Por todas as suas sutilezas e a subjetividade existente em um jogo de futebol, já era de se esperar que o uso da tecnologia não tenha conseguido eliminar nem todos os erros, e muito menos as controvérsias que envolvem a arbitragem. Porém, quando o assunto é o impedimento, a expectativa até era um pouco maior, pois em teoria, a posição habilitada ou não de um atacante não deixa margem para interpretação, ele está ou não impedido. A experiência, por outro lado, tem mostrado que até nesses casos as polêmicas ainda persistem. Isso acontece porque, mesmo com a tecnologia, o processo ainda traz margens para imprecisões, fazendo com que lances milimétricos ainda estejam sujeitos a erros, como em alguns casos que temos observado desde a implementação do VAR para lances de impedimento. Para entender como se dá a aplicação da tecnologia utilizada na definição dos impedimentos nas partidas, vamos voltar algumas casas e começar pelo conceito da posição de impedimento. Um jogador se encontra em posição de impedimento quando está mais próximo da linha de fundo do que o penúltimo defensor da equipe adversária. Como na figura abaixo.
Como é possível observar, a posição ou não de impedimento de um atacante é definida de forma bastante objetiva, de acordo com a posição do 2º defensor mais próximo da linha de fundo, mas existem alguns detalhes que acabam complicando bastante essa definição mesmo com a ajuda da tecnologia disponível atualmente.
A primeira questão são as partes do corpo. Para definir a linha que habilita ou não o atacante a jogar, a parte do corpo do defensor que é levada em consideração é aquela que está mais próxima da linha de fundo e que pode ser utilizada para tocar na bola, ou seja, mãos e braços não contam, mas ombros sim. A mesma ideia serve para definir a posição, ou linha, do atacante. Ou seja, a linha, da primeira imagem, acaba sendo muitas vezes, na verdade, um plano.
Aqui já temos uma dificuldade bastante considerável pois definir esse plano que se origina do corpo de defensor em uma situação real de jogo não é uma tarefa simples. Para isso é necessária uma tecnologia capaz de gerar essas projeções em todo o campo de jogo, a partir das imagens disponibilizadas pelas câmeras que alimentam o sistema.
Como é possível observar na imagem acima, a definição da linha do defensor, e também do atacante, dependem de onde é posicionado o ponto de referência para a projeção – a cruz azul na figura. Nesse processo temos margem para imprecisões, já que a definição do ponto de referência é feita por um ser humano. Imagine em um lance no qual a parte do corpo do defensor, do atacante, ou dos dois, que está mais próxima da linha de fundo é o ombro, como definir onde termina o ombro e começa o braço? Dois ou três pixels para um lado ou para o outro podem determinar a posição legal ou não de um atacante?
Por outro lado, também vale destacar como o uso dessas projeções ajuda a elucidar lances nos quais a primeira impressão pode ser enganosa. No exemplo abaixo temos a reprodução de um lance utilizado para explicar o funcionamento das projeções, note como na primeira imagem a impressão que fica é a de posição de impedimento do atacante, de branco.
Porém, se observarmos o mesmo lance por outro ângulo, como na imagem a seguir, é possível perceber que o pé de um dos defensores dá condição de jogo ao atacante.
O uso da projeção permite que tais situações sejam verificadas com precisão, o que depende da escolha correta das partes do corpo do atacante e defensor que serão usadas para a análise por parte de quem opera o VAR.
Complexo, não? E estamos ainda falando do lance parado! No jogo o atacante que em um instante estava impedido, no centésimo seguinte pode não estar, e vice-versa, e aí entra a decisão humana de novo para definir o momento exato no qual o lance será congelado e a posição de impedimento será verificada. A regra determina que o momento exato que deve ser usado para definir a posição de impedimento é o do primeiro “frame” – os quadros do vídeo – no qual há o contato do passador com a bola. Dependendo da escolha do “frame” as posições de defensores e atacantes podem trazer resultados distintos em relação ao veredito do impedimento.
A escolha do frame também é realizada por seres humanos e dependendo do momento, do frame, utilizado para a verificação da posição de impedimento, o atacante pode estar ou não habilitado.
Atualmente, mesmo nos lances mais objetivos de impedimento, sem nem considerarmos todos aqueles nos quais entra em cena a interpretação da participação ou não no lance, as bolas rebatidas e situações similares, ainda há muita margem para imprecisão, e os lances milimétricos, ou ajustados, na linguagem da arbitragem, vão continuar a ser a origem de muita controvérsia se depender da tecnologia disponível.
Nesse sentido, é importante conhecermos os detalhes de funcionamento das tecnologias de revisão dos lances para não alimentarmos falsas teorias da conspiração e entender que a tecnologia irá evoluir simultaneamente às necessidades do jogo, que tenderá, cada vez mais a exigir precisão milimétrica e “milesimal” na avaliação das posições de impedimento.
*Colaborou Renata Ruel, ex árbitra de futebol do quadro de futebol da FPF e CBF, e comentarista de arbitragem.