID 19 como doença ocupacional, a “responsabilidade” de comprovar tal fato. Lado outro, tem-se que caberá ao clube demonstrar que adotou todas as medidas necessárias referente à saúde e segurança do trabalho, bem como seguiu as orientações das autoridades sobre a contenção do coronavírus, como por exemplo as diretrizes ditadas pela CBF.
O STJD, recentemente, deferiu o pedido de adiamento da partida de futebol realizado pelo Goiás E. C., o qual enfrentaria o São Paulo F. C.. Destaca-se que o pedido se embasou na verificação de que 10 atletas do Goiás E. C. testaram positivo para o novo coronavírus, o que colocaria em risco a saúde de outros atletas, comissão técnica, árbitros, auxiliares, repórteres e qualquer pessoa que tivesse contato com os mesmos, em razão da possibilidade de transmissão do vírus.
Nesse caso, por exemplo, caso a partida fosse realizada e algum jogador viesse a ser contaminado, haveria grandes chances de caracterização da doença ocupacional, em eventual reclamatória trabalhista.
Outro efeito jurídico é a possibilidade de não rebaixamento dos times que tiveram as piores colocações nos campeonatos, mantendo-os na sua atual divisão no ano de 2021. Como se sabe, a pandemia gerada pela COVID-19 criou uma situação excepcional no futebol mundial.
Ora, treinos foram paralisados e campeonatos foram suspensos. Os atletas profissionais são de alta performance, sendo certo que qualquer alteração em suas rotinas, influencia diretamente nos seus rendimentos em campo. Ademais, é inegável que vários clubes tiveram prejuízo financeiro e técnico, tendo inclusive que alterar o elenco após o retorno das competições.
Ante a paralisação das atividades, vários clubes perderam o entrosamento e qualidade, o que direta ou indiretamente influenciou nos resultados das partidas.
Ocorre que, a baixa no rendimento e, por conseguinte, a derrota nas partidas, pode ter sido ocasionada pelo novo coronavírus, o que caracterizaria um evento de força maior. A força maior trata-se de um fenômeno que até pode ser previsto, mas não impedido, sendo, no Direito Civil, uma hipótese de excludente de responsabilidade do devedor, a
qual pode ser plenamente aplicável ao futebol.
Assim, os clubes, podem alegar que a pandemia gerada pelo novo coronavírus causou inúmeros prejuízos, sendo um evento totalmente alheio à sua vontade, requerendo, por conseguinte, o afastamento da consequência jurídica do baixo desempenho e seguidas derrotas, qual seja, o temido rebaixamento.
Cumpre salientar que alguns clubes já realizaram tal pedido para o STJD, os quais tiveram liminar deferida, a fim de obstar o rebaixamento até a julgamento final do Tribunal Desportivo. A expectativa é que o STJD defira os pedidos, haja vista as inegáveis e nefastas consequências geradas pela COVID-19, que atingiram toda a
sociedade, inclusive os clubes de futebol.
Por fim, salienta-se que a pandemia gerada pela COVID-19 é muito dinâmica, sendo certo que a qualquer tempo pode alterar uma situação já consolidada, criando, assim, novos efeitos jurídicos, os quais serão tratados oportunamente.
Sobre a autora
Izabella Rosa dos Santos Vaz é advogada, cursando pós-graduação em Direito e Compliance trabalhista pelo IEPREV, MBA em Direito do Trabalho pela Fundação Getúlio Vargas, especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes, graduada em Direito pela PUC/MG.