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A mudança

O ano de 2015 poderá ser lembrado como o ano que as pessoas mais falaram em “mudança”. Da política ao esporte, o termo foi pauta em uma série de movimentos e debates Brasil afora. No futebol, uma série de análises e teses foram construídas a partir do famigerado 7 a 1, que, apesar de trágico, tem sido fundamental para repensarmos muitas das posições existentes no ambiente esportivo em geral.
É lógico que eu, assim como muitos profissionais ligados à indústria do esporte, quero e trabalho por mudanças. Mas nas minhas últimas reflexões, estou tendente a questionar: será que estamos fazendo isso da maneira mais adequada possível? As reivindicações estão de fato atingindo os objetivos que se deseja? Como fortalecer os ciclos de mudança?
Cada vez mais estou convencido que a tentativa de mudar de cima para baixo é inócua. Ela serve para fazer espuma e, muito por isso, tem baixa eficiência no processo de limpeza em geral. Na realidade, a escolha pela crítica aos grandes controladores de uma determinada área é, a bem da verdade, a forma mais confortável para se criticar, já que estes, mais das vezes, não são alcançáveis quando se está fora do sistema.
Para a nossa realidade, o que quero dizer é que, se queremos mudança de fato, é preciso antes começar na base do sistema esportivo, que para o caso do futebol são os clubes. Eles controlam 100% do sistema eleitoral – sim, são eles que votam nos presidentes de Federações que, por sua vez, formam o colégio eleitoral da Confederação, juntamente com os clubes das Séries A e B.
Em 1972, o professor Lamartine DaCosta concedeu uma entrevista ao jornal O Estado de São Paulo (21-setembro-1972), que deveria ser revisitada periodicamente por todos aqueles que buscam construir mudanças no sistema esportivo e na gestão do esporte no Brasil. À época, ele já relatava sobre o engessamento político das organizações esportivas, que respondia pela legislação de 1941. Em 1972 já falava que o sistema era antiquado para responder as demandas da época. Pois bem, passados mais de 40 anos, continuamos respondendo para a mesma legislação de Getúlio Vargas e temos o mesmo sistema esportivo, mesmo com a promulgação de uma diversidade de leis do esporte.
Desde sempre, a impressão que se tem é que a opinião pública bate em um inimigo que parece invencível, por mais estudos e evidências que se apresente. Einstein já dizia que “fazer as mesmas coisas, repetidas vezes, e esperar resultados diferentes é a mais pura insanidade”.
Embora o impacto da mudança, quando iniciado pelos clubes, seja menos veloz do que aquele que necessitamos, uma vez que se fragmenta o movimento, parece muito mais lógico por ser, inclusive, mais próximo daqueles que estão na linha de frente pela mudança, caracterizado principalmente pelo movimento dos atletas, que são figuras respeitadas pela opinião pública. Aliás, já teci diversos comentários sobre a importância do movimento de atletas para a conquista histórica de mudanças estruturais no sistema esportivo mundo afora. No Brasil e no mundo, atletas respeitados possuem um apreço e um poder inimaginável quando vinculados às instituições em que são eternamente lembrados como ídolos!
A mudança é fundamental para a sociedade. Nos faz pensar e evoluir em atitudes, por mais que os paradigmas reinantes pareçam os mais coerentes possíveis. No caso do futebol brasileiro, a ideia de lutar por mudanças é válida e a oportunidade do momento é espetacular para a conquista de um esporte mais sustentável e justo para todos. Talvez a forma é que precisa ser melhor repensada para que as reivindicações se concretizem efetivamente!

O texto de final de ano responde também ao fechamento de um ciclo meu dentro da Universidade do Futebol. Depois de pouco mais de 5 anos como colunista na área de gestão e marketing esportivo, me despeço para poder me dedicar melhor a outros projetos, também ligados ao ensino e à construção de conteúdos e novas propostas que visam o desenvolvimento do esporte no Brasil.
Agradeço imensamente a equipe da Universidade do Futebol pelo espaço e pela acolhida neste período em que dediquei semanalmente algum tempo para refletir sobre minhas posições e discorrer sobre as mais diversas questões ligadas ao mundo do futebol. Levo a experiência como um grande aprendizado!
Sigo à disposição dos leitores pelo geraldo.campestrini@camper81.com.br. Forte abraço a todos e que possamos colocar nossos ideais em prática a partir dos anos vindouros.
 

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O cenário ideal das categorias de base para os próximos anos

Há algum tempo o futebol brasileiro vive uma crise em todos as seus dimensões, são elas:  política, administrativa e técnica. Sem processos de gestão bem definidos e que tenham capacidade de integrar tais dimensões de acordo com as exigências atuais do mercado, vivemos de projetos e iniciativas isoladas que, como “conta-gotas”, tentam manter viva a esperança do país em retomar a hegemonia do futebol mundial.
Neste contexto de crise, tem sido cada vez mais comuns os comentários sobre a importância das categorias de base para os clubes. Os motivos são simples e seguem a premissa de qualquer prática organizacional: lucro e sustentabilidade. Lucro, pois em média, nos últimos anos, cerca de 15% das receitas dos principais clubes do país foram oriundas das transferências de jogadores (Somoggi, 2014), perdendo somente para as cotas de TV e patrocínio; e sustentabilidade, pois quem conseguir, ao longo do tempo, formar equipes competitivas com os “pratas da casa” adquirirá vantagem competitiva na seguinte combinação: equipe com menor custo, composta por atletas com maior potencial de venda e maior percentual de direitos econômicos do clube.
A construção desse processo, no entanto, passa, necessariamente, por uma prática ainda pouco considerada no futebol brasileiro, que é o investimento de longo prazo. Você já deve ter parado pra pensar que as equipes sub-11 espalhadas pelo país afora estão repletas de joias, brutas, prontas para serem lapidadas e, ao final de seu processo de formação, representarem bem o clube seja atuando na equipe principal, ou então, num clube do exterior. Vale considerarmos também os milhares de jovens garotos de 11, 12 e 13 anos, com talento, fora dos clubes de futebol, mas espalhados por diversas regiões do país, jogando futsal, futebol de areia, futebol society ou quaisquer jogo de bola com os pés, em várzeas ou competições amadoras, esperando, consciente ou inconscientemente, o olho clínico de um observador técnico.
Uma vez captados os talentos, uma tarefa que deve ser permanente, os clubes de futebol tem a missão de, a partir do investimento (e não despesa, como é considerado) estrutural, de tecnologia e de recursos humanos à serviço dos jogadores, potencializar o retorno financeiro, agregando valor a cada jogador ao longo de toda sua trajetória enquanto atleta do clube. Nos parágrafos seguintes serão debatidos alguns elementos que, sob o viés técnico, devem ser contemplados ao longo de um processo de formação. Esse processo, como a própria expressão sugere, visa moldar os futuros homens, jogadores ou não, de acordo com os valores (esportivos, morais, sociais e educacionais) da instituição.
Os atletas devem ser submetidos a um currículo que privilegie uma formação autônoma, criativa e que desperte elevados níveis de inteligência coletiva de jogo. Vale mencionar que a inteligência coletiva não abre mão ou coloca em segundo plano a individualidade; pelo contrário, pois, esta última, quando potencializada com significado coletivo, confere qualidades importantes ao sistema.
Existe um vasto repertório de conteúdos de treinamento que devem ser oferecidos aos atletas. Para exemplificar, podemos mencionar desde aspectos micro, como a capacidade técnica-decisória nas ações de domínio e passe, ou então, as ações de giro de pescoço (executadas com maestria por Toni Kroos, Xavi, Lampard, Iniesta, Thiago Alcântara)  para interpretar melhor ocupação de espaço e ação; até aspectos macro, como a capacidade de ser versátil e adaptável à diferentes sistemas e posições, bem como o domínio de ações coletivas complexas, como pressing, temporizações ou mobilidades com trocas de posição.
Para atingir a excelência e, mais do que isso, sustentá-la ao longo dos anos, transformando joias brutas (ou talentos) em pedras preciosas lapidadas (ou grandes jogadores de futebol), é indispensável uma equipe técnica de campo especializada. Tal equipe deve ser dotada das mais variadas competências, como: conhecimento científico, experiência prática como atleta, didática, liderança, conhecimento técnico específico da sua área de atuação, conhecimento técnico geral das outras áreas, conhecimento tecnológico, capacidade de inovação, de trabalho em equipe e de atualização permanente. Quanto mais competências cada membro da equipe possuir, mais qualificado serão os treinamentos dos jovens futebolistas.
Concomitante à formação técnica, é missão dos clubes que trabalham com categorias de base oferecerem uma formação integral, que é também (e não unicamente) esportiva. Sendo assim, não basta somente as comissões técnicas de campo serem altamente capacitadas mas também toda a equipe de trabalho interdisciplinar, composta por fisioterapeuta, médico, psicólogo, assistente social, nutricionista, fisiologista e pedagoga. Toda esta equipe deve estar em constante comunicação e interação com as comissões técnicas e cada atleta do clube. Do sub-11 ao sub-20, cada jogador pode ser devidamente monitorado através de indicadores de desempenho de cada departamento. Exemplificando, é preciso ser identificado o nível de competitividade de cada um dos jogadores, o percentual de gordura, os desvios posturais, bem como as condições sociais e familiares. Estas avaliações devem compor um Radar Individual do Atleta. A partir dele, fica evidente quais são os planos de ação necessários para cada um dos jogadores.
Vale mencionar também as condições estruturais de moradia, treinamento e alimentação. Moradias confortáveis (mesmo que simples), qualidade dos campos e dos materiais de trabalho e boas refeições compõem, somadas à qualidade do sono dos atletas, o treinamento invisível. Com grandes efeitos sociais e esportivos no longo prazo.
Foi discutido que a formação exclusivamente técnica já não é mais suficiente para formar jogadores que atendam às exigências atuais do mercado. Discutimos também que a composição de uma equipe de apoio interdisciplinar atuante pode maximizar o desenvolvimento dos jogadores, que devem receber condições estruturais, de treinamento e de alimentação ótimas. Podemos, então, afirmar que este cenário idealizado basta para o sucesso de um trabalho de formação?
A resposta é não!
Se voltarmos ao início do texto, sobre as três dimensões do futebol afirmaremos que todas as práticas supramencionadas dizem respeito à dimensão técnica da modalidade. Qualquer projeto da área técnica que não esteja devidamente vinculado às dimensões política e administrativa já inicia com os dias contados.
Por exemplo, um projeto administrativo de futebol que entende o poder estratégico das categorias de base sabe quando deve evitar uma contratação de risco na equipe principal para direcionar os recursos ao departamento de formação. Sabe, também, o momento de fazer a transição de uma jovem promessa para a equipe principal. Um projeto político de um clube de futebol, voltado aos interesses da instituição, tem diretrizes e processos bem definidos e executados mesmo que se altere o mandato.
Projetos políticos e administrativos desvinculados da área técnica tornam o que se passa nas categorias de base praticamente imperceptível. Um “crime”, contra o próprio patrimônio, se considerarmos o investimento realizado.
E agora você deve estar se perguntando se existe algum clube no Brasil que consegue desenvolver, da base ao profissional, um projeto devidamente alinhado nas três dimensões. Voltamos ao início do texto e o que podemos afirmar é que existem tentativas e iniciativas isoladas. Basta acompanhar os noticiários esportivos ou fazer um breve resgaste da memória e você se lembrará de inúmeras incoerências de ordem técnica, política e/ou administrativa que retratam a incapacidade dos clubes em agir planejada e sistemicamente.
Para cada clube que investe em categorias de base, seja ele grande, médio ou pequeno, existe um distanciamento entre o contexto ideal do futebol de formação e o contexto atual. Para alguns clubes, ajustes em alguns processos podem aproximar os dois cenários. Para outros, no entanto, a distância é um abismo e somente com reformas significativas, que partam do nível hierárquico mais alto do clube, encontrarão as soluções. A boa notícia é que não se chega a um cenário ideal sem passar por um cenário atual, repleto de desafios, dificuldades e limitações.
O futebol do amanhã está sendo praticado hoje, pelos nossos jovens futebolistas. Pela nossa decadência nos últimos anos, passou da hora de investirmos de verdade no futebol e nas pessoas em formação. Se não quisermos, temos que assumir que, de fato, chegaremos ao fundo do poço. Seria muito triste ao futebol brasileiro adormecido como pentacampeão mundial.
Me escreva para contar sua opinião!
Obrigado por me acompanhar durante 2015. Feliz Natal e próspero 2016! Espero que continuemos a nos encontrar por aqui…
 

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Mais conteúdo

Tenho comentado já há algum tempo sobre a necessidade das entidades esportivas se apoderarem de forma mais concreta do seu próprio conteúdo. Esta premissa não é nova mundo afora, mas ainda engatinha em termos conceituais aqui no Brasil.
Nesta semana, as chamadas do Programa Vídeo Show, que é exibido na TV Globo desde 1983 (portanto, há 32 anos), me chamaram a atenção para este ambiente de reflexão do esporte. Este é, certamente, o melhor exemplo que temos no nosso mercado de entretenimento em termos de gestão do próprio conteúdo. Afinal de contas, trata-se de um programa de uma emissora que serve para falar de outros programas da própria emissora, o que gera proximidade, expectativas e engajamento com o público consumidor.
Os “canais” de TV de alguns clubes brasileiros na internet exploraram, em certa medida, um conceito muito parecido ao do Vídeo Show. E, em alguns casos, exageraram na dose, o que os tornou pouco atrativos.
E a falta de atratividade tem a ver justamente com a criação de expectativa sobre um conteúdo que não é entregue pelo próprio detentor do conteúdo. O conceito é complexo mas muito verdadeiro. A Benfica TV, como já falado outrora, quebrou este paradigma justamente por fechar todos os ciclos de entrega e distribuição do conteúdo para os seus consumidores.
Vejam que não existe uma fórmula mágica e de fácil implementação. A estratégia de comunicação e o controle de conteúdo envolve um emaranhado de atividades complementares que, quando bem estruturadas tendem a alcançar o êxito planejado. O mercado não aceita mais ações pela metade. Não há mais espaço para isso…

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O Esporte e seu poder Transformador

Final de ano! Momento em que as atenções se voltam para as comemorações natalinas. Os clubes e atletas planejam o próximo ano, que será desportivamente especial com a realização dos jogos Olímpicos no Rio de Janeiro. Época de avaliar os erros e acertos e de reflexão.
O esporte tem o poder de fazer do mundo um lugar melhor.
Em 1969, o Santos de Pelé parou a guerra de Biafra, na Nigéria, que já durava dois anos na época e trouxe um alento ao povo nigeriano.
No jogo, que ficou menos importante, o Santos venceu a Seleção do Meio Oeste por 2 a 1, com gols de Edu e Toninho Guerreiro.
Em junho de 1995, a África do Sul conquistou seu primeiro título da Copa do Mundo de Rúgbi, mas aquele momento se tornou um marco na luta contra a segregação naquele país.
A partida decisiva contra a seleção da Nova Zelândia uniu a nação que esteve oficialmente dividida pelo apartheid (regime de segregação em vigência de 1948 a 1994).
O rúgbi, esporte das elites colonizadoras, era rejeitado pela maioria negra, mas foi usado como elo para conectar negros e brancos.
A Copa do Mundo de 2006 devolveu ao povo alemão a alegria de gritar o nome de seu país.
Protagonista nas duas grandes guerras do século XX, a Alemanha teve seu território e sua população divididos e buscavam desde 1989, quando o muro de Berlim caiu, mostrar ao mundo a alegria e a simpatia do seu povo graças à atmosfera do futebol.
Há uma série de outros exemplos de que o esporte tem o poder de semear o bem, unir povos, combater a violência, enfim, de fazer desse mundo um lugar melhor.
Por essa razão, a tabelinha entre poder público, entidades desportivas, torcedores e direito desportivo é tão importante e deve ser incluída no planejamento para 2016.

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Pesquisa e desenvolvimento

Escrevi na última semana sobre pesquisas relacionadas a lealdade dos fãs como fatores importantes para contribuir com processos de tomada de decisão no esporte no sentido de se relacionar e se engajar de forma mais positiva com o público consumidor.
Insisto, nesta semana, na temática da pesquisa e desenvolvimento, para invocar um texto de 2013, do Sport Business Daily, que fala justamente das inúmeras possibilidades em se aproximar a ciência da prática – http://www.sportsbusinessdaily.com/Journal/Issues/2013/08/12/In-Depth/Sports-business-professors.aspx.
Em determinado momento, o texto aborda a “insanidade das organizações esportivas em não olhar com maior atenção para o meio acadêmico, formado essencialmente por pessoas que passam quase que 24 horas dedicadas a estudos justamente sobre estas organizações”.
E de fato, embora ainda incipiente em alguns campos, o Brasil já começa a formar núcleos relevantes de estudos sobre gestão e marketing esportivo que podem muito bem sair dos “laboratórios” para a aplicação na prática. Aliás, insanidade, se olharmos por outro lado, é realizar pesquisa sem qualquer possibilidade de execução.
Por isso, reforço aqui o conceito de seguirmos estudando mais as diferentes nuances do mercado esportivo como plataforma para subsidiar e contribuir com a construção do desenvolvimento sustentável do setor.

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Quem senta à mesa

Quando dois irmãos brigam, a solução mais simples é a intervenção dos pais. Quem nunca viveu uma situação de “Foi ele que começou” e “Não importa quem começou”? O futebol brasileiro ainda não entendeu a necessidade de um mediador de conflitos, mas essa é uma das principais lições dadas pelo episódio recente da Primeira Liga.
Constituído pelos clubes que disputarão em 2016 a Copa Sul-Minas-Rio, o grupo surgiu como um embrião de gestão coletiva no futebol brasileiro. Era uma oportunidade para ter clubes sentados numa mesma mesa, discutindo possibilidades para o esporte e brigando por aspectos que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tem historicamente negligenciado.
Na última semana, contudo, a Primeira Liga sofreu um golpe. Na quinta-feira (10), Gilvan de Pinho Tavares, presidente do Cruzeiro, anunciou que o clube mineiro havia desistido da Copa Sul-Minas-Rio e que deixaria o grupo. Além disso, avisou que seria seguido por Flamengo e Fluminense (o que não se confirmou até agora).
A desistência de Gilvan tem a ver com a ascensão de Mário Celso Petraglia, presidente do Atlético Paranaense. O mandatário do clube mineiro ocupava a presidência da Primeira Liga, mas passou a dividir o cargo com o dirigente rubro-negro a partir de uma reunião realizada no dia 26 de novembro.
Gilvan também não estava totalmente confortável com as discussões da Primeira Liga sobre a divisão de cotas de mídia da Copa Sul-Minas-Rio. Esse talvez seja o assunto que evidencie com mais clareza a crise de gestão do futebol brasileiro.
O futebol brasileiro teve dois modelos de gestão nesse âmbito. Os clubes já negociaram coletivamente no período em que existia o Clube dos 13, mas venderam direitos de mídia individualmente antes e depois do grupo.
O Clube dos 13 também surgiu como embrião de uma liga nacional, mas nunca conseguiu ser o que se vislumbrava. No fim, o grupo sucumbiu por questões políticas e por ter se tornado totalmente ineficaz na negociação coletiva.
Depois da implosão do Clube dos 13, cresceu consideravelmente o faturamento dos times brasileiros com a venda de direitos de mídia. Cresceu também o abismo entre os que ganham mais e o restante.
Essa é uma das principais razões de cisão entre os clubes atualmente. Equipes que ocupam as primeiras posições no ranking de faturamento estão confortáveis e somam grande capital político – é difícil criar um modelo que prescinda de anuência de Corinthians, Flamengo, Palmeiras, São Paulo e Vasco, por exemplo.
A distância entre essas equipes e o restante – e até de Corinthians e Flamengo para os outros – faz mal ao futebol brasileiro. Não apenas porque cria um desequilíbrio de forças, mas porque dificulta a existência de qualquer debate. Cada um pensa no melhor para sua equipe, e dessa forma é difícil que eles sentem para conversar sobre qualquer plano que tenha um viés coletivo.
Reside aí o principal problema da Primeira Liga. O modelo funciona um pouco melhor no Nordeste, onde não existe um fator que divida tanto os clubes, mas parece intransponível no contexto da Sul-Minas-Rio.
O que acontece no futebol brasileiro é uma briga de filhos. Clubes, como muitas crianças, são individualistas, ansiosos e têm pouca experiência com mediação de conflitos. Se não conseguem organizar as coisas como querem, derrubam as peças do tabuleiro ou partem para a violência.
Em casos assim, a solução passa necessariamente por mediação. Não há futuro para uma liga que seja constituída apenas por clubes. Não há futuro para qualquer organização que seja constituída apenas por clubes ou que dependa de anuência deles. Ao contrário: é fundamental que a gestão seja profissional e independente.
Isso não quer dizer, é claro, que os clubes devam ser alijados de discussões sobre o futuro do esporte em que estão inseridos. Todas as classes devem participar do debate (clubes, técnicos, jogadores, árbitros, jornalistas, dirigentes e torcedores, por exemplo), mas é fundamental que os fóruns não advoguem apenas em benefício próprio.
O foco, aliás, é um desafio constante em qualquer movimento social no Brasil. O Bom Senso FC tem feito um esforço enorme, desde o surgimento, para ser inclusivo e mostrar que não se preocupa apenas com um aspecto ou necessidades individuais. No entanto, ainda é visto pejorativamente como “um movimento de jogadores”.
Essa divisão entre clubes, atletas e as outras classes representativas no futebol só é boa para a manutenção do status quo. É esse cenário que fomenta aberrações como a eleição marcada pela CBF para a vice-presidência do Sudeste – o pleito estava originalmente marcado para o dia 16 de dezembro, mas foi adiado por uma liminar judicial.
Marco Polo del Nero, atual presidente da CBF, está licenciado para se defender de acusações feitas pela Justiça dos Estados Unidos. Por isso, pôde nomear interinamente o vice-presidente Marcus Vicente para ocupar o cargo. Caso seja obrigado a renunciar, contudo, o mandatário será substituído pelo vice-presidente mais velho.
Atualmente, o vice-presidente mais velho é Delfim Peixoto, egresso da Federação Catarinense de Futebol, que é opositor de Del Nero. Portanto, a situação convocou uma eleição às pressas e indicou o Coronel Nunes, da Federação Paraense, que passaria a ser o vice mais velho.
A CBF nunca esteve tão enfraquecida. Ainda assim, contudo, a situação conseguiu reunir em torno do nome de Nunes algumas de suas principais federações e uma lista considerável de clubes.
A briga em torno do comando da entidade que gere o futebol nacional é mais um reflexo de que um dos problemas mais graves nessa seara é o pensamento individualista. Clubes, dirigentes, federações e confederação pensam apenas em suas necessidades, e isso só faz mal para o todo.
Todavia, essa cisão faz bem à manutenção dos modelos e do poder vigente. A briga de irmãos só é boa para quem não quer harmonia e evolução.
O futebol brasileiro precisa de muita coisa para conseguir a evolução que necessita. O primeiro passo, porém, está necessariamente ligado a uma mudança de mentalidade. Como a Primeira Liga tem mostrado, é fundamental termos fóruns que não sejam direcionados apenas pelos anseios individuais.

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Até o Bayern de Munique é falível!

Em partida válida pela décima quinta rodada do Campeonato Alemão, o contexto do início do jogo dava mostras de que observaríamos mais uma rodada de invencibilidade para os comandados de Pep Guardiola. A julgar pelas nove finalizações realizadas nos primeiros 25 minutos de jogo, contra somente uma do Borrusia M’gladbach, o gol era questão de tempo.

No entanto, os donos da casa ainda na primeira etapa equilibraram o jogo, neutralizaram as ações ofensivas da equipe bávara e, consequentemente, as finalizações (nos 65 minutos restantes além dos acréscimos o Bayern finalizou somente mais cinco bolas) e num grande segundo tempo, com eficácia em três das cinco finalizações obtidas, venceram o jogo.

E é sobre os erros do Bayern que discutiremos na coluna desta semana.

Você assistiu aos gols? Se sim, em sua opinião, quais foram os erros determinantes que levaram à primeira derrota do Bayern de Munique no campeonato alemão? Se não, veja o vídeo abaixo e também participe da tarefa que será proposta:

A inteligência coletiva é pré-requisito para uma equipe apresentar elevados níveis de performance. A capacidade dos jogadores identificarem, interpretarem e solucionarem as inúmeras situações-problema em que são expostos compõem a referida inteligência. No jogo em questão, nos lances em que culminaram nos gols da equipe de Mönchengladbach, alguns jogadores do Bayern de Munique apresentaram falhas importantes no mecanismo decisão-ação.

Você consegue identificar para cada um dos trechos do vídeo quais foram estas falhas?

Gostaria que você me enviasse um e-mail (eduardo@universidadedofutebol.com.br) com os seguintes tópicos sobre cada um dos gols sofridos:

1 – Instante da falha – indicando-o no tempo do vídeo;
2 – Descrição da falha – indicando o atleta ou atletas que falharam e como ocorreram as falhas;
3 – Descrição da solução – indicando qual deveria ser a melhor decisão-ação para as diferentes situações-problema.

Após o seu contato, retorno-o com as minhas opiniões sobre os erros cometidos em cada um dos gols.

Sabemos que o futebol pode ser jogado de inúmeras formas. Sabemos também que para cada um dos problemas que surgem no jogo, algumas soluções têm maior relação com o cumprimento de sua lógica, logo, com as vitórias.

Desafio-o a fazer o exercício proposto com a sua comissão técnica. É uma boa oportunidade para observar se todos os integrantes tem uma leitura semelhante (ou, utopicamente, igual) dos problemas do jogo.
Aguardo seu contato! Abraços e até a próxima.

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Lealdade em números

A LEALDADE dos fãs pode ser medidas em números. É o que diz uma recente matéria que aborda a evolução da relação do torcedor com a Major League Soccer e suas respectivas franquias (ver mais em: http://ticketingtoday.com/increase-fan-loyalty-by-the-numbers-using-data-to-drive-decisions/).
O processo passa pela aquisição de dados referentes ao comportamento do torcedor no recinto esportivo e análise de suas respectivas atitudes de compra no local, o engajamento em meio digital, monetização pelo valor adicionado em venda de ingressos, season tickets, assinatura de conteúdo e compra de produtos e customização de mensagens para cada fã que se relaciona com a liga e/ou suas franquias.
Clubes, como é o caso do Sporting Kansas City, foram capazes de aumentar em 28 vezes a quantidade de season ticket em cinco anos após a adoção de um sistema que permitiu analisar o comportamento do público.
O uso de ciência a favor de processos de tomadas de decisão em relacionamento com os fãs e definição de estratégias de marketing é usado ainda de maneira incipiente no país, apesar de se perceber alguns avanços isolados.
O que devemos ver na próxima década no Brasil é a ampliação de sistemas correlatos de inteligência que visam criar processos analíticos que permitam gerar informações capazes de otimizar a relação de lealdade dos fãs. Um processo similar ocorreu (ou vem ocorrendo) com a área técnica do esporte na questão da análise de desempenho. O termo se popularizou nos últimos anos e já não é mais visto como item de luxo nos principais clubes de futebol do país, mas sim como uma necessidade básica para a sobrevivência.
Cabe, por fim, ressaltar que este processo não é novo nas ligas profissionais de esporte nos EUA. Na Europa tal uso é claro na grande maioria dos principais clubes do velho continente. Por aqui, cabe observarmos as melhores práticas e agirmos com certa urgência… até porque lá fora já se coletou bastante informação sobre o nosso mercado. Não à toa que clubes, ligas e franquias do exterior estão cada vez mais de olho em fatias do mercado de consumo esportivo do Brasil!

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Fabiano Costa, diretor jurídico do Cruzeiro

A transformação do futebol brasileiro, de muitas ideias e raras aplicações, passa pela profissionalização do setor jurídico dos clubes. Duas das pautas mais recentes, o Profut e a proibição de compra dos direitos econômicos dos jogadores por parte de terceiros esbarram na esfera do direito desportivo, que hoje é tratado com a devida importância no futebol brasileiro – salvo algumas exceções.
No Cruzeiro há quase 20 anos, Fabiano de Oliveira Costa é diretor jurídico e faz um trabalho integrado com as áreas comercial e administrativa, atuando na prevenção e orientação aos departamentos. Se não fosse o trabalho do jurídico, composto por cinco profissionais ao todo, o time mineiro não teria os 70 mil sócios-torcedores, afinal a participação do setor é crucial.
Recentemente, o Cruzeiro aderiu ao Profut, programa de refinanciamento das dívidas fiscais proposto pelo Governo Federal. A despeito disso, Costa diz que a nova lei não resolve os problemas do futebol nacional e sugere a criação de uma legislação destinada ao esporte, com o propósito de regular contrato de atletas, televisão, profissionalização da arbitragem, gestão desportiva, justiça desportiva, entre outras áreas.
“O Profut não é a salvação e nem foi feito com essa pretensão. O que salvará é uma legislação esportiva, trabalhista, tributária e civil voltada ao esporte”, defende.
Sobre a intervenção de terceiros, agora proibida oficialmente pela Fifa no que diz respeito à negociação de jogadores, o diretor jurídico do Cruzeiro faz ressalvas. “Acho que isso somente prejudicou os clubes da América do Sul, que precisam de investimentos privados no esporte. Não se contrata bons atletas, de renome, com recursos provenientes somente dos times. É claro que haviam abusos, mas acho que houve uma generalização da proibição, que poderá prejudicar hora da contratação e transferência de novos jogadores”, opinou Fabiano Costa.
Na entrevista concedida à Universidade do Futebol, o especialista em direito desportivo comenta ainda sobre a má avaliação da mídia e dos torcedores em relação aos tribunais de justiça desportiva. Admite que mudanças são necessárias, mas aponta para a falta de conhecimento dos torcedores sobre o trabalho dos auditores e procuradores. Confira:
Universidade do Futebol – Fale um pouco sobre a sua formação e ingresso na esfera profissional do futebol.
Fabiano Costa – Me formei em direito em 1999, com pós-graduação em direito civil e processo civil em 2003 e mestrado em direito empresarial em 2010. Comecei no direito desportivo como estagiário no Cruzeiro EC em 1997, quando estava no sétimo período. Desde então, há quase 19 anos, milito diariamente nessa área.
Universidade do Futebol – Como é o trabalho cotidiano no Cruzeiro e os problemas que enfrenta no dia a dia na sua área de atuação? Todas as questões jurídicas são tratadas dentro do clube ou há alguma área terceirizada?
Fabiano Costa – O trabalho realizado aqui é bem intenso. O Cruzeiro é um clube muito grande, com quase 600 funcionários, com dois clubes recreativos, dois centros de treinamento e uma sede administrativa. Assim, o clube se relaciona muito, com relações jurídicas em várias áreas, comercial e administrativa. Exatamente por isso, temos uma grande demanda interna de contratos, pareceres jurídicos, orientações e reuniões diárias entre os vários setores do clube. Atuamos de maneira muito intensa na prevenção e nas orientações aos departamentos. Atualmente, nossas principais demandas envolvem questões de torcedores e trabalhistas. Com exceção do tributário, todas as demais questões, contenciosas e administrativas, são tratadas internamente no departamento jurídico do clube, que é composto, além de mim, pelos doutores Felipe Fiedler, Fernanda Saade, Vinicius Machado e Edison Travassos.
Universidade do FutebolNa sua opinião, há clubes que não dão a devida importância e reconhecimento ao departamento jurídico? Explique.
Fabiano Costa – Sem dúvida, mas felizmente são poucos. Hoje em dia notamos que os dirigentes perceberam a necessidade da criação e manutenção de departamentos jurídicos nos clubes, com advogados atuantes e especializados no direito desportivo, com investimentos na sua formação e estrutura. Aqueles que ainda não concluíram por essa necessidade passam por diversos problemas de ordem administrativa e contenciosa. É muito comum em algumas negociações de atletas nos depararmos com bons advogados de outros clubes, mas que não possuem conhecimento jurídico da área desportiva, o que traz uma série de dificuldades no entendimento de conceitos básicos e a sua visão prática da área do futebol. Isso costuma até mesmo inviabilizar uma negociação.
Universidade do Futebol Um dos grandes problemas enfrentados pelo torcedor brasileiro em eventos esportivos diz respeito à comercialização de ingressos. E de acordo com o Estatuto do Torcedor, os bilhetes devem ser numerados e o consumidor tem o direito de ocupar o local correspondente ao número de seu ingresso no estádio. Por que há uma distância tão grande entre teoria e prática?
Fabiano Costa – Essa distância se dá, a meu ver, por uma razão muito simples: pretende-se impor ao torcedor uma cultura pela lei, e não pela instrução, educação e orientação. Isso somente será resolvido quando se perceber que a legislação não muda cultura, não a impõe. É imprescindível que se oriente o torcedor e que se demonstre a ele os benefícios dessas mudanças, a fim de que possa aderir de maneira consciente e definitiva. O trabalho deverá ser contínuo, persistente e adequado.
Universidade do Futebol – O Cruzeiro está entre os primeiros na lista de sócios-torcedores no Brasil. Qual o segredo do sucesso e até que ponto o departamento jurídico contribui?
Fabiano Costa – O departamento jurídico participou de todo o projeto desde a sua concepção. Elaboramos os regulamentos, verificamos as possibilidades, avaliamos consequências. Dentro da execução do projeto, participamos ativamente das adequações e aperfeiçoamentos. Hoje o Cruzeiro é o sexto no país de adesão ao sócio do futebol, com cerca de quase 70 mil torcedores, com baixíssimo nível de demandas e problemas. Há de se ressaltar que é um trabalho constante, sempre disponibilizando o melhor serviço ao torcedor. Em algumas intervenções e adequações feitas pelo departamento jurídico, como por exemplo a alteração de datas e prazos do regulamento, evitamos uma série de problemas ao clube.

Fabiano 6

Universidade do Futebol – A Lei Pelé já completou uma década e passou por algumas atualizações. De maneira geral, você acredita que a legislação brasileira favoreça a gestão de um clube de futebol? Em sua opinião quais os pontos positivos e negativos a serem ressaltados nesta atualização?
Fabiano Costa – A Lei Pelé é, sem sombra de dúvidas, o maior problema do direito desportivo. É uma legislação ruim, contraditória, confusa e de baixo entendimento. Foram várias e sucessivas alterações que nada acrescentaram. Faz-se necessário uma nova legislação desportiva, valendo-se de conceitos e institutos consagrados no Direito do Trabalho, Direito Civil, Direito Empresarial, Tributário…, mas com regras próprias para as atividades desportivas, inclusive para o futebol, mas não somente para ele. Talvez seja o momento de discutirmos um Código do Desporto, que regulará todas as relações desportivas, contrato de atletas, televisão, profissionalização da arbitragem, da gestão desportiva, a justiça desportiva, etc. A legislação atual é péssima para a gestão e péssima para torcedores e atletas. O Brasil, pela complexidade que o desporto se apresenta, precisa urgentemente de uma regulamentação compatível com a grandeza das instituições, com a dedicação e esforço de clubes e atletas, para que o espetáculo seja cada dia melhor, em todas as modalidades desportivas.
Universidade do Futebol – Quais as principais medidas de caráter estrutural que você julga fundamentais para o avanço da legislação desportiva brasileira? Pela importância e tradição, não deveríamos ter uma legislação que contemplasse unicamente o futebol?
Fabiano Costa – Acho que devemos pensar num Código Desportivo ou Código do Desporto, uma compilação de leis que alcance todas as áreas do esporte. Evidentemente que, pelo volume de negócios, interesses e pessoas envolvidas, o futebol mereceria um capítulo à parte, tratando das relações desportivas de maneira mais objetiva, clara e eficiente. Como exemplo que sempre defendo para alteração da legislação desportiva é a possibilidade de flexibilização das regras trabalhistas, em contratos de trabalho e imagem a serem firmados entre clubes de futebol e seus atletas, desde que com parâmetros claros e objetivos. No futebol europeu é possível a contratação de atleta por temporada, mediante valor fixo, sem delongas. Estabelecido alguns parâmetros, como por exemplo o piso salarial mínimo, a lei pode se tornar flexível para permitir melhores salários, objetividade e simplicidade nas relações. O que acontece hoje é uma legislação demasiadamente interpretativa, que não fornece segurança jurídica e nos torna incapazes de atender devidamente aos interesses das partes.
Universidade do Futebol – Recentemente, a Fifa acabou de maneira oficial a intervenção de terceiros no futebol por meio de direitos econômicos. Quais as consequências que isso terá para o nosso futebol?
Fabiano Costa – Acho que isso somente prejudicou os clubes da América do Sul, que precisam de investimentos privados no esporte. Não se contrata bons atletas, de renome, com recursos provenientes somente do clube. Os clubes europeus são ricos e independem de investimentos de terceiros, ao contrário dos brasileiros. É claro que haviam abusos, nos quais o clube se passava por mero detentor do contrato de trabalho sem qualquer participação na venda de atletas que formava, pagava salários e custos. Isso é abusivo e merece controle. Mas acho que houve uma generalização da proibição, que poderá prejudicar os clubes na contratação e transferência de novos atletas. Talvez fosse o momento da proibição, mas com critérios mais razoáveis e equilibrados.
Universidade do Futebol – Em sua opinião, por que os tribunais de justiça desportiva, invariavelmente, não têm uma boa avaliação por parte da mídia especializada e do torcedor? Que tipos de procedimentos poderiam ser adotados para melhorar essa avaliação ruim?
Fabiano Costa – Não restam dúvidas de que algumas mudanças são sempre necessárias, como maior rotatividade dos cargos, critérios técnicos na admissão de auditores e procuradores, independência maior do tribunal, mediante contratação remunerada de auditores e procuradores pelo próprio tribunal (profissionalização), com orçamento e independência financeira, entre outros. Mas as queixas dos torcedores contra o tribunal são geralmente resultado de desconhecimento sobre seriedade do trabalho e da dedicação que se desenvolve ali e da entrega pessoal dos auditores e procuradores em favor do esporte. Ademais, nenhum torcedor gosta de ver seu time punido, e isso é feito exatamente no tribunal.
Universidade do Futebol – De maneira geral, como você analisa os departamentos jurídicos dos clubes brasileiros? Eles estão realmente preparados para as responsabilidades para as quais são designados?
Fabiano Costa – Na grande maioria dos departamentos que conheço, a qualidade é inquestionável. São pessoas dedicadas ao trabalho, interessadas no direito desportivo, muito ao contrário do que havia há 15 ou 20 anos atrás, quando o trabalho não era feito por profissional específico, mas geralmente ligado a conselheiro ou amigo do clube que trabalhava no departamento jurídico de maneira espontânea, com menos cobranças e metas. Hoje a profissionalização leva a resultados.
Universidade do Futebol – Atualmente, o clube formador tem até 5% dos direitos sobre o jogador que revelou para o futebol em negociações futuras. Você não acha esse valor pequeno e a regra confusa? E qual é o papel do departamento jurídico e do clube para garantir a indenização sobre o atleta formado?
Fabiano Costa – Sinceramente, minha opinião pessoal é que acho a própria existência do direito de formação questionável. Ao vender o atleta formado no próprio clube, este já foi devidamente remunerado e indenizado pela formação, ou seja, ao colocar o seu preço de venda, o clube formador tem que ter como parâmetro um valor de negócio compatível com os custos da formação e com o retorno que considera justo pelo investimento que fez durante essa formação. No início, a Fifa criou essa regra a fim de democratizar os lucros na venda de atletas, principalmente visando os clubes menores pelos quais o atleta passou. Acho que é pouco e não resolverá problema financeiro de clube nenhum. O que precisamos é uma legislação bem feita, adequada à realidade, garantindo a formação, melhor racionalidade tributária, profissionalização da gestão, auxílio institucional aos clubes, e não essas participações da venda.
Universidade do Futebol – O Cruzeiro aderiu ao Profut recentemente. O que você pensa sobre a lei e quais as dificuldades que o clube tem encontrado para se adequar às exigências? Além disso, você acredita que o Profut significará, de fato, a salvação financeira dos times brasileiros? Por fim, o que você pensa sobre as contrapartidas exigidas? Explique.
Fabiano Costa – Como disse, o que salvará os clubes é uma boa legislação desportiva, trabalhista, tributária e cível voltada ao esporte. A grande maioria dos clubes somente aderiu ao Profut em razão da ilegalidade e inconstitucionalidade do artigo da lei que alterou o Estatuto do Torcedor, estabelecendo como critério técnico para participar das competições a exigência de CND – Certidão Negativa de Débitos. Ou seja, se não tiver CND é rebaixado de divisão a qual estiver classificado, e não mais por critérios técnicos conseguidos dentro de campo. Não fosse isso, certamente não haveria adesões ao Profut, que se revelou um ingerência ilegal na organização desportiva. Até mesmo estatutos dos clubes precisaram ser alterados. Não é a salvação dos clubes e nem foi feito com essa pretensão.
Universidade do Futebol – O jogador de futebol não tem direito à aposentadoria e, muitas vezes, a maior parte dos vencimentos é pago via direitos de imagem. Por outro lado, há grupo de dirigentes que dizem que os atletas são beneficiados pela lei, ganhando diversas causas trabalhistas. Qual é a avaliação que você faz sobre o tema?
Fabiano Costa – O atleta sempre terá direito à aposentadoria, desde que o clube esteja recolhendo devidamente os encargos trabalhistas e, se não tiver, o atleta tem meios de defender seus interesses, seja por meio do Sindicato dos Atletas ou de advogado particular. O atleta é, sem sombra de dúvidas, o maior beneficiado pela atual redação da Lei Pelé, em especial no que se refere às questões trabalhistas, ressalvando-se, claro, que há diferenças substanciais nas relações entre atletas de clubes grandes e pequenos. São causas milionárias, absolutamente injustas. A existência do pagamento do direito de imagem fora do contrato de trabalho, por vezes, é exigência do próprio atleta, que se torna beneficiado no pagamento dos tributos. Entretanto, ao sair do clube, procuram a justiça do trabalho para ver reconhecido o suposto salário “por fora”. Por outro lado, se não há pagamento de direito de imagem, também procuram a justiça por que seu nome e imagem foram usados “ilegalmente” em álbum de figurinha, video games, internet, aplicativos e outros. Vejam, pois, a contradição e a dificuldade. Como a legislação é muito ruim, acaba por tornar as coisas ainda mais difíceis que já são pela especificidade da atividade desportiva.

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Braços cruzados

A cena marcou a última rodada do Campeonato Brasileiro de 2015, disputada no último domingo (06): segundos após o início das partidas, jogadores cruzaram os braços e permaneceram assim por alguns instantes, sem movimentar a bola. Organizado pelo Bom Senso FC, o protesto foi a forma que os atletas encontraram para pedir a renúncia de Marco Polo del Nero, presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que se licenciou do cargo na quinta-feira anterior (03). Não podia haver simbolismo mais claro: os esportistas podem discordar e cobrar mudanças no status quo do esporte, mas estão de braços amarrados pela estrutura em que estão inseridos.
Del Nero pediu licença depois de ter sido indiciado pela Justiça dos Estados Unidos em processo que investiga desvios de dinheiro em contratos relacionados ao futebol. A investigação também incluiu Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, e já havia resultado na prisão de José Maria Marin, outro que passou pelo cargo. Todos os presidentes que a entidade teve nos últimos 26 anos respondem a processos por crimes como corrupção e formação de quadrilha.
Se tivesse renunciado, Del Nero entraria o cargo a Delfim Peixoto, vice-presidente mais velho da CBF e adversário político do atual mandatário (sim, nas entidades esportivas também há composições em nome da governabilidade). A licença, que não tem prazo para terminar, deu ao mandatário a possibilidade de indicar um substituto. Ele indicou Marcus Antônio Vicente, que presidiu durante duas décadas (de 1994 a 2005) a fortíssima Federação Capixaba de Futebol.
Marcus Vicente também é deputado federal (PP-ES) e comandou no Congresso a bancada da bola. Foi o responsável, por exemplo, por minar a pedido da CBF a articulação em torno da Medida Provisória 671, a MP do Futebol, que oferecia um refinanciamento de dívidas fiscais aos clubes em troca de adequações de gestão.
A convocação de novas eleições na CBF seria viável apenas em caso de afastamento de todos os vice-presidentes, cenário extremamente improvável. Ainda assim, o estatuto da entidade segue impondo restrições para que o espectro de candidatos não saia do grupo que já faz parte do poder do futebol brasileiro.
Um candidato precisa ter apoio de oito federações estaduais e cinco clubes para concorrer à presidência da CBF. No entanto, a entidade nacional está entre as principais provedoras (política e financeiramente) de federações e clubes. Como desenvolver assim um modelo viável de oposição, então?
O enfraquecimento de Del Nero dá até margem a isso. A cisão com Delfim Peixoto e o surgimento da Primeira Liga têm aglutinado federações e clubes que não estão plenamente alinhados com o comando da CBF. Mesmo se eles conseguirem montar um grupo de oposição, porém, será que isso é suficiente?
A questão que todo esse cenário nos oferece é mais ampla do que o nome de quem comanda a CBF. O afastamento de Del Nero é a confirmação de que o sistema de comando do futebol brasileiro está obsoleto, corrompido e inviável.
Perderemos tempo se continuarmos discutindo o nome do presidente da CBF ou caminhos para ter outro ocupante no cargo. Não é uma questão de nomes ou de posicionamento político, mas de estrutura. O futebol brasileiro precisa discutir a estrutura.
Nesse contexto, o surgimento da Primeira Liga é uma boa notícia. O grupo ainda não tem posicionamentos ou ideais claros, mas parte de uma premissa que se provou acertada em outras grandes ligas esportivas: os clubes precisam tomar o poder.
Contudo, a Primeira Liga ainda é formada por uma maioria de dirigentes amadores. Muitos deles estiveram atrelados ao que existiu de pior na CBF e na condução do futebol brasileiro nos últimos anos. Além disso, falta representatividade de outras classes.
Um dos segredos das grandes ligas esportivas dos Estados Unidos – que também tem funcionado bem na Premier League, por exemplo – é a representatividade. Os grupos que tomam decisões sobre o futebol local incluem jogadores, treinadores, jornalistas, árbitros e todas as outras categorias associadas ao espetáculo. Todos têm perspectivas diferentes e podem ser úteis para a construção de um cenário melhor.
Se quiser aproveitar o momento e evoluir, o futebol brasileiro precisa criar fóruns mais amplos. Precisa incluir jogadores (e não apenas os inócuos sindicatos), aproximar técnicos, colocar dirigentes na mesma mesa de árbitros e fomentar discussões que pensem no esporte nacional como um todo.
A CBF deve ser uma parte desse processo, é claro, mas não pode estar numa hierarquia superior. O bem do futebol brasileiro depende de uma estrutura mais democrática e mais inclusiva.
Nesse sentido, o protesto dos jogadores na última rodada do Campeonato Brasileiro foi simbólico: há ideias, há boas discussões e há evolução no posicionamento de atletas sobre o futuro do esporte. Ainda faltam ações concretas, algo que tem marcado o Bom Senso FC desde a criação do coletivo de atletas.
Essa é uma cobrança mais direcionada aos atletas porque essa é a classe que se destaca em termos de organização e posicionamento. Treinadores, árbitros, dirigentes, jornalistas e outros grupos ainda não atingiram grau de maturidade similar ao do Bom Senso FC.
O que falta agora é que algum desses grupos realmente roa a corda. Falta um protesto mais incisivo – a tão alardeada greve, talvez. A ocupação de escolas em São Paulo, movimento liderado por estudantes contra o terrível plano de “reorganização da educação” desenvolvido pelo governo estadual, é um exemplo de que o pequeno poder pode fazer um barulho real.
Depois de reprimir de forma violenta e tentar politizar os atos contra o fechamento de escolas, o desastrado governo de Geraldo Alckmin (PSDB) se dobrou e cancelou o plano de reorganização. A decisão causou a saída de Herman Voorwaald, que ocupava a Secretaria de Educação do Estado.
Cerca de 200 escolas foram ocupadas por alunos em São Paulo. Os grupos não se desmobilizaram nem depois do anúncio de Alckmin e da saída de Voorwaald. “Achamos que estamos tomando mais um golpe”, disse Angela Meyer, presidente da União Paulista de Estudantes Secundaristas (Upes), ao portal “G1”.
Em teoria, os alunos são muito mais fracos do que jogadores, treinadores ou outras categorias que fazem parte do status quo do futebol brasileiro. Nesse caso, o que falta é ruptura. O diálogo é sempre o melhor caminho, mas às vezes é preciso dar um empurrão para que ele aconteça nas bases adequadas.
E para isso não adianta cruzar os braços.