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O acesso dos clubes de futebol na justiça comum, é possível?

Nos últimos anos, temos visto vários clubes de futebol brasileiros travarem embates com a justiça desportiva.

O mais conhecido deles, talvez aquele que fez com que os clubes dessem maior importância à sua área jurídica, pode ser considerado o caso da reviravolta no rebaixamento para a série B do Campeonato Brasileiro de Futebol, em 2013, protagonizado pelo Fluminense Football Club (“Fluminense”), do Rio de Janeiro, o qual acabou se salvando na via judicial.

Este acontecimento se deveu a um erro da Associação Portuguesa de Desportos (“Portuguesa”), que, por conta de um jogador escalado irregularmente, conforme decidido pela justiça desportiva, perdeu alguns pontos, assumindo assim o lugar do clube carioca na zona de rebaixamento do campeonato.

Ainda no Campeonato Brasileiro de 2013, pode-se revisitar outros casos de relevância, que não tiveram desfechos tão positivos para os requerentes, quando dois clubes brasileiros passaram por punições severas por situações inusitadas.

Ocorre que a Associação Desportiva Recreativa Cultural Icasa (“Icasa”) e o Botafogo Futebol Clube (“Botafogo – PB”) foram excluídos das Séries B e C do Campeonato, respectivamente, por acionarem a Justiça Comum, no lugar da Justiça Desportiva.

O Icasa, motivado justamente pelo fato de Fluminense ter se mantido na série A do Campeonato, conforme mencionado acima, após esgotadas as instâncias na Justiça Desportiva, decidiu recorrer à Justiça Comum, solicitando sua vaga na Série A, alegando a escalação irregular de um jogador do Figueirense Futebol Clube, de forma análoga ao realizado pelo Fluminense, em partida da Série B ocorrida no ano de 2013. Sem sucesso.

Já o Botafogo-PB, teve sua exclusão motivada por ter se valido de uma ação judicial de um vereador para jogar em seu estádio, que fora interditado pelo STJD.

Assim, após os supracitados acontecimentos, um assunto começou a pairar nos programas esportivos e ser amplamente debatido dentre a sociedade civil.

Afinal, os times de futebol podem ou não recorrer à Justiça Comum? Aos conhecedores do direito, a resposta para essa pergunta parece simples: Não. Isso porque a Justiça Comum não tem competência para julgar o mérito das decisões da Justiça Desportiva.

A Federação Internacional de Futebol (“FIFA”), após os acontecimentos mencionados, emitiu uma nota, alertando os clubes brasileiros que não toleraria o uso da Justiça Comum para resolução de questões esportivas.

Nos casos analisados, a instituição considerou as questões discutidas como problema interno, passível de resolução tão somente por autoridades competentes à Confederação Brasileira de Futebol (“CBF”), e, caso se esgotem os recursos na Justiça Desportiva do país, a única via possível a novo recurso seria a Corte Arbitral do Esporte, na Suíça, conforme o Art. 66 do Estatuto da FIFA.

Também no Estatuto da entidade, em seu Art. 68, é prevista a proibição do uso da Justiça Comum para a resolução de conflitos esportivos, podendo esta opção ser aceita somente para casos específicos avaliados e autorizados pela própria FIFA.

Contudo, fato é que podem existir argumentos contrários a tais decisões, como, por exemplo, a ideia de que as mesmas seriam inconstitucionais, eis que seguindo a interpretação do Art. 217 da Constituição Federal, em seu §1º, tem-se a conclusão de que o Estado pode interferir em decisões relativas às competições esportivas.

Ademais, cabe relembrar as várias denúncias de corrupção já ocorridas contra a CBF, algumas sendo provadas, levando, inclusive, ao banimento do futebol, pela FIFA, do ex-presidente da confederação, além do famoso caso da “Máfia do Apito”, em que ocorria a manipulação de resultados no futebol brasileiro.

Tais situações geram uma série de incertezas sobre a índole e funcionamento do órgão máximo do futebol brasileiro.

Por outro lado, permitir que a Justiça Comum interfira no mérito das decisões do tribunal desportivo, poderia ser visto como diminuição e negação dos motivos que levaram à criação de uma legislação própria para o esporte.

Nesse sentido, restou-se cediço que os únicos casos em que a Justiça Comum intervirá em decisões da Justiça Desportiva, serão aqueles considerados extremos, em que as decisões lesem ou ameacem o direito de forma ampla. Neste aspecto, nas palavras do autor Luiz Antônio Grisard: “A Justiça Desportiva é a instância não judiciária, constitucional e legalmente instituída para dirimir os conflitos de interesse que se situem entro de seus limites de competência”.

A chamada Lei Pelé (Lei 9615/98), ainda, cuidou de regrar e enfatizar ainda mais este ponto. Em seu artigo 50, ela afirma que o processo e julgamento das infrações disciplinares das competições devem ser definidos de única e exclusivamente em Códigos de Justiça Desportiva.

Assim, pode-se chegar na conclusão de que, apesar de amplas discussões e polêmicas, o assunto encontra-se bem regrado pela legislação desportiva brasileira e pela legislação da FIFA. E, portanto, resta-se pacificado que a Justiça Comum só poderá intervir em casos de violação ao direito e em casos já avaliados previamente pela FIFA, devendo os casos envolvendo o futebol ser, à priori, encaminhados à Justiça Desportiva.

*Em coautoria com Fábio Gonçalves Soares, membro da equipe societária do escritório Lacerda Diniz e Sena.

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol 

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Raio X da gestão do marketing nos clubes de futebol – Execução do marketing dos 4 P’s

Na continuação da série sobre a gestão do marketing nos clubes de futebol iremos tratar da execução das atividades e das ações de marketing tomando como referência o Composto de Marketing, o chamado 4 P’s: Produto, Preço, Praça e Promoção.

Iniciando pelos produtos oferecidos e gerenciados pelos 14 clubes analisados, foi verificado um total de dez, com a predominância dos patrocínios, parcerias e permutas, licenciamento da marca e programas de sócio-torcedor. Destaque para o fato que alguns deles estão presentes em todos os clubes e que quando comparado com a literatura e com os clubes europeus é verificado que a quantidade por clubes é limitada, restringindo a obtenção de recursos e o atendimento dos diferentes tipos de clientes.

Os programas de sócio-torcedor eram extremamente relevantes para os clubes que os possuíam, sendo em muitos o principal produto. Apesar da importância, a gestão deles era terceirizada em mais da metade das equipes, ponto que pode ser problemático devido à um controle limitado sobre a empresa terceirizada. É notável o fato de que apenas dois clubes utilizavam parte das receitas dos programas para reinvestir nos mesmos, o que acabava por afetar a operação, captura e manutenção dos sócios. No geral, o foco era fundamentalmente direcionado para a obtenção de receitas, sem visar o desenvolvimento de um relacionamento constante e amplo com os sócios, o que contribuía para uma elevada da taxa de desistência, questão mencionada por muitos entrevistados.

processo de precificação dos produtos e serviços ofertados foi abordado de forma limitada pelos entrevistados e somente um citou que o utilizava constantemente em diversos produtos/serviços. Sobre a definição do valor dos ingressos, apenas três entrevistados indicaram que o marketing participava desse processo: na maioria dos clubes essa definição era responsabilidade da diretoria ou do presidente, sem a utilização de métodos claros para tal, estes presentes somente em dois clubes.

A análise da praça foi dividida em dois itens: estádios e lojas. Seis clubes possuíam estádios próprios e oito o alugavam, sendo que dos que era proprietários somente três os utilizam para outros eventos, como shows. Quatro entrevistados citaram que realizavam ações para os torcedores antes dos jogos nos estádios e quatro afirmaram que não o faziam devido aos clubes possuírem estádios antigos que limitavam a realização de parte das ações de marketing.

Sobre as lojas oficiais, sete clubes possuíam lojas físicas, um possuía de forma temporária e seis não tinham, fato justificado por dois entrevistados devido ao custo elevado de manutenção da loja. Dos clubes sem lojas físicas quatro indicaram possuírem parceiras com comerciantes locais para a venda de produtos oficiais e dos 14 clubes analisados apenas seis possuíam loja online, todos com loja física que atuava como suporte a virtual. Apenas um clube terceirizava a gestão da loja oficial e três comercializavam franquias das lojas físicas oficiais para investidores interessados.

Por fim, sobre a promoção, que visa divulgar o clube e seus produtos e serviços, foram identificadas variadas ações, mas elas estavam diluídas nos clubes de forma que a quantidade por clube era limitada.  

Foi observada uma repetição das mesmas ações em muitos clubes e que as formas de promoção tidas como “tradicionais” e offline ainda são muito frequentes e bem sucedidas, especialmente em clubes do interior. As ações online, tendências nos principais clubes europeus, não são utilizadas constantemente e quando são é de forma limitada, sem explorar toda a potencialidade que o ambiente virtual, especialmente a redes sociais, proporciona.  

As entrevistas acabaram por evidenciar que a utilização dos 4 P’s pelos clubes analisados é limitada, desde o oferecimento e a gestão de produtos e serviços para torcedores/consumidores e empresas até a realização de ações promocionais para divulgar os mesmos e a equipe. Os clubes tendem a crer que a exposição frequente na mídia gera a devida divulgação, sem considerar que a mesma não é controlada e direcionada por eles, o que acaba limitando a divulgação dos seus produtos e serviços. 

O processo de precificação é extremamente limitado e muito baseado em impressões pessoais de dirigentes, especialmente com relação aos ingressos. Já a ausência de lojas oficiais, físicas ou virtuais, em quase metade dos clubes revela que os clubes não enxergam na comercialização dos produtos uma fonte de renda relevante, considerado as lojas como um gasto elevado, diferentemente dos clubes europeus, onde parte significativa das receitas vem do chamado merchandising, que envolve o licenciamento da marca e a venda de diversos produtos e serviços esportivos ou não. 

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São Paulo – Só processo resolve a crise!

Crédito imagem – Rubens Chiri/São Paulo

Um clube grande que enfrenta um jejum de títulos tem que lidar com pressões internas e externas diferentes e mais difíceis do que quem está vencendo sempre. No Palmeiras, no Corinthians e no Santos há pressão. Sempre vai ter. Mas no São Paulo é diferente. E uma pressão mais perigosa e difícil de lidar.

Nos últimos dez anos o real protagonismo do futebol paulista não teve três cores. Dentre os quatro grandes clubes, três ganharam a Libertadores. Menos o São Paulo. E o passado ajuda a entender o presente e a prever o futuro. Na ânsia de voltar a vencer se busca o resultado a qualquer custo. É um pouco daquilo do ‘os fins justificam os meios’. Isso se traduz em contratações caras, mudanças constantes de treinador e o natural endividamento do clube. O São Paulo já trouxe jogadores consagrados, já apostou na base, contratou técnicos com as mais diversas ideias e conceitos de jogo e nada adiantou. 

Já reiterei que vale muito uma reflexão interna, a respeito de processos e condução dos departamentos. O São Paulo deixou de ser a potência econômica que já foi, gerando menos receitas do que poderia com patrocínio, marketing, sócio-torcedor e estádio. Soma-se a isso o viés político ardiloso que permeia as alamedas do Morumbi. Gerando para quem trabalha no dia a dia do futebol profissional um ambiente não propício a vitórias.

Não há projeto de futebol no São Paulo. Nada é planejado para a criação de uma cultura vencedora. Se pensa apenas no próximo jogo. O técnico argentino Hernan Crespo tem que estar muito bem informado sobre todos esses aspectos. As demissões de Diego Aguirre em 2018 e de Fernando Diniz nesse Brasileirão 2020 mostram como não há tempo para aguardar o amadurecimento natural de um time vencedor. Lembra que citei no começo do texto a pressão que o jejum traz? O São Paulo hoje perde para ele mesmo. Não sei as promessas que foram feitas a Crespo. Mas o ambiente atual tende ao mesmo fracasso de anos anteriores.

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Diferença entre visão sistêmica e pensamento complexo no futebol

Crédito imagem – Rodrigo Coca/Agência Corinthians

“O que não se regenera, se degenera” – Edgar Morin, sociólogo francês

Todos nós que acompanhamos o futebol sabemos que se trata de uma poderosa manifestação esportiva e lúdica com fortes repercussões e impactos socioeconômicas e que faz parte da cultura da grande maioria dos países do mundo contemporâneo.

Portanto, devido à sua relevância, acreditamos que vale a pena refletirmos sobre como esta modalidade esportiva pode ser entendida e, assim, termos estratégias para estimulá-la e continuar contribuindo para alimentar o interesse daqueles que a praticam, a apreciam ou estão inseridos nesta atividade de lazer e entretenimento com fins profissionais ou econômicos.

Em um texto anterior havíamos destacado que para se entender o futebol em suas diferentes dimensões, é preciso procurar entender toda a sua complexidade. E que para entender essa complexidade pode ser muito útil fazer uso da visão sistêmica e do pensamento complexo, uma vez que a tradicional visão cartesiana, mecanicista, linear e fragmentada de vermos as coisas – ainda muito prevalente entre nós – já não dá mais conta de se buscar as soluções que procuramos para a evolução não só do futebol, mas da própria sociedade, de forma mais ampla. Mas como aplicarmos esta visão sistêmica e esse pensamento complexo no futebol? 

Antes de entrarmos nos detalhes mais aplicados ao esporte, vamos procurar explicitar os significados originais destes conceitos.

Existem atualmente várias abordagens tentando explicar termos como “visão sistêmica”, “visão holística”, “pensamento complexo”, entre outros, que podem nos ajudar a entender a complexidade do futebol e de nossa realidade. Pesquisando a respeito das origens destes conceitos, vamos notar que eles não são consensuais. Dependendo da área onde são aplicados, assumem significados, de certa forma, distintos. Notamos, por exemplo, que os termos “pensamento sistêmico” e “pensamento complexo” são muitas vezes tomados como sinônimos pelo senso comum. 

Para atender aos objetivos desta reflexão e pensando no universo do futebol, vamos considerar que o pensamento sistêmico pode ser interpretado como a nossa capacidade em identificar as ligações de fatos particulares dentro de um determinado sistema; sendo que o sistema pode ser visto como um conjunto de elementos conectados entre si, formando uma totalidade a qual produz algum efeito ou realiza alguma função. É importante também saber que quanto maior o número de elementos do sistema, maior será o número de suas interações e, por isso, maior a sua complexidade. 

Portanto, podemos considerar o pensamento sistêmico como aquele que procura entender um determinado sistema como um todo, considerando todas as interconexões entre seus elementos; enquanto o pensamento complexo é aquele que igualmente procura entender o sistema, porém considerando também os outros sistemas que o cercam; ou seja, os micros e macrossistemas. Neste sentido, o pensamento complexo é, assim considerando, mais amplo que o pensamento sistêmico.

Uma peculiaridade dos pensamentos sistêmico e complexo é que eles têm como uma de suas referências básicas, não a simplicidade, a objetividade, a estabilidade e a previsibilidade, como adota a visão tradicional (cartesiana), mas sim a subjetividade e a intersubjetividade, a instabilidade e a imprevisibilidade, enquanto características da nossa realidade natural, humana e social; essenciais para a compreensão e exercício de nossa humanidade.

Saindo dos conceitos para entrarmos no terreno de suas aplicações, podemos concluir que nesta perspectiva uma equipe de futebol, por exemplo, deve ser considerada um sistema típico. Conforme define Jöel de Rosnay (doutor em ciências do movimento), “uma equipe de futebol é um sistema complexo formado por elementos que interagem entre si e que têm como propósito, combinar a bola entre os jogadores para conseguirem marcar gols e ganhar a partida”.  

Para entender este “sistema-equipe de futebol” convém que façamos uso do pensamento sistêmico, sem deixar de incluir em sua visão os seus macrossistemas (equipe adversária, clube, torcedor, imprensa, agentes, comunidade, país etc.) e os seus microssistemas (jogadores da equipe, atleta, corpo humano, aparelhos orgânicos, tecidos, células etc.). Note que para entender a complexidade do jogo, precisamos entender o “sistema-equipe de futebol” (pensamento sistêmico), como também todos os sistemas que, de certa forma, interagem com ele e os influencia (pensamento complexo).

Outro exemplo pode ser representado pelo “sistema-jogo de futebol”, cujos elementos básicos são as próprias interações que ocorrem entre as duas equipes em uma partida, com todas as suas interconexões de ações e reações, sinergias e oposições, estratégias e contra estratégias, equilíbrios, desequilíbrios e emergências, sendo que todas essas situações são carregadas de subjetividades, intersubjetividades, instabilidades e imprevisibilidades. 

Por tudo isso que procuramos sintetizar neste pequeno estudo reflexivo, queremos sugerir e concluir que o futebol, seja ele representado por uma equipe, por um jogo ou por um evento, terá muitas limitações de interpretação se continuarmos a insistir em manter uma visão que entende o todo apenas por meio do entendimento de suas partes, e ainda sendo tratadas de forma autônoma ou isolada. Quer como praticante, torcedor, profissional do futebol ou, em última instância, como cidadão, precisamos ter uma consciência – a mais clara possível – sobre onde estamos, o que sentimos, o que fazemos, que momento histórico vivemos, como chegamos até aqui e para onde queremos ou podemos ir com nossos desejos, propósitos ou objetivos. E para ter esta consciência crítica, utilizar o pensamento complexo tentando entender o futebol, o mundo e a nós mesmos, nos parece uma excelente opção.   

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Governança Corporativa – Parte l

Crédito imagem – Cesar Greco/Palmeiras

Elaborado por: Diego Mello com a colaboração de Alessandro Langone e Marcelo Moraes.

Empresas existem para gerar valor a seus acionistas. Mais especificamente, a criação de riqueza através da operação dos mais distintos negócios é, há séculos, o objetivo primordial de sociedades empresárias em todo o mundo. É chamado de Governança Corporativa o conjunto de mecanismos e práticas criados para otimizar o desempenho de uma companhia e garantir aos provedores de capital retorno sobre seus investimentos. As práticas de Governança portanto representam o modo pelo qual as empresas são dirigidas e controladas, a fim de preservar e otimizar seu valor.

Como aplicar esses conceitos ao contexto do futebol brasileiro no qual, para a grande maioria dos clubes, constituídos como associações civis sem fins lucrativos, a criação de valor não está diretamente relacionada à obtenção de lucros? Quais os principais elementos do sistema de Governança de empresas privadas e clubes do exterior aplicáveis a nossos clubes e até que ponto tais práticas contribuem para que eles se beneficiem dos recursos públicos e privados agregados à cadeia de valor da indústria esportiva? Quais os dispositivos legais já existentes sobre o tema e de que forma as mudanças advindas do Fair Play Financeiro proposto pela CBF e da Lei do clube-empresa tramitando no Congresso Nacional poderão contribuir para, definitivamente, alçar a criação de valor ao cerne do processo decisório? 

Essas serão as principais questões abordadas nessa série de textos sobre Governança Corporativa no futebol preparada em parceria com a Universidade do Futebol. O desenvolvimento do futebol brasileiro como indústria passa necessariamente pela reflexão sobre a forma pela qual nossos clubes, federações e a CBF se organizam e são geridos, independentemente de sua natureza jurídica, e sobre o papel das diferentes partes interessadas (stakeholders) na construção de um ambiente de negócios favorável não apenas aos interesses de associados ou acionistas como também à longevidade das organizações.

Governança Corporativa no futebol – uma breve perspectiva histórica

A importância da Governança Corporativa no esporte deriva da sua relevância em empresas dos mais diferentes setores. As discussões sobre o tema adquiriram importante conotação mediante a deflagração na primeira década do século XXI de escândalos de corrupção em grandes empresas multinacionais nos Estados Unidos. Tornava-se latente a partir de então a necessidade por um sistema capaz de minimizar os inevitáveis conflitos de interesse entre os detentores de capital, donos das empresas, e os dirigentes por eles contratados para geri-las. Relatórios, guias, cartilhas e leis foram então elaborados para fundamentar princípios essenciais de ética e transparência aos negócios, disseminando a necessidade por práticas honestas e responsáveis na gestão das organizações. A partir desse mesmo período a matéria evoluiu também no Brasil como decorrência, não por acaso, do processo de abertura econômica e privatizações que estimulou a chegada ao país de empresas internacionais. 

Particularmente no cenário esportivo nacional o advento da discussão sobre Governança para clubes de Futebol teve como um dos mais importantes marcos a publicação da Lei Zico (Lei nº 8.672/1993), em 1993. Somente a partir de então inclui-se no arcabouço legal sobre o esporte elemento relacionado à organização de entidades esportivas como empresas, estabelecendo-se assim previsão legal para um modelo de gerência esportiva ainda incipiente.

Instituídos em momentos históricos bastante distintos aos de 1993, os dispositivos legais anteriores à Lei Zico que estabeleceram as bases de organização do desporto no Brasil, como o Decreto-Lei nº 3.199/194, primeira lei esportiva oficial do país, e a Lei nº 6.251/1975, refletiam, de forma clara, a intenção do Estado em manter controle sobre o funcionamento do esporte. Com efeito, apesar de relevantes para incentivo e regulamentação das práticas esportivas tais dispositivos pouco favoreceram para fomentar discussões sobre a Governança de associações esportivas na medida em que representaram, em última análise, mecanismos para reforçar a tutela do Governo sobre o esporte. A baixa autonomia conferida às entidades para decidirem sobre sua própria estruturação interna fica evidenciada nos artigos transcritos a seguir do Capítulo IX do Decreto-Lei nº 3.199/1941:

“Art. 48. A entidade desportiva exerce uma função de caráter patriótico. É proibido a organização e funcionamento de entidade desportiva, de que resulte lucro para os que nela empreguem capitais sob qualquer forma.

(…)

Art. 50. As funções de direção das entidades desportivas não poderão ser, de nenhum modo, remuneradas.

Art. 51. As diretorias das entidades desportivas serão compostas de brasileiros natos ou naturalizados; os seus conselhos deverão constituir-se de dois terços de brasileiros natos ou naturalizados pelo menos.

Parágrafo único. Poderá o Conselho Nacional de Desportos abrir exceção para o estrangeiro radicado no país, com relevantes serviços prestados à comunidade brasileira em geral ou aos desportos nacionais em particular.”

O paternalismo estatal e a subordinação das entidades esportivas ao Governo àquela época estavam também expressos nas formas previstas em Lei para intervenção e controle do poder público sobre as práticas esportivas, inclusive no que concerne a fiscalização da aplicação dos recursos financeiros das entidades esportivas, conforme corroborado pelos artigos 3º e 9º do mesmo Decreto:

“Art. 3º Compete precipuamente ao Conselho Nacional de Desportos:

a) estudar e promover medidas que tenham por objetivo assegurar uma conveniente e constante disciplina à organização e à administração das associações e demais entidades desportivas do país, bem como tornar os desportos, cada vez mais, um eficiente processo de educação física e espiritual da juventude e uma alta expressão da cultura e da energia nacionais;

b) incentivar, por todos os meios, o desenvolvimento do amadorismo, como prática de desportos educativa por excelência, e ao mesmo tempo exercer rigorosa vigilância sobre o profissionalismo, com o objetivo de mantê-lo dentro de princípios de estrita moralidade;

c) decidir quanto à participação de delegações dos desportos nacionais em jogos internacionais, ouvidas as competentes entidades de alta direção, e bem assim fiscalizar a constituição das mesmas;

d) estudar a situação das entidades desportivas existentes no país para o fim de opinar quanto às subvenções que lhes devam ser concedidas pelo Governo Federal, e ainda fiscalizar a aplicação dessas subvenções.

(…)

Art. 9º A administração de cada ramo desportivo, ou de cada grupo de ramos desportivos reunidos por conveniência de ordem técnica ou financeira, far-se-á, sob a alta superintendência do Conselho Nacional de Desportos, nos termos do presente decreto-lei, pelas confederações, federações, ligas e associações desportivas.”

Da mesma maneira, já na década de 1970, foi expresso de forma inequívoca nos artigos 8º, 17 e 18 da Lei 6.251/1975 o controle absoluto pretendido pelo poder público na gestão e financiamento do setor esportivo no país:

“Art. 8º O apoio financeiro da União somente será concedido a entidades que observarem as disposições desta Lei e de seu regulamento ou as normas expedidas por órgãos ou entidades competentes do Sistema Desportivo Nacional.”

(…)

Art. 17. Caberá ao Conselho Nacional de Desportos fixar os requisitos necessários à constituição, organização e funcionamento das confederações, federações, ligas e associações desportivas, ficando-Ihe reservado, ainda, aprovar os estatutos das confederações e federações e suas respectivas modificações.

Art. 18. Sob pena de nulidade, os estatutos das confederações, das federações e das ligas desportivas, obedecerão ao sistema de voto unitário na representação das filiadas em quaisquer reuniões dos seus poderes.

§ 1º O Conselho Nacional de Desportos padronizará o sistema de votação nos estatutos das confederações, federações e ligas desportivas.

§ 2º As confederações, federações e ligas desportivas terão, a partir da publicação do decreto de regulamentação desta lei, o prazo máximo, improrrogável, de 90 (noventa) dias para adaptarem os seus Estatutos ao presente artigo.”

Não obstante, ainda que de forma sucinta e pouco específica, os contornos a respeito de maior relevância na participação da iniciativa privada no esporte, em complemento ao incentivo estatal, passaram a ser delineados no artigo 4º dessa mesma Lei, segundo o qual: 

“Art. 4º Observadas as disposições legais, a organização para a prática dos desportos será livre à iniciativa privada, que merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos.”

O que então pensava-se representar a modernização definitiva do arcabouço legal a respeito da Governança no esporte, entretanto, foi verificada apenas em 1993 por meio da promulgação da Lei Zico. Dentre outros aspectos de significativa relevância para a gestão dos clubes de futebol, instituiu-se, como anteriormente citado, a possibilidade do gerenciamento do esporte através de empresas, em contraposição ao modelo associativo sem fins lucrativos então, e até hoje, vigente:

 “Art. 11. É facultado às entidades de prática e às entidades federais de administração de modalidade profissional, manter a gestão de suas atividades sob a responsabilidade de sociedade com fins lucrativos, desde que adotada uma das seguintes formas:

 I – Transformar-se em sociedade comercial com finalidade desportiva;

 II – Constituir sociedade comercial com finalidade desportiva, controlando a maioria de seu capital com direito a voto;

 III – Contratar sociedade comercial para gerir suas atividades desportivas.

Parágrafo único. As entidades a que se refere este artigo não poderão utilizar seus bens patrimoniais, desportivos ou sociais para integralizar sua parcela de capital ou oferecê-los como garantia, salvo com a concordância da maioria absoluta na assembleia geral dos associados e na conformidade dos respectivos estatutos.”

Os debates jurídicos acerca da personalidade jurídica dos clubes de futebol incitados pela Lei Zico adquiriram ainda maior importância pela promulgação da obrigatoriamente dos clubes tornarem-se empresas disposta no texto original da Lei Pelé (Lei nº 9.615/1998), de 1998:

“Art. 27. As atividades relacionadas a competições de atletas profissionais são privativas de:

I – Sociedades civis de fins econômicos;

II – Sociedades comerciais admitidas na legislação em vigor;

III – Entidades de prática desportiva que constituírem sociedade comercial para administração das atividades de que trata este artigo.

Parágrafo único. As entidades de que tratam os incisos I, II e III que infringirem qualquer dispositivo desta Lei terão suas atividades suspensas, enquanto perdurar a violação.”

A lógica havia sido portanto invertida: da proibição ao funcionamento de entidades esportivas direcionadas ao lucro, em 1941, à obrigatoriedade de sua constituição como sociedades com fins econômicos, em 1998, a legislação brasileira sobre Governança no esporte evoluiu como resposta às mudanças econômicas, políticas e sociais verificadas no período. Mas esse cenário durou pouco: em razão de controversas jurídicas acerca de sua constitucionalidade a alteração compulsória do modelo associativo estabelecida pela Lei Pelé foi posteriormente revogada, restaurando-se o cenário preconizado pela Lei Zico segundo o qual a conversão é opcional. Apesar disso o artigo da Lei Pelé que trata sobre esta matéria mantém no texto atualmente vigente de seu art. 27 a previsão legal de equiparação de clubes a empresas, particularmente no que concerne à responsabilização dos dirigentes esportivos prevista no Código Civil (Lei no 10.406/2002):

“Art. 27. As entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organizarem, independentemente da forma jurídica adotada, sujeitam os bens particulares de seus dirigentes ao disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, além das sanções e responsabilidades previstas no caput do art. 1.017 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, na hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros.    

§ 11.  Os administradores de entidades desportivas profissionais respondem solidária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de gestão temerária ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, nos termos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.”    

Novas perspectivas – cuidado com o que deseja

A partir dessa contextualização histórica é possível compreender o panorama atual e os possíveis rumos para o nosso futebol a respeito das práticas de Governança Corporativa. Considerando-se que apenas a partir do início dos anos 1990, após quase um século do início da prática do futebol no país, os clubes passaram a dispor de autonomia legal para definirem sua forma de organização jurídica é de se esperar que seja longo e penoso o processo de ruptura com o cenário anterior de forte subordinação ao Estado e dependência de recursos públicos. Na medida em que se deparam com a possibilidade de abandonar o modelo associativo e buscar novas formas de financiamento de suas atividades, no entanto, as organizações automaticamente atraem para si maior compromisso com transparência, moralidade, impessoalidade, eficiência e outros temas inerentes a boas práticas de gestão. Seja para atender expectativas de parceiros comerciais, empregados ou órgãos dirigentes da indústria quanto ao uso consciente e efetivo dos instrumentos de Governança, ou mais especificamente para prestar contas a investidores ou acionistas, no caso daquelas constituídos como empresas, é ainda longo o caminho a ser percorrido pelas entidades esportivas na direção de um ambiente de plena confiança, credibilidade e ética nos negócios.

Apesar disso, no que pese o número ainda incipiente de clubes de futebol que formalmente constituíram-se como empresas no país, o notório aumento do nível de profissionalização verificado na última década na forma como nossos clubes e a própria CBF são geridos é indicativo da baixa tolerância do mercado em relação a práticas amadoras, antiéticas e pouco transparentes de gestão. Independentemente se em associações sem fins lucrativos ou em sociedades empresárias, anônimas ou limitadas, é crescente a percepção por parte de nossos dirigentes esportivos do dano ocasionado por irresponsabilidade e ineficiência administrativa e da forte relação causa-efeito existente entre as ações realizadas fora das quatro linhas com os resultados esportivos obtidos dentro delas.

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O futebol é o esporte mais praticado do mundo

O futebol é o jogo mais praticado do mundo, uma paixão inconfundível e irremediável, que transcende nossa razão e nos deixa como crianças atrás de uma bola, no entanto, existe um “grande vilão” a ser combatido que vem crescendo também com essa prática.

A especialização precoce pode ser um grande adversário na formação do jovem atleta se não for bem conduzido, pois a criança precisa (e deve) brincar, se divertir e principalmente, ser criança.

Como encontrar o equilíbrio para que a prática do jogo não se torne em trabalho?

Como não tirar a alegria e o prazer do jogar?

São perguntas como essas que precisamos nos fazer constantemente, pois, se em algum momento perdemos essa rotina, de nos questionar sempre a respeito disso, podermos nos afastar do real sentido do jogo, da prática e do esporte.

Ouvir e ler o grande mestre João Batista Freire é sem dúvida, enriquecedor e desafiante em cada palavra, ponto e vírgula. Nessa frase ele deixa claro na sua visão que o jogo e a ludicidade são as mesmas coisas.

“O futebol é um jogo. Não é por outro motivo que dizemos “jogar futebol”. Como todo jogo, ele guarda elementos de risco, imprevisibilidade, complexidade. O jogo é sempre uma simulação. Simulação do quê? Simulação de aspectos de nossas vidas. Porém, o jogo não tem elementos de ludicidade; ele é a ludicidade. Jogo e lúdico querem dizer a mesma coisa.” João Batista Freire

Jogo e lúdico sendo as mesmas coisas, certamente eles não  combinam em nada com algumas regras que vem sendo impostas na formação de atletas. Será que já ouviram algumas dessas frases?

  • Não brinque ai;
  • Futebol é coisa séria;
  • Para de rir;
  • Faça isso e não faça aquilo.

“Futebol não é um esporte, é um jogo. E todo mundo que joga um jogo começou a fazê-lo criança por diversão. E devemos alimentar a criança que temos dentro. Não devemos perder de vista o jogo e que a criança interior do jogador esteja disfrutando.” Maurizio Sarri

No final de tudo, perceberemos que a criança nunca irá crescer, mesmo jogando final de Libertadores ou de Champions League, ela continuará sendo a criança sonhadora  que corre atrás de uma bola.

Pensem Nisso!

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RAP – Paixão pelo futebol

Crédito imagem – Site oficial CBF

Vou mandar a real pra você, tá ligado?

Tem um esporte aí, que une amor e pecado

É fácil de perceber

A força que vem do gramado

E então compreender

Porque ele é tão amado

Mas não se iluda não

Você vai ganhar e perder

Um dia será campeão

Noutro irá perecer

Mas o que importa é a noção

De compreender

A magia do esporte Bretão

Que nos faz respirar, que nos faz viver

Espalhou-se mundo afora

E seja jogando, seja assistindo

É um sentimento que aflora

Seja chorando, seja sorrindo

E se me perguntarem agora

Que som é este que estamos ouvindo?

É a torcida lá fora

Para o estádio partindo.

Herança de pai para filho

Devoção 100%

Nunca será empecilho

Desfrutar o momento

Mas quando o “trem sai do trilho”

Causando dor, sofrimento

E a lágrima escorre do cílio

Sempre se tem um alento

E como um andarilho

Que caminha ao vento

O futebol tem um brilho

É paixão, sentimento!

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Construção de saberes dentro e fora da quadra

Crédito imagem – Jogos estudantis do Rio de Janeiro/Divulgação

Eu cresci jogando futebol na rua. Quando queríamos variar um pouco, eu e meus vizinhos jogávamos queimada ou vôlei. Mas o futebol era o preferido, e por isso havia regras rígidas: quem chutar a bola, tem que ir buscar; se passar alguém na rua, todo mundo tem que parar; e se vier carro, tem que parar também; lembrando que não pode chutar a bola no portão da casa de fulano, e se a bola cair na casa de ciclano, decidimos no jokempô quem vai buscar. Decerto, não há quem não sinta saudade desse período e quem não tenha aprendido algo com essa fase. 

Concomitantemente aos jogos e brincadeiras de rua, eu disputava as Olimpíadas Estudantis, que era mais um caminho de aprendizado. Por cinco anos de minha jornada escolar, o meu ano letivo iniciava com um chamado dos Professores de Educação Física para participar das turmas de treinamento de Futsal e a partir das respostas positivas eles estampavam os nossos nomes num pedaço enorme de papel kraft no pátio da escola. Dali em diante era só alegria e atenção ao que estava por vir, que era: representar a escola numa competição externa, vestir o uniforme completo que indicava qual escola nós pertencíamos, sair de lá com um ônibus fretado até o local do jogo, aprender a controlar o frio na barriga e não deixar ele atrapalhar em nada, entrar na quadra junto com as colegas e treinadores, ouvir apito daqui e dali, gritos disfarçados de instruções vindos de todos os lados, aplicar as jogadas ensaiadas em quadra, dar o melhor de si naqueles três tempos de oito minutos, voltar para a escola e, nos dias (ou anos) seguintes, recomeçar o ciclo (com um frio na barriga menor, talvez). Tudo isso fazia parte da atmosfera que envolvia os jogos escolares, de que até hoje lembro com um carinho imenso.

Por tudo isso que o esporte me despertava e por mais algumas coisas, escolhi a Educação Física e virei Professora. Certa vez ouvi alguém dizer que no exercício da docência eu deveria ter paciência para “esperar o presente virar passado…”. Outros, numa linguagem menos filosófica, me aconselhavam o seguinte: “não adianta esperar resultados agora, pois só iremos colher no amanhã. E provavelmente, nós nem teremos consciência do que será colhido. ”

Entendendo o poder que o esporte tinha tido na minha formação, eu busco levar isso aos meus alunos. Vejo o esporte como um meio fundamental para a difusão de valores. Valores não somente esportivos, mas humanos. Olha aí a força do esporte na escola e porque ele tem que ser mais valorizado nesse contexto. Nesse sentido, ainda hoje meus olhos brilham quando eu entro numa quadra e lembro daqueles momentos de treinos e de jogos; quando eu ouço sons de apito e um falatório de crianças e adultos no meio de qualquer jogo. Sabe aquele frio na barriga? Eu ainda sinto antes, durante e após os jogos dos meus alunos. E isso para mim não é um mero acaso. O esporte me desperta algo que não se explica, não se compreende, apenas se sente. 

Toda essa mistura de sentimentos me fez observar o mesmo brilho nos olhos em cada criança com a qual pude ter contato, a mesma importância para um simples chamado para participar das turmas de treinamento, a mesma felicidade em vestir a camisa e representar a escola… notei que, independentemente de vitória ou derrota, eles iam ali para usufruir de toda aquela atmosfera indescritível da melhor maneira que, sem saber direito, marcaria para sempre a trajetória de cada um. 

A prática esportiva, independentemente do contexto, despertou em mim as melhores sensações e influenciou diretamente em minha formação; não de atleta, mas de cidadã. Preciso dizer que fui inspirada pelo esporte e por professores que transformaram minha trajetória. Por isso, aos professores que me inspiraram, a minha gratidão eterna; aos professores leitores, talvez os resultados virão a longo prazo, e pelos caminhos naturais da vida possivelmente não tenhamos mais contato com nossos alunos e nem ciência dos frutos colhidos, mas saibam que, ao tratar o nosso objeto de ensino com paixão, os resultados obtidos se mostrarão não só no campo esportivo, mas na forma de alunos conscientes de suas próprias ações, atestando, assim, a quadra como ambiente de preparação para a vida.

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O VAR e a posição de impedimento

Por todas as suas sutilezas e a subjetividade existente em um jogo de futebol, já era de se esperar que o uso da tecnologia não tenha conseguido eliminar nem todos os erros, e muito menos as controvérsias que envolvem a arbitragem. Porém, quando o assunto é o impedimento, a expectativa até era um pouco maior, pois em teoria, a posição habilitada ou não de um atacante não deixa margem para interpretação, ele está ou não impedido. A experiência, por outro lado, tem mostrado que até nesses casos as polêmicas ainda persistem. Isso acontece porque, mesmo com a tecnologia, o processo ainda traz margens para imprecisões, fazendo com que lances milimétricos ainda estejam sujeitos a erros, como em alguns casos que temos observado desde a implementação do VAR para lances de impedimento. Para entender como se dá a aplicação da tecnologia utilizada na definição dos impedimentos nas partidas, vamos voltar algumas casas e começar pelo conceito da posição de impedimento. Um jogador se encontra em posição de impedimento quando está mais próximo da linha de fundo do que o penúltimo defensor da equipe adversária. Como na figura abaixo.

Como é possível observar, a posição ou não de impedimento de um atacante é definida de forma bastante objetiva, de acordo com a posição do 2º defensor mais próximo da linha de fundo, mas existem alguns detalhes que acabam complicando bastante essa definição mesmo com a ajuda da tecnologia disponível atualmente.

A primeira questão são as partes do corpo. Para definir a linha que habilita ou não o atacante a jogar, a parte do corpo do defensor que é levada em consideração é aquela que está mais próxima da linha de fundo e que pode ser utilizada para tocar na bola, ou seja, mãos e braços não contam, mas ombros sim. A mesma ideia serve para definir a posição, ou linha, do atacante. Ou seja, a linha, da primeira imagem, acaba sendo muitas vezes, na verdade, um plano.

Qualquer parte do corpo do atacante que possa fazer gols e que esteja tocando na zona avermelhada caracteriza sua posição de impedimento. Se já não é tão fácil compreender e identificar tal situação em uma imagem congelada, a dificuldade é muito maior com o movimento dos jogadores.

Aqui já temos uma dificuldade bastante considerável pois definir esse plano que se origina do corpo de defensor em uma situação real de jogo não é uma tarefa simples. Para isso é necessária uma tecnologia capaz de gerar essas projeções em todo o campo de jogo, a partir das imagens disponibilizadas pelas câmeras que alimentam o sistema.

Testes do sistema de projeção que seria implantado na Copa do Mundo de 2018 e, posteriormente em outras competições. Créditos: FIFA/Reprodução.

Como é possível observar na imagem acima, a definição da linha do defensor, e também do atacante, dependem de onde é posicionado o ponto de referência para a projeção – a cruz azul na figura. Nesse processo temos margem para imprecisões, já que a definição do ponto de referência é feita por um ser humano. Imagine em um lance no qual a parte do corpo do defensor, do atacante, ou dos dois, que está mais próxima da linha de fundo é o ombro, como definir onde termina o ombro e começa o braço? Dois ou três pixels para um lado ou para o outro podem determinar a posição legal ou não de um atacante?

Por outro lado, também vale destacar como o uso dessas projeções ajuda a elucidar lances nos quais a primeira impressão pode ser enganosa. No exemplo abaixo temos a reprodução de um lance utilizado para explicar o funcionamento das projeções, note como na primeira imagem a impressão que fica é a de posição de impedimento do atacante, de branco.

Porém, se observarmos o mesmo lance por outro ângulo, como na imagem a seguir, é possível perceber que o pé de um dos defensores dá condição de jogo ao atacante.

O uso da projeção permite que tais situações sejam verificadas com precisão, o que depende da escolha correta das partes do corpo do atacante e defensor que serão usadas para a análise por parte de quem opera o VAR.

Crédito: CBF/Reprodução

Complexo, não? E estamos ainda falando do lance parado! No jogo o atacante que em um instante estava impedido, no centésimo seguinte pode não estar, e vice-versa, e aí entra a decisão humana de novo para definir o momento exato no qual o lance será congelado e a posição de impedimento será verificada. A regra determina que o momento exato que deve ser usado para definir a posição de impedimento é o do primeiro “frame” – os quadros do vídeo – no qual há o contato do passador com a bola. Dependendo da escolha do “frame” as posições de defensores e atacantes podem trazer resultados distintos em relação ao veredito do impedimento.

O frame faz toda a diferença. Se a imagem escolhida na cabine do VAR é a primeira, o atacante está em posição legal, já no segundo momento a posição é de impedimento. Segundo a regra, a primeira situação é a que deve ser considerada para a definição do impedimento.

A escolha do frame também é realizada por seres humanos e dependendo do momento, do frame, utilizado para a verificação da posição de impedimento, o atacante pode estar ou não habilitado.

Atualmente, mesmo nos lances mais objetivos de impedimento, sem nem considerarmos todos aqueles nos quais entra em cena a interpretação da participação ou não no lance, as bolas rebatidas e situações similares, ainda há muita margem para imprecisão, e os lances milimétricos, ou ajustados, na linguagem da arbitragem, vão continuar a ser a origem de muita controvérsia se depender da tecnologia disponível.

Nesse sentido, é importante conhecermos os detalhes de funcionamento das tecnologias de revisão dos lances para não alimentarmos falsas teorias da conspiração e entender que a tecnologia irá evoluir simultaneamente às necessidades do jogo, que tenderá, cada vez mais a exigir precisão milimétrica e “milesimal” na avaliação das posições de impedimento.

*Colaborou Renata Ruel, ex árbitra de futebol do quadro de futebol da FPF e CBF, e comentarista de arbitragem.  

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O crescimento do mercado de jogos eletrônicos no Brasil

Crédito imagem – Thais Magalhães/CBF

O mercado mundial de esportes eletrônicos, segundo a empresa de consultoria Newzoo, movimenta anualmente mais de 150 Bilhões de dólares e conta com o investimento de grandes nomes como adidas, Nike, Claro, Outback, Burguer King JBL e Red Bull.

Com crescimento acelerado do mercado de jogos eletrônicos no Brasil, mesmo em meio a uma economia estagnada, a Universidade do Futebol, no intuito de propiciar o aprofundamento no tema, entrevista o consultor Diego Guapo, que atua na agência NPN Gaming e trabalha há 5 anos exclusivamente no mercado de eSports.

Guapo teve seu primeiro contato profissional com o mundo dos games em 2016, quando a empresa na qual trabalhava criou o primeiro e-Brasileirão. 

O desafio de implantar o torneio pioneiro foi de Diego Guapo e sua equipe. Identificando uma boa repercussão e com o vislumbre de crescimento exponencial deste novo esporte, o consultor desbravou um mundo novo de possibilidades e passou a se dedicar inteiramente aos games. Participou da elaboração de grandes campeonatos de FIFA e PES, realizou eventos de League Of Legends, Counter Strike, entre outros. 

Ainda na EA, agência na qual trabalhava, trouxe para o Brasil um torneio universitário de eSports e profissionalizou este mercado, inclusive produzindo conteúdo através da página oficial do FIFA, gerida pela EA.

Diego, já no primeiro ano do E-Brasileirão, houve participação dos 20 clubes da Série A?

Sim. Muito em virtude do apoio da CBF e a força que a entidade tem junto aos clubes. 

A presença massiva dos clubes não ocorreu apenas no ano de estréia do torneio, mas em todos os demais e reitero que tanto a CBF quanto às federações estaduais, principalmente a Federação Paulista de Futebol, foram fundamentais para essa participação. 

Sem dúvida, tanto Federações quanto os clubes enxergaram o potencial deste mercado e foram estimulados a quebrar qualquer tipo de barreira ou preconceito a ele. Pesquisas revelam que o crescimento do eSportes  é superior a 20% e este se tornou um grande concorrente ao futebol, não com relação a torcida, mas ao consumo do esporte e conseqüentemente de produtos.

Fale um pouco sobre sua trajetória nos games.

Eu considero que não foi eu quem escolheu o eSports, mas ele me escolheu. Meu conhecimento sobre o segmento era bem limitado e dentro daquele cenário novo e embrionário, tive que fazer um pouco de tudo. Até técnico da Seleção Brasileira de FIFA em Londres eu já fui.

O mercado tem uma infinidade de possibilidades e está crescendo de forma acelerada criando muitas oportunidades de  investimento e trabalho, apesar de ainda estar engatinhando, possui uma fanbase de aproximadamente sete milhões de pessoas e também conta com jogadores mundialmente reconhecidos.

Atualmente eu estou a frente do trabalho de eSports com alguns clubes de Futebol e permaneço com o E-Brasileirão que ocorre em todos os anos desde a sua criação e é regido pela Confederação Brasileira de Futebol.

Como é a aproximação do eSports com os clubes de futebol?

A maioria dos clubes tem ciência de que precisa se aproximar mais dos jovens para rejuvenescer suas marcas. O game é uma excelente plataforma para alcançar esse objetivo. Dois a cada três jovens entre 10 a 20 anos prefere jogos eletrônicos a ir jogar bola na rua. E o jovem contemporâneo é extremamente “on demand” , ele acessa o que quer, onde quer, tem suas próprias escolhas e vontades, enfim, não adianta forçar a escolha de um esporte ou de um time, é preciso estar inserido no universo deles para fazer parte disso.

Mesmo nesse contexto, ainda há resistência por parte de muitos gestores que tem a mentalidade mais conservadora. 

Para auxiliar nessa quebra de paradigma, nossa agência tem trabalhado com o modelo revenue share que é uma espécie de compartilhamento de ganhos onde não há investimento inicial por parte do Clube. Isso faz com que a agremiação se sinta mais segura com a parceria.

Nossa estratégia para conseguir atrair o público e gerar retorno célere foi iniciar com o PES (Pro Evolution Soccer) que além de ser a plataforma de disputa do E-Brasileirão, patrocina alguns clubes e tem um Campeonato com participação da Rede Globo e da Konami. Isso tende a facilitar a comunicação com o público, já que quem participa desse tipo de game conhece as regras básicas do Futebol.

Fora do Brasil há um intenso movimento de clubes europeus formando grandes equipes, tal como o Paris Saint Germain com League Of Legends, Shalke 04 que possui ampla atuação nessa área, o Real Madrid que na reforma do Santiago Bernabéu está criando uma área exclusiva de eSports, entre vários outros clubes que podemos citar como exemplo de inovação. Eu acredito que essa tendência no Brasil ainda é incipiente, mas será inevitável!

Fora do futebol, nos times de eSports mesmo, o mercado é relativamente, mas ainda não conta com muitos eventos profissionais, nem com um calendário tão completo e organizado como em outros países e isso demanda mais empenho dos atletas que buscam se destacar; eles se esgotam e chegam ao limite para dar qualidade ao jogo. Destoando completamente do contexto do futebol que, principalmente nesta temporada atípica com pandemia, vem sofrendo com excesso de jogos e falta de qualidade técnica.

Você pode nos dar alguns exemplos de formas de monetização e ativação de empresas no mercado dos games?

Esse é um mercado de muita potência, então as empresas devem ter cautela. Como as interações não têm barreiras geográficas, a marca deve saber como se posicionar sem gerar nenhum tipo de desconforto, caso contrário pode ter um efeito de rejeição ao invés de propagação positiva.

Há poucos dias, o Brasil bateu um recorde de transmissão da LOUD com 506.797 mil pessoas simultâneas assistindo um jogo beneficente. Destaco que sequer era uma partida oficial. 

O Brasil é a décima terceira potência no mercado de games e a terceira maior em visualizações na TwitchStrike. Esse, sem dúvida é um grande atrativo para as empresas.

Mas diferente do que ocorre no futebol, as maiores cifras investidas não se concentram em times, e sim nos streamers, porque para quem acompanha e torce, os jogadores tem muito mais valor do que a entidade que ele representa. Se acontecer do streamers mudar de time ele leva consigo uma fanbase muito grande e é o que desperta o interesse das marcas.

Quanto as ativações, posso citar o exemplo da Bhrama, que criou um Bar Temático dentro do GTA Holi Play, que é um formato de GTA online onde você tem que viver o seu personagem ou pode até ser expulso do jogo. Essa ativação teve uma repercussão gigante e propiciou um vínculo maior do fã com a marca cervejeira.

Vale mencionar também, uma publicidade espontânea gerada por Shevii, um dos grandes streamers do Brasil que acabou por promover a marca Fisk por conta de seu inglês peculiar. Tudo começou em um jogo do LOL, onde o streamer brasileiro interagia com estrangeiros, mas não dominava o idioma inglês. Ele levou a falta de habilidade de um jeito descontraído, mesclando as poucas palavras que sabia pronunciar em inglês com o português, resultando em frases como “Oh My God, you cego?” (risos). Ele mesmo citou que precisava “fazer um Fisk”. A repercussão foi tamanha que gerou uma mídia espontânea. Em qualquer transmissão de um campeonato “gringo” relevante que houver algum brasileiro no chat, a marca aparece. 

Esses tipos de ações são fundamentais para reforçar a marca, mas cabe a empresa transformar isso em captação.

Há vastas possibilidades de investimento nos eSportes e os espectadores acolhem bastante as marcas que investem no segmento.

A NPN Gaming, antes de apresentar um projeto para uma empresa, primeiro estuda seu público. Ainda que a maior parte dos consumidores esteja entre 16 e 25 anos, há uma segmentação por jogos. No Counter Strike, por exemplo, o público é em sua maioria composto por pessoas acima dos 25 anos, já o League Of Legends abrange mais o público abaixo dessa fixa etária. Para haver assertividade é necessário conhecer o alvo, senão a experiência de investimento se torna traumática.

Você acha que o mercado eletrônico interage melhor com seu público do que o futebol?

Ah, sem dúvida. 

Nos eSportes há um bom volume de streamers com milhões de seguidores que conversam com os fãs através dos chats e de suas lives. 

Os grandes streamers são remunerados através das plataformas de transmissão dos jogos e estas por sua vez, recebem investimentos das marcas. É similar ao direito de arena no Futebol, onde as emissoras pagam para ter o direito de transmitir os jogos.

Essas interações dos streamers com os fãs, além de gerar fidelização, ajudam a despertar o interesse das marcas em investir, gerando um círculo virtuoso. 

A pandemia impactou o setor?

Positivamente.

A Itália, por exemplo, registrou aproximadamente 70% de aumento no número de banda larga para eSports. Segundo Luigi Gubitosi, diretor executivo da Telecom Itália, houve um aumento de mais de 70% do tráfego de internet na rede italiana de telefonia fixa, com uma grande contribuição de jogos online como Fortnite.

O número de adeptos cresceu tal como o investimento e a geração de empregos neste mercado, refletindo até em elevação no número de apostas em jogos eletrônicos.

Em abril de 2020, um dos streamers, Alexandre Gaules, doou 156 mil reais para a Central Única das Favelas de São Paulo, para ajudar no combate a disseminação do novo coronavírus. O número é uma homenagem ao recorde batido por ele na semana anterior. No confronto entre MIBR e FURIA, pela primeira fase da ESL Pro League, mais de 156 mil espectadores simultâneos acompanharam o duelo.

Um fator que contribuiu para o alargamento econômico dos eSports em meio a uma grande crise é a possibilidade de realizar eventos inteiramente online. A arrecadação com bilheteria já não era umas das receitas mais significativas, mesmo com a possibilidade de eventos presenciais, então não podemos considerar uma perda tão impactante.

O Dota 2, por exemplo, que é um jogo de muita expressão tem parte da sua premiação, que totaliza em torno de 25 milhões de dólares, é proveniente de um percentual da comercialização de roupinhas dentro do jogo, nós chamamos de skins. As empresas que estão sabendo explorar esse mercado com criatividade têm obtido um ótimo retorno de marca e de vendas.

Tem alguma mensagem final que você queira deixar para o leitor da Universidade do Futebol?

Só ratificar a importância de dissociar o “gamer” do torcedor de um clube de futebol. É um público que tem suas especificidades, suas particularidades e a priorização do atleta em detrimento do clube. 

Partindo desta premissa, há um grande mercado a ser explorado.