Categorias
Áreas do Conhecimento>Humanidades|Conteúdo Udof>Artigos Áreas do Conhecimento>Humanidades|Conteúdo Udof>Colunas Artigos Conteúdo Udof>Artigos

Se LIGA

Não é só sobre juntar os clubes de futebol. Não é só sobre negociar e defender os interesses dos clubes em negociações de direitos de transmissão de TV. Não é só sobre futebol brasileiro e sobre campeonatos e transmissões. Não é só sobre aumento de receitas. É muito mais que isso.

Em um cenário no qual as opções de entretenimento são abundantes, as formas de consumo estão mudadas, o poder das mídias sociais e dos influenciadores desafiam as mídias tradicionais e governança e integridade entram na pauta dos esportes, é preciso ir muito além quando se discute a necessidade, o impacto e o valor de uma Liga Nacional de Futebol.

Um bom ponto de partida para esta reflexão é lembrar que futebol não se faz sem dinheiro, mas futebol também não se faz só com dinheiro. Partindo da conjectura econômica, especialistas já projetam que se estivéssemos trabalhando melhor o produto futebol, nossa indústria já deveria estar faturando o dobro do que fatura hoje. Ou seja, o futebol brasileiro já deveria ter rompido a barreira dos 100 bilhões de reais de faturamento e estar alcançando algo próximo de 1,5% do PIB brasileiro que já é a importância do futebol e dos esportes em muitos países. Mais que isso, projeções feitas por estudiosos de uma Liga Nacional de Futebol, já projetam o potencial de crescimento para 3 a 5 vezes o que somos hoje.

O importante é ter consciência e construir esta jornada pois estas cifras são consequência e não ponto de partida. Mesmo que estudos, estruturações e articulações já estejam avançados e que investidores globais já estejam prontos para ajudar a impulsionar o crescimento e impactar todo o ecossistema do futebol, falta um passo essencial: o senso verdadeiro de coletividade onde clubes abram mão de discutir um percentual grande de negócio pequeno. Falta a visão de que um espetáculo não é feito de poucos clubes fortes, mas de muita disputa e da competitividade. Um espetáculo é feito do jogo e de todos as experiências vividas pelos torcedores, fãs e consumidores de futebol dentro e fora dos estádios de futebol.

Falta ainda a visão de que a distribuição mais inteligente dos direitos de transmissão da TV é apenas uma pequena parcela e se tornará ainda menos relevante quando todo ecossistema evoluir e começarmos a investir além dos jogos e a termos resultados para muito além disto, como em outras ligas como a NBA.

Desejo que indivíduos pensem e ajam no coletivo. Que disputas por poder e questões de ego sejam derrotadas em benefício de milhões de pessoas e milhares de negócios. Desejo que todo potencial de ganho econômico venha ancorado em uma governança forte, em fairplay financeiro, em visão global de promoção e comercialização dos direitos e, acima de tudo, em projetos concretos de investimentos sociais e em educação para o desenvolvimento de todos; desde atletas da base até treinadores e gestores que devem ser preparados para que voltemos a ser o país do futebol.

Se LIGA, pois há um cavalo selado passando na nossa frente. É agora, ou agora.

Texto por: Heloisa Rios, especialista em estratégia, inovação e ESG, é sócia-CEO da Universidade do Futebol e conselheira de empresas.

Categorias
Artigos

TRANSIÇÃO DE CARREIRA DE ATLETA

A série Ted Lasso é uma comédia inspiradora e cheia de lições de vida. De maneira divertida e inteligente, ela apresenta situações reais vividas pelo personagem principal, o treinador Ted Lasso, mas também por tantos outros atores deste ecossistema com destaque para os atletas, comissão técnica e para a acionista do clube.

O tema transição de carreira me chamou muita atenção pois a própria história é centrada em um treinador de futebol americano do Kansas (EUA), que é alçado ao desafio de assumir um time de futebol na Inglaterra sem nenhuma experiência prévia na modalidade. Observando mais de perto, é fascinante ver como ele enfrenta os desafios desde o desconhecimento total do básico do futebol, que são as regras do jogo, até desafios pessoais como lidar com um divórcio e passar a conviver com o único filho de maneira virtual.

Fica claro como ele é focado e constrói o tempo todo nos seus pontos de força e não fica lamentando suas fraquezas. Partindo das suas forças que são a mente positiva, a capacidade de adaptabilidade, resiliência, empatia e inteligência emocional, Ted vai investindo em aprender e desenvolver suas novas habilidades no futebol através do interesse genuíno nas pessoas mais experientes, leitura, observação e muito diálogo.

Vale destacar que para alcançar os objetivos, Ted tem uma abordagem sistêmica que contempla desde suas estratégias para lidar com a parte política do clube, até seus métodos de gestão e liderança, sempre se cercando de pessoas mais capazes do que ele. Ted está sempre aberto para escutar e inovar.

Mas se Ted conduz assim tão bem, por que na grande maioria dos casos é tão difícil fazer a transição de carreira? Se pensamos especialmente nos atletas, o que há de tão particular neles que torna este processo difícil e, muitas vezes, doloroso?

Conversando com ex-atletas e vendo lições desta série, fui colecionando minhas primeiras reflexões. Em conversa com um amigo, ex-jogador profissional, escutei: “Eu não me percebia fora dos gramados. Eu era conhecido e reconhecido como atleta. Ser atleta se tornou a parte central da minha existência. Como encontrar um novo propósito?”

Deste fato surgem certamente questões psicológicas, emocionais e necessidade de desenvolvimento de habilidades específicas. Como fazer a transição do centro de um gramado com milhões de telespectadores para uma mesa de escritório ou para começar do zero como treinador ou outro papel de coadjuvante ? Como enfrentar as perdas, incertezas, inseguranças e ainda ter de se provar em um ambiente totalmente novo? Como aprender habilidades específicas e enfrentar concorrentes mais experientes que tiveram tempo de estudar e se desenvolver enquanto o foco do atleta estava nas competições?

Surgem inúmeras perguntas e desafios que valem muitos outros textos, conversas e encontros, mas deixo hoje um diálogo lindo da série onde a namorada de um jogador de futebol, em transição de carreira, pede para a sobrinha descrever o tio. A garotinha faz uma descrição detalhada dele como ser humano e de todas as qualidades que o fazem ser quem é. Em nenhum momento ela cita o tio como jogador. Daí uma pergunta: quanto valor e força podemos gerar se partirmos da nossa verdadeira essência para o processo de transição?

Texto por: Heloisa Rios, especialista em estratégia, inovação e ESG, é sócia-CEO da Universidade do Futebol e conselheira de empresas.

Categorias
Artigos

ESCÂNDALO DAS APOSTAS TRAZ UMA ESPERANÇA

Há situações que ampliam o ecossistema tradicional do futebol e envolvem interesses de indivíduos.

As denúncias de corrupção e aliciamento de jogadores de futebol nas últimas semanas aceleraram uma discussão antiga. Ela nunca foi tão dramática, ruidosa e nociva. Isso a ponto de agora exigir uma solução enérgica, sob pena de, de novo, voltarmos a sucatear uma indústria com um potencial tão promissor e transformador como o futebol brasileiro.

Lembremos os analógicos anos 1980, quando tomamos conhecimento da máfia da Loteria Esportiva. Era um esquema criminoso de manipulação de resultados de jogos, revelado por um memorável esforço jornalístico. Na época, ficamos chocados e desiludidos, mas ainda tínhamos a esperança de que o escândalo se converteria em lições capazes de gerar corretivos edificantes. Parece que nada aprendemos.

Agora, o cenário é outro. A virtualização de atividades do dia a dia por meio de aplicativos e plataformas digitais tende a amplificar tudo rumo a uma disrupção que pode gerar caos. É exatamente o que está acontecendo com as apostas de futebol no Brasil, com potencial de contaminar as atividades desportivas como um todo.

Nesse terreno, as ocorrências são escandalosas. Porém, e por mais paradoxal que seja, nem tudo é catástrofe: o que está vindo à tona pode trazer reflexão profunda sobre ética, transparência, governança e a importância vital da educação dos atletas e de toda a indústria do futebol. Talvez o desafio maior seja reverter o processo e fazer do escândalo uma plataforma de inovação.

Parece fácil ganhar destaque na mídia usando nomes dos atletas aliciados, sem dar a mesma ênfase às pessoas e ao esquema amplo de quem os aliciou. O tema é complexo. Não pode ser abordado sem considerar fatores e agentes de um ecossistema que vai muito além dos atletas, clubes, federações, apostadores e sites de aposta. Há situações que ampliam o ecossistema tradicional do futebol e que envolvem interesses econômicos e políticos de indivíduos e do país.

É bom não esquecer que os sites de apostas geram recursos que contam muito para o governo, interessado, sem dúvida, nos tributos que o setor pode gerar. Mas não dá para assistir calado nem de forma passiva ao perigo de esses sites de aposta desvirtuarem o propósito do futebol e de outros esportes. Independentemente de ser a favor ou contra as apostas em jogos esportivos, elas existem e continuarão existindo. Chegou a hora de regulamentar de modo rigoroso. O mínimo é fazê-las observar as regras éticas; convertê-las ao compliance. É essencial que a Justiça possa operar soberana em meio ao ecossistema das apostas digitais ligadas ao esporte.

É legítimo destacar o possível avanço em campos como o aumento do foco na integridade e transparência por meio da própria inovação digital, cujas tecnologias como blockchain ou inteligência artificial podem assumir papel de fiscalização por meio de rastreamento de ativos e transações, como também a segurança para empresas, clubes, atletas e apostadores. Sobre a regulamentação, torna-se imprescindível uma revisão ampla do propósito e dos impactos das apostas. Além disso, devem-se garantir práticas justas e legais, incluindo todos os valores e agentes das transações financeiras.

A palavra “esperança” pode soar ingênua neste nada inocente século XXI. Mas se justifica ainda assim. Esperança porque tais escândalos podem trazer mudanças na forma como o futebol é administrado e regulamentado. Esperança em que eles tragam mais investimentos em desenvolvimento e formação. Esperança em que autoridades governamentais, investidores, dirigentes e líderes entendam que o futebol é potência de transformação econômica, social e cultural, portanto precisa evoluir. Grandes esperanças, por fim, porque é possível, sim, dirigir e canalizar tributos (por meio do Estado) e lucros (por meio da responsabilidade social da livre-iniciativa) para a inclusão de atletas e para a formação de novas lideranças no esporte.

Por fim, que este escândalo leve à compreensão de que, mesmo que apostas existam noutros esportes e de muitas outras formas, que elas sejam coadjuvantes, pois a razão de existir do futebol é e deve continuar sendo maior que um jogo de azar.

Texto por: Hamilton dos Santos, jornalista e doutor em filosofia pela USP, é diretor executivo da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, Heloisa Rios, especialista em estratégia, inovação e ESG, é conselheira de empresas e sócia-CEO da Universidade do Futebol

Categorias
Áreas do Conhecimento>Humanidades|Conteúdo Udof>Artigos Artigos

A PSIQUIATRIA ESPORTIVA EM JOGO: É CHEGADA A HORA DE SUA ENTRADA?

Acabo de ler a reportagem do icônico diretor de futebol, atualmente, do Fluminense. Angioni é um profissional muito importante para o futebol e traz contribuições relevantes. Num ambiente dominado pela desinformação, ignorância e preconceito, Angioni traz necessário olhar para a saúde mental e para psicologia. 

No entanto, preocupa-me o viés desse olhar. Um olhar, aparentemente, clínico. E o olhar clínico para as questões mentais, nesse momento, mais afasta a presença de psicólogos e psicólogas esportivas e psiquiatras nos clubes de futebol do que abre portas. E mais do que uma visão clínica, explicita-se uma abordagem medicamentosa. Diz Angioni em sua entrevista: “Futebol de clube já está na hora de ter psiquiatras, porque você vai precisar eventualmente dar remédio”. 

Tenho defendido, há anos, a presença da psicologia esportiva nos clubes. Não faltam motivos e argumentos que justifiquem sua presença nas comissões técnicas. Mas não defendo qualquer tipo de intervenção. A psicologia, assim como a psiquiatria, possui diferentes formas de olhar, e intervir, sobre determinado fenômeno. No caso da psicologia do esporte, pelo menos com base no que já há de estudos nesse campo de conhecimento, tenho notado que intervenções puramente clínicas mais afastam psicólogas desse espaço de intervenção do que as aproximam.

Entendo que a psicologia clinica e a psicologia esportiva não sejam excludentes. Pelo contrário, são complementares. No entanto, são papeis a serem desempenhados por profissionais diferentes, preferencialmente em espaços diferentes (um dentro e outro fora do clube). Como já afirmei em outras oportunidades, a psicologia do esporte continuará não assumindo o espaço, importância e reconhecimento que lhe cabe se continuarmos esperando que atletas se dirijam à sala da psicóloga esportiva no clube para marcar uma consulta a fim de compreender e superar problemas de depressão, pânico, alcoolismo ou outras manifestações de sofrimento psíquico.   

Se essa premissa vale para a psicologia do esporte, campo de conhecimento já em certo nível de desenvolvimento, imaginem para a psiquiatria. A psiquiatria esportiva, especialidade da psiquiatria que, por sua vez, é uma especialidade da medicina, ainda engatinha nesse sentido. Há muito para se desenvolver no âmbito das pesquisas e, principalmente, no âmbito das intervenções com o futebol. Começar dessa forma, ou seja, medicando atletas para que eles consigam lidar com a pressão extrema que recebem cotidianamente na sua prática profissional, me parece um erro. 

Comecemos ampliando e qualificando as pesquisas nessa área. Comecemos determinando os objetivos, metodologias e estratégias de intervenção no âmbito do futebol. Comecemos ampliando e qualificando os argumentos para a sua presença nas equipes médicas do futebol profissional. Comecemos apresentando aos atletas bons motivos para que eles compreendam e acreditem que a psiquiatria tem muito a contribuir com sua saúde mental e, consequentemente, com sua atividade profissional. 

Caso contrário, tendo a acreditar que a psiquiatria esportiva começará seu jogo no futebol profissional com grandes probabilidades de perdê-lo!

Texto por: Rafael Castellani.

*Este é um conteúdo independente e não reflete, necessariamente, a opinião da Universidade do Futebol.