RH no futebol – a humanização e o futuro do jogo

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Créditos – Rubens Chiri/SPFC

Os recursos humanos, ou RH, é uma área que tem tido cada vez mais atenção na administração das empresas e engloba, entre outras atividades o treinamento, que é a capacitação de curto prazo, como por exemplo o aprendizado para trabalhar com determinada ferramenta ou software e o desenvolvimento, mais relacionado à capacitação de longo prazo, como o alinhamento com a cultura e valores da empresa.

Na gestão dos clubes de futebol, a área também tem ganhado relevância, mas não com a velocidade esperada, como explica a psicóloga Juliana Mazepa psicóloga, pós-graduada em Gestão Estratégica de Pessoas e líder do grupo de estudos sobre Neurociência e Desempenho na Universidade do Futebol, “no futebol o RH ainda é visto como uma área de departamento pessoal, que faz pagamento de folha, questões burocráticas. Não existe nos clubes a área, ou sub-áreas do RH, o chamado T&D, que é o treinamento e desenvolvimento, que contempla a análise de perfil comportamental, direcionamento de carreira, análise por competências, desenvolvimento de competências, sinergia de grupo, treinamento de líderes e gerentes, fortalecimento da cultura organizacional, tudo isso que já acontece em grande parte das empresas, mas não no futebol. É essa mudança que precisa acontecer definitivamente”, conclui.  

Ainda para Juliana, é importante que os clubes estejam atentos ao treinamento e desenvolvimento dos profissionais de todas as áreas do clube, tanto daqueles que participam dos setores relacionados às atividades-meio, como o marketing e a gestão, como às atividades-fim, o trabalho dos treinadores, por exemplo, “os clubes poderiam aperfeiçoar esses processos começando pela análise de perfil comportamental, quando é feito o alinhamento do desejo e o talento profissional que a pessoa tem com a necessidade do clube. Esse olhar de alguém especifico para o desenvolvimento de carreira é com certeza uma área que os clubes vão precisar explorar, obrigatoriamente. Se a gente quer elevar o nível do resultado em campo, da performance do atleta, a gente precisa elevar o nível técnico e comportamental de todas as pessoas que trabalham no entorno”, explica.

O conceito de atividade-meio e atividade-fim no futebol são aprofundados no curso Gestão Técnica no Futebol, nossa próxima turma terá matrículas abertas em maio

Os cargos técnicos no futebol, em especial o dos treinadores, são aqueles que acabam sendo mais impactados pela pressão por resultados e, consequentemente, apresentam uma maior rotatividade. Um estudo do pesquisador Matheus Galdino, publicado recentemente na Universidade do Futebol e que você pode acessar aqui, mostra como o Brasil é um destaque negativo nesse sentido, sendo o líder mundial no ranking de troca de técnicos.

É por conta desse cenário um tanto “caótico” que o treinador Eduardo Barros classifica como “utópico” o estabelecimento de um plano de carreira para treinadores atualmente no Brasil. Ele também aponta como um fator que dificulta o estabelecimento desse plano a heterogeneidade de patamares pelos quais os treinadores são reconhecidos e iniciam as suas trajetórias. “É muito difícil estabelecer objetivamente como é o planejamento de carreira do treinador. Ele precisa entender quem ele é, quais competências ele tem e não tem, quais formações ele precisa. Ela vai se iniciar de diferentes formas, pela escolinha ou até pelo profissional, dependendo do nível do treinador em questão”, analisa.  

No FutTalks #52, Thiago Scuro conta como o Red Bull Bragantino busca sanar a descontinuidade dos trabalhos com a análise de mercado voltada para treinadores, por meio do estudo de modelos de jogo e estilos de liderança de potenciais substitutos – Acompanhe a entrevista na íntegra.

Como exemplo de treinadores que já contavam com certo prestígio no meio e conseguiram uma inserção mais acelerada em clubes de elite, temos Rogério Ceni, que assumiu o São Paulo em 2017 e atualmente comanda o Flamengo.  Na outra ponta temos como exemplo de profissional que iniciou pelas categorias menores o treinador Zé Ricardo, que subiu da categoria sub-15 até o profissional do mesmo clube, se estabelecendo como treinador elite do futebol brasileiro desde então. A evolução da carreira de Zé Ricardo ilustra bem um dos modelos incidentais de progressão de carreira mais comuns no futebol brasileiro e mundial que é a escalada entre as faixas etárias de um ou mais clubes.

Rogério Ceni em ação pelo Flamengo. Crédito: Marcelo Cortes/Flamengo

Levando em consideração as diferentes demandas de trabalho e características dos jogadores e jogadoras em faixas etárias tão distintas como o sub-15 e o profissional, uma das discussões que podem ser levantadas acerca do planejamento de carreira de treinadores é a possibilidade de progressão, inclusive financeira, dentro de uma própria faixa etária. Afinal, é bastante compreensível que determinado treinador seja mais propenso a lidar com todo o ambiente que envolve o trabalho em um sub-15 e menos com as demandas do profissional, e vice-versa. Sobre a questão Zé Ricardo acredita que “é legítimo que a maioria dos profissionais queira subir na carreira e vislumbrar uma trajetória no profissional, mas creio sim existir treinadores que são especialistas em determinadas faixas etárias e que poderiam, se assim fossem devidamente valorizados e remunerados, ser de ótima valia para o clube na formação de seus atletas. Os clubes poderiam, e deveriam, participar mais disso. São poucos os exemplos de intercâmbios entre profissionais para uma melhor formação deste. Imagino que não seja fácil, mas certamente seria um investimento que retornaria em forma de um melhor atleta no seu profissional. E isso como se sabe, não é pouco. A realidade me parece mais no sentido de um profissional ter que buscar por seus meios, essa formação”, opina o treinador.

“Em funções de gestão e coordenação tentei criar um ambiente que permitisse o desenvolvimento do profissional, mas acho que isso não é o mesmo do que uma criação formal de um plano de progressão de carreira, vejo isso ainda como utópico pensando no nosso futebol, dada as mudanças de gestão que são muito frequentes. Falta aos nossos clubes de maneira geral, uma visão mais clara de médio e longo prazos, que permita a criação de fato de um plano de carreira institucional, uma política do clube pensada não só para o treinador mas para todas as funções da área técnica e diretiva de um clube” – Eduardo Barros

Apesar de não existir, pelo menos por hora um plano de carreira efetivamente estruturado para treinadores, Eduardo Barros conta sobre algumas iniciativas no futebol brasileiro que ao menos buscaram caminhar nesse sentido, “participei efetivamente de dois movimentos nessa direção. O primeiro foi em 2015 no Coritiba, sob a gestão inicial do João Paulo Medina. Fui um dos líderes técnicos das categorias de base e o primeiro grande movimento que nós fizemos no clube foi o de diminuir a disparidade entre os treinadores de toda a cadeia do sub-11 ao sub—20. A ideia era a de implantar uma progressão de carreira que respeitasse o perfil do profissional e que permitisse que ele pudesse ter reconhecimento até financeiro na própria categoria, sem necessariamente ter que subir de categoria para ter esse reconhecimento. Esse movimento também foi feito no Athletico Paranaense em 2019 e 20 sob a gestão do Paulo André como diretor de futebol de forma muito semelhante”, aponta.

A formação de jogadores

Essa falta de planejamento de carreira na área técnica encontrada em grande parte dos clubes também pode acabar influenciando negativamente um outro processo fundamental da vida de um clube que é o desenvolvimento de seus jogadores, já que é difícil estabelecer um trabalho de longo prazo sem uma qualificação dos profissionais que caminhe na mesma direção e com trocas tão frequentes no comando do trabalho. Gabriel Puopolo, que é psicólogo das categorias de base do São Paulo Futebol Clube destaca a necessidade da formação integral, ou de uma priorização do desenvolvimento humano dos jogadores e jogadoras nas categorias de base e como esse trabalho pode render frutos aos clubes, “falar de desenvolvimento humano não é sobre criar um PHD em física, tampouco lordes ingleses, mas sobre o desenvolvimento da capacidade de processar informação, de compreender a relevância do papel do jogador na sociedade, que ele aprenda a trabalhar em equipe, a ser autônomo e a tomar decisões em sua vida. Tudo isso impacta dentro de campo, principalmente na perenidade e manutenção desse desempenho ao longo do tempo. Se eu quero que um jogador renda por bastante tempo, de maneira mais sustentada, preciso estar atento ao desenvolvimento dele como pessoa”, defende.

Pensar mais nas pessoas, tanto nos jogadores, como nos demais profissionais envolvidos direta ou indiretamente no que acontece dentro do campo de jogo, pode ser o caminho para a necessária evolução do futebol brasileiro.

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