Crédito imagem: Lucas Figueiredo/CBF
Na primeira parte deste texto, busquei chamar a atenção para uma etapa da formação esportiva pouco estudada e debatida, os primeiros anos de vida da criança. Esta fase foi colocada como diferencial positivo do futebol brasileiro. Podemos ter outros diferenciais. Até devemos ter outros, alguns positivos, outros negativos. Mas nesta série de textos focaremos sobre este diferencial que a mim parece determinante para que o futebol brasileiro e os seus jogadores e jogadoras sejam ainda bastante respeitados no mundo.
A maioria de nós, profissionais do futebol, atuantes em diferentes setores da sua cadeia produtiva, e quase todos nós brasileiros, desde que nascemos, somos expostos a uma cultura que ama futebol e o incentiva desde então. Muitos de nós recebemos roupas de um clube antes mesmo de começarmos a andar. Nos Estados Unidos, talvez os pais ou familiares deem roupas de franquias de basquete, futebol americano, beisebol ou hóquei. Portanto o futebol não é algo natural, que está no nosso gene, mas sim, algo que é cultural e é nosso enquanto nação. Muito bem, mas por que esse assunto de cultura? O que ela tem a ver com o que queremos saber sobre o diferencial do futebol brasileiro? Tudo!
Os conhecimentos em pedagogia nos fazem observar os seres humanos desde muito cedo. Existe uma corrente teórica sobre a pedagogia, isto é, a teoria que estuda a educação humana, que diz que aprendemos a partir das interações da nossa organização atual, que compreende tudo o que já somos, com o meio em torno de nós, ambos (nossa organização e o meio) extremamente complexos. Portanto, em uma perspectiva da complexidade, a nosso respeito podemos citar a dimensão biológica (genética), nossa dimensão energética, nossa dimensão espiritual e todos os conhecimentos que adquirimos até um determinado momento da aprendizagem. Por outro lado, na perspectiva do ambiente, todos os fatores que compõem um ambiente social, logo, a cultura, o espaço físico, as pessoas inseridas nesse local, e a natureza de forma geral, entre outros. Esta forma de compreender a aprendizagem advém da corrente interacionista.
O parágrafo anterior teve o objetivo de mostrar que a aprendizagem depende da cultura. E a cultura brasileira favorece a aprendizagem do futebol. Mas como essa aprendizagem ocorre?
A forma mais eficaz de as crianças aprenderem, qualquer coisa, inclusive o futebol, é brincando, jogando. A criança, quando possui a liberdade de brincar e ser dona da própria brincadeira, não raro aprende muito. Há algumas décadas era possível ver com abundância as crianças brincando de futebol em ruas, praias, praças, terrenos baldios ou campinhos de várzea. Hoje é muito comum ver as crianças brincando de video game. Em ambos os casos elas aprendem, e aprendem muito bem. Por que será que elas aprendem tão bem quando aprendem brincando? E como é essa brincadeira? Como é o ambiente que envolve essa brincadeira?
A cultura exerce o seu papel desde muito cedo e de diferentes maneiras, inclusive sobre o que as crianças querem brincar espontaneamente. Repare nos milhões de pais e mães que são apaixonados pelo futebol e já fazem os bebês recém-nascidos interagirem com esse esporte, fazendo-os gostar de algum clube de coração, até ver e ouvir jogos na televisão. Conforme crescem, têm a bola em seus diferentes tamanhos e cores como um brinquedo abundante em casa, ou mesmo levando as crianças a estádios e campos de várzea, assistindo jogos, brincando de bola entre família etc.
Quando a criança começa a se socializar fora do ambiente familiar, frequentando a escola e demais ambientes onde há mais crianças como ela, mais uma vez o futebol costuma estar presente e sendo incentivado pela cultura. Em ambientes escolares é comum as crianças brincarem de bola no recreio ou em aulas de educação física. Fora desses ambientes, o futebol tende a ser ainda mais forte, no quintal de casa, entre irmãos, primos, vizinhos. E, também, na rua ou na quadra mais próxima, com os amigos de bairro, onde as brincadeiras espontâneas, aquelas sem grandes influências de adultos nas suas organizações, começam a ficar maiores e mais complexas do ponto de vista do desenvolvimento infantil. E é nesse ponto que devemos parar e analisar o nosso contexto específico, com a devida atenção sobre o que acontece nesse ambiente de brincadeira informal entre as crianças brasileiras, que parece favorecer tanto a aprendizagem do futebol.
Vamos refletir exatamente sobre isso no próximo texto!
Até lá!