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O projeto de criação de uma liga europeia, que nas últimas semanas tomou os noticiários esportivos não é uma ideia nova. Desta vez, as possíveis mudanças na Premier League, tiveram como destaque o movimento de Liverpool e Manchester United. Pelo lados dos grandes clubes europeus, o surgimento de novas competições ou alterações nos campeonatos atuais tem como justificativas, a expansão de suas marcas pelo mundo e disputas de poder que vão além das instituições. Mas não é só isso. Estas mudanças em estruturas atuais podem ser fundamentais para continuar atraindo a atenção dos torcedores no futuro do esporte. Este texto surge para tratar desta necessidade, observando as iniciativas pelo mundo e como o Brasil se encaixa nisso tudo.

Há algum tempo o futebol faz parte da indústria do entretenimento, como já abordamos aqui. É sob essa perspectiva que vamos analisar a maneira como o esporte é entendido. Dentro do mercado do entretenimento, o jogo ganhou fortes concorrentes, principalmente pela atenção de um público mais novo, como as plataformas de streaming Netflix e Amazon Prime, além dos eSports. Surgiram fenômenos como a segunda e terceira tela, cada vez mais consolidados no mercado, quando o espectador divide a atenção entre a televisão e seu telefone, notebook e outros dispositivos. A partir disso, clubes e federações começaram a perceber que precisam modificar seus produtos. Jogos com pouco relevância e emoção tendem a distanciar o público do futebol.

Uma das soluções analisadas por quem comanda o esporte é a mudança de estruturas atuais, mais especificamente no que se refere ao formato dos torneios. A UEFA Nations League foi a primeira iniciativa a ser feita nesta direção. O torneio da federação europeia foi criado para substituir os amistosos que ocorriam nas datas FIFA. As poucas partidas na fase inicial, bem como os playoffs decisivos que deram o título para Portugal na primeira edição, conseguiram melhorar o nível de competição em relação aos sonolentos amistosos. A FIFA deve seguir pelo mesmo caminho em relação ao Mundial de Clubes. O formato com apenas os campeões de cada continente não possuía emoção alguma, graças a distância técnica crescente entre os clubes europeus e o restante do mundo. A fala de Gianni Infantino, presidente da entidade, mostra porque a nova estrutura deve atrair facilmente a atenção dos fãs: “O novo torneio será uma competição que toda pessoa … qualquer um que ama futebol, está ansioso por ver. É a primeira Copa do Mundo real e verdadeira onde os melhores clubes competirão. Ela contará com 24 equipes e será realizada entre junho e julho de 2021”.

Dois dos maiores clubes da Premier League em faturamento, Manchester United e Liverpool, também perceberam que os formatos atuais trazem desvantagens na disputa pela atenção dos fãs. A partir disso, a dupla vem trabalhando a cerca de três anos em um projeto chamado de Project Big Picture. A iniciativa daria maior poder de decisão para as grandes equipes da Premier League, permitindo que mudanças que os favorecessem fossem postas em prática. No plano inicial, divulgado no início de outubro, a única novidade em relação aos torneios seria a alteração no número de equipes que disputam a primeira divisão da Inglaterra, passando de 20 para 18. Seriam menos jogos contra equipes de menor alcance nacional e internacional, abrindo possibilidade para novas competições entre os principais clubes do planeta.

A iniciativa mais relevante neste sentido irá envolver instituições de todo o continente europeu. Trata-se da Superliga Europeia, competição que reuniria as melhores equipes de Alemanha, Espanha, França, Inglaterra e Itália. Contando com 16 ou 18 participantes, haveria uma fase inicial com todos jogando contra todos em ida e volta, além de um playoff em sede única para decidir o título. A primeira edição do torneio tem previsão para 2022, e conta com o banco JP Morgan como um possível investidor, com a quantia inicial de investimentos de US$6 bilhões. A especulação sobre esta liga dividiu opiniões das grandes confederações. Enquanto a FIFA parece apoiar tal iniciativa, a UEFA acredita que um torneio neste modelo serviria apenas para aumentar a desigualdade na distribuição de renda do futebol mundial.

Um aspecto em comum entre as novas estruturas é a utilização do formato de mata-mata em momentos decisivos do torneio. As decisões têm maior facilidade para atrair a atenção das pessoas, já que aquela pode ser a última partida do seu time ou jogador preferido. Pode ser também o dia em que o craque terá uma atuação que ficará guardada na memória dos fãs por anos. É um formato que favorece a criação de experiências memoráveis, uma necessidade dos torcedores da nova geração e algo difícil de existir em um campeonato que seu time jogará 38 jogos. Um exemplo recente disso foi o sucesso que a UEFA teve no mini torneio organizado em Lisboa para terminar a Champions League de 2019/20 após a paralisação pelo novo coronavírus. O brasileiro Neymar também soube rentabilizar a torneio, transformando sua chegada no estádio em um momento aguardado por todos nas redes sociais.

Tratando sobre aspectos de mídia, a Rede Globo já notou que partidas eliminatórias garantem uma audiência melhor. Considerando números de 2019, até mesmo os estaduais conseguiram gerar uma boa audiência em jogos eliminatórios, tendência que não foi vista em partidas que valem três pontos na classificação. Além disso, os patrocinadores ganham mais visibilidade e poder de atuação se o evento atrair a atenção dos torcedores com maior facilidade. Se os fãs pararem de assistir aos jogos por falta de emoção, as marcas começarão a retirar seu dinheiro e haverá um grande problema por aqui.

Todas estas considerações deveriam servir de recado para o futebol brasileiro em relação aos campeonatos estaduais e suas fases iniciais intermináveis. Seguimos ano após ano com três meses de calendário ocupados por torneios de pouca relevância. Quem vai se interessar por um Flamengo x Bangu, em fevereiro, pela fase de grupos do primeiro turno do campeonato carioca?

Cabe ressaltar que essas mudanças precisam abranger não apenas os grandes clubes da indústria do futebol. Os clubes considerados menores também devem entender as modificações da indústria e pesquisar alternativas para atrair seu torcedor daqui para frente. Criar rivalidades locais e buscar cada vez mais uma integração com sua comunidade podem ser algumas das soluções. O mundo do futebol está se transformando e aqueles que não souberem trabalhar em cima disso ficarão para trás.

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