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O futebol não tem explicação?

Um dos hábitos que tenho quando vou observar e estudar o jogo de futebol é olhar pelo aspecto organizacional do jogo e da equipe. E, quando falo de organização falo de interações ao nível do jogo (equipe A x equipe B) e dentro de cada equipe envolvida (jogadores x treinador). No jogo sabemos que há 2 equipes tentando impor/ressaltar sua forma de jogar sobre a outra. E nessa “batalha” encontramos interações entre jogadores, sistemas, formas de jogar, etc. Uma relação que necessita ser melhor estudada pela sua característica extremamente complexa. Além de ter diversos fatores e variáveis que interferem no desenrolar da/até a partida, cada equipe tem seu propósito e interesse naquele confronto.

Em cada equipe, por sua vez, temos uma interação entre jogador(es) e treinador, uma relação entre aquilo que o(s) atleta(s) produz(em) em campo e as orientações (físicas, técnicas e tática/estratégicas) que são dadas a ele(s) e para a equipe. Cada jogador, por sua vez, tem sua própria leitura e forma de resolver os problemas, e o mesmo é verdade para o treinador (e quando falo de treinador falo de qualquer membro da comissão técnica). Depois disso penso sobre o tipo de treino (exercícios, instruções, conselhos, etc) que ele deve estar oferecendo, e ofertando para a equipe/atletas a fim de alcançar aquele determinado tipo de comportamento em campo. Sei que são diversos parâmetros para se entender, ou tentar, o jogo e a equipe.

Mas quando se mais estuda o futebol, mais ele se torna interessante e misterioso. Alguns chegam a dizer que “o futebol não tem explicação”. Todavia, não podemos esquecer que só porque não encontramos uma explicação, não significa que não há uma. No intuito de tentar justificar minha explanação, vos escrevo.

Penso o futebol como uma mistura homogênea entre arte e ciência. Arte pelo lado dos jogadores (criatividade/improviso) e ciência pelo lado do treinador (o qual deveria interpretar assim, com muito estudo e discernimento entre certo e errado). Contudo, como qualquer profissão, o futebol é feito por caminhos que precisam ser escolhidos, por caminhos obrigatórios. Se torna imprescindível escolher o trajeto a se seguir. Qual linha metodológica? Que tipo de liderança vai ser exercida? Como vai se jogar? Qual a intencionalidade de cada ação?, etc. Apesar disso, e ao mesmo tempo, se torna necessário entender a diferença entre o jogo e o jogar. Cada equipe leva o seu “Jogar” para o confronto e o “Jogo” é a resultante dessa relação (com “J” maiúsculo, pois cada jogo é um “Jogo” específico). Agora, sobre o jogo não se pode ter o domínio completo, mas geralmente se sobrepõe a “melhor” organização, o “melhor” jogar (“melhor” com aspas pois o seu significado pode ser diferente para cada interpretação).

Fala-se muito que o futebol é um jogo imprevisível. Na verdade comenta-se muito sobre algo que não se conhece, aliás, quem mais comenta são aqueles que não estão envolvidos diretamente com o processo de fabricação do jogo e do jogar. No jogo de futebol os encontros são aleatórios. Mas quando conhecemos bem as virtudes e as vulnerabilidades de cada parte envolvida, o resultado desse encontro pode ser um tanto previsível. E de fato, quanto mais bem treinadas as equipes, mais há a probabilidade de exibirem padrões de comportamentos táticos individuais e coletivos. O que não seria o mesmo em dizer que: “equipes bem treinadas são mais previsíveis”. Quanto mais “bem treinada” é uma equipe, melhor é a sua organização coletiva e individual.

Ou seja, maior é seu nível de organização. Não falo de organização no sentido de ordem, de ordenação, de mecanização, robotização, etc. Falo em organização no sentido de todos (jogadores e treinador) estarem livres para fazerem o seu melhor no jogo e no jogar. Todavia, dentro de uma estrutura maior, um bem maior que é a equipe como um todo, a instituição. Enfim, organização de jogo e da equipe é assunto muito complexo, que já escrevi e ainda escreverei muito sobre ele (pois me interessa muito e ainda tenho muitas dúvidas nesse tema).

A equipe “bem treinada”, que referi anteriormente, diz respeito aos treinos serem estruturados com preceitos científicos e metodológicos. Oferecendo, assim, a possibilidade de criar uma organização coletiva no qual o individual se sobressaia, com toda a sua criatividade, dentro de uma proposta coletiva, um bem maior, que é a equipe, o clube, a instituição.

Por isso insisto em falar que o futebol é um jogo complexo, e precisamos tratá-lo assim. Com a devida preocupação e o interesse de cada vez melhor entendê-lo. Só assim haverá evolução e desenvolvimento do nosso jogar. Por isso, acho importante estudar o jogo e o jogar. E a medida que você vai “dominando” as variáveis que envolvem o jogo, você acaba se importando mais em compreender tudo aquilo que envolve o futebol. Um paradoxo onde quando mais se estuda, mais se precisa estudar. Assim, com o passar do tempo, e com a evolução do seu nível de compreensão, tudo acaba sendo preocupação para seu entendimento. E isso acontece muito quando na elaboração do treino e na planificação daquilo que se pretende com a equipe.

Com o passar do tempo, fica mais difícil e demorado elaborar e criar exercícios, bem como na lógica eles serão inseridos. Pois a complexidade do jogo/jogar é diretamente proporcional ao nível que ele é apresentado. Quanto maior o nível técnico/tático do jogo/jogar, maior a complexidade do jogo/jogar.

Se você desconhece uma coisa e quer dominá-la, a tendência que não dê certo é grande. Verdade seja dita, não há nada mais prejudicial que um incompetente com iniciativa (Mario  S. Cortella). E, infelizmente, é o que a maioria dos treinadores querem: dominar e regular problemas dos quais não tem nenhum conhecimento sobre eles. Ao meu ver, é preciso dar mais importância ao treino e sua elaboração. O futebol é um jogo de hábitos que se adquire na ação, na prática, no treino. O treino é tudo. Se quisermos chegar em um nível de competitividade maior e melhor ou, até mesmo, não ficar vulnerável a qualquer desvio ou tropeço de resultado, precisamos dar mais e melhor relevância ao treino e a todo o processo metodológico.

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Pico de forma x Pico do jogar diário

No futebol, algumas barreiras ainda tomam conta, mesmo que algumas pessoas tentam transcender paradigmas estabelecidos. Inovar e ter coragem soa como um “marco utópico” para quem quer construir novos caminhos, mas é possível.

Relativamente à construção metodológica, há considerações interessantes em todos os lados, em todas as escolas. Muitas tendências foram evoluindo, ganhando corpo, originárias de ciências mais clássicas e complementadas com novas ciências. Essa junção pode ser saudável se uma transcendência conceitual for bem entendida.

Assim, deve-se diminuir o julgamento de ideias, e sim ter ideias e convicções processuais. Construir um caminho próprio, depois de considerar o que é sustentável, o que vale a pena e é realizável dentro do ambiente, é um ato contextual, real e atual.

Então, a tese de que a capacidade física de uma equipa depende diretamente da carga de trabalho realizada na pré-temporada, as ideias das cargas, do volume e intensidade, são todas consideradas e discutíveis, juntamente com o chamado pico de forma; mas será que uma equipa pode ou não ser programada para ter o chamado “pico” de forma, em certo ponto da temporada? Será que essa equipe chegará naquela final da competição que é o ponto do pico de forma?

Para a teoria clássica sim, pois é impossível manter a mesma forma em alto-nível durante toda a época desportiva, por isso devem ser planejados em alguns períodos os famosos picos de forma que surgem após momentos de elevada preparação física ou a preferência por alguma capacidade física.

Evidente que a dimensão física é importante, mas definir picos de forma em um período determinado parece uma utopia, pois é difícil prever como a equipe estará para o próximo treino, imagine para um período futuro de três meses ou mais. Gerir essa previsão futura do tempo pode ser um grave problema para uma comissão técnica. O futebol não oferece um cenário seguro e controlado, por isso, o “pico do jogar diário” pode representar algo mais significativo para a evolução e prevenção da equipe.

Uma equipe antes que esperar ou perspectivar seus picos de forma, deve criar ao longo da temporada, semanalmente, diariamente, uma regularidade de jogo em todas as dimensões do processo. O importante é definir, desde o primeiro dia os patamares organizacionais de jogo e uma lógica de treino que estabilize e progrida a forma de jogar. E o mistério para esta interação e unidade tático-técnica-física-pscicológica reside na identificação da qualidade que a intensidade relativa tem em cada dia de treinamento e não no volume de trabalho.

Sem picos de forma, com intensidade relativa permanente, do primeiro ao último dia, sendo uma intensidade relativa a cada dia da semana de treinamento, é uma das novas tendências do treinamento. Acredita-se nessa intensidade do trabalho do primeiro ao último dia do ano.  A forma de jogar da equipe vai gerar desempenhos específicos suscitados pela regularidade criada no dia a dia, que claro, evidente, pode acontecer algumas perturbações, mas que garanta sempre uma regularidade que deixe a equipe mais perto da vitória em todos os jogos.

O pico de forma que visa apenas o desenvolvimento físico, das capacidades físicas, deve ser substituído pelo pico do jogar diário, que também considera e muito a dimensão física, mas aponta para patamares progressivos de desempenhos desenvolvidos pela qualidade do processo. Uma equipe de futebol deve buscar a evolução constante, deve ser muito melhor a cada dia, e todos os dias progressões devem acontecer. Como o calendário no futebol dura de nove a dez meses, o sucesso dependerá dos resultados nos jogos, e que cada jogo seja criado um rendimento superior ou relativo que por vezes tem suas quedas. Isso exige regularidade no desempenho que possibilite vencer o máximo que puder e, portanto viver uma lógica de treino semanal e diária. Então, falar em “picos de forma” pode ser uma precipitação metodológica, especialmente para um esporte coletivo que tem no dia a dia o maior e melhor remédio natural que pode existir.

Abraços a todos e até a próxima quarta!

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O trabalho da Mulher no futebol do Brasil

O futebol feminino ganhou destaque nesta semana no noticiário esportivo. Infelizmente tratou da demissão da treinadora da seleção feminina, Emily Lima. O fato leva a uma reflexão maior sobre a questão de gêneros, não apenas na modalidade, mas também dentro da gestão do esporte.

Dentro da importância que o esporte tem para o país e do debate sobre o crescimento e desenvolvimento do futebol feminino, é preciso construir estruturas para que isso aconteça de maneira sustentável. A confederação, como entidade de administração do esporte, tem o dever de proteger e difundir a modalidade. Possui, portanto, grande responsabilidade de trabalhar a questão do gênero a fim de fornecer o melhor cenário para que isso, de fato, aconteça.

Dentro deste cenário, está o incentivo para uma maior presença das mulheres nas comissões técnicas das equipes, e também envolvidas com a gestão do futebol. Nesse sentido, as seleções – tanto de base como a principal – são fundamentais para a condução deste trabalho. Quanto mais exemplos vierem de cima, ou seja, da seleção nacional, maior será o incentivo para que mais mulheres se envolvam com o jogo.

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

 

Há quem diga que uma seleção nacional não pode servir de espaço para ser este exemplo, quer seja porque não há tempo para isso, ou que a demanda por resultados é maior. Ledo engano. A equipe feminina deve estar dentro de um projeto muito maior que é a do crescimento e desenvolvimento sustentável da categoria. A presença de uma treinadora à frente da equipe principal, com o suporte de todo o plantel, torna o acesso ao futebol feminino mais universal. Ademais, em função de todos os preconceitos e estereótipos que rodeiam o futebol no Brasil, proteger o trabalho destes temas dentro do futebol feminino talvez seja a única maneira para se obter este crescimento e desenvolvimento sustentável que tanto se almeja em termos de gênero. Dessa maneira, cumpre-se – em parte – o papel da federação, que é o de proteger e difundir o esporte, dentro de todas as categorias.

Com tudo isso, é preciso deixar bem claro o que se quer com o futebol feminino em nível nacional e dentro das seleções. O trabalho contínuo e de longo prazo levará ao melhor resultado. Em razão do seu alcance atual e mobilização, não pode ser espaço para conflitos de interesses. O interesse, aliás, tem que ser único: o futebol feminino do Brasil.

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As consequências da pressão

O 1˚ desafio no jogo e na equipe de futebol é de organização, é de “tática”. E quando falo de tática, falo de coletivo, falo de equipe. O futebol é um jogo coletivo, uma afirmação que insistimos em “esquecer”. A prática desse esporte é coletiva. Mas, por hora, ficamos tão abismados com as repostas que alguns jogadores dão em campo que logo pensamos que a solução está no individual, na “criatividade do jogador brasileiro”. Que individualmente podemos resolver toda e qualquer adversidade que o jogo oferece. “Com vontade e técnica, nossos problemas estarão resolvidos”. É preciso parar para pensar. É preciso parar para pensar, de forma idêntica, em alguns jargões que se usam e nem sempre se conhecem os seus verdadeiros sentidos/significados e os efeitos que eles trazem, ou podem trazer. Não pretendo aqui ter o atrevimento de “saber qual o significado” ou o resultado desse tipo de pensamento com exatidão. Porém, ambiciono levantar algumas reflexões sobre aquilo que observo acontecer em algumas partidas e/ou equipes.

“A melhor defesa é o ataque” . Sempre escutei essa frase com o sentido de atacar sempre o adversário. Mas e quando não temos a bola? Sempre pensei que seria para pressionar e tentar recuperar, constantemente, em qualquer ponto e a qualquer custo, a bola. Contudo, com alguns anos de prática e observação, fazendo frequentemente reflexões e anotações (principalmente para ter uma comparação e um estudo a longo prazo, anos…), ou seja, pensando muito sobre isso, percebo que a frase mais apropriada seria: “A melhor forma de não defender bem, é atacando”. No sentido de “não saber defender bem”. Quando não se sabe defender bem, se ataca (com ou sem bola). Defender bem no sentido de demonstrar que sabe defender, que domina este momento da partida. Que a equipe está preparada para não ter a bola. Não quero entrar aqui nas formas de defender (zonal, individual, etc.), mas defender bem seria gerenciar o espaço que o adversário pretende/pode usar. No momento que o adversário tem a posse e o controle dela (estando apta a circular a bola no campo ofensivo) a equipe que está defendendo sabe evitar a progressão do adversário/bola no campo (espaço) e saber proteger (o quanto antes) a sua meta.

Como citado anteriormente, o jargão “A melhor defesa é o ataque” me remete ao pressing/pressão alta constante quando não se tem a bola. Só para constar, penso que a diferença entre “pressing” e “pressão” está na forma que eles são feitos, coletiva ou individualmente, respectivamente. O comportamento de sempre tentar recuperar a bola traz, de maneira geral, dois possíveis resultados: conseguir mais vezes ter a posse de bola; estar mais propenso a vulnerabilidade de progressão do adversário. Ao meu ver, quando o jogador sai da posição para pressionar gera um espaço na sua estrutura defensiva, e se isso não for muito bem concatenado com os outros jogadores dessa estrutura, tende a se criar uma situação de vulnerabilidade defensiva para a equipe. Claro que pode-se pressionar com eficácia tanto individual como coletivamente, mas para isso, precisa-se saber muito bem o que se está fazendo e, principalmente, pensar o pressing/pressão como parte de um “todo” maior e mais complexo. Onde todos os momentos do jogo estão ligados de forma única.  Onde não há separação, uma coisa faz parte do outro a tal ponto que separá-las seria o primeiro passo para sua ruína. O jogo é um sistema dinâmico causalidade não linear (Júlio Garganta).

Claro que essa é uma conclusão estritamente própria. Minha para com as minhas convicções. Uma estratégia, excelente diga-se de antemão, para “mascarar” as dificuldades que os problemas que o momento defensivo traz para a equipe e para o treinador, é ter um comportamento agressivo com e sem bola. Assim, teoricamente, teria mais volume de ataque e estaria pressionando mais quando o adversário estivesse com a bola. Reparem que ambos os comportamentos, a ligação com o individual está muito mais “forte” do que com relação ao coletivo. Aliás, pensar individualmente é mais fácil que pensar coletivamente. E ai que se engana quem pensa que o treinador deve ensinar os jogadores a jogarem futebol. O treinador, e aqui falo treinador como qualquer membro da comissão técnica, não somente o técnico, deve ensinar os jogadores a jogarem como equipe, de forma coletiva. Estimular os jogadores, trazendo a tona o potencial de cada um para o bem do coletivo. Conseguindo, ao mesmo tempo, o crescimento individual e coletivo, um alavancando o outro.

O sintoma mais evidente da ignorância, é o atrevimento. E, culturalmente falando, somos um país de atrevidos. Ocasionalmente mesmo não sabendo fazer muito bem, fala-se que sabe pois acha-se que sabe. E “a melhor defesa é o ataque”  passa muito por isso. Atacar no sentido de ser a “melhor” estratégia possível, às vezes, sendo e pensando como se fosse a única. Ao meu ver seria como “colocar a sujeira para debaixo do tapete”. Evidente que o ataque rápido e a transição são situações/problemas inerentes ao jogo e precisamos saber o que fazer nestes casos. Como, também, podem fazer parte de forma essencial, na concepção de jogo do treinador ou na filosofia de jogo do clube. Todavia, não podemos simplesmente negar a existência e os problemas que outros momentos da partida causam para a organização da equipe e do jogo. Caso contrário, a organização da equipe fica frágil e facilmente abalável. Oscilando ao longo do jogo e a cada jogo.

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Alguns paradigmas dos “jogos reduzidos”

Ao longo dos anos os exercícios de treinamento sofreram avanços consideráveis tanto na sua organização quanto na sua operacionalização. Vários pormenores podem ser levantados nessa problemática, mas um dos aspectos que mais tem chamado atenção são os diferentes estilos e perfis de exercícios.

Os jogos reduzidos entram nessa lógica de diferentes perfis. E eles aparentemente apresentam benefícios devido à redução da complexidade de jogo, as alterações estruturais e funcionais, o maior contato com a bola e a maior participação ativa dos jogadores.

Em cima disso, muitos estudos nos últimos anos foram levantados sobre os jogos reduzidos, especialmente quanto aos comportamentos táticos, aspectos posicionais, superioridades numéricas, monitoramento de esforço, variabilidade cardíaca, dimensões físico-energéticas, aspectos fisiológicos, residuais, cargas de treino e outras questões.

Todos relevantes e importantes para a evolução do treinamento. Mas o que tem me intrigado é a interpretação desses fenômenos. Se ela for desorientada, parcelada, localizada, pode criar vícios que por vezes viram paradigmas de análise e prática.

Paradigmas dos Jogos Reduzidos visto atualmente:

Espaços: o nome reduzido já indica uma impressão de apenas ser desenvolvido em pequenos espaços, mas muitos treinadores consideram que os jogos reduzidos podem ser orientados em pequenos, médios e grandes espaços sendo manipulados por diversos perfis de zonas e faixas.

Cópias sem entendimento das características de jogos reduzidos de outros contextos: muitas podem ser as características dos jogos reduzidos variando de acordo com cada realidade. Jogos zonais, com faixas, rondos, jogos de progressão, jogos recreativos e outras possibilidades. Alguns treinadores têm criado modelos. E, tirar algumas ideias de outros contextos é interessante, mas o grande problema é copiar um exercício sem entender o que está sendo trabalho pela comissão técnica naquele momento, apenas olhando.

Excesso das estruturas 2×2, 3×3 e 4×4: além do excesso dessas estruturas arrastarem uma adaptação fisiológica, a falta de progressão e a constante zona de equilíbrio estático que esses jogos criam, faz o jogo perder um pouco sua característica de mutação posicional, progressiva, espacial e numérica. E essa é a instabilidade do jogo, ou seja, a mágica da organização-desorganização.

Exercícios reduzidos apenas para desenvolver a dimensão física: o excesso de jogos reduzidos em pequenos espaços com o intuito apenas de desenvolver a dimensão física, além de fazer os jogadores perderem o conteúdo técnico-tático, pode trazer um excesso de aceleração/desaceleração/travagem e velocidade alta o tempo todo, que de certa forma gera uma adaptação acumulativa, massificando estruturas e uma maior possibilidade de lesão. Também nesse viés, muitas vezes é usado o GPS para monitorar alguns pormenores, mas por vezes apenas controles são realizados não sendo transferidos para a realidade do jogar da equipe. Apenas um falso controle.

Posse de bola: muitos falam que o exercício reduzido serve apenas para trabalhar a posse de bola, e por vezes os jogadores trabalham tanto a posse de bola em pequenos espaços que vão perdendo o sentido das outras interfaces do jogo.

Excesso de conceitos, princípios táticos e regras: ultimamente todos os treinadores estão mais ligados às novas tendências de treinamento. Isso arrasta modernidades. Claro, organizar um exercício por organizar não tem sentido, mas querer transformar um exercício numa parafernália de regras, princípios e conceitos, transforma os jogadores em fantoches e o exercício apenas bonito para quem está vendo.

Estruturas inadequadas de acumulação e espaçamento: a diminuição excessiva dos espaços por vezes provoca uma acumulação dos jogadores deixando-os reféns de aproximação excessiva entre eles. Essa lógica faz os jogadores perderem os espaçamentos verticais-horizontais adequados para o verdadeiro espaço do jogo. Movimentos inconsistentes e inconstantes acontecem se a manipulação incorreta do espaço for frequente.

Levantei apenas esses fatores, mas muitos outros podem brotar para outras discussões. Agora, a correta manipulação de tudo isso, gerada pela complexidade de jogo da equipe, ou seja, cada equipe tem um perfil criado devido as suas circunstâncias, facilitará o uso dos jogos reduzidos em prol do desenvolvimento do jogar da equipe. A representatividade dessa relação (jogar-treinar) e automaticamente a manipulação e interação dos espaços delineando situações numéricas e posicionais variáveis, acontecerá com mais clareza se entendermos que os jogos reduzidos não são apenas pequenos espaços como um ninho de formiga de jogadores correndo em cima da bola ou apenas dados fisiológicos superficiais.

Abraços a todos e até a próxima quarta!

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O conteúdo de comunicação no futebol e suas infinitas possibilidades

Um dos desafios do marketing no esporte é tornar o torcedor da modalidade (do futebol em si, mas de um clube ou uma seleção) em um habitual consumidor. Nesse sentido, trabalha-se para humanizar a marca esportiva a fim de aproximá-la do público. E isso tem como base comunicar seus inúmeros produtos esportivos (um treino, uma ação beneficente, um ídolo ou o próprio túnel de acesso ao campo, instantes antes de um jogo) de uma maneira que mostra o dia a dia da equipe e quantas pessoas são envolvidas neste processo. O quanto se trabalha em busca da vitória, ao mostrar a rotina de um plantel, com seus dilemas e desafios do trabalho em equipe. Assim como em qualquer outro ambiente profissional. Assim sendo, o torcedor se identifica com sua rotina diária e passa a querer consumir mais.

Ora, o produto final de uma organização esportiva, especificamente do futebol, não é apenas o jogo. Há vários outros que podem ser oferecidos, como os que foram supracitados. Ela é dona deste conteúdo e precisa entregá-lo para o seu público, que quer – em muito – consumi-lo. Bastidores de treinamento, entrevistas rápidas com os jogadores, o dia a dia de um clube são alguns que podem e devem ser comunicados.

Pode parecer um exagero, mas, por analogia o clube é como se fosse a Disney. Possui inúmeras atrações, como os parques (quer seriam as instalações do clube), os personagens (os ídolos do clube), filmes e desenhos animados (jogos épicos e heroicas conquistas). Ademais, chega a possuir franquias pelo mundo todo, como a “EuroDisney”, na França e a que fica no Japão. Alguns colegas chamam isso de “Disneyficação”. No futebol, essas franquias são conhecidas através dos MCOs (“Multi-Clubs Ownerships”), como o “City Group”, detentor do Manchester City, na Inglaterra, mas também do New York City (EUA). Feitas estas analogias, este modelo de negócio parte para o mercado e têm obtido uma grande fatia de fãs e torcedores pelo mundo todo.

SantosFC
Montagem sobre a Santos TV com ídolos do passado e do presente

 

Dessa maneira, e auxiliado pelo avanço das telecomunicações, uma organização esportiva pode se comunicar com milhões de pessoas ao mesmo tempo, pelo mundo todo. Alinhado ao objetivo estratégico e um método operacional, a marca é capaz de se humanizar e relacionar com seu público. E isso se transfere para os produtos das federações estaduais (seus campeonatos, por exemplo) e da confederação nacional. Exemplo recente disso é a “CBF TV”, que possui um conteúdo exclusivo bastante diferente da mídia tradicional. Já em fase de implementação, o investimento em canais “on demand” vai permitir ao público consumir o que ele quer de conteúdo áudio-visual, na hora em que quiser.

Portanto, existem muitas oportunidades pela frente neste tipo de comunicação. O torcedor quer estar mais perto, quer fazer-se presente e sentir-se parte do projeto do clube. Em outras palavras, o torcedor quer pertencer. A organização esportiva, por sua vez, vai ter que garantir tudo isso ao criar plataformas exclusivas de conteúdo, muito bem alinhadas dentro de um processo de comunicação estratégica. Uma vez que o torcedor tem isso, adquirem-se dois elos muito importantes dentro do relacionamento entre marca e o consumidor: a lealdade e a confiança.

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O braço de Jô e as pressões que nós criamos

A despeito de jogar em casa e de ter mais domínio da bola, o líder Corinthians sofria contra o Vasco, que se defendia bem e até construiu boa chance no primeiro tempo. Aos 28min da etapa final, Marquinhos Gabriel fez lance individual pela esquerda e cruzou na direção da segunda trave. Martín Silva não cortou e Jô, que vinha atrás, usou o braço direito para empurrar para as redes e produzir o lance mais importante da 24ª rodada do Campeonato Brasileiro.

Depois da vitória por 1 a 0, ainda em campo, Jô foi interpelado por um repórter do canal fechado Premiere FC. Questionado sobre o lance do gol, tergiversou e evitou admitir que havia usado o braço: “Me joguei na bola e não vi se tocou ou não. Se tivesse tocado, eu ia falar”.

O comportamento de Jô é especialmente relevante porque o centroavante do Corinthians esteve envolvido em um lance polêmico no Campeonato Paulista. Quando o time do Parque São Jorge venceu o São Paulo por 2 a 0, disputou uma bola com o zagueiro Rodrigo Caio e foi advertido pelo árbitro, que viu um pisão do atacante na coxa de Renan Ribeiro. Assim que viu o cartão amarelo, que tiraria o rival da partida seguinte, o defensor tricolor interferiu e disse que era dele o pé que havia atingido o goleiro.

Naquela ocasião, Rodrigo Caio foi aplaudido em campo pelo próprio Jô. Depois da partida, o atacante do Corinthians classificou a atitude como “exemplar” e disse que o comportamento do defensor tricolor era um modelo a ser seguido no futuro. Que pretendia alterar sua conduta em campo após aquela demonstração de caráter e fair play.

A conduta de Rodrigo Caio foi extremamente elogiada, mas é bom lembrar que o zagueiro não foi unanimidade nem no próprio São Paulo. O zagueiro Maicon, então no time do Morumbi, chegou uma dizer a célebre frase: “Antes a mãe dele chorando do que a minha”. Rogério Ceni, técnico da equipe na época, também condenou o que considerou excesso de honestidade.

Jô acompanhou toda a repercussão que o lance de Rodrigo Caio teve. Quando ficou diante de uma oportunidade de escolher um caminho, contudo, mostrou que não é simples funcionar como o são-paulino. Tornou ainda maior a atitude do zagueiro no Campeonato Paulista e optou pelo caminho mais fácil: em vez de acusar-se ou de admitir o erro, omitiu-se.

Porque é isso, também: Jô não apenas infringiu a regra para vencer, mas não admitiu ter feito isso. Ignorou ao menos essas duas grandes chances de se comportar como o rival que elogiou meses antes.

Não seria justo exigir que Jô fosse Rodrigo Caio, mas o atacante do Corinthians perdeu no último domingo (17) uma chance de mostrar que boas ações podem dar frutos. Por já ter estado do outro lado, o jogador alvinegro vivenciou de perto as implicações de um comportamento honesto e viu o quanto isso pode influenciar o ambiente como um todo.

No entanto, o Campeonato Brasileiro tem diversos “Jôs” por rodada. Em praticamente todos os jogos há lances discutíveis em que o rumo tomado pela arbitragem poderia ser alterado por um comportamento mais honesto dos envolvidos. O que aumenta a proporção do que aconteceu em Corinthians x Vasco é a atitude prévia do atacante: quando enalteceu Rodrigo Caio e prometeu alterar o próprio comportamento, o jogador do time do Parque São Jorge criou para si uma pressão com a qual não estava preparado para lidar.

O comportamento de Jô contra o Vasco significa muita coisa, portanto. Engrandece o feito de Rodrigo Caio, coloca em dúvida o discurso que o corintiano adotou há cinco meses (bem como a capacidade que ele tem de admitir um erro) e serve como demonstração prática da pressão que podemos nos impor quando nos posicionamos sobre determinado tema.

No fim, o caso Jô é uma boa metáfora de tudo que tem acontecido no Brasil em outras esferas. Somos um país de pessoas que repelem a corrupção e que se posicionam publicamente contra qualquer malfeito, mas que não perdem oportunidades de tirar vantagem. É uma hipocrisia que serviria para explicar o que tem acontecido em várias outras searas.

E não, ninguém aqui está dizendo que a decisão de Jô é tão relevante quanto a de um político que se vê diante de uma possibilidade de corromper/ser corrompido. A questão é que os dois casos podem oferecer exemplos. O futebol pode ser um mundo à parte, mas o atacante do Corinthians teve uma oportunidade de tomar um caminho que extrapolaria muito os limites do esporte. Era para ser um elemento de esperança, mas virou uma constatação do quanto é difícil quebrar um paradigma.

Por tudo isso, uma das lições mais valiosas que o episódio oferece em termos de comunicação é que assumir compromissos públicos gera cobranças/pressão. Jô tinha obrigação de agir de forma diferente, mas essa obrigação tornou-se ainda maior e mais evidente depois do episódio Rodrigo Caio.

O que nos leva a outra história que repercutiu muito no fim de semana. O uruguaio Cavani bateu (e perdeu) um pênalti em jogo do Paris Saint-Germain, o que deflagrou uma crise de relacionamento com Neymar. Contratação mais cara da história do futebol, o camisa 10 chegou na última janela de transferências e quer ser o batedor oficial da equipe francesa.

Segundo o jornal francês “L’Équipe”, a crise de Neymar e Cavani foi além. Os dois também teriam discutido por uma cobrança de falta no primeiro tempo – o brasileiro assumiu o lance, bateu colocado e parou nas mãos do goleiro.

Toda a situação entre Neymar e Cavani é um problema para os superiores do PSG. Se a questão foi discutida internamente e ainda assim os dois jogadores externaram a discussão, há um caso a ser discutido pelo desrespeito à hierarquia. Se não foi, há um erro de gestão de grupo.

Se o PSG definiu que Cavani é o batedor de faltas e pênaltis e Neymar tentou se intrometer, o brasileiro vai ser punido? Se não definiu, alguém vai se intrometer nessa discussão? A omissão do clube pode criar uma situação insustentável entre os jogadores – se é que já não criou.

E o que isso tem a ver com o lance de Jô? Assim como aconteceu no caso do corintiano, Neymar adotou uma postura que vai jogar pressão sobre ele mesmo. Brigou publicamente para assumir faltas e pênaltis. Ele tem todo direito de querer isso e possui até aproveitamento que justifique o pleito, mas fazer isso dessa forma vai apenas criar um ambiente desfavorável para todos.

O que Jô poderia ensinar para Neymar: que chances de provar maturidade são raras e devem ser aproveitadas, mas que a pressão para reconhecê-las e tomar o caminho adequado é sempre maior quando suas palavras chegam antes de suas ações. O mundo todo poderia aprender com isso.

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O “todo poderoso” futebol

“Milhares bradando hinos a plenos pulmões, bandeiras hasteadas e flamulando ao vento, tambores ritmicamente sendo tocados, rostos (quando não, também corpos) pintados, todos fardados por uniformes de idêntica coloração, uma massa, uma turbe, unida em função de um mesmo propósito…”

Essa poderia facilmente ser a descrição de uma tropa militar ou um exército medieval, marchando em direção ao combate, assim como de jovens estudantes em manifestação contrária a alguma forma de poder dominante e, também, se encaixa facilmente, na descrição de uma torcida organizada que se desloca em direção ao estádio para mais um jogo de seu time…

Seja com o presente, certamente com o passado e muito provavelmente com o futuro, o futebol se confunde e se mistura com a vida, suas mazelas e benignidades. Se, no passado, essa cena descreveria tropas medievais indo para batalha, em defesa de suas terras e ideais, no presente, vimos esta cena quase que todos os finais de semana em estádios de futebol ao redor do mundo.

Porém, em alguns casos, as questões territoriais e/ou ideológicas também se fazem presentes, seja no clássico escocês da cidade de Glasgow, o “OldFirm” entre Rangers e Celtics, onde a questão religiosa está fortemente presente, tendo Celtic sido fundado pelo Padre Walfrid, um sacerdote Católico que buscava ocupar o tempo ocioso dos jovens para não deixá-los à mercê das investidas dos protestantes. Estes por sua vez, vendo a repentina ascensão do time Católico, passaram por adotar o Rangers como sua equipe, dando início a uma rivalidade religiosa que invadiu as quatro linhas. Ou no jogo entre Dinamo Zagreb e Estrela Vermelha, em 13 de maio de 1990, que na época ainda pertenciam a antiga Iugoslávia (que posteriormente foi dividida em 6 novos Estados independentes, Kosovo é o 7º, porém não tem sua independência reconhecida por todos os países da ONU) , partida que aconteceu no estádio do Dinamo, o Maksimir, que foi palco de uma verdadeira batalha campal entre os Bad Blue Boys, torcedores do Dinamo, e os Delije, torcedores do Estrela Vermelha, batalha que aconteceu num cenário do futebol, mas que a motivação partiu das questões nacionalistas entre os Croatas do Dinamo e os Sérvios do Estrela Vermelha. Muitos historiados atribuem a este fatídico dia o estopim para a dissolução da Iugoslávia, pouco mais de um ano depois a Croácia declarava sua independência.

Continuamente os times de futebol são usados por seus torcedores como símbolos de suas ideologias. É oportuno também lembrar do Athletic Bilbao que possui restrições para admitir jogadores que não sejam oriundos do País Basco (região que compreende parte do extremo norte espanhol e extremo sudoeste francês).

Mas não é somente de episódios violentos que o futebol extrapola os gramados, por vezes uma partida de futebol foi utilizada como pretexto para cessar fogo de guerras. O Santos de Pelé, em 1969, realizou uma excursão pela África, paralisando guerras no Congo e Nigéria para que as partidas fossem disputadas. O atacante Didier Drogba teve papel fundamental no fim dos conflitos armados que atingiram seu país, a Costa do Marfim, em meados dos anos 2000, o jogador ainda construiu diversos hospitais infantis no país. Todos os anos jogos beneficentes são disputados para angariação de fundos em função de causas humanitárias, tendo como um dos ícones, o “Jogo da Paz” que é organizado pelo Papa e reúne renomados jogadores do futebol mundial.

Não são poucos os exemplos de como o futebol, o jogo de bola com os pés, dá espaço a causas que transcendem seu papel de “simples esporte”, até porque, mesmo que se excluam todos estes fatos históricos, o jogo por si só, permite que se enxergue uma parte daquilo que cada um traz dentro si. Quando na faculdade ouvi o Prof. Dr. Alcides Scaglia dizer que “no jogo as máscaras caem”, uma grande confusão tomou conta de meus pensamentos, de início não consegui compreender plenamente o que tal afirmação significava, até então, minha percepção do jogo era ainda um tanto quanto egoísta, simplista, da perspectiva apenas de um jogador. Mas seguindo os anos da faculdade e, principalmente, no ambiente de estágio onde tive que sair da perspectiva individual de um jogador para a global (e posteriormente sistêmica) de um professor, passei a compreender que enquanto jogam, os jogadores, as pessoas, revelam seu egoísmo e vaidade ao não passar a bola ou não voltar para ajudar na marcação, sua falta de coragem e atitude ao não arriscarem nenhum tipo de jogada que possa representar o mínimo risco a sua equipe, assim como, a liderança daquele que encoraja e coordena os companheiros em campo, a superação e consciência coletiva de um time com menor competência técnica que ultrapassa seus limites individuais através do trabalho em equipe, a honestidade e lealdade de um jogador que admite uma infração, etc. Assim como na vida, o jogo exige muitas tomadas de decisão, que são diretamente influenciadas por nossas crenças, aspirações, caráter, pelo modo como lemos o jogo/entendemos a vida.

O jogo de futebol proporciona situações (principalmente pelo estado de jogo) que obrigam a pessoa a se revelar, a mostrar quem realmente ela é, expõe comportamentos que talvez ela busque esconder ou mascarar em sua vida, mas que durante o jogo, dificilmente o conseguirá fazer. Pode parecer um pouco radical, mas pela experiência de vida e de futebol, uma pessoa que apresenta índole de mau-caratismo no jogo, dificilmente apresentará postura diferente na vida fora de campo (e vice-versa). Não se iluda meu amigo, simular uma falta na pelada ou usar o gatonet, são atos corruptos como desviar dinheiro público. O que claro, ao meu ver, não impede uma reeducação da pessoa. E podemos ver questões como estas também no comportamento das torcidas, seja no pai que busca passar o amor pelo clube ao filho, no baderneiro disfarçado de torcedor ou ainda naquele torcedor que reclama do “futebol moderno” (muito em função da postura ética que muitas vezes este exige também do torcedor), mas louva e deseja acompanhar do estádio uma final de Champions League, que é um dos principais produtos que o futebol moderno pode proporcionar em todos os sentidos.

Não somente o futebol, mas o esporte em si, ilustra e traduz situações do cotidiano de nossas vidas, ou um atleta que se empenha nos treinos para alcançar um índice olímpico tem mais valoroso esforço do que um estudante que se debruça sobre os livros antes de uma prova? Um jogador voluntarioso, que se doa plenamente pelo time, joga com garra, vigor, não pode servir de inspiração para um pai de família que levanta cedo para o trabalho, abdica muitas vezes de desejos pessoais, a fim de trazer o sustento necessário para a família? O jogo, além de proporcionar prazer e regozijo, tem um descomunal poder de transformar realidades, de educar, incitar ou enfraquecer guerras, desigualdades e tantas outras realidades da nossa sociedade. Tudo vai depender da capacidade, interesses e motivações daqueles que fazem uso dele, seja para promoção de benefícios egoístas ou coletivos.

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Ataxia tática: falta de coordenação por falta/falha de comunicação

Para que haja interação, é necessário comunicação. Não propriamente dita uma comunicação verbal, mas, também, uma comunicação corporal e situacional. Na qual o coletivo (vários jogadores) identifica uma situação e já sabe qual providência tomar. Não em pensar as mesmas coisas ao mesmo tempo, mas sim, pensar sobre um mesmo referencial ao mesmo tempo. A partir disso, cada jogador executa a ação conforme bem entender (ou bem souber), porém tendo em vista as mesmas orientações para alcançar o objetivo (coletivo/individual) que se pretende na partida e/ou na competição. Trago para exemplificar uma pequena edição que fiz do Leipzig (2˚ colocado do Campeonato Alemão de 2016/17):

Ataxia é uma doença da desordem de movimento. Perda da coordenação física que conduzem à dificuldade no movimento. Dificuldade na sinergia muscular, interação intra e inter-muscular. Os músculos são fortes e suficientemente sadios, mas incapazes de organizar suas ações. Denominada uma doença de “feedback”. Falta ou falha de comunicação entre órgãos sensoriais, estruturais e mecânicos. Um exemplo seria a doença de Parkinson, tremores e não controle de alguns movimentos. O resultado do movimento é uma combinação consequente de todas as comunicações musculares juntas. No qual um único feedback não estabiliza um sistema tão complexo, necessita o amparo de outros feedbacks.

Para que a interação dos jogadores e suas execuções (pensar e agir) seja organizada, é necessário um constante e controlado “programa” de feedbacks sobre essas comunicações e ações. Podendo causar, sem isso, uma “Ataxia” Tática, uma descoordenação dos movimentos individuais contrariando/dificultando a movimentação do coletivo para o alcance do objetivo na partida. A equipe, como “Organização Complexa”, necessita uma permanente avaliação do desempenho individual/coletivo. Tendo em vista um referencial individual/coletivo para aquilo que se pretende fazer no jogo, como também, resolver os problemas do Jogo. Jogo com “J” maiúsculo, pois, cada jogo é um Jogo específico. No qual, como falei (em algum texto atrás), esses problemas poderão ser diversos e diferentes a cada partida.

Vemos assim que, para uma ação efetiva sobre os problemas da equipe e do jogo, não é apenas essencial que tenhamos bons jogadores mas que o desempenho destes sejam devidamente retro-monitorado pelo controle/comando coletivo (treinador). E que esse comando técnico/tático tenha uma leitura apropriada desses problemas e coerentes com a informação passada (sendo ela prévia e/ou após as partidas). Só assim, se produzirá um comportamento individual e coletivo devidamente proporcional para com os problemas da equipe e do jogo.

E, cabe ao treinador liderar o processo de interação entre os jogadores dentro de uma organização complexa. Uma organização que se pretende, que se sabe (pelo menos se espera que o treinador saiba) exatamente qual é. E deve existir de forma clara e objetiva, para que todos possam entender o que se pretende. Havendo, assim, comunicação e interação entre todas as partes envolvidas. Habituando todas essas partes envolvidas a uma determinada interação (o ideal seria de forma deliberada, porém, o contexto não favorece a isso) e colocando uma boa “pitada” de tempo, poderemos ver equipes mais organizadas e com a dita “identidade” de jogo. Na intenção de pensar melhor sobre isso, seria interessante analisar o video abaixo:

Quando a equipe está “devidamente” ou “minimamente” organizada as coisas boas aparecem mais vezes do que quando a equipe não está “organizada” a certo nível. Isso não descarta o aparecimento de oscilação na equipe. Outra diferença bastante significativa entre uma equipe “organizada” e outra não “organizada”, é que no primeiro caso a amplitude de oscilação da equipe independe (quase que inteiramente) do grau de problema enfrentado no jogo; enquanto, no último, a magnitude e a variabilidade de oscilações é maior e mais diversa devido a falta/falha de orientações e comando inicial, principalmente do “o que fazer quando…”.

A teoria da cibernética (ciência que estuda o controle e comunicação no animal e na máquina) fala muito em controle por feedback informativo. Constantemente alimentar a equipe e o atleta com feedbacks que sejam possíveis de proporcionar estabilidade a todos os tipos de problemas enfrentados durante o jogo. Contudo, esse fornecimento de feedback é um processo que se constrói e que tem efeito retardado, ou seja, somente após muitos treinos, e não treino, vê-se o resultado. Algo erguido com o tempo.

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Sobre Cueva, Rodrigo Caio e a comunicação na crise

Penúltimo colocado, o São Paulo já bateu nesta temporada o recorde de rodadas na zona de rebaixamento em Campeonatos Brasileiros disputados no sistema de pontos corridos. Foram apenas 24 pontos somados em 23 rodadas, com seis vitórias, seis empates e 11 derrotas, além da segunda defesa mais vazada do certame nacional (35 gols sofridos). A crise é profunda, permeia diversos setores do clube e oferece cada vez menos perspectiva de recuperação em curto prazo. Mas se é difícil melhorar a situação, dois jogadores mostraram no último fim de semana que erros no processo de comunicação podem aumentar – e muito – o buraco em que o clube se enfiou.

A celeuma começou, na verdade, na quinta-feira (07). Zagueiro revelado pelo clube, Rodrigo Caio deu entrevista coletiva e foi questionado sobre a queda de desempenho do meia peruano Cueva, dono da camisa 10. Respondeu com elogios ao companheiro, ressaltou sua capacidade técnica, mas lembrou que o futebol moderno não admite times que tenham jogadores menos participativos. Encerrou a tese com a frase que marcou a conversa com jornalistas: “Ele precisa se ajudar”.

No sábado (09), Cueva foi reserva do São Paulo que empatou por 2 a 2 com a Ponte Preta no Morumbi e perdeu uma chance de deixar momentaneamente a zona de descenso. Entrou no segundo tempo e participou pouco do duelo, mas foi interpelado por jornalistas assim que passou pela zona mista do estádio. Cenho fechado, respondeu apenas um “fala com o Rodrigo Caio”.

Discutir quem tem razão é uma boa dose de oportunismo, ainda que a crítica de Rodrigo Caio coubesse mais em um ambiente fechado. Entre um e outro, o melhor comentário partiu do meio-campista Hernanes, autor de sete gols em sete jogos desde que voltou ao São Paulo. O jogador tem sido a grande referência técnica da equipe nesta temporada, mas também se destaca pelo comportamento. Questionado sobre a crise de relacionamento, tentou colocar panos quentes: “Um bateu, outro apanhou: é um empate”.

Desentendimentos e diferenças de perspectiva entre atletas são comuns, assim como acontece em qualquer ambiente profissional. Qualquer um que já tenha vivenciado o dia a dia de uma empresa, independentemente da proporção do negócio, tem histórias a contar sobre pessoas que não se davam bem ou erros internos de avaliação.

Há dois aspectos a serem considerados na discussão Cueva/Rodrigo Caio, portanto: 1) como a sociedade se sente confortável para exigir de jogadores de futebol um comportamento que não consegue impor nem para si e 2) como os jogadores do São Paulo, a despeito de conviverem há anos com essa patrulha, agiram de uma forma que contribuiu sobremaneira para a pressão externa. Graças às frases de um e de outro, criou-se no clube uma agenda sobre o comportamento do elenco. A situação chegou a ponto de dirigentes terem comparecido ao treino de segunda-feira (11) a fim de discutir com atletas o que tem acontecido com o ambiente tricolor.

O principal legado da discussão entre Rodrigo Caio e Cueva, portanto, é que o São Paulo passou a conviver com pressões externas para que a roupa suja fosse lavada. Isso expôs uma cobrança irreal que existe sobre jogadores de futebol e também mostrou como um simples problema de comunicação pode colocar todo um trabalho em direção errada.

É nesse sentido que a discussão sobre o que aconteceu no São Paulo remete a um episódio protagonizado por jornalistas do canal fechado Sportv. Tudo começou quando Tim Vickery, britânico que é comentarista habitual da emissora, criticou a relação de profissionais de imprensa no país com jogadores de futebol. Segundo ele, existe um fator social que fomenta alguma dose de desrespeito da mídia com os atletas, algo que não existia na Premier League até bem pouco tempo e que tem começado a surgir também por lá.

Quando formulou o raciocínio, Vickery usou um bordão do narrador Daniel Pereira, que costuma dizer algo como “presta atenção no serviço”, como exemplo de profissional de imprensa que se sente habilitado a cobrar publicamente o jogador de futebol. O locutor respondeu na rede social Twitter, disse que não passa de uma brincadeira e lembrou que também usa a expressão quando comete erros. Luiz Ademar, comentarista que também trabalha na casa, respondeu a essa postagem lamentando o tom usado por Vickery e as críticas recorrentes que ele faz, na visão do companheiro, sobre o conteúdo produzido pelo canal.

Existe uma patrulha exacerbada sobre comportamento de atletas e o ambiente que se cria em cada time, evidentemente. Existe uma falta de critério em análises comportamentais, com exigências que muitas vezes não são compatíveis com outros segmentos. A natureza dessa diferença pode ser algum tipo de preconceito, mas também é possível que contenha enorme dificuldade para assimilar algo além do lugar comum.

O São Paulo precisa de ajuda, mas essa ajuda não precisa ser necessariamente voltada a dirimir problemas entre os atletas. Em vez de discutir se os funcionários se gostam ou o que um diz sobre o outro publicamente, o clube deveria se preocupar com problemas como a montagem do elenco, a diretoria perdida, as comissões técnicas que pouco acrescentam e a possibilidade cada vez mais real de queda à Série B do Campeonato Brasileiro. Diante de um cenário de tantos problemas, preocupar-se com o que acontece entre duas peças da engrenagem é bem menor do que entender por que essas mesmas peças têm rendido aquém do esperado. A análise sobre o caso também poderia ser bem mais prolífica se considerasse esses aspectos.

Você pode dar razão a Rodrigo Caio, a Cueva ou a ambos, mas uma coisa é indiscutível: o São Paulo perde com essa história, e não porque dois de seus jogadores têm uma rusga. Ah, tem outra coisa indiscutível: não é apenas o clube que perde quando a imprensa se sente no direito de patrulhar. Há erros de comunicação de todos os lados, mas a discussão mais relevante do episódio é o quanto podemos ser bedéis de nós mesmos.