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Gestão do comportamento humano

Quando falamos de perfil de atleta, também falamos, quase que intrinsicamente, da questão de como é formatada as “características humanas”. Há diversas formas de pensamento e linhas a se seguir sobre este assunto, mas eu particularmente penso que elas não são providas de uma fonte aleatória, fruto do acaso, mas sim resultado de um sistema não linear que segue as leis da complexidade. E, mais uma vez, só porque não entendemos a lógica, não significa que não há lógica.

Muito se fala em dividir o “desempenho”, entrando na questão que o comportamento do jogador é oriundo de 25% dos aspectos técnicos, 25% dos aspectos físicos, 25% dos aspectos táticos e 25% dos aspectos comportamentais e que nós poderíamos alterar o comportamento através do gerenciamento de cada um destes fatores isoladamente. Penso muito ao contrário, para mim a verdade está em outra direção de raciocínio. A aquisição dos aspectos técnicos, táticos e físicos que o treinador necessita para implementar sua forma de jogar, não é igual para todos os jogadores, pois depende das características individuais. Se o treinador possui no plantel somente jogadores cooperativos, por mais que atue nos fatores técnicos, táticos e físicos, ele terá imensas dificuldades em formar um time impositivo (relação todo x parte). Entenda estas características inatas e você entenderá em quais zonas de comportamento que cada  jogador poderá atuar.

Um dos mais renomados pensadores da complexidade, Morin expõe que a aptidão individual para aprender não depende de uma plasticidade análoga à da “cera”, mas supõe estruturas cognitivas/organizadoras, e depende de onde se desenvolveu mais um aparelho neurocerebral, o qual, na sua gênese, na sua constituição, na sua organização, é necessariamente inato. A aptidão para adquirir é, portanto, a aptidão inata para adquirir aptidões não-inatas. Toda a teoria da aprendizagem (aquisição de um saber, de uma competência) deve definir um estado inicial que comporta dispositivos inatos, e quanto mais rico for o dispositivo inato, mais rica será a disponibilidade para a aprendizagem. O ideal seria que discutíssemos sobre fatos que nos levam a determinados raciocínios e que estes raciocínios busquem teorias para explicar estes mesmos fatos, permitindo o gerenciamento eficaz.

O normal é  discutir teorias,  as quais comandam os nossos  raciocínios e  que nos fazem ver os fatos de determinadas maneiras.  Mesmo utilizando caros recursos, os fatos reais teimam em desafiar a nossa forma de gerenciar.  Solução aparentemente óbvia é culpar os profissionais envolvidos  e investir mais recursos em ferramentas que prometem maior eficiência.

O fatos devem comandar a lógica do raciocínio. Mas na ciência, as ideias, geralmente mais teimosas que os fatos, resistem à força dos dados e das provas. Os fatos efetivamente se batem contra as ideias, tanto que não existe nada que possa reorganizar de outro modo a experiência. Infelizmente o conhecimento não cai do céu.

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O bom senso na gestão de um produto em que todos os clubes fazem parte

Os principais torneios de clubes do futebol do Brasil estão chegando ao fim e dois episódios chamaram a atenção nos últimos dias. O primeiro deles foi de o treino do Sport Recife – enquanto se preparava para a partida contra o Fluminense – nas instalações do Flamengo ter incomodado alguns dirigentes do clube do Rio de Janeiro. Aqueles (felizmente) que não tomam as decisões. Em Campinas, o outro episódio: a invasão de torcedores ponte-pretanos revoltados com o resultado da partida que rebaixou a Ponte Preta para a Série B.00

Imagem: Divulgação
Imagem: Divulgação

 

Por todas as discordâncias que existem entre os Rubro-Negros – carioca e recifense -, sobretudo pelo título nacional de 1987, conduzidas ao plano jurídico inclusive, não impede que as agremiações mantenham saudáveis relações esportivas. É direito de alguns dirigentes do Flamengo se incomodarem com isso. Entretanto, impedirem o treino do Sport ou mesmo ameaçarem seus afastamentos do clube (como foi o que aconteceu), é fazer “tempestade em copo d’água” e comprometer com sua cultura organizacional, já previamente estabelecida. Uma coisa é a rivalidade dentro de campo, compartilhada de maneira saudável, com respeito ao adversário. Outra completamente diferente é deturpar esta rivalidade e potencializá-la para atitudes extremas e sem o mínimo de bom senso. Ora, um não existe sem o outro. Todos fazem parte do mesmo negócio, um depende do outro.

O outro episódio – também infeliz – foi a invasão de campo por alguns torcedores da Ponte Preta, indignados com o rebaixamento do clube para a série B do campeonato nacional. Estamos no ano 2017 do século 21 e ainda vemos cenas assim. Alguns podem dizer que isso também acontece nos campeonatos mais ricos ou nos países com os melhores indicadores sociais. Sim, de fato. Mas nem por isso são aceitos pelas autoridades e sociedade. E nem aqui também deve ser. O clube foi rebaixado, mas a vida continua. Ela segue. Uma oportunidade para recomeçar e se reinventar. Ver o que deu errado e corrigir. Observar o que deu certo e continuar. Infelizmente a ausência do Estado na promoção do bem-estar é tão grande que boa parcela dos torcedores se apega de tal maneira ao clube, que o êxito dentro de campo passa a ter o mesmo significado para a vida do adepto. No entanto, não se pode mais tolerar este tipo de comportamento.

Com tudo isso, episódios como estes são inadmissíveis atualmente no universo esportivo atual.  Remetem a uma ideia de amadorismo, impunidade e conivência com o que é, no mínimo, absurdo. É preciso romper com isso. O rompimento só se dará, entre os muitos fatores, através de muito profissionalismo e uma comunicação bem clara e abrangente que valorize a cultura do futebol – que é de paz – e os bons valores.

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O treino (novamente) é tudo que temos

Quando se assume uma equipe, há a necessidade de se ter bem definido como se deve e vai trabalhar. Ter estabelecido como vai ser arquitetada a metodologia, como liderar, como se quer jogar, que tipo de atleta precisa-se, que perfil de atleta deseja-se, que perfil de auxiliares é o mais aconselhável, que departamento necessita-se, etc. Enfim, ter antecipadamente formado o que se quer para a equipe. Nada mais é que um processo de codificação da performance. Ou seja, modelagem. Modelar algo que quero seguir, que tenho como verdadeiro, perante minhas experiências, crenças e valores. Minhas representações internas. O meu ideal como equipe, como comportamento, minha opção de jogo. Devemos modelar algo que deve estar pré-estabelecido. No caso do treinador, envolve a reprodução da mesma seqüência de padrões de pensamento e comportamento do “meu” modelo, daquilo que pretendo. Com relação ao futebol, é como eu devo me comportar perante determinada situação no jogo.

Como dizia Vitor Frade: “Modelo de jogo é tudo. É uma sintonia com tudo que é envolvido. E pode, existindo, estar de acordo com aquilo que quero modelar ou, existindo, contrariar bruscamente aquilo que quero modelar” (atrevo-me a dizer que tudo depende do treino). O modelo de jogo é a concepção geral onde eu quero fabricar o jogo. Que alberga também a forma de jogar. E parafraseando o mesmo autor (V.Frade) “Modelo de jogo é algo que não existe a lado nenhum, todavia a gente procura encontrar”. E se, por virtude de um bom trabalho, eu chegar perto do meu ideal, devo imediatamente estabelecer um novo modelo, para a devida manutenção da máxima forma competitiva. Melhor dizendo, o modelo deve constantemente se “auto-desenvolver”, sempre buscando a sua constante evolução.

Alcançar, enfim, verdadeiramente, o alto rendimento. Essas são as necessidades fundamentais. Ser, independentemente, coerente com o tipo de jogo que pretendo, e a forma como se constrói esse jogar.

Na minha percepção, o que há de mais fascinante nisso tudo, é que não interessa qual é o modelo de jogo, qual minha opção de jogo. O que interessa realmente é que haja um modelo de jogo, invariavelmente de qual seja. Que exista uma opção de jogo bem definida, caracterizado e bem estruturada. Porque formas de jogar há muitas. E no futebol não há uma relação linear com uma dada metodologia e o sucesso na competição. Outras equipes que ganham alicerçam essa fabricação de jogar, essa forma de jogar em processos totalmente diferentes e antagônicos, mas também ganham. E, com certeza, também terão alguma validade.

Sendo o treino um meio de repetição do processo de resolver problemas, e não apenas uma repetição do meio de resolver problemas, devemos considerar o treino como um processo de ensino-treino. Desde cedo devemos estar preocupados com esse processo. Esse processo é identificado fundamentalmente pela presença de conteúdos que tenham a ver com o jogar que se pretende. Temos que, com isso, ser coerentes com os princípios desse jogar. Porque é esse processo que vai possibilitar a tal “cultura de jogo”, um conjunto de operações e comportamentos que identificam a equipe.

O entendimento desse processo passa por reconhecer a necessidade do jogo e de sistematizar e inventar os princípios inteiramente indispensáveis. E depois viabilizar o seu aparecimento, a sua construção, a sua engendração, o seu desenvolvimento, com mais ou menos tempo (dependendo do treino). Isto alicerçado numa lógica de ensino-treino que tem uma caracterização muito peculiar, a sua. Porém, devendo sempre ser arquitetada com preceitos científicos e metodológicos. Temos que assimilar nossa forma de jogar. Isso que promove identidade. Isso que faz jogar de olhos fechados. Isso só se consegue treinando, com coisas bem precisas e concretas, que são os princípios. A fim de automatizar o nosso modelo.

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Temporada de 2017 foi produtiva para o Marketing e Comunicação dos clubes

O futebol de clubes do Brasil caminha para o fim da temporada e já tem o seu máximo campeão. Teve pontos altos e pontos baixos dentro e fora de campo. Muitos dizem que foi sem graça, haja vista o nível competitivo. Entretanto, é preciso observar todas as divisões: Copa do Brasil, campeonatos regionais e participações brasileiras em taças continentais, e então percebe-se totalmente o contrário. Teve muita graça! Em termos de marketing e comunicação o futebol do Brasil está muito atrás dos grandes mercados internacionais. No entanto, esta temporada foi a mais “produtiva”.

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Reprodução: Twitter

 

Nunca as postagens, os tweets e os memes foram tão criativos. A criatividade daqueles que controlam as redes sociais dos clubes é imensa e confere um aspecto mais leve e bem-humorado ao futebol. De valores e jogo limpo. Deixa de lado uma rivalidade doentia e rompe com um comportamento de ignorância e intolerância de alguns torcedores em relação aos de um outro clube. É um grande instrumento para a implementação de uma cultura de paz e tolerância.

Em termos de produto, como logomarca e identidade própria, a “Copa do Nordeste” foi mais uma vez muito bem-sucedida. O êxito da competição em 2017 faz com que as equipes se preparem mais para a edição do próximo ano. Aumenta-se a competitividade e o nível de jogo. Fica mais agradável ao torcedor. A idealização do “Derby do Centenário” entre Palmeiras e Corinthians, gerou conteúdo e expectativa entre imprensa e adeptos. Há poucos dias, para fins de comparação, os especialistas levantavam estatísticas dos confrontos deste ano que marcaram os cem anos do clássico.

Sorteio da Copa do Nordeste. Foto: Divulgação
Sorteio da Copa do Nordeste. Foto: Divulgação

 

Diante disso, 2017 – que ainda não terminou – sem sombra de dúvidas foi o ano mais criativo para o marketing e comunicação dos clubes de futebol do Brasil. São vários os exemplos desta temporada. E ainda há espaço para muito mais. O mercado publicitário no Brasil é enorme, maior que os de muitos dos grandes mercados mundiais do futebol de clubes. Trabalhá-lo como um produto é questão de tempo, mas que pode se antecipar conforme a estrutura profissional dos clubes aumentar: voltar-se para o mercado, predomínio de uma visão estratégica e corporativa, em busca de resultados não apenas financeiros, mas também institucionais. 2018 promete ser bem melhor.

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Sonhar, não basta. Desejar, não basta

Nos enganamos em pensar que o futebol é um jogo apenas de execução. Antes de fazer precisamos pensar no que fazer. Antes da execução temos a cognição, mesmo que de forma subconsciente. Não devemos cair na ilusão do “basta saber fazer” para termos sucesso nos diversos e distintos confrontos que ocorrem durante os 90 minutos. Necessitamos pensar sobre o que estamos fazendo e sobre o que fazemos (mesmo quando não há tempo para isso).

E aqui falo de subconsciente! Sim, a principal atuação do treinamento é no subconsciente! O movimento individual e coletivo foi trabalhado de um forma tão qualitativa que ficou para aquele lugar na “caixa craniana” que fica guardada as memórias de longo prazo.

Neste caso, preciso pedir para que relembremos daquele conhecimento que já vigora no campo da ciência há algum tempo: ⅔ do tempo total de realização do movimento é gasto em tomada de consciência e decisão, e apenas ⅓ é gasto em execução do movimento em si. O comportamento individual e coletivo é um hábito que se adquire na prática, e que fica “impregnado” na consciência. Se executar representa ⅓ de todo o tempo gasto no jogo, por qual motivo devemos apenas se preocupar com o executar?

Assim, fica inviável preocupar-nos somente em aumentar a velocidade/frequência/plasticidade do gesto, temos que ter uma atenção maior com relação ao “pensar rápido”, ao raciocínio e ao poder de decisão que um atleta pode vir a alcançar, sendo essa característica que diferencia um atleta de alto nível dos demais jogadores de futebol. É necessário captar e selecionar a informação relevante de forma rápida; é preciso conscientizar e decidir rápido para que os mecanismos de tomada de decisão e execução sejam também rápidos, eficazes e eficientes.

Não podemos dissociar corpo de mente; os dois interagem unidos e em mesma intensidade com o ambiente. O que foi o “Erro de Descartes” (filosofo francês) no ponto de vista de Antonio Damásio (Neurocientista), que escreveu um livro com este título. Neste livro ele fala da importância das emoções nos processos de memória. Conforme o mesmo, as emoções são conjuntos de reações químicas e neurais, visando sempre a sobrevivência de um organismo. Damásio demonstrou que razão e emoção não “jogam em campos diferentes”, contrariando a perspectiva amplamente difundida de que “decisões sensatas provêm de uma cabeça fria e de que emoções e razão se misturam tanto quanto água e azeite”. Hoje devemos reconhecer que as emoções estão implicadas nas percepções que fazemos do mundo, nas tomadas de decisões, nos raciocínios, na aprendizagem, nos processos de memorização, nas ações, na concentração, etc. E, quanto mais treinamos com “qualidade”, mais percebemos que as emoções são os pilares para um aprendizado concreto e duradouro (subconsciente).

Por isso, treino é tudo. Na teoria dos sistemas dinâmicos, entende-se que os comportamentos e as destrezas motoras se adaptam de forma intencional aos constrangimentos impostos pelo envolvimento, durante a realização de uma tarefa. Ou seja, quanto mais a alto rendimento estamos ou pretendemos estar, mais precisamos entender que o treino deve ser considerado o principal meio a se chegar em níveis mais elevados de futebol. Mas precisamos ter um treino de “qualidade”, que almeje a qualidade e não a quantidade.

Executar é uma parte do processo. Um processo que depende de outras partes. Um processo que pode ser melhorado e aperfeiçoado. Todavia, não basta executar. Aliás, se pensarmos assim, estaremos pensando de uma forma analítica um problema complexo, o que não parece de todo certo. Deixando de pensar o futebol de uma forma sistêmica. E, em outros casos, quando optamos a se predispor em seguir (ou entender, ou copiar, etc.) determinada “forma de pensar”/metodologia, se contradizer (principalmente na relação palavras x ação) não facilita a um “possível” aprender com o mentor.

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Evoluímos, mas ainda resvalamos

Em conversa com meu amigo Gustavo Nabinger, atual treinador da categoria sub-15 da Ponte Preta, dissertamos sobre alguns pormenores que ainda dificultam a transcendência do nosso futebol para outro patamar, e isso rendeu a coluna de hoje.

Bem, inicialmente temos que enaltecer as coisas boas dos últimos anos. Após a Copa do Mundo de 2014, está acontecendo uma transformação que podemos até classificar como radical no perfil dos treinadores nacionais. Cursos da CBF, intercâmbios na Europa, troca de informações sem receio, vem ganhado cada vez mais adesão. Também, o nível dos jogos na base está, a cada ano que passa, melhor, e novamente muitas promessas estão surgindo. Porém, se por um lado a profissionalização e busca por novos horizontes dos treinadores e integrantes da comissão técnica começam a ganhar corpo, outros fatores restringem a exponenciação dos profissionais devido a paradigmas que ainda estão presentes diariamente no futebol, vejamos:

PEQUENA EVOLUÇÃO NOS DIRETIVOS

Não podemos esconder que melhorou a qualidade dos diretivos, mas ainda muitos estão no clube pelo amor antigo, e isso por um lado tem um fator bonito, significativo, mas ao mesmo tempo cria um ciclo e uma identificação que foge às vezes da racionalidade. Essa tendência, apesar da evolução dos últimos anos, ainda demonstra um perfil de gestão antiga, com limitação de conhecimento específico e discrepância de orçamentos que batem na casa de dezenas (na base) ou centenas (no profissional) de milhões de reais e pouca lógica processual em todas as áreas. E, sabemos que atualmente o clube pode ser classificado como empresa, apesar de sua particularidade cultural. Então, se necessita de capacitação, formação e currículo adequado para assumir as demandas funcionais. Negligenciando isso, temos o que acontecia e ainda acontece em alguns lugares: gestão ruim da marca, instabilidade de desempenho ano a ano, dívidas, desperdício de dinheiro e de talentos e péssimo aproveitamento dos recursos do clube.

SABER CATIVAR O TORCEDOR

Poucos clubes sabem que sua maior riqueza é a torcida (o que é de uma empresa que não tem ou não conhece seus consumidores?), e por isso mesmo, pouco investem em atrair novos torcedores e conhecer os atuais. Temos exemplos claros de outros esportes ou outras culturas relativamente a isso. Por que empresas pagam fortunas para ter acesso a bancos de dados de clientes e seus hábitos de consumo e os clubes de futebol não investem em ter estas informações e aproveitá-las comercialmente? Nada melhor para o marketing do que associar sua marca a um nicho específico de consumidores num ambiente com grande apelo emocional. Isto vale uma riqueza e precisa ser mais bem explorado pelos clubes para aumentar o orçamento.

ENTENDIMENTO DAS CATEGORIAS DE BASE

Qual a razão da categoria de base existir no clube? É gasto ou investimento? É formar atletas para a equipe profissional ou para o mercado? Ou para os dois? Qual o perfil do atleta que deve ser captado e desenvolvido e como fazer isto? Qual o planejamento de carreira para este atleta chegar ao profissional? Qual a relação da equipe profissional com a base? Em muitos clubes são dois departamentos que pouco conversam ou que rivalizam ideias e pessoas. Quanto custa um atleta para o clube de sua formação até chegar ao profissional e por qual valor deve ser negociado para que tenha custo/benefício vantajoso? Como mensurar a qualidade do trabalho desenvolvido? Através de títulos, desempenho competitivo, estatísticas, algum outro índice?

ESTRUTURA DE TRABALHO

No Real Madrid o gramado de todos os campos do Centro de Treinamento (base e profissional) são trocados a cada um ano. A razão disso é: após este período, por melhor que seja a manutenção, eles deixarão de ser impecáveis e, economizar meio milhão de reais na troca de cada campo, pode custar milhões de reais em prejuízo se um atleta se lesionar, sem contar a perda de desempenho por conta de questões técnicas, como velocidade de jogo. É como se você ganhasse uma Ferrari na loteria e colocasse pneus carecas para economizar. Não parece uma decisão inteligente, não é mesmo? Esse pode ser um exemplo radical a nossa realidade, mas acontece. Em menor escala e possível de ser realizado aqui, outras equipes, de nível inferior e até mesmo sem divisão no profissional, possuem grandes estruturas, com campos bons, materiais bons e outros aspectos para o jogador receber melhores condições de treinamento. Nada astronômico como os grandes centros, mas coisas simples, bem organizadas e especialmente mantidas e cuidadas. Então, tudo inicia pela estrutura.

Para fechar, está claro que investir em profissionalização, ou seja, em pessoas, identificadas com o progresso, com as novas tendências, é uma das melhores soluções para o momento. Isso é um pequeno investimento e trará retorno, dará lucro. Como no Brasil não temos o costume de ter a infra-estutura em primeiro plano para depois realizar o trabalho, e se trabalha com baixas possibilidades de estrutura, se o foco estiver na capacitação dos profissionais gerindo uma boa relação com múltiplas-possibilidades, com os torcedores que são os verdadeiros patrimônios do clube, aos poucos o clube vai ganhando corpo, vai criando um caixa funcional, formando jogadores, vendendo jogadores, instituindo um mecanismo financeiro anual, e aí sim melhorando sua infra-estrutura, pois começamos tudo de ponta cabeça por aqui. Acredite, esse ciclo evolutivo, fará a diferença, mas tudo começa pela cachola das pessoas e não apenas pelas emoções do resultado de um jogo.

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A vocação da vitória

Há alguns dias o Jornalista Mauro Cézar Pereira, ao se referir ao atual líder da série A do Campeonato Brasileiro de futebol, o Corinthians, mencionou pelo twitter a expressão “intangível vocação da vitória”. Em pouquíssimas palavras, muito do tema que recorrentemente é abordado nesta coluna: cultura e filosofia de trabalho.

Formidável! Cultura e filosofia de trabalho são completamente intangíveis. Não se pega, não se toca. Adquire-se ao longo do tempo, com base em princípios, valores e respeito à instituição. Em colocar a organização esportiva acima de quaisquer interesses pessoais ou de pequenos grupos. O coletivo acima do individual. Forma-se através da história e tem como ponto de partida o estabelecimento de um ideal de existência que serve de norte para o clube.

Tão importante quanto o palmarés é o respeito a este ideal, que orienta todas as ações da instituição. A coluna sempre se lembra dos exemplos do Athletic de Bilbao (que só contrata atletas bascos) e do Chivas Guadalajara (que contrata apenas futebolistas mexicanos). Do protagonismo incansável do Real Madrid (que reflete sua história), assim como o respeito às origens em clubes mais populares como o Boca Juniors (Argentina) e Benfica (Portugal). Se são ou não grandes campeões, é tema para outro texto. A cultura e a filosofia são respeitadas e não há preço que pague por isso.

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O túnel de acesso dos jogadores no estádio do Corinthians. Foto: Divulgação

 

A “intangível vocação da vitória” não vem por acaso. Acontece através da construção de um grupo, do culto à história, simbologia única, respeito a uma hierarquia, por quem forma este grupo e – talvez o mais importante -, de respeito à comunicação interna. Além de “preservar o vestiário”, quando há alguma demanda para se resolver – futebolistas, membros da comissão técnica, gestores e diretoria -, sabem para quem diretamente se dirigir. Um bom ambiente de trabalho, com boas pessoas e em respeito à organização, é terra fértil para os bons resultados e consolidação de uma cultura de sucesso. A – intangível – vocação da vitória.

Com tudo isso, haja vista a situação política dos clubes de futebol do Brasil, colocar interesses coletivos em primeiro lugar, em detrimento dos individuais e dos pequenos grupos, parece realidade bem distante. Bem como o estabelecimento de uma filosofia de trabalho. Entretanto, nunca houve momento tão oportuno para a mudança quanto o atual. Além dos bons exemplos dentro de campo (e fora dele), os torcedores nunca foram tão ouvidos quanto hoje, quer seja pelas redes sociais (principalmente) e outros meios. São vossas vozes o grande motor para a definitiva quebra de paradigma do futebol nacional.

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O estudo como fuga do imediatismo

Culturalmente vivemos, desde nossas origens, uma febre do “agora”. O que é necessário agora para alcançarmos o que almejamos? Uma visão importante para se obter objetivos a curto prazo. Uma satisfação momentânea que é crucial para manutenção da auto-estima do coletivo e do individual. E, sabemos que a confiança é um pilar fundamental em todo o processo que se queira instalar para chegar a resultados positivos. Fazer o que é preciso para obter o que se deseja. Um pensamento muito importante. Porém, não é o que determina a obtenção do sucesso. Quando falamos de “sucesso”, falamos do fim de uma jornada, de uma competição. E, em minha percepção o que decide “onde iremos chegar”, é o pensamento a longo prazo. O que faremos agora deve estar contido dentro de um conjunto maior, de um propósito maior, além do agora. O que queremos para o futuro?

Já falamos muito sobre o treinar, e como deve ser entendido em fazer aprender e desenvolver capacidades, ou seja, um conjunto de ações organizadas, dirigidas à finalidade específica de promover intencionalmente a aprendizagem e o desenvolvimento de alguma coisa por alguém, com os meios adequados da natureza dessa aprendizagem e desse desenvolvimento. Neste contexto, o treinador deve ser visto como o profissional que tem a função específica de conduzir esse processo, o treino (processo pedagógico de ensino-treino), fazendo-o no quadro de um conjunto de saberes próprios, saberes esses que sustentam a capacidade de desempenho profissional. As funções do treinador definem-se, assim, com base num conjunto de competências resultantes da mobilização, produção e uso de diversos saberes pertinentes (científicos, pedagógicos, organizacionais, técnico-práticos, etc.), organizados e integrados adequadamente em função da complexidade da ação concreta a desenvolver em cada situação da prática profissional. Por isso, o estudo deve ser considerado um caminho para a fuga do imediatismo.

Porém o equilíbrio é sempre um ponto em que sonhamos encontrar, principalmente, na relação estudo/trabalho. Por vezes, me pego com o sentimento de que estudar “demais” bloqueia determinado tipo de leitura/interpretação do “agora”. Sendo este bloqueio prejudicial ao “correto”  julgamento do que se fazer e/ou dizer no momento. De como lidar com a situação a fim de tirar o melhor proveito para o coletivo e/o individual. Também, há uma impressão de cepticismo da sociedade (nomeadamente do futebol) por pessoas que estudam demais. Não falo em preconceito, mas sim uma pré-avaliação sobre profissionais que preferem buscar soluções nas suas reflexões e estudos sobre determinado assunto, ao invés de buscarem em suas experiências passadas aquilo que deu “certo” ou “errado”.

Claro que experiências passadas são fulcrais para se ter uma sabedoria sobre determinados assuntos, principalmente alguns que estão intrinsicamente ligados à prática do futebol. Lembrando um trecho da coluna anterior no qual fala que a “experiência sem teoria é cega, e a teoria sem experiência é apenas um puro jogo intelectual” (Kant). O futebol é um jogo praticado em um ambiente estritamente emocional, especialmente em uma cultura como a nossa, onde a paixão é um dos pilares de todas as tomadas de decisões que o envolve.

O estudo deve ser considerado uma prática, na verdade deve ser um hábito para aqueles que “fazem” o futebol. Com ele tomamos melhores decisões, pois nos oferece embasamento racional sobre aquilo que aconteceu e poderá acontecer. Ter uma rotina de estudos em especial sobre aquilo que queremos alcançar e sobre aquilo que esperávamos encontrar, em determinado treino, jogo, competição, liderança, etc.

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Goleiro, modelo de jogo e o passe

Em conversa com meu amigo Vinícius Ziegler Bandeira, treinador de goleiros da categoria Sub-15 da Chapecoense, pegamos algumas ideias do artigo anterior para falar um pouco sobre o uso dos pés do goleiro. No artigo passado discorri sobre o “movimentar por movimentar”, que automaticamente ocasiona um “correr por correr”, e até mesmo um “treinar por treinar” (ações feitas somente por fazer, sem um objetivo ou motivo concreto). Essa tendência tem influenciando muito no ato de “passar por passar”, e nesse caso interfere também na intervenção dos goleiros com os pés.

Mas qual o objetivo de colocar o goleiro a usar os pés? É fazer dele um décimo primeiro jogador de linha? É para iniciar a construção das jogadas ofensivas? É desmistificar que o goleiro é apenas o último defensor e que pode ser o primeiro atacante? Serve como um apoio para manter a posse de bola para equipe? Para retirar da pressão? Ou apenas transporta a ideia do treinador sair por aí dizendo que o goleiro está trabalhando de uma forma “moderna”?

Para inserir o goleiro no jogar pretendido, alguns aspectos devem ser respeitados. O primeiro requisito básico é entender a fluidez do jogo em seus momentos, ou seja, o goleiro deve participar de todos os momentos do jogo (organização ofensiva, organização defensiva, transição ofensiva, transição defensiva e bolas paradas). Isso já escancara uma situação bem comum, como, por exemplo, quando a equipe está no seu campo de ataque, alta, submetendo o adversário, e o goleiro situado na marca do pênalti longe da última linha, na grande maioria das vezes ele fica sem capacidade de intervenção ativa próxima da linha, tanto para ser utilizado como um apoio desequilibrante e equilibrante, assim restringindo a possibilidade de realizar coberturas ofensivas como apoio e defensivas como defensor dos espaços atrás da última linha.

O segundo é a identificação do pouco uso do goleiro através de passes com objetivos específicos, que geram ganho de tempo-espaço ou disponibilizam tempo-espaço para futuros receptores através de sua temporização ou aceleração. Nessa questão, enxergam-se muitas equipes com o domínio da posse, sem sofrer pressão e com oportunidade de achar passes para romper as linhas adversárias, voltando a bola até o goleiro sem critério algum.

Entendendo isso, o goleiro pode ser usado para manter a posse de bola especialmente em um momento de pressão coletiva ou individual de algum jogador das primeiras linhas de construção também em zonas mais altas, com passes em qualquer direção e distância (saindo um pouco daquela premissa mecanizada, na qual o goleiro só pode efetuar passes curtos ou passes curtos laterais). Além de ser um possível receptor para retiradas da pressão após a recuperação.

Terceiro, entendendo isso acima, o goleiro é usado para criar uma situação de superioridade ofensiva e defensiva com a intenção tática de sua equipe e do adversário. Ele participa das interações coletivas, lendo trajetórias, probabilidades e bolas de perigo por falta de interação ou interpretações erradas dos outros jogadores e pressões bem-sucedidas do adversário. Por vezes, por pragmatismo, poucos usam essa ideia do goleiro como décimo primeiro homem de linha, deixando a equipe mais desequilibrada que equilibrada, por incrível que pareça.

Claro, nada substitui o caráter defensivo do goleiro de defender a baliza, mas é interessante evoluir o posto do goleiro como um  “décimo primeiro jogador com possibilidade de usar o pé eficazmente”. Não é a toa que Guardiola se candidata mais uma vez ao título das principais competições que sua equipe jogará. Ederson, hoje seu titular, não baixa de 85% no aproveitamento de passes (em alguns jogos chega a 100%), enquanto Joe Hart, preterido pelo treinador, chega a uma média de apenas 45% de aproveitamento no West Ham. Porém, Ederson mantém esse aproveitamento em um modelo de jogo claro e definido, treinado e estimulado para isso, com passes variando trajetória e direção, objetivos e com um propósito muito claro: chegar à meta adversária através da localização escalonada dos outros jogadores e a identificação de receptores com melhor condição de seguir a progressão do ataque.

Por aqui, tem inquietado muito o não uso dos goleiros, principalmente na elite do futebol nacional, mas também inquieta o uso deles sem necessidade particular. “Usar por usar”. Ele só será bem-sucedido com os pés quando for plantado realmente nas dinâmicas de treinos diárias e no jogo. E, essa participação nos treinos deve ser feita de forma clara e não apenas com rondos que supostamente melhoram os pés. Então, qual o objetivo de passar a bola para goleiro?

Fica o questionamento: os pés dos goleiros são utilizados de uma forma efetiva no contexto coletivo ou estão servindo apenas para os modismos de plantão?

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O árbitro de vídeo e o marketing do futebol

As polêmicas vão terminar. Os debates esvaziar-se-ão. O futebol não tolera intervenções da tecnologia. É contra as tradições e a essência do futebol. Vai atrasar o jogo todo. É muito subjetivo. Estas são apenas algumas das frases mencionadas por aqueles que são contra a implementação do árbitro de vídeo no futebol.

A modalidade está em um momento em que as questões comerciais que a envolve são enormes. Logo, a arbitragem passa a ser bastante questionada uma vez que compromete resultados e coloca em cheque justamente estes interesses em jogo. Estas questões e interesses referem-se a: (1) aos investimentos de um clube para um projeto competitivo e mesmo dos investimentos pessoais dos atletas em suas respectivas carreiras; (2) patrocinadores de torneios, clubes e atletas, que querem projetar suas marcas no universo do futebol; (3) empresas de comunicação (rádio e TV) porque quanto mais comuns os equívocos de arbitragem, maior o desinteresse pelo evento por parte dos torcedores e, por último (mas não menos importante), os próprios torcedores (4), uma vez que eles investem tempo e dinheiro no espetáculo esportivo, quer seja no estádio, quer seja fora dele, por exemplo em casa quando compra o pacote de jogos pela TV por assinatura.

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O vídeo a serviço da arbitragem do futebol. Foto: Divulgação

 

O árbitro de vídeo foi implementado para auxiliar nas decisões capitais de uma partida de futebol. Assim, torna o resultado do espetáculo esportivo mais justo e mantém um nível de imprevisibilidade, fator sine qua non para a atração e retenção de público. Logo, mais justiça nas decisões conferem respeito aos atletas em campo e aos torcedores, que – em princípio – não vão se sentir prejudicados. Claro, haverá uma parte da torcida que vai se sentir prejudicada. Entretanto, o vídeo confere ideia geral de peritagem em função das inúmeras tomadas e ângulos que o árbitro terá do lance em questão.

Com tudo isso, o árbitro de vídeo vem melhorar o futebol como produto. Diminuem-se consideravelmente as decisões dúbias, a falta de comunicação entre auxiliares e o juiz principal, e a reclamação de jogadores. Como consequência, o tempo de jogo torna-se maior. Menos confusões, menos desgostosos e desatentos os torcedores nos estádios ou à frente da TV. Em resumo, o árbitro de vídeo favorecerá os dois principais elementos relacionados ao esporte: o atleta e o torcedor. Esta é a essência do futebol.