As vultosas cifras envolvidas em contratos publicitários, salários de jogadores e parcerias com a mídia não deixam dúvida: o futebol é um negócio, e um negócio cada vez mais lucrativo. No entanto, o mundo mercadológico permite diferentes maneiras de abordagem para esse segmento. Os rumos e a solidez do esporte como produto dependem das perspectivas administrativas a ele associadas.
Um clube, por exemplo, pode ser administrado de forma totalmente amadora, com dirigentes dedicados àquele contexto apenas por afinidade e durante o tempo livre. Mas também pode ser gerido por um pool de investidores definidos por conta da abertura de seu capital na bolsa de valores, com uma perspectiva muito similar à realidade de uma empresa de grande porte. Entre esses dois modelos, existem vários tipos de conceitos e possibilidades de modelos administrativos, que podem se adequar à realidade ou aos objetivos da agremiação.
A compreensão da administração no futebol passa primeiro pelo entendimento da estrutura ligada ao esporte, que é basicamente dividido entre profissional e amador. Atualmente, a estrutura profissional da modalidade está totalmente ligada ao conceito de federações em cascata, como acontece com a maioria das atividades esportivas.
Os clubes profissionais de futebol são filiados a federações regionais (no caso do Brasil, estaduais). Por sua vez, essas entidades se reportam às federações nacionais (a Confederação Brasileira de Futebol, por exemplo), que respondem às federações continentais. As federações continentais prestam contas à Fifa, que gerencia a modalidade no planeta.
As metas das federações são muito parecidas, sempre alinhadas aos interesses da Fifa. Cabe a essas instituições fomentar e difundir a prática esportiva pelo mundo, regulamentar e desenvolver a modalidade, exigir o cumprimento de regras, centralizar as decisões e captar recursos financeiros.
Uma decisão da Fifa, por exemplo, é comunicada a todas as federações continentais. A partir disso, é transmitida ao âmbito nacional e depois regional. Ao contrário, um conflito que não consegue ser resolvido internamente vai sendo levado a instâncias maiores e pode até chegar à Fifa.
Além da estrutura de responsabilidades, é importante lembrar que a eleição das federações acontece em formato de cascata. Os dirigentes regionais são os responsáveis pela escolha dos presidentes nacionais, que definem o mandatário continental, que vota no pleito da Fifa.
Dentro desse cenário, há três tipos básicos de estrutura de no futebol internacional. Nos Estados Unidos, os atletas começam nas escolas, passam por universidades e depois ascendem às ligas profissionais. Em alguns países da Ásia, os clubes são bancados por fábricas (há alguns anos, os atletas precisavam dividir sua rotina entre o esporte e o trabalho nas empresas). A terceira via é a européia, na qual os atletas são pinçados pelas equipes por seu talento, e não como funcionários. Esse é o modelo adotado também no Brasil.
No Brasil, o caminho normal que um atleta percorre é se filiar a uma agremiação desde as categorias de base – oriundo de peneiras ou escolinhas -, ascendendo à equipe profissional de acordo com seu desempenho nos times menores. Apesar de oscilar entre o amador (base) e o profissional (adulto), todo esse modelo acontece sob a supervisão e a gestão do clube.
A estrutura dos clubes, contudo, mudou consideravelmente desde a chegada do esporte ao país. Nos primeiros anos da modalidade no Brasil, o cenário era totalmente amador. Nenhum jogador podia ser remunerado pela participação no futebol, e os clubes surgiram com a estrutura de associação sem fins lucrativos.
Nessa primeira fase, surgiram clubes urbanos fundados em sua maioria por imigrantes, com um perfil elitizado entre os praticantes – negros e mulatos, por exemplo, eram proibidos de jogar. Os principais responsáveis pelo fomento do esporte nessa época eram os colégios de elite e as fábricas, que usaram o futebol como uma maneira de lazer para seus funcionários.
O primeiro indício de profissionalismo, aliás, surgiu nessa época. Preocupadas com o sucesso esportivo, algumas empresas começaram a contratar jogadores de talento para trabalhar em seus quadros, exercendo funções que muitas vezes nada tinham a ver com suas necessidades, apenas como fachada para reforçar suas equipes. Essa prática ficou conhecida na literatura como “profissionalismo marrom”.
Em 1933, a legislação social e trabalhista do governo de Getúlio Vargas instituiu o profissionalismo entre os atletas do futebol brasileiro. Isso motivou o fechamento de algumas equipes, como o Paulistano, detentor de 11 taças e maior vencedor do futebol paulista no período do amadorismo.
A mudança dos jogadores para a categoria profissional, contudo, não foi acompanhada pelos clubes. O futebol foi massificado por essa alteração, os atletas de origens mais populares ganharam espaço e as cifras envolvidas na realização do espetáculo cresceram. A estrutura das agremiações, em contrapartida, seguiu atrelada aos princípios do amadorismo.
Inicialmente, os principais centros do futebol brasileiro basearam suas estruturas no conceito de ligas. As ligas são associações sem um número determinado de filiados, que têm como meta o desenvolvimento técnico e comercial da modalidade, assim como a divisão dos recursos captados. Em outras palavras, trata-se de um esforço conjunto para a obtenção de resultados a serem divididos posteriormente.
No entanto, as ligas foram sendo substituídas no contexto administrativo pelas federações, que ficaram responsáveis pela organização do futebol alinhado às metas da Fifa e pela nacionalização da modalidade. A Federação Brasileira de Sports foi criada em 1914, mas não conseguiu o reconhecimento da Fifa. Em 1915, surgiu a Federação Brasileira de Futebol, que enfrentou o mesmo problema.
A Fifa só reconheceu e acatou uma entidade brasileira depois que a FBS e a FBF se juntaram para a formação da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), em 1923. Essa nova entidade deveria gerir todas as modalidades do país, mas desde a gênese voltou grande parte de sua atenção para o cenário do futebol.
No entanto, só durante o governo de Getúlio Vargas, sobretudo no período do Estado Novo, a CBD conseguiu ampliar a difusão do futebol pelo país, aumentando o número de clubes destinados à prática da modalidade – sempre seguindo o modelo de associação e de aplicação do lucro no desenvolvimento da própria agremiação.
Durante anos, a modernização administrativa do futebol brasileiro não acompanhou a evolução técnica da modalidade. Sem planos de ação ou de marketing, a maioria dos clubes manteve a estrutura amadora a despeito do aumento de receitas causado pela massificação do futebol e a evolução da mídia relacionada ao esporte.
A estagnação relacionada à estruturação do futebol no país também está intrinsecamente à ausência de cursos formadores de gestores. A maioria dos profissionais que trabalharam com o esporte durante anos foi composta por ex-atletas ou pessoas fundamentadas pelo conhecimento empírico do tema. Enquanto isso, Estados Unidos e Europa já ofereciam possibilidades de atualização de profissionais para dar sustentabilidade a seu modelo de desenvolvimento esportivo.
Com o crescimento e a interação maior com a população, o futebol deixou de ser apenas um esporte hermético e assumiu um papel importante no contexto social brasileiro. Por conta disso, a gestão dos clubes e federações precisou se voltar ao desenvolvimento do esporte como atividade comunitária e integracionista.
O case Parmalat
No entanto, a primeira iniciativa de mudança de paradigma administrativo de repercussão nacional no Brasil atingiu apenas o setor profissional. Em 1992, Palmeiras e a empresa italiana Parmalat assinaram um acordo de co-gestão do departamento de futebol do clube, com um investimento anual da empresa de US$ 6 milhões e uma divisão de funções (o patrocinador era responsável pelo nível técnico da equipe, e o clube ficava com as responsabilidades estruturais).
Para se associar ao Palmeiras, a empresa italiana colocou como exigência a administração partilhada no futebol, com decisões tomadas sempre em conjunto. E destacou para isso José Carlos Brunoro, ex-treinador de voleibol que vinha atuando como gerente na equipe de vôlei da Pirelli.
A presença de um executivo remunerado e profissional foi um dos diferenciais da ligação entre Palmeiras e Parmalat, além da prioridade ao desempenho e de a finalidade principal ter sido a exposição da marca em vez da receita advinda das negociações de atletas.
Em pouco tempo, o desempenho e os títulos do Palmeiras superaram a expectativa de mídia traçada pela Parmalat. E o lucro de negociação de atletas, que não havia sido considerado como um ponto fundamental para o projeto, acabou virando a forma de auto-sustentação do programa. A partir do momento em que as negociações atingiram o nível de investimento anual, a Parmalat passou a ter todo o esquema do Palmeiras funcionando sem custo algum para os cofres da empresa.
O sucesso levou a Parmalat a investir em outras parcerias no Brasil. Além do Etti Jundiaí (atual Paulista), que teve seu controle assumido pela empresa, Juventude e Santa Cruz firmaram parcerias nos moldes da que havia sido feita com a diretoria do Palmeiras. A Parmalat criou então uma diretoria de esportes, que ficou responsável pela gestão profissional do departamento de futebol das equipes associadas à empresa.
Entretanto, o investimento da Parmalat no esporte esbarrou nos problemas financeiros da matriz italiana no início do século XXI. Com isso, a despeito do sucesso obtido na década de 90, as parcerias com equipes brasileiras acabaram.
O fim das parcerias dos brasileiros com a Parmalat – e de parcerias com outros moldes de gestão, tais como os acordos da ISL com Flamengo e Grêmio ou do Banco Excel e da Hicks Muse com o Corinthians – expôs os problemas de gestão dos clubes brasileiros. Apesar do apoio financeiro e da sustentabilidade criada pela gestão compartilhada, ninguém conseguiu montar uma estrutura que propiciasse a saúde financeira sem um auxílio externo. Em grande parte, a explicação para isso está no amadorismo administrativo, sem uma otimização dos processos no organograma das agremiações.
A nova realidade inglesa
O processo de profissionalização no futebol atingiu um novo status no futebol europeu do século XXI. Primeiro, algumas equipes lançaram suas ações na bolsa de valores e abriram seu capital. Essa iniciativa foi tomada com a intenção de atrair investidores para propiciar um novo patamar financeiro e organizacional.
Contudo, o modelo que tem mostrado resultados mais efetivos na Europa é o de venda dos clubes como franquias para empresários. Esse perfil de negociação tem sido feito comumente na Inglaterra, onde o controle de alguns clubes passaram às mãos de um só dono (casos do russo Roman Abramovich no Chelsea e do norte-americano Malcolm Glazer no Manchester United, por exemplo).
As equipes inglesas que foram vendidas transferiram totalmente seu patrimônio às mãos de empresários. Agora, eles agem realmente como donos dos clubes, com obrigações e direitos iguais aos que permeiam a atuação de um presidente em uma empresa tradicional. “A grande vantagem dos clubes ingleses é que eles contam com profissionais especializados, que entendem o mercado e sabem otimizar as oportunidades comerciais”, apontou Edward Freedman, um dos responsáveis pelo marketing do Manchester United.
Conclusão
Existem várias maneiras diferentes de se organizar uma equipe esportiva, e outros tantos meios de inserção desse clube no contexto profissional do esporte. Para isso, é fundamental que o setor administrativo trabalhe como um facilitador e acelerador de processos dentro da agremiação, dando um caráter mais dinâmico às atividades e aumentando a chance de obtenção de receita.
O primeiro passo para esse incremento administrativo é a interação entre todas as áreas. Quanto mais um clube funcionar de maneira unificada e planificada, menos chances de haver furos em seu projeto. Além disso, o conceito de competência precisa ser trabalhado no âmbito esportivo associado à estratégia, assim como acontece no ambiente empresarial.
O setor administrativo de uma empresa também deve estar pronto para identificar os atores envolvidos no processo e as chances de obtenção de lucro no mercado em que essa empresa está inserida. Esse é um princípio básico para a sustentação e deve nortear o investimento e os projetos de qualquer associação esportiva. Para isso, contudo, é importante que exista uma administração profissional e dedicada aos interesses do clube como uma empresa voltada ao lucro e à subsistência.
Bibliografia
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