Após discussão anterior relacionada à busca da compreensão do que é composto o jogo de futebol (no artigo intitulado “A compreensão do futebol como um jogo esportivo coletivo e os princípios operacionais de Claude Bayer I“), torna-se necessária, num processo de reflexão pedagógica acerca dessa modalidade esportiva, uma reflexão sobre o que deve ser ensinado/treinado e como pode ocorrer esse processo.
Quanto ao conteúdo do jogo de futebol, tem-se que este é um jogo esportivo coletivo composto tanto por fatores técnicos quanto táticos, sendo que os primeiros somente têm razão de ser pautados no sentido empregado pelos segundos (GARGANTA, 1995).
Inúmeros trabalhos exploram questões técnicas a respeito do ensino do futebol, caindo, muitas vezes, na mesmice e nas receitas prontas de aulas e treinos. Quanto ao conteúdo tático, este se faz mais complexo e menos explorado pela literatura, porém pode-se observar diferentes tendências em sua análise (MARQUES, 2001).
Neste trabalho, toma-se como base de análise do conteúdo tático as noções de Claude Bayer (1994) e os Princípios Operacionais dos Esportes Coletivos. Dentro da lógica sugerida por este autor, os jogadores respeitam certas diretrizes que norteiam suas ações técnicas em situações de defesa e ataque. Nesse panorama, torna-se importante reflexão sobre como ensinar, ou seja, métodos, instrumentos e procedimentos didáticos que permeiam os processos de preparação de jogadores de futebol.
Seguindo a mesma metodologia de análise de Claude Bayer para uma reflexão acerca da atuação do professor/técnico de futebol, toma-se como referência os jogos esportivos coletivos como um todo, ou seja, busca-se tendências e princípios em comum entre as modalidades esportivas coletivas.
A escolha que um profissional do esporte faz é de grande importância para o sucesso do praticante no processo ensino-aprendizagem-treinamento. O método escolhido deverá facilitar o ensino-aprendizagem, bem como preparar o iniciante para o processo de treinamento, sem, contudo, tornar-se maçante ou desmotivá-lo. Deve ainda proporcionar situações-problemas ou oferecer tarefas a executar que estejam adequadas à capacidade do aluno (GRECO, 1998).
Conforme Dietrich et al. (1984), alguns princípios norteiam a metodologia de ensino dos jogos esportivos, ou seja, correntes teóricas que delimitam os critérios e pontos de ação dos métodos de ensino. Segundo este autor, os princípios de maior destaque são o analítico-sintético e o global funcional.
O primeiro é derivado da corrente associacionista, que influencia a teoria behaviorista. O segundo está apoiado na teoria psicológica da Gestalt que, de forma resumida, expressa que seu todo é mais que a soma das partes (GRECO, 1998). Nesse universo, a função dos métodos de ensino se encontra na indicação dos caminhos e procedimentos a serem tomados num processo de ensino-treinamento com base nos critérios e conteúdos dos princípios.
O princípio analítico-sintético caracteriza-se, principalmente, pelo processo de ensino-treinamento em partes, em etapas, com exercícios que apresentam uma divisão dos gestos, das técnicas, da ação motora em seus mínimos componentes. Ensina-se primeiro o componente técnico do jogo através da repetição de exercícios de cada fundamento técnico, os quais são acoplados a séries de exercícios (GRECO, 1998).
Nesse princípio, que se caracteriza pelo ensino pautado na busca pela gestualização do campeão, ou seja, pela realização técnica tida como mais eficiente, tem-se o contato com o jogo dividido em duas etapas principais, primeiro aprende-se os fundamentos técnicos para, num segundo momento, apresentar conceitos táticos. A premissa que baseia esse processo é que exista uma aplicabilidade direta da técnica aprendida nas séries de exercícios e a realização da mesma no contexto de resolução de problemas do jogo.
Esse aprendizado técnico, segundo o American Sport Education Program (2000), consiste na automatização do movimento através da repetição do mesmo de forma fragmentada e repetitiva. Para isso, é importante que o aluno aprenda cada passo do fundamento a ser ensinado.
Segundo Garret (1958) apud Mesquita (1981), existem ainda diversos enfoques do princípio analítico sintético:
– Método Analítico Puro: Cada parte é aprendida separadamente de acordo com um critério. Depois de que todas as partes são repetidas em uma seqüência como um todo, até que esse todo tenha alcançado o “critério” já obtido pelas partes separadamente;
– Método Analítico Progressivo: As partes 1 e 2 são dominadas separadamente e então combinadas para formar um todo. A parte 3 será, então, depois aprendida separadamente e executa-se a combinação 1 e 2 com 3, e assim sucessivamente coma adição progressiva das partes, até que o todo original tenha sido aprendido;
– Método Analítico Repetitivo: Consiste no domínio da parte 1, passando-se então à prática das partes 1 e 2 juntas, depois às partes 1, 2 e 3 juntas e assim por diante, até que todas tenham sido aprendidas.
Como exemplo de aplicação deste princípio tem-se uma aula com séries de exercícios em que os alunos contornam cones, na expectativa de melhorar sua condução de bola e drible, e posteriormente chutam ao gol bolas passadas pelo professor, sem nenhuma marcação, e apenas problemas de execução motora a serem resolvidos para, num momento final, realizar um jogo formal e aplicar os fundamentos aprendidos em aula.
Como vantagens do uso desse princípio tem-se, segundo Santana (2004), a execução técnica mais eficiente, o êxito na execução, ¬o favorecimento à correção, a facilitação à avaliação de questões técnicas, ¬ a inibição de conflitos, ¬a garantia de uma quantidade generosa de gestos. Como desvantagens, o mesmo autor aponta que não atende o desejo de jogar, a aula torna-se pouco diversificada, separa técnica e tática, treina-se a técnica fora do ambiente de jogo, desfavorece a improvisação e criatividade, desfavorece trocas sociais.
Por sua vez, o princípio Global Funcional caracteriza-se pela intenção de adequar toda a complexidade do jogo esportivo (técnica, regras, conceitos táticos, etc.), através da apresentação de uma seqüência de jogos acessíveis à faixa etária e à capacidade técnica do aluno iniciante (DIETRICH et al., 1984).
Este princípio parte da idéia de fracionar o jogo formal em pequenos jogos, simulando situações reais a serem encontradas pelos alunos. Assim, segundo Greco (1998), o mesmo deverá passar por vários jogos preparatórios para se chegar à prática do jogo final, ou seja, tanto o aprendizado técnico quanto o tático ocorrerão através destes jogos fracionados.
Garganta (1995) adota uma metodologia similar ao princípio Global Funcional, a “Forma Centrada nos Jogos Condicionados”. Esse autor afirma que nesse tipo de teoria o aprendizado técnico se dá em função da tática, ou seja, o aluno desenvolve sua técnica própria de jogo de acordo com suas necessidades dentro do mesmo, construindo, assim, uma técnica eficiente em relação aos problemas que lhe são apresentados no jogo.
O princípio Global Funcional pode ser dividido em 4 (quatro) métodos de ensino, segundo Dietrich et al. (1984):
– Método Global: divisão do jogo formal em pequenos jogos, com características semelhantes às do jogo final, porém, trabalhadas de forma simplificada, com espaços e número de jogadores reduzidos, por exemplo;
– Método de Confrontação: jogar o jogo formal, buscando o aprendizado através do mesmo, através do princípio da tentativa e erro;
– Método P
arcial: Treinamento das partes para se chegar ao todo, ou seja, treina-se alguns aspectos menores do jogo, para aplica-los no jogo final;
– Método do conceito recreativo do jogo: Similar ao método global, este visa o aprendizado técnico juntamente com o tático, porém, através de jogos recreativos, ou seja, nem sempre os jogos são provenientes do jogo final, embora contenham características e situações próprias destes.
Nesse princípio, além da premissa de que o jogo se aprende jogando, através de situações-problema oferecidas, tem-se que a técnica do mesmo se dá, em concordância com as idéias de Bayer, vinculadas e pautadas à ação tática do jogo.
Como exemplo tem-se que os alunos podem treinar a condução de bola e o drible num jogo de pega-pega com bolas nos pés, ou num jogo reduzido de 1 contra 1, num campo com limites menores. Nesse processo, tanto a realização motora quanto as razões de sua execução são trabalhadas através de situações-problema a serem resolvidas pelos alunos.
Como vantagens do uso desse princípio tem-se, segundo Santana (2004), que atende o desejo de jogar, as habilidades são aprendidas no contexto do jogo, técnica e tática são desenvolvidas de forma conjunta, favorece experiências do jogo, favorece trocas sociais, requer pouco material. Como desvantagens, tem-se ¬muitas informações ao mesmo tempo, a possibilidade de execução errônea das habilidades, desfavorece a relação com a bola em alguns momentos de jogo.
Dentro desse princípio (global funcional) podem ser citados inúmeros outros métodos, como por exemplo, a Forma centrada nos Jogos Condicionados de Garganta (1995), a proposta de ensino através dos jogos de Freire (1998), entre outros, que, pautados numa visão mais moderna do ensino do futebol, buscam ensinar o jogador a resolver problemas e agir de forma técnica dentro do jogo, desenvolvendo a capacidade de avaliar, raciocinar e resolver as situações que lhe são apresentadas.
Não é pretensão deste artigo afirmar que existem apenas essas duas formas de reflexão sobre métodos de ensino para o futebol, muito menos estabelecer qual é a melhor ou a pior, porém, é necessário admitir que existem jogadores consagrados que aprenderam a jogar vivenciando tanto jogos reduzidos e adaptados, quanto séries de exercícios e fracionamento das ações técnicas. Por essa razão, num primeiro momento, a idéia é apresentar tais possibilidades e pontuá-las de forma a serem utilizadas de acordo com as necessidades, intenções e possibilidades do professor e dos alunos, na busca por melhores processos de ensino-treinamento.
Mora nesse ponto o papel do pedagogo do esporte que, de acordo com suas convicções, conhecimento e objetivos, deve escolher quais os caminhos de seu trabalho, porém de forma consciente e dirigida.
* Mestre em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas/SP – UNICAMP e Docente da Faculdade de Ciências e Letras de Bragança Paulista/SP – FESB
REFERÊNCIAS
AMERICAN SPORT EDUCATION PROGRAM. Ensinando basquetebol para jovens. São Paulo: Editora Manole, 2000.
BAYER, Claude. O ensino dos desportos colectivos. Lisboa: Dinalivros, 1994.
DIETRICH, K.; DÜRRWÄCHTER, G; SCHALLER, H-J.Os grandes jogos. Metodologia da prática. Rio de Janeiro:Ao livro técnico, 1984.
FREIRE, João Batista. Pedagogia do futebol. Londrina: Midiograf, 1998.
GARGANTA, Júlio. Para uma teoria dos jogos desportivos colectivos. In: GRAÇA, A. OLIVEIRA, J. (Orgs.) O ensino dos jogos desportivos. Porto: Universidade do Porto, 1995.
GRECO, Pablo Juan. Iniciação Esportiva Universal: metodologia da iniciação esportiva na escola e no clube. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.
MARQUES, Renato F. R. Sistematização do ensino dos esportes coletivos para crianças de 9 a 12 anos de idade: o caso do Futsal. Monografia (2001). Faculdade de Educação Física da UNICAMP, 2001.
MESQUITA, Clodoaldo Paulo de. Comparação entre três métodos de ensino (Analítico, Todo-Parte, Global em Forma de Jogo), na aprendizagem de futebol em crianças com idade média de 10 anos. Dissertação de mestrado (1981). Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo, 1981.
SANTANA, Wilton Carlos de. Futsal: apontamentos pedagógicos na iniciação e na especialização. Campinas: Autores Associados, 2004.