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Adriano – O futebol tem medo das pessoas?

O texto de Adriano no Player’s Tribune é o texto da semana. Para quem, como muitos de nós enxerga o futebol com a paixão de um torcedor ou de um jogador frustrado, as trajetórias de atletas como ele, o Imperador, e Ronaldinho Gaúcho, que atingiu o topo e não fez a menor questão de continuar por lá e tantos outros, sempre doem pelo que “poderia ter sido”, os relatos de Adriano ajudam a ter uma visão menos “nossa” e um pouco mais empática sobre os caminhos que esses e outros jogadores escolheram tomar.

Adriano começa o seu texto falando sobre como chegar ao topo do futebol mundial foi um teste ininterrupto de sobrevivência, o que lembra, inclusive, outra experiência de vida compartilhada no Player’s Tribune a de Romelu Lukaku. Não há espaço no processo de se tornar jogador para pensar ou se preocupar com o outro, a cada jogo você deve se destacar, a cada ano, dezenas de colegas ficam pelo caminho, é matar ou morre, às vezes quase literalmente. O quanto isso impacta na maneira como esses jogadores entendem o jogo? O quanto o senso de equipe vem sendo incentivado nos jogadores brasileiros? O texto de Adriano nos estimula a pensar sobre isso.

Outro ponto alto do texto é a montanha russa de emoções que o atacante viveu em 2004, entre a virada inesquecível sobre a Argentina na final da Copa América e a morte do pai, nove dias depois. Como conta Adriano, após o ocorrido, o futebol e a vida perderam o sentido, e a partir daí sua carreira tomou um rumo completamente diferente do que jornalistas e o público esperavam.

“Sim, talvez eu tenha desistido de milhões. Mas quanto vale a sua paz de espírito? Quanto você pagaria para ter de volta a sua essência?”

“Fiz uma coisa que eu quis fazer porque sabia que estava precisando” – Explica Adriano

Fundamental aqui fazer uma ressalva em relação à saúde mental dos jogadores, e de todos. Com um maior suporte nesse sentido Adriano teria encontrado razões para seguir jogando em alto nível por mais tempo? Jamais saberemos, mas o ponto é que Adriano, ao contrário das expectativas criadas ao redor de um jogador escolheu pelo que lhe fazia feliz, por sua essência nas palavras dele. Isso assusta demais quem quer ter os jogadores na palma de sua mão, sejam eles dirigentes, diretores de federações, agentes, ou patrocinadores. Um jogador “indomável” significa uma ameaça real à estrutura estabelecida que, obviamente é conveniente para todos os que se encontram em seus postos de comando.

O raciocínio aqui é parecido com o que já apresentamos sobre combatividade, muitas vezes excessiva, utilizada para analisar a trajetória de Maradona, que em muitas passagens de sua carreira foi uma pedra no sapato de quem comanda o futebol e escolheu mais por sua felicidade do que pelo que se esperava dele. Da mesma forma, causaria um baita incomodo jogadores se recusarem a atuar sob condições inaceitáveis como as que aconteceram ontem na partida entre América de Cali e Atlético, quando protestos ocorriam a metros do estádio, que teve que ser interrompida diversas vezes por conta do gás utilizado para conter os manifestantes que frequentemente invadia o campo, não havia nem condições nem clima para se jogar futebol ali!

Agora imagine o tamanho da encrenca se mais jogadores escolhessem pela sua “essência”, mais do que por mais dinheiro ou troféus? Messi, por exemplo, está cada vez mais próximo do fim do seu contrato com o Barcelona, o que o impede de realizar o sonho de sua infância e escolher defender as cores do Newell’s Old Boys, da cidade argentina de Rosario?

Quem perde e quem ganha com a realização de um sonho desse?

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Diferencial do futebol brasileiro – a cultura futebolística

Crédito imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Na primeira parte deste texto, busquei chamar a atenção para uma etapa da formação esportiva pouco estudada e debatida, os primeiros anos de vida da criança. Esta fase foi colocada como diferencial positivo do futebol brasileiro. Podemos ter outros diferenciais. Até devemos ter outros, alguns positivos, outros negativos. Mas nesta série de textos focaremos sobre este diferencial que a mim parece determinante para que o futebol brasileiro e os seus jogadores e jogadoras sejam ainda bastante respeitados no mundo.

A maioria de nós, profissionais do futebol, atuantes em diferentes setores da sua cadeia produtiva, e quase todos nós brasileiros, desde que nascemos, somos expostos a uma cultura que ama futebol e o incentiva desde então. Muitos de nós recebemos roupas de um clube antes mesmo de começarmos a andar. Nos Estados Unidos, talvez os pais ou familiares deem roupas de franquias de basquete, futebol americano, beisebol ou hóquei. Portanto o futebol não é algo natural, que está no nosso gene, mas sim, algo que é cultural e é nosso enquanto nação. Muito bem, mas por que esse assunto de cultura? O que ela tem a ver com o que queremos saber sobre o diferencial do futebol brasileiro? Tudo!

Os conhecimentos em pedagogia nos fazem observar os seres humanos desde muito cedo. Existe uma corrente teórica sobre a pedagogia, isto é, a teoria que estuda a educação humana, que diz que aprendemos a partir das interações da nossa organização atual, que compreende tudo o que já somos, com o meio em torno de nós, ambos (nossa organização e o meio) extremamente complexos. Portanto, em uma perspectiva da complexidade, a nosso respeito podemos citar a dimensão biológica (genética), nossa dimensão energética, nossa dimensão espiritual e todos os conhecimentos que adquirimos até um determinado momento da aprendizagem. Por outro lado, na perspectiva do ambiente, todos os fatores que compõem um ambiente social, logo, a cultura, o espaço físico, as pessoas inseridas nesse local, e a natureza de forma geral, entre outros. Esta forma de compreender a aprendizagem advém da corrente interacionista.

O parágrafo anterior teve o objetivo de mostrar que a aprendizagem depende da cultura. E a cultura brasileira favorece a aprendizagem do futebol. Mas como essa aprendizagem ocorre?

A forma mais eficaz de as crianças aprenderem, qualquer coisa, inclusive o futebol, é brincando, jogando. A criança, quando possui a liberdade de brincar e ser dona da própria brincadeira, não raro aprende muito. Há algumas décadas era possível ver com abundância as crianças brincando de futebol em ruas, praias, praças, terrenos baldios ou campinhos de várzea. Hoje é muito comum ver as crianças brincando de video game. Em ambos os casos elas aprendem, e aprendem muito bem. Por que será que elas aprendem tão bem quando aprendem brincando? E como é essa brincadeira? Como é o ambiente que envolve essa brincadeira?

A cultura exerce o seu papel desde muito cedo e de diferentes maneiras, inclusive sobre o que as crianças querem brincar espontaneamente. Repare nos milhões de pais e mães que são apaixonados pelo futebol e já fazem os bebês recém-nascidos interagirem com esse esporte, fazendo-os gostar de algum clube de coração, até ver e ouvir jogos na televisão. Conforme crescem, têm a bola em seus diferentes tamanhos e cores como um brinquedo abundante em casa, ou mesmo levando as crianças a estádios e campos de várzea, assistindo jogos, brincando de bola entre família etc.

Quando a criança começa a se socializar fora do ambiente familiar, frequentando a escola e demais ambientes onde há mais crianças como ela, mais uma vez o futebol costuma estar presente e sendo incentivado pela cultura. Em ambientes escolares é comum as crianças brincarem de bola no recreio ou em aulas de educação física. Fora desses ambientes, o futebol tende a ser ainda mais forte, no quintal de casa, entre irmãos, primos, vizinhos. E, também, na rua ou na quadra mais próxima, com os amigos de bairro, onde as brincadeiras espontâneas, aquelas sem grandes influências de adultos nas suas organizações, começam a ficar maiores e mais complexas do ponto de vista do desenvolvimento infantil. E é nesse ponto que devemos parar e analisar o nosso contexto específico, com a devida atenção sobre o que acontece nesse ambiente de brincadeira informal entre as crianças brasileiras, que parece favorecer tanto a aprendizagem do futebol.

Vamos refletir exatamente sobre isso no próximo texto!

Até lá!