Os direitos de transmissão – união dos clubes e acesso do torcedor é o que interessa

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O Futebol Brasileiro vem passando por uma transformação gradativa em termos de transmissão de seus campeonatos. A Rede Globo de Televisão, que manteve a hegemonia nas últimas décadas com certa tranquilidade, vem sofrendo uma série de ameaças a esse respeito. Com a pandemia esse movimento foi acelerado, mas ele já se mostrava uma tendência mesmo antes do espalhamento do vírus pelo planeta.

Em 2016, Santos, Palmeiras, Internacional, Athletico, Bahia, Ceará e posteriormente Coritiba e Fortaleza, fecharam acordo com a Turner para a transmissão em canal fechado das temporadas de 2019 a 2024 do Campeonato Brasileiro da Série A. A relação já se iniciou conturbada, pois alguns dos representantes dos clubes se manifestaram muito insatisfeitos com o anúncio, em agosto de 2018, do fim dos canais Esporte Interativo e a realocação da transmissão das partidas para canais de séries, filmes e variedades. Ainda assim, os clubes mantiveram o cumprimento dos contratos, por entenderem o balanço da relação como positiva, apesar dos percalços mencionados.

Independente das movimentações do mercado dos direitos de transmissão, o que é uma realidade comum durante a maior parte da história do futebol brasileiro, e se mostra presente também em relação às negociações dos direitos de transmissões, é a falta de união dos clubes no país!

O Brasil é um dos países que realiza as negociações com as emissoras de forma individual. Com a Turner, a abordagem foi diferente já que a negociação com os clubes foi feita em bloco, porém, em um segundo momento, a empresa entrou em acordo com o Palmeiras por um valor em luvas bem superior ao acertado com os demais. Houve, então, uma renegociação com os clubes, mas ainda com valor inferior ao do clube paulista – os valores do contrato com o Fortaleza eram outros pois, na época, o clube disputava a série C.

Amenizadas estas animosidades, o ano de 2019 se mostrou promissor para os clubes com a nova parceria, mas a paralisação das competições em março de 2020 por conta da pandemia trouxe novos retrocessos. Menos de 20 dias após as interrupções dos jogos, a Turner notificou os clubes alegando diversos descumprimentos contratuais. Clubes como o Coritiba, por exemplo, que sequer haviam realizado seu primeiro jogo pelo Campeonato Brasileiro da Série A, não poderia ter cometido quaisquer irregularidades. Para estes clubes, esse movimento da Turner poderia estar sinalizando uma intenção de rescisão sem o pagamento de multa, consequência do resultado financeiro inferior às expectativas da emissora. Também na pandemia, a Turner suspendeu 50% dos pagamentos referentes aos direitos de transmissão, o que fragilizou ainda mais a relação.

Quando o fim da parceria parecia iminente, o presidente da República, Jair Bolsonaro, assinou a Medida Próvisória nº 984, em 18 de junho de 2020, que trouxe, entre outras ações, alterações na Lei nº 9.615, de 24 de março de 1.998 (Lei Pelé).

O que motivou o nascimento da MP 984 não tem relação alguma com o contexto apresentado, mas a medida acabou “salvando” a relação entre os 8 clubes e a Turner, já que com a legislação vigente até então, as emissoras só poderiam transmitir confrontos entre dois clubes que tivessem contratos com a mesma emissora – Turner com Turner e Globo com Globo, por exemplo – pois o direito de transmissão era compartilhado. Com a MP 984 o direito passou a ser exclusivamente do mandante, dessa forma, quantidade de transmissões permitidas aumentou substancialmente. Tendo 8 clubes sob contrato, a Turner poderia transmitir apenas 56 jogos no modelo anterior, com a MP esse número passou a ser de 152 jogos.

A Globo também se beneficiou com a alteração em relação às transmissões em canal fechado, passando de 132 para 228 jogos que podem ser transmitidos nesse meio pela emissora. Na TV aberta, ela permanece detentora dos direitos de transmissão de todos os clubes participantes do Campeonato Brasileiro.

Além de todas essas mudanças, o SBT, emissora que não realizava transmissões nacionais de futebol desde 1998, adquiriu recentemente os direitos de transmitir em canal aberto o principal campeonato continental, a Copa Libertadores da América. Para que o negócio fosse fechado, o contrato da CONMEBOL com a Globo, válido até 2022, foi rescindindo em meio a uma renegociação de valores que a emissora buscava junto à confederação.

Foi também por meio das condições possibilitadas pela MP 984, que o SBT pôde transmitir o segundo jogo da final do Campeonato Carioca de 2020. Importante pontuar que a TV Globo não teve direito a exibir nenhum jogo dessa competição em suas plataformas, pois a Foxsports transmite os jogos na TV fechada e a Bandsports, em PPV.

A verba proveniente dos direitos de transmissão é a maior fonte de receita dos clubes, representando 39% da renda total na média dos 20 primeiros no ranking da CBF (Fonte: Ernst Young).

Como as mudanças abruptas apresentadas até aqui demonstram, o tema vem sendo tratado de maneira caótica e fragmentada por parte dos clubes, que além do público consumidor/torcedor, são os maiores interessados em um desenvolvimento sustentável das negociações desses direitos.

Alguns clubes tiveram a iniciativa de organizar um movimento chamado Futebol Mais Livre para que a Medida
Provisória ganhe força, seja votada no Congresso e convertida em lei. A MP tem 60 dias de validade para vigorar como Lei, prorrogáveis por mais 60. Se for rejeitada na Câmara dos Deputados, sua vigência e tramitação são encerradas e o projeto arquivado. Estamos há 23 dias do término do prazo e a votação ainda não ocorreu. Doze dos vinte clubes de série A fazem parte do movimento: Athetico Paranaense, Atlético GO, Bahia, Ceará, Coritiba, Flamengo, Fortaleza, Goiás, Red Bull Bragantino, Palmeiras, Santos e Vasco. Apesar da dificuldade histórica dos clubes em chegar a um consenso nas mais diferentes pautas, esse movimento sinaliza união maior do que nos últimos anos, inclusive se considerarmos que os clubes que não se manifestaram como apoiadores, não são declaradamente contrários à MP, o que mitiga conflitos.
O que precisa ficar claro para todos é que a o cerne da questão não está na emissora que irá negociar os direitos de transmissão, mas na forma como o acordo será fechado. Os conflitos com a Turner, por exemplo, mostraram que a Globo tem também vantagens a oferecer. Pontos positivos de uma, ou outra, e ate de uma terceira, podem ser potencializados com a união dos clubes.

A gestão dos campeonatos e a sua venda demanda ainda muitos avanços por parte da CBF e federações, mas poderia ser transformada de uma maneira mais rápida se a rivalidade dos clubes permanecesse somente em campo e existisse a compreensão de que sem a entrega de um bom produto, todos perdem.

Outro ponto fundamental é que a fragmentação dos direitos e a desunião dos clubes tornam o simples fatos de assistir a um jogo, um desafio para o torcedor. Os clubes têm o direito de utilizar a MP 984 para suas transmissões, mas não o dever, então, alguns jogos chegam a ficar sem transmissão em sem público – ausência essa, ocasionada pelo COVID 19. A mensagem que é passada ao torcedor é que ele pode ficar sem o “produto futebol”, procurando se informar sobre os resultados da partida após o seu término ou mesmo apenas acompanhando os jogo pelas rádios.

Lembrando, falamos aqui de 39% da receita do futebol brasileiro! Se o torcedor perder o interesse em assistir ou de estar presente nos jogos, a audiência cai, a presença nos estádios segue essa mesma tendência, o produto perde valor e as receitas despencam. E nem foi mencionada aqui a realidade que extrapola os 20 principais clubes do país. Nesse contexto, as questões a serem resolvidas são bem mais profundas do que as emissoras e suas trasmissões.

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