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PONTO CEGO – PARTE 3

Entenda o ponto cego que bloqueia progressões consistentes

Intrigado pelas instabilidades recorrentes que prevalecem em constante renovação nos clubes de futebol do território brasileiro devido às frequentes decisões superficiais voltadas a tão somente desqualificar treinadores profissionais, este estudo se orientou em revelar os efeitos colaterais desencadeados por transições de comando técnico durante o período competitivo. Curiosamente, muito embora a expectativa original por trás das decisões de mudança de liderança técnica condicione o pensamento convencional a acreditar que exista um suposto atalho ao sucesso, as experiências práticas testemunhadas por 30 profissionais ligados a uma múltipla variedade de comissões técnicas ao longo de suas carreiras no futebol brasileiro e internacional manifestaram uma direção oposta à expectativa dos dirigentes e da opinião pública. Isto é, contrário aos argumentos superficiais defendidos por quem frequentemente descarta treinadores sem embasamento objetivo no país, o desempenho e o rendimento esportivo de uma equipe profissional de futebol tendem a se reprimir, e não a progredir, mediante a volatilidade do seu comando técnico.

Ao encarar uma série de restrições e limitações desafiadoras durante as trocas de treinadores, os profissionais que operam nos bastidores da estrutura esportiva cultivam alternativas inovadoras para assimilarem, lidarem e se ajustarem tanto às rupturas de suas rotinas quanto aos distúrbios causados no processo de evolução coletiva. A escala e a direção desses distúrbios são impulsionadas por distintas combinações de expectativas, práticas de trabalho e comportamentos conflitantes nos domínios individual e coletivo da organização. Fundamentalmente, (uma ou mais) alterações de comando técnico ao longo da mesma temporada moldam uma cultura de restrições contraprodutiva para o clube, cujos efeitos colaterais afetam a mútua colaboração necessária para um melhor desenvolvimento esportivo com o capital humano que sustenta a cadeia de valor da instituição.

Líderes organizacionais que confiam no processo emergente de excelência coletiva tendem a empoderar o potencial humano e promover uma comunicação autêntica, a fim de apoiar uma mudança organizacional positiva. Nesse sentido, uma “mudança positiva” para um clube de futebol profissional representaria uma oportunidade de superar limitações pré-existentes, como os obstáculos já mapeados, antecipados e até bem conhecidos dentro de uma temporada competitiva. Para efeitos práticos, o treinador – aquele que foi inicialmente selecionado e empregado para liderar a equipe principal – receberia a confiança e o respaldo necessários para otimizar as interações com a cadeia de profissionais pertencente à estrutura esportiva da organização. Desse modo, uma “mudança” não deveria ser entendida como uma reposição de nomes em diferentes cargos, seja no posto do treinador ou qualquer outra função dos bastidores, pois tal decisão apenas se manifesta com a finalidade de transferir uma suposta culpa a uma única pessoa (ou grupo de pessoas, no caso de uma demissão de toda a comissão técnica) frente a cenários desafiadores durante a temporada. Pelo contrário, a “mudança” deveria se relacionar ao realinhamento de atitudes e/ou comportamentos entre os colaboradores do clube. Tal situação pode ser percebida como uma tensão positiva que fomenta padrões de aprendizado e inteligência coletiva. Ou seja, quando tratado devidamente como um organismo coletivo, um clube de futebol representa um sistema de tensões que alavanca possibilidades de progressão, em vez de uma entidade estática bloqueada pela reincidência de restrições.

Com base nesse raciocínio, os entrevistados reconheceram que os treinadores dependem prioritariamente de relações prósperas, tanto dentro como fora de campo. Para influenciar os padrões comportamentais de suas equipes, assim como o seu estilo de jogo competitivo mais desejado no contexto do futebol profissional, espera-se que os treinadores tenham condições de se envolver com treinamentos e métodos fluídos, sequenciais e reflexivos como parte do processo esportivo. Dessa forma seria possível oferecer um potencial de construção consistente dentro do clube. Entretanto, tão logo alterações de liderança técnica são impulsionadas com frequência durante a competição, o rendimento esportivo evidentemente demonstra uma contradição entre os distúrbios desencadeados por comandos voláteis e o cenário ideal defendido pelos especialistas das áreas de saúde e desempenho humano.

Dado o senso de urgência, impaciência e vulnerabilidade em que os treinadores profissionais de futebol operam, tensões fundamentais são originadas a partir de diferentes prioridades na relação de um novo treinador com os bastidores da estrutura esportiva. Embora o novo treinador carregue a expectativa de produzir sinais de melhoria imediata (a todo momento enquanto permanecer empregado), os profissionais do clube reconheceram que tensões podem vir à tona devido ao fato do seu foco estar voltado ao desenvolvimento dos jogadores em prazos superiores ao do novo treinador. Além disso, os profissionais também identificaram que, ao invés de transformar tensões em possibilidades de progressão, as trocas de treinadores involuntariamente criam uma cultura de restrições que permeia todos os participantes do processo esportivo. Nesse tipo de cultura contraprodutiva, comportamentos (auto)defensivos que visam reter o poder e o controle prevalecem nítidos entre os líderes da organização, como no caso dos dirigentes de clubes de futebol. Frequentemente, tais comportamentos contribuem para a formação de um sistema subdesenvolvido, cujo rendimento insatisfatório espelha os receios da liderança organizacional em atender novas normas e superar pressões internas. Ou seja, em vez de aceitar os desafios e possibilitar progressões com consistência, a cultura de restrições representa um contexto que reduz o potencial de colaboração humana.

Não se trata tão somente de cessar as oscilações de comando técnico ou de manter o(s) mesmo(s) treinador(es) empregado(s) ao longo da(s) temporada(s). Tal alegação se posicionaria tão superficial e irrealista quanto as decisões de descartes recorrentes e já proliferadas no território brasileiro. Na prática, a continuidade de um processo esportivo se baseia menos na estabilidade e mais na adaptabilidade de interações entre os agentes e suas estruturas. Sem testemunhar esforços mútuos entre a liderança e a rede de conexões internas da organização esportiva, torna-se menos provável que as restrições organizacionais sejam reformatadas rumo a possibilidades de transformação por meio da inteligência coletiva. Por exemplo, um novo treinador pode querer repetir a mesma escalação na sua equipe, utilizando os mesmos jogadores em partidas consecutivas, mas os profissionais da estrutura esportiva devem contabilizar e ponderar as demandas competitivas anteriores, assim como qualquer excesso de viagem ou ausência de descanso que possam conjuntamente afetar a recuperação dos jogadores entre as partidas em questão. Do mesmo modo, um novo treinador pode tentar persuadir um jogador que esteja se recuperando de uma lesão a pular etapas no seu período de transição e logo participar de sessões de treinamento mais intensas no campo, porém os profissionais da estrutura esportiva devem seguir rigorosamente os protocolos e critérios definidos pelas áreas de saúde responsáveis, a fim de assegurar que o jogador retorne ao campo somente quando apresentar as condições mais adequadas e realistas aos seus parâmetros individuais.

Apesar dos entrevistados terem reforçado a importância em saber inspecionar e orientar uma equipe de jogadores como uma complexa rede de interações humanas e movimentos comportamentais no campo (tanto em treinos como em competição), eles também enfatizaram como um novo treinador tende a se guiar por uma mentalidade defensiva na confecção do seu estilo de jogo, utilizando um pensamento convencional que o faz acreditar ser preferencial (e mais provável) evitar derrotas a fim de proteger o seu emprego. Contraditoriamente, entretanto, jogar com o foco na defesa costuma gerar menos controle da bola e condicionar espaços mais apertados para minimizar as ações do adversário, afetando as possibilidades de movimentos criativos com a bola para aumentar a precisão das oportunidades ofensivas durante os jogos.

Seguindo a argumentação dos entrevistados, conforme os novos treinadores priorizam os seus próprios métodos e preferências com o objetivo de reafirmar a sua posição hierárquica na instituição, os profissionais alertaram que repentinas modificações metodológicas representam um fator de risco desnecessário para o desenvolvimento dos jogadores. Particularmente durante a temporada competitiva, há relatos na literatura acadêmica sobre redirecionar a periodização de treinos de força com alternativas mais eficientes na aplicação de cargas segundo as condições individualizadas de cada jogador. Contudo, tanto o tempo disponível para treinamentos quanto o monitoramento de cargas nas sessões de treino são substancialmente afetados no contexto do futebol brasileiro, o que potencialmente leva os especialistas das áreas de saúde e desempenho humano a testemunharem maiores riscos de lesão, danos musculares e estresse fisiológico. Na prática, o processo voltado a monitorar as cargas de treinamento se destaca como um aspecto primordial nos bastidores de uma equipe de alto rendimento, sobretudo a fim de apoiar efetivamente a recuperação fisiológica e psicológica dos jogadores. Portanto, quando as prioridades do clube são subestimadas devido ao favorecimento orientado por trocas de treinadores, a impaciência míope que força resultados inevitavelmente compromete as estratégias de prevenção de lesões e controle de cargas durante a competição.

Canalizando os efeitos colaterais ao domínio individual dos entrevistados, tornou-se revelador como as alterações de comando técnico refletem um fenômeno problemático aos colaboradores do clube, tanto por uma perspectiva profissional quanto pessoal. De um modo geral, os membros dos bastidores da estrutura esportiva absorvem múltiplas ramificações que restringem o seu tempo, a sua confiança e os seus incentivos. Tais restrições travam a condução de tarefas de alta relevância para a organização. Por exemplo, monitorar e instruir apropriadamente os jogadores, resguardar os protocolos internos entre as áreas de apoio à comissão técnica, assim como estimular decisões com base em evidências contextualizadas aos jogadores e à equipe. Na realidade, a pressão absorvida pelos profissionais tende ainda a sofrer sobrecargas devido à incerteza da continuidade de seus empregos, à subjetividade dos estilos de liderança, além de contradições metodológicas originadas pela sucessão de comandos técnicos vulneráveis.

Ameaças iminentes são expostas ao entendimento dos entrevistados tão logo eles compartilham necessidades de apoio junto a novos treinadores que extrapolam a sua resistência frente às práticas já implementadas no clube, prejudicando a qualidade da comunicação interna no processo esportivo. Contraídos por um comportamento que limita o potencial humano ao invés de alavancar oportunidades rumo ao melhor rendimento, torna-se plausível reconhecer como lideranças que favorecem a imposição de metas e opiniões precipitadas acabam por gerar um senso de dúvida, impactando as relações interpessoais entre os profissionais que tentam preservar algum nível de consistência durante a temporada. Lamentavelmente, até mesmo os efeitos prejudiciais às condições de saúde dos colaboradores do clube aparentam passar despercebidos (tanto a eles próprios quanto aos líderes da instituição) conforme as trocas de treinadores se materializam, transportando desafios que ameaçam iniciativas de cuidado pessoal em longo prazo. Nesse cenário de descuido com o ser humano que ocupa distintas funções na estrutura esportiva, destacaram-se o enfraquecimento da (auto)confiança e da motivação, além de potenciais sintomas de esgotamento (burnout).

As noções de colaboração e aprendizagem mútua são reiniciadas a cada substituição de comando técnico. Sobretudo em cenários mais agravantes, caso o novo treinador centralize as decisões e articule ideias conflitantes, os profissionais da estrutura esportiva testemunham restrições em suas tentativas de estabelecer rotinas de trabalho, temporariamente repriorizando suas responsabilidades de modo a se adequarem ao novo regime de liderança. Além disso, o receio imposto por relações menos familiares e o desequilíbrio de poder na hierarquia do clube também atrapalham os esforços dos colaboradores em suas tentativas de harmonizar o ambiente e minimizar discordâncias com a maior cautela possível.

Essencialmente, o inevitável desentrosamento de práticas e comportamentos no trabalho conjunto entre o treinador, a comissão técnica e os demais especialistas das áreas de saúde e desempenho humano empregados pelo clube acaba por exigir e depender do “tempo” como um componente chave à sinergia. A partir do “tempo” como recurso prioritário, o processo que fomenta a excelência coletiva na rede de conexões que circunda o comando técnico poderia, enfim, progredir rumo a um desenvolvimento mais integrado e consistente. No entanto, a realidade que impulsiona as frequentes trocas de treinadores no território brasileiro oferece o “tempo” como um recurso renovável apenas nas oportunidades em que as especulações de curto prazo sejam atendidas com resultados numéricos favoráveis. Caso contrário, os profissionais que transitam nos bastidores demonstraram estar cientes que uma próxima mudança de comando torna-se previsível e que, novamente, acarretará distúrbios nas suas tentativas de construção de hábitos dentro do clube. Visto como os colaboradores são capazes de antecipar a repetição desse mecanismo, eles próprios aparentemente revisam a sua compreensão de práticas institucionais e passam a desempenhar comportamentos adaptáveis às transições de liderança. Isto é, enquanto os efeitos colaterais são negligenciados pelos dirigentes do clube, a ilusão de um atalho ao sucesso é renovada conforme os treinadores entram e saem do comando.

CONCLUSÃO

Este estudo buscou explorar uma área de notável relevância ao desempenho esportivo de uma equipe de futebol no contexto do alto rendimento brasileiro, direcionando o foco da investigação a um ângulo tipicamente ignorado pelas discussões sobre trocas de treinadores profissionais. Em suma, ao analisar os efeitos colaterais que são involuntariamente desencadeados aos domínios coletivo e individual da organização (nesse caso, um clube de futebol), o estudo fez-se valer de depoimentos substanciais para explicar as ramificações escondidas pelas mudanças de comando técnico, cuja reincidência inevitavelmente afeta o desempenho dos jogadores e dos profissionais que transitam nos bastidores da estrutura esportiva do clube. Fundamentalmente, uma cultura de restrições imposta por práticas de trabalho e comportamentos conflitantes revelou como os jogadores tendem a interagir, treinar e atuar durante a temporada competitiva mediante oscilações no regime de liderança. Ademais, os colaboradores que integram a comissão técnica e as áreas de saúde e desempenho humano demonstraram como novos treinadores frequentemente desafiam os seus compromissos, dificultando a construção de rotinas e práticas comportamentais que possam solidificar uma consistência interna ao desenvolvimento de longo prazo.

Embora o estudo justifique a continuidade, a harmonia e o entrosamento das lideranças técnicas junto às instituições que decidiram empregá-las para a condução de (pelo menos) uma mesma temporada, o conteúdo apresentado não pretende acomodar qualquer ingenuidade que possa desconsiderar trocas de profissionais em cenários onde líderes e colaboradores interagem por objetivos coletivos. Visando equipar uma plataforma de argumentação baseada em experiências confiáveis, este estudo revela o impacto colateral gerado por mudanças de treinadores durante a temporada competitiva. Portanto, os líderes organizacionais (nesse caso, os dirigentes dos clubes de futebol do Brasil) deveriam defender, preferencialmente, uma avaliação substancial nos bastidores da estrutura esportiva antes de uma eventual tomada de decisão sobre o treinador do momento. Isto é, ao questionar as potenciais ramificações e consequências internas que podem comprometer o presente e o futuro esportivo da instituição, torna-se mais realista evitar uma turbulência desnecessária aos domínios que valorizam efetivamente as prioridades do clube.

Dentro e fora de campo. Com e sem a bola. O futebol reflete, enfim, um jogo de comportamentos cujo progresso depende do entrosamento entre os seres humanos que colaboram pela mesma cadeia de valor.

“A prosperidade é a melhor protetora de princípios.”

Mark Twain

Para acessar o estudo completo, clique aqui.

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PONTO CEGO. ENTENDA OS EFEITOS COLATERAIS DAS MUDANÇAS DE TREINADORES NO BRASIL

PARTE 1 – Sinapses do desempenho humano e coletivo

No âmbito dos esportes coletivos, os treinadores atuam como líderes técnicos enquanto colaboram com especialistas das áreas de saúde e desempenho humano em uma estrutura multidisciplinar focada no desenvolvimento esportivo das suas equipes. Nesse sentido, os treinadores de futebol profissional buscam avaliar regularmente o fluxo de informações relacionadas aos comportamentos e posicionamentos dos seus jogadores, a fim de tornar possível o desenho de sessões de treinos que apoiem os seus estilos de jogo preferenciais durante um processo gradual de aprimoramento coletivo. Sobretudo a respeito da prática, um processo efetivo de treinamento no futebol desafia os treinadores a encontrarem intervenções apropriadas ao desenvolvimento de sinergias coletivas, as quais se sustentam por dinâmicas não-lineares e sistemas adaptáveis. Fora de campo, os mesmos treinadores também procuram usufruir do conhecimento e do fluxo interno de processos que integram a estrutura esportiva de seus respectivos clubes, beneficiando-se, por exemplo, pela intersecção de estratégias de controle de cargas e prevenção de lesões. Ao monitorar o equilíbrio entre desgaste e recuperação, os treinadores conduzem o retorno de jogadores lesionados mediante à reaproximação de suas condições ideais. Caso contrário, tanto os indivíduos quanto a equipe podem apresentar menor desempenho físico e técnico numa competição de alto rendimento.

Em consonância com esse raciocínio, existe uma interação contínua entre o treinador e os bastidores da estrutura esportiva em um clube de futebol, uma vez que o seu trabalho compartilhado impacta as decisões em torno do aprimoramento dos jogadores que compõem a equipe. Para exemplificar, muito embora os analistas de desempenho possam fornecer evidências contextualizadas para apoiar o trabalho dos auxiliares técnicos, tais informações ainda estão suscetíveis à interpretação final do treinador que lidera o processo esportivo. Ademais, os protocolos internos devem ser observados e respeitados de modo a proteger o fluxo de trabalho coletivo entre fisiologistas, fisioterapeutas e preparadores físicos, especialmente em situações que sinalizem indícios de alto risco de lesão em jogadores específicos. Ao reforçar tais procedimentos, melhores níveis de comunicação interna tendem a ser decisivos para aprimorar a disponibilidade de jogadores tanto em sessões de treinos como em competições. Portanto, entendendo como o treinador compartilha os
seus domínios profissionais com a comissão técnica e os especialistas das áreas de saúde e desempenho humano, optar por mudanças de comando técnico significa assumir riscos de perturbação, alteração e interrupção de rotinas de treinamento já estabelecidas e influentes nos bastidores da estrutura esportiva.

Apesar de pertencerem a um processo de treinamento complexo, dinâmico e interativo, onde o rendimento esportivo depende prioritariamente da cooperação existente entre os profissionais das áreas de saúde e desempenho humano, aliado às suas respectivas condições contextuais, os treinadores ainda permanecem submetidos a julgamentos superficiais que se baseiam estritamente no placar e no resultado numérico dos jogos de suas equipes. Considerando as típicas limitações de conhecimento técnico e esportivo por parte do corpo diretivo de um clube profissional no Brasil, tornou-se comum testemunhar a arbitrariedade de dirigentes que despacham frequentes demissões e alterações de comando técnico em todo o território. Sobretudo durante a temporada competitiva, tal decisão tende a ser defendida como uma marca registrada para supostamente solucionar situações momentâneas e renovar a esperança de placares favoráveis. Um selo de (in)eficiência para atender os anseios da opinião pública, cultivando a repetição de descartes sem a necessidade de apresentar análises substanciais sobre as consequências que uma eventual troca de treinadores ocasiona para os seres humanos diretamente envolvidos no processo de desenvolvimento coletivo de uma equipe de futebol profissional. Na realidade, entretanto, a alteração de um comando técnico inevitavelmente desencadeia uma série de efeitos colaterais devido à rede de conexões estabelecida em torno do treinador e a partir dele com relação aos demais colaboradores.

Ao analisar períodos sequenciais às trocas de treinadores, a literatura acadêmica tem identificado diferenças significativas em métricas de condicionamento físico, reportando declínios no Brasil e na Espanha, enquanto na Alemanha e na Polônia constatou-se apenas uma evolução muito limitada. Já na Inglaterra, oscilações frequentes de comando técnico costumam acarretar reações emocionais e comportamentais entre os profissionais ligados às áreas de medicina e ciências do esporte, além de mudanças no estado psicológico dos próprios treinadores envolvidos nas ocasiões. Coletivamente, os depoimentos ingleses apontaram para um caminho que reduz a confiança, o comprometimento e a motivação em seus ambientes de trabalho. Ainda assim, a maior parcela das investigações acadêmicas segue examinando o cenário pós-troca por meio de estatísticas que se concentram em resultados de jogos (via pontos, gols, sequência ou ausência de vitórias) e de tabelas competitivas (via posição momentânea ou final na competição, percentual de aproveitamento, classificação ou queda em torneio eliminatório).

Em suma, os sinais de aprimoramento qualitativo originados pelo trabalho dos treinadores e suas comissões técnicas têm sido desconsiderados, o que potencialmente desvaloriza as especificidades do desempenho esportivo em uma equipe de futebol profissional. Desconsidera-se, por exempo, o conteúdo das sessões de treinos, as movimentações e dinâmicas orientadas dentro e fora do campo de jogo, o desenvolvimento e a recuperação individual, a influência sobre comportamentos setoriais, além da progressão gradual de um estilo de jogo com base nas circunstâncias contextuais de cada clube. Consequentemente, torna-se prioritário enfatizar que, muito embora jogadores e equipes possam ser analisados com métricas que representem possíveis indicadores de sucesso, os reais efeitos provenientes do desempenho esportivo estão relacionados ao que acontece predominantemente em torno da equipe e dos seus adversários.

No contexto profissional, a modalidade exige práticas de treinamento voltadas a aprimorar comportamentos coletivos para otimizar variações técnico-táticas, assim como estratégias de condicionamento e recuperação que possam ser devidamente implementadas e controladas durante a temporada competitiva. Contudo, devido à prevalência de uma mentalidade especulativa que privilegia decisões superficiais no domínio organizacional, as mudanças de comando técnico durante o Brasileirão superam quaisquer parâmetros já calculados nas principais ligas de futebol da Europa, América do Sul e do Norte, ilustrando como os treinadores enfrentam desafios muito particulares no cenário brasileiro.

Nota: Entre 2011 e 2020, os treinadores profissionais permaneceram empregados por um período de 78 dias, em média, durante o Brasileirão, o que representa 37% da duração da competição nacional. Esse período inclui um total de 183 treinadores e 34 clubes.

Partindo para uma abordagem teórica, este estudo indaga a dimensão da instabilidade ocasionada pela sucessão de treinadores numa organização esportiva, utilizando os principais clubes de futebol do Brasil como uma referência para a investigação. Na medida em que os períodos voláteis de permanência na função de treinador difundem instabilidades recorrentes dentro de um clube de futebol, o objetivo desta pesquisa se volta a desmistificar a depreciação em cadeia acumulada entre as transições de treinadores. Para tal, ao entrevistar especialistas que participam diretamente do processo esportivo, o estudo se distancia de estimativas estatísticas e se concentra na realidade do alto rendimento em um esporte coletivo.

Ao todo, 30 profissionais com vasta experiência prática junto a comissões técnicas foram entrevistados no período entre 14/Janeiro a 25/Março de 2021. Todos os participantes trabalharam pelo menos um ano na Série A do Brasileirão durante a última década (2011 a 2020). A fim de atender o propósito central do estudo, uma atenção particular foi dedicada a atrair especialistas que já haviam testemunhado múltiplas trocas de treinadores no território brasileiro. Apesar da maioria dos entrevistados ter desenvolvido suas carreiras profissionais no Brasil, as suas experiências práticas também incluem passagens por ligas do exterior (Inglaterra, Espanha, Japão, China, Arábia Saudita) e participações em grandes competições internacionais (CONMEBOL Libertadores, UEFA Champions League, Jogos Olímpicos, Copa do Mundo da FIFA). Respeitando os princípios éticos da metodologia científica, todos os entrevistados e os seus respectivos depoimentos permanecem confidenciais e anônimos frente ao julgamento público.

Fundamentalmente, quando um clube de futebol toma a decisão de substituir o seu treinador profissional durante a competição, torna-se possível reconhecer como o domínio organizacional visualiza um efeito direto e intencional (por exemplo, vencer jogos). Entretanto, mudanças de comando técnico também desencadeiam efeitos indiretos e não intencionais, que por sua vez se espalham aos domínios coletivo (por exemplo, o ritmo de treinamento) e individual (por exemplo, a confiança de um colaborador). Tal interação entre diferentes domínios representa o conceito dos efeitos colaterais, também reconhecido popularmente como efeito cascata ou efeito dominó. Essencialmente, tão logo as ações se manifestem em um domínio superior, inevitáveis consequências tendem a ser disseminadas aos níveis inferiores da organização.

A fim de capturar os efeitos colaterais absorvidos indiretamente pelos especialistas que atuam ligados às comissões técnicas, bem como o impacto sentido pelos jogadores da equipe conforme os treinadores entram e saem do cargo durante a temporada competitiva, esta investigação revela, esclarece e acentua como as rotinas de trabalho tendem a ser desestabilizadas nos bastidores de uma mudança de comando técnico. Indagados a respeito das possíveis ramificações que uma alteração de liderança técnica gera em torno do desempenho da equipe, os entrevistados foram apresentados às seguintes questões sobre o domínio coletivo: Como as trocas frequentes de treinadores impactam o desenvolvimento da equipe na prática? O que acontece com os jogadores entre as transições de treinadores? Como a volatilidade do treinador realmente afeta o desempenho esportivo da equipe? Em seguida, partindo ao domínio individual, os entrevistados foram estimulados a compartilhar as percepções acerca das suas próprias experiências mediante o convívio com substituições de liderança técnica. As questões levantadas foram: Quais são os efeitos colaterais que uma troca de treinador ocasiona para o seu trabalho como profissional no clube? O que acontece com os especialistas ligados à comissão técnica entre as transições de treinadores? Como um novo treinador geralmente afeta a sua função?

Contemplando o contexto brasileiro, este estudo qualitativo responde exatamente às duas perguntas abaixo:

Interrogando os efeitos colaterais sobre o desempenho da equipe:

  • No domínio coletivo, como as mudanças de treinadores afetam o desenvolvimento dos jogadores?

Interrogando os efeitos colaterais sobre o desempenho individual:

  • No domínio individual, como as mudanças de treinadores afetam os profissionais ligados à comissão técnica?

A PARTE 2 revelará o cenário que acompanha as transições de treinadores nos domínios coletivo e individual, apresentando os principais efeitos colaterais que recaem sobre o desempenho da equipe e dos profissionais ligados às comissões técnicas.

Por fim, a PARTE 3 concluirá o estudo, refletindo acerca da importância em privilegiar o desenvolvimento progressivo e consistente na cadeia de valor que sustenta uma equipe competitiva no futebol profissional.

Para acessar o PDF do estudo completo, clique aqui.

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Dirigentes e Executivos dos Clubes Paulistas se capacitam em Workshops na Federação Paulista de Futebol

Crédito imagem: Rodrigo Corsi/Agência Paulistão

Os principais dirigentes e executivos dos clubes paulistas estão participando desde o início de 2022 do Programa de Capacitação MASTER FPF – LIDERANÇA E GESTÃO SISTÊMICA NO FUTEBOL. Esta é uma iniciativa organizada pela Federação Paulista do Futebol e Universidade do Futebol, com o apoio da LaLiga Business School.

Este programa provoca os principais tomadores de decisões do futebol paulista a pensarem sobre o FUTURO DO FUTEBOL, bem como as grandes e recorrentes questões da gestão de clubes de forma coopetitiva. Isto é, contempla a face competitiva dentro de campo e também a face cooperativa para tornar o futebol um negócio mais atraente para quem assiste, investe, trabalha e participa desta indústria.

Lucas D’Andrea (Inter de Limeira), Cleo Prado (São Paulo) e Tony Moreno (São Bernardo) durante o Workshop 3 na FPF. Foto: Rodrigo Corsi/Agência Paulistão

O programa contempla 6 Workshops presenciais na FPF, além de palestras online internacionais e extenso conteúdo de estudo a distância na plataforma da FPF Academia, com o suporte educacional da Universidade do Futebol. O objetivo deste programa é dar informações, gerar um ambiente de troca de conhecimentos e incentivar o networking e boa relação entre as principais lideranças que conduzem os clubes paulistas. Isto é fundamental para o desenvolvimento do futebol como um todo!

Foto do primeiro Workshop do Master FPF – Turma 1, ocorrido em Janeiro de 2022. Foto: Rodrigo Corsi/Agência Paulistão.

Nos workshops, os líderes estão vivenciando palestras nacionais e internacionais, exercícios individuais e em grupo, debates, trocas de experiências e conhecimentos sempre direcionados a pensar em conjunto a indústria do futebol como um todo.

Diogo Kotscho, Vice-presidente de comunicação do Orlando City, apresentando o Case do Clube para a Turma 1 do Master FPF ao longo do Workshop 2, ocorrido em Fevereiro. Foto: Anderson Rodrigues/FPF
Momento de atividade em grupo entre os participantes para co-criarem o FUTURO DO FUTEBOL ao longo do Workshop 2. Foto: Anderson Rodrigues/Ag. Paulistão.

Veja um exemplo mais específico. O Workshop ocorrido em 15 de Março foi o terceiro do MASTER FPF e teve como tema principal a Sustentabilidade do Futebol. Temas como SAF e demais formatos de clube-empresa, fair play financeiro e o diferente repertório de investimentos que deverão procurar os clubes foram trabalhados durante esse dia em que os gestores mergulharam intensivamente nesses temas. Todo este esforço levará esses gestores a conhecer o que há de mais novo e importante para levar o seu clube junto com o futebol paulista e brasileiro aos patamares mais elevados possíveis.

Tony Moreno (São Bernardo) fazendo uma pergunta aos debatedores durante exposição sobre os Impactos dos Clubes-Empresas no Brasil. Foto: Rodrigo Corsi/Agência Paulistão

Somado a esse rico ambiente presencial, no estudo online são ofertadas palestras ao vivo, de outros cases internacionais, com tradução simultânea, e um curso estruturado em 10 módulos com os temas mais importantes da gestão e do Futuro do Futebol profissional.

Registro da Palestra sobre o Case do Real Betis, com o Ramón Alarcon, Diretor Geral de Negócios do Real Betis.
Registro do Case do Atlético Nacional da Colômbia, contado pelo ex-presidente do clube, Juan Carlos de la Cuesta.
Esta ilustração mostra um trecho de uma aula disponível para os participantes do MASTER FPF, referente à Gestão Sistêmica do Futebol Feminino. Imagem: FPF ACADEMIA.

Este Master FPF é o início de um modelo de capacitação e formação de todos os dirigentes e executivos do Estado de São Paulo e que pode servir de inspiração e benchmarking para todos os centros do futebol brasileiro e internacional. É uma iniciativa inovadora que tem trazido excelentes percepções de valor pelos principais clientes desse programa, os próprios dirigentes e executivos. Leia alguns depoimentos de alguns deles sobre a importância do programa, o networking entre os dirigentes e o pensamento do futebol paulista como um todo.

Bruno Pessotti – Ferroviária S/A
Cleudimar Prado – São Paulo

O futebol precisa se cercar de todo conhecimento acadêmico para sistematizar o saber empírico que ele já acumula historicamente. O futebol precisa se organizar e acho que estruturar um conhecimento para isso é um passo fundamental para gente ter um modelo menos aleatório de gestão no futebol paulista e, com isso, diminuir as assimetrias que são características do sistema.

Muitas das coisas têm aplicação prática, é palpável isso, mas além da aplicação prática nos clubes, o objetivo do curso é promover uma reflexão em termos de analisar o sistema do futebol brasileiro, não só pensar no dia a dia prático do clube, mas analisar o produto de entretenimento que é o futebol.

Bruno Pessotti – Diretor Executivo da Ferroviária S/A

Acredito que primeiro é a capacitação, porque dentro de um clube, às vezes, você fica fechado dentro daquela função, dentro da sua diretoria. Aqui a gente está tendo a oportunidade de ter vários depoimentos diferenciados e isso é conhecimento que vamos agregando. A troca de experiência é sensacional, o networking é muito legal, e eu acredito que, à medida que o clube vai passando, você vai conseguindo se ver em algumas posições. Estava assistindo a palestra do Marcelo Paiva e eu me identifiquei, então você pode observar que está no caminho certo.”

Cleudimar Prado – Diretora do Futebol Feminino de Base do São Paulo
Genilson Santos – Grêmio Novorizontino
Lucas Balistiero – Inter de Limeira

A importância de um programa como esse, de um incentivo que a FPF sempre coloca a disposição dos clubes visando um crescimento profissional dos seus dirigentes e que isso seja transportado para a realidade dos clubes, fazendo com que, cada vez mais, se profissionalizem nas suas gestões, na maneira de conduzir o seu trabalho, fazendo com que esse futebol profissional possa ser bem representado em campo, cada vez mais valorizando as competições, mas, principalmente, fazendo um futebol melhor, mais rentável e sustentável.

Muito importante esse networking que é feito entre os clubes, porque, na verdade, vivemos problemas parecidos e com histórias de sucesso parecidas que devem ser compartilhadas, porque isso faz com que ninguém se sinta sozinho. Todos sabem que todos têm as suas dificuldades e as suas vitórias e isso, cada vez que é compartilhado, se torna muito rico em termos de conhecimento.

Genilson Santos – Presidente Executivo do Grêmio Novorizontino

O futebol como um todo precisa dessa evolução e o futebol paulista, nos últimos anos, vem na vanguarda desse processo e é muito importante que esse processo seja de duas vias, dos clubes e da federação, para que a gente possa alavancar o futebol paulista e brasileiro a níveis melhores, competindo melhor no mercado como um todo, não só no esporte, mas também com outras indústrias, como entretenimento e videogames.

A federação, além de estar puxando esse curso por ela, trazendo parceiros como a LaLiga e a Universidade do Futebol, que têm uma visão mais temática de todo o processo, ajudam muito aos clubes abrirem um pouco a visão e buscar soluções alternativas para elevar o nível do nosso futebol.

Lucas Balistiero – Presidente Executivo da Inter de Limeira

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O crescimento do mercado de jogos eletrônicos no Brasil

Crédito imagem – Thais Magalhães/CBF

O mercado mundial de esportes eletrônicos, segundo a empresa de consultoria Newzoo, movimenta anualmente mais de 150 Bilhões de dólares e conta com o investimento de grandes nomes como adidas, Nike, Claro, Outback, Burguer King JBL e Red Bull.

Com crescimento acelerado do mercado de jogos eletrônicos no Brasil, mesmo em meio a uma economia estagnada, a Universidade do Futebol, no intuito de propiciar o aprofundamento no tema, entrevista o consultor Diego Guapo, que atua na agência NPN Gaming e trabalha há 5 anos exclusivamente no mercado de eSports.

Guapo teve seu primeiro contato profissional com o mundo dos games em 2016, quando a empresa na qual trabalhava criou o primeiro e-Brasileirão. 

O desafio de implantar o torneio pioneiro foi de Diego Guapo e sua equipe. Identificando uma boa repercussão e com o vislumbre de crescimento exponencial deste novo esporte, o consultor desbravou um mundo novo de possibilidades e passou a se dedicar inteiramente aos games. Participou da elaboração de grandes campeonatos de FIFA e PES, realizou eventos de League Of Legends, Counter Strike, entre outros. 

Ainda na EA, agência na qual trabalhava, trouxe para o Brasil um torneio universitário de eSports e profissionalizou este mercado, inclusive produzindo conteúdo através da página oficial do FIFA, gerida pela EA.

Diego, já no primeiro ano do E-Brasileirão, houve participação dos 20 clubes da Série A?

Sim. Muito em virtude do apoio da CBF e a força que a entidade tem junto aos clubes. 

A presença massiva dos clubes não ocorreu apenas no ano de estréia do torneio, mas em todos os demais e reitero que tanto a CBF quanto às federações estaduais, principalmente a Federação Paulista de Futebol, foram fundamentais para essa participação. 

Sem dúvida, tanto Federações quanto os clubes enxergaram o potencial deste mercado e foram estimulados a quebrar qualquer tipo de barreira ou preconceito a ele. Pesquisas revelam que o crescimento do eSportes  é superior a 20% e este se tornou um grande concorrente ao futebol, não com relação a torcida, mas ao consumo do esporte e conseqüentemente de produtos.

Fale um pouco sobre sua trajetória nos games.

Eu considero que não foi eu quem escolheu o eSports, mas ele me escolheu. Meu conhecimento sobre o segmento era bem limitado e dentro daquele cenário novo e embrionário, tive que fazer um pouco de tudo. Até técnico da Seleção Brasileira de FIFA em Londres eu já fui.

O mercado tem uma infinidade de possibilidades e está crescendo de forma acelerada criando muitas oportunidades de  investimento e trabalho, apesar de ainda estar engatinhando, possui uma fanbase de aproximadamente sete milhões de pessoas e também conta com jogadores mundialmente reconhecidos.

Atualmente eu estou a frente do trabalho de eSports com alguns clubes de Futebol e permaneço com o E-Brasileirão que ocorre em todos os anos desde a sua criação e é regido pela Confederação Brasileira de Futebol.

Como é a aproximação do eSports com os clubes de futebol?

A maioria dos clubes tem ciência de que precisa se aproximar mais dos jovens para rejuvenescer suas marcas. O game é uma excelente plataforma para alcançar esse objetivo. Dois a cada três jovens entre 10 a 20 anos prefere jogos eletrônicos a ir jogar bola na rua. E o jovem contemporâneo é extremamente “on demand” , ele acessa o que quer, onde quer, tem suas próprias escolhas e vontades, enfim, não adianta forçar a escolha de um esporte ou de um time, é preciso estar inserido no universo deles para fazer parte disso.

Mesmo nesse contexto, ainda há resistência por parte de muitos gestores que tem a mentalidade mais conservadora. 

Para auxiliar nessa quebra de paradigma, nossa agência tem trabalhado com o modelo revenue share que é uma espécie de compartilhamento de ganhos onde não há investimento inicial por parte do Clube. Isso faz com que a agremiação se sinta mais segura com a parceria.

Nossa estratégia para conseguir atrair o público e gerar retorno célere foi iniciar com o PES (Pro Evolution Soccer) que além de ser a plataforma de disputa do E-Brasileirão, patrocina alguns clubes e tem um Campeonato com participação da Rede Globo e da Konami. Isso tende a facilitar a comunicação com o público, já que quem participa desse tipo de game conhece as regras básicas do Futebol.

Fora do Brasil há um intenso movimento de clubes europeus formando grandes equipes, tal como o Paris Saint Germain com League Of Legends, Shalke 04 que possui ampla atuação nessa área, o Real Madrid que na reforma do Santiago Bernabéu está criando uma área exclusiva de eSports, entre vários outros clubes que podemos citar como exemplo de inovação. Eu acredito que essa tendência no Brasil ainda é incipiente, mas será inevitável!

Fora do futebol, nos times de eSports mesmo, o mercado é relativamente, mas ainda não conta com muitos eventos profissionais, nem com um calendário tão completo e organizado como em outros países e isso demanda mais empenho dos atletas que buscam se destacar; eles se esgotam e chegam ao limite para dar qualidade ao jogo. Destoando completamente do contexto do futebol que, principalmente nesta temporada atípica com pandemia, vem sofrendo com excesso de jogos e falta de qualidade técnica.

Você pode nos dar alguns exemplos de formas de monetização e ativação de empresas no mercado dos games?

Esse é um mercado de muita potência, então as empresas devem ter cautela. Como as interações não têm barreiras geográficas, a marca deve saber como se posicionar sem gerar nenhum tipo de desconforto, caso contrário pode ter um efeito de rejeição ao invés de propagação positiva.

Há poucos dias, o Brasil bateu um recorde de transmissão da LOUD com 506.797 mil pessoas simultâneas assistindo um jogo beneficente. Destaco que sequer era uma partida oficial. 

O Brasil é a décima terceira potência no mercado de games e a terceira maior em visualizações na TwitchStrike. Esse, sem dúvida é um grande atrativo para as empresas.

Mas diferente do que ocorre no futebol, as maiores cifras investidas não se concentram em times, e sim nos streamers, porque para quem acompanha e torce, os jogadores tem muito mais valor do que a entidade que ele representa. Se acontecer do streamers mudar de time ele leva consigo uma fanbase muito grande e é o que desperta o interesse das marcas.

Quanto as ativações, posso citar o exemplo da Bhrama, que criou um Bar Temático dentro do GTA Holi Play, que é um formato de GTA online onde você tem que viver o seu personagem ou pode até ser expulso do jogo. Essa ativação teve uma repercussão gigante e propiciou um vínculo maior do fã com a marca cervejeira.

Vale mencionar também, uma publicidade espontânea gerada por Shevii, um dos grandes streamers do Brasil que acabou por promover a marca Fisk por conta de seu inglês peculiar. Tudo começou em um jogo do LOL, onde o streamer brasileiro interagia com estrangeiros, mas não dominava o idioma inglês. Ele levou a falta de habilidade de um jeito descontraído, mesclando as poucas palavras que sabia pronunciar em inglês com o português, resultando em frases como “Oh My God, you cego?” (risos). Ele mesmo citou que precisava “fazer um Fisk”. A repercussão foi tamanha que gerou uma mídia espontânea. Em qualquer transmissão de um campeonato “gringo” relevante que houver algum brasileiro no chat, a marca aparece. 

Esses tipos de ações são fundamentais para reforçar a marca, mas cabe a empresa transformar isso em captação.

Há vastas possibilidades de investimento nos eSportes e os espectadores acolhem bastante as marcas que investem no segmento.

A NPN Gaming, antes de apresentar um projeto para uma empresa, primeiro estuda seu público. Ainda que a maior parte dos consumidores esteja entre 16 e 25 anos, há uma segmentação por jogos. No Counter Strike, por exemplo, o público é em sua maioria composto por pessoas acima dos 25 anos, já o League Of Legends abrange mais o público abaixo dessa fixa etária. Para haver assertividade é necessário conhecer o alvo, senão a experiência de investimento se torna traumática.

Você acha que o mercado eletrônico interage melhor com seu público do que o futebol?

Ah, sem dúvida. 

Nos eSportes há um bom volume de streamers com milhões de seguidores que conversam com os fãs através dos chats e de suas lives. 

Os grandes streamers são remunerados através das plataformas de transmissão dos jogos e estas por sua vez, recebem investimentos das marcas. É similar ao direito de arena no Futebol, onde as emissoras pagam para ter o direito de transmitir os jogos.

Essas interações dos streamers com os fãs, além de gerar fidelização, ajudam a despertar o interesse das marcas em investir, gerando um círculo virtuoso. 

A pandemia impactou o setor?

Positivamente.

A Itália, por exemplo, registrou aproximadamente 70% de aumento no número de banda larga para eSports. Segundo Luigi Gubitosi, diretor executivo da Telecom Itália, houve um aumento de mais de 70% do tráfego de internet na rede italiana de telefonia fixa, com uma grande contribuição de jogos online como Fortnite.

O número de adeptos cresceu tal como o investimento e a geração de empregos neste mercado, refletindo até em elevação no número de apostas em jogos eletrônicos.

Em abril de 2020, um dos streamers, Alexandre Gaules, doou 156 mil reais para a Central Única das Favelas de São Paulo, para ajudar no combate a disseminação do novo coronavírus. O número é uma homenagem ao recorde batido por ele na semana anterior. No confronto entre MIBR e FURIA, pela primeira fase da ESL Pro League, mais de 156 mil espectadores simultâneos acompanharam o duelo.

Um fator que contribuiu para o alargamento econômico dos eSports em meio a uma grande crise é a possibilidade de realizar eventos inteiramente online. A arrecadação com bilheteria já não era umas das receitas mais significativas, mesmo com a possibilidade de eventos presenciais, então não podemos considerar uma perda tão impactante.

O Dota 2, por exemplo, que é um jogo de muita expressão tem parte da sua premiação, que totaliza em torno de 25 milhões de dólares, é proveniente de um percentual da comercialização de roupinhas dentro do jogo, nós chamamos de skins. As empresas que estão sabendo explorar esse mercado com criatividade têm obtido um ótimo retorno de marca e de vendas.

Tem alguma mensagem final que você queira deixar para o leitor da Universidade do Futebol?

Só ratificar a importância de dissociar o “gamer” do torcedor de um clube de futebol. É um público que tem suas especificidades, suas particularidades e a priorização do atleta em detrimento do clube. 

Partindo desta premissa, há um grande mercado a ser explorado.

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Os impactos da covid no desempenho esportivo

Crédito da imagem – Bruno Ulivieri/AGIF/CBF

A covid-19 mudou os rumos da história da humanidade em 2020, e com o futebol não foi diferente. Paralisação das competições, jogos realizados sem público e uma mudança radical na rotina de jogadores, jogadoras e todos os envolvidos diretamente com o jogo, foram algumas das mudanças que testemunhamos após o espalhamento do vírus. Os protocolos de segurança adotados para tentar diminuir a taxa de contaminação entre os atletas contribuíram, mas não foram capazes de evitar que muitos deles fossem acometidos pela doença. Além do necessário afastamento dos contaminados, que traz um óbvio prejuízo esportivo para suas respectivas equipes, a própria doença é uma preocupação, pois seus sintomas, principalmente os acometimentos respiratórios, podem impactar diretamente no desempenho em campo, mesmo após o fim da infecção.

Para entender melhor como a covid-19 afeta o desempenho dos jogadores e jogadoras e conversamos com Páblius Staduto, médico do esporte, que compartilhou com a Universidade do Futebol um pouco sobre o que já se conhece sobre essa doença que ainda é uma novidade do ponto de vista da cronologia científica.

Universidade do Futebol – Quais são as principais exigências do futebol em relação ao corpo de um jogador ou de uma jogadora?

Páblius Staduto – Como existe um tempo determinado de jogo e a intenção de atingir os seus objetivos do jogo que é marcar gols e não sofrê-los, a distância percorrida ao longo desses 90 minutos costuma ser muito grande. Apesar de existirem as distintas posições com diferentes demandas, é importante para qualquer jogador ter bem trabalhada a resistência para suportar o período do jogo, que geralmente dura 90 minutos, mas às vezes extrapola esse período, com acréscimos e prorrogações em competições de mata-mata. Essa resistência é demandada também ao longo da semana, o que acontece no jogo é resultado do que foi trabalhado durante a semana e na pré-temporada.

Então podemos dizer que existe no futebol um misto de demanda da resistência cardio-respiratória e da força. O trabalho de força é feito sempre durante toda a temporada, para que além de aumentar a resistência, sejam prevenidas as lesões. Esse equilíbrio entre força e resistência também varia de acordo com a posição na qual o jogador ou jogadora atua. Pegando como exemplo os goleiros, eles têm uma semana muito forte de treinamentos, é exigido muita velocidade, respostas rápidas, que é o contexto do jogo. Se no caso dos goleiros o gasto de energia no jogo é aparentemente menor, durante os treinamentos da semana ele é bastante grande.

Agora quando falamos dos jogadores e jogadoras que correm o jogo todo, aqueles que atuam na chamada “linha”, alguns vão precisar de mais velocidade, mais explosão, outros vão precisar de um pouco mais de resistência para se manter o tempo todo correndo. Veja como a gente acabou falando de um misto de demandas que em alguns casos são comuns, e em outros são mais específicas, tanto é que temos grupos que treinam separados em muitas ocasiões, mas o trabalho de força e o trabalho cardiorrespiratório, vão estar sempre presentes ao longo da atividade.

Uma das características importantes da questão cardiorrespiratória é que quanto melhor se encontra essa capacidade melhor é a retomada. Por exemplo, se é realizado um esforço muito intenso durante uma jogada que pode ter um desfecho decisivo, um lance de gol ou de grande perigo, a recuperação desse esforço deve ser tão rápida quanto possível, para que esse jogador ou jogadora possa voltar ou jogo de novo na plenitude de seu desempenho. Quanto melhor a capacidade cardiorrespiratória ela, melhor essa resposta do atleta, não é difícil reconhecer aquele jogador que dá um pique e que não aguenta voltar. A pré-temporada é feita para dar esse start e depois se passa a fazer a evolução física até o atingimento de um pico em um momento importante da temporada, dependendo da estratégia de treino elaborada por cada comissão. A exigência tanto cardiorrespiratória, quanto muscular, é realmente bastante grande no futebol ao longo de todo o ano.

UdoF – Quais são os principais sintomas e sequelas que a COVID pode causar no corpo humano, pensando principalmente no desempenho exigido na prática do futebol no alto rendimento?

Páblius – O primeiro ponto são as diferentes intensidades que essa doença pode manifestar no corpo humano. O atleta, como qualquer outra pessoa, pode ter se contaminado e ser absolutamente assintomático, ou pode apresentar sintomas leves, como um quadro gripal, por exemplo, uma indisposição, algo que não vá gerar repercussão nos pulmões ou no sistema respiratório de maneira geral. A partir daí você pode ter algo mais moderado e até os casos mais intensos, com a falta de ar e a hospitalização. A parte respiratória ainda chama bastante atenção, pois essa falta de ar, essa menor resposta respiratória ao esforço, pode acontecer com intensidades variadas afetando o desempenho esportivo. São inúmeros os cenários possíveis.

Falando primeiro dos assintomáticos, apesar de eles não sentirem nada, para um atleta de alta performance sempre vai existir uma preocupação, nesses casos tem chamado muito a atenção as alterações cardíacas decorrentes da covid. Logo, o afastamento dos 14 dias, um retorno paulatino aos treinos, uma observação dos exames e uma análise da resposta deles no campo, são muito importantes para prevenir que eles não desenvolvam uma patologia cardíaca no futuro. Existem muitas perguntas ainda a serem respondidas sobre a doença, mas pelo que a gente tem visto, não vem ocorrendo grandes alterações nos assintomáticos. São muitos os exemplos de atletas que estavam positivos, fizeram o período de quarentena e conseguiram retomar paulatinamente suas atividades sem maiores problemas.

Aqueles que apresentam sintomas têm uma alteração no desempenho respiratório, e consequentemente cardíaco, pois quando você tem uma dificuldade respiratória, vai puxar o oxigênio para dentro e eliminar o gás carbônico com menos eficiência, comprometendo o corpo do ponto de vista circulatório e a própria função cardíaca, que pode estar normal, mas não vai conseguir promover as trocas da maneira ideal. Para esses casos a recuperação não vai ser só de 14 dias, sendo importante que não exista nenhum sintoma seja ele a perda de olfato, paladar, que são sinais muito claros da presença da doença, ou qualquer outro antes do retorno às atividades. Para isso existem os testes de esforço, os testes físicos, que vão mostrar se a queda de desempenho foi muito grande, nesses casos a recuperação tem que ser lenta, devendo ser realizadas uma série de avaliações como eletrocardiograma e exames mais aprofundados tanto de coração como de pulmão.

Se houver uma alteração pulmonar, lesões que aparecem com certa frequência em tomografias, que deixam o paciente bastante debilitado, o jogador ou jogadora só vai poder voltar ao esporte assim que se tiver a certeza de que não apresenta nenhum sintoma que limite sua capacidade física. Isso não é empírico, não é apenas um chute, fazemos muitas avaliações de esforço etenho recebido muitas queixas desse tipo, não só de atletas, “a única coisa que não melhorou ainda é a fadiga”, escuto. Então imagine expor um atleta, que apesar de estar já negativo ainda está com a fadiga, a parte respiratória ainda está respondendo com um pouco mais de dificuldade, e colocá-lo em um ritmo de treinamento intenso. Apesar do risco que eu tenho dele perder a massa muscular, da resistência que ele tinha, é uma segurança que a gente dá para eles de fazer uma volta mais cautelosa, mas realmente saudável.

A outra questão também que tem chamado bastante a atenção são as alterações cardíacas, a literatura está descrevendo muito em atletas que tiveram covid e que tiveram problemas respiratórios, alterações no músculo cardíaco que a gente chama de miocardite, por exemplo. Não vou entrar em muito detalhe técnico, mas é importante saber que já existe uma atenção maior para isso, pois no esporte de alta performance, seja ele qual for, você mantém um grau de exigência do corpo muito intenso durante a semana toda. Então colocar o corpo sob um stress a mais, a partir de uma virose desse tipo, da qual não temos ainda todas as respostas e reações do corpo, é bastante temerário.

Então esses atletas que têm sintomas precisam ser muito bem avaliados, se existiu algum dano, ou até mesmo sequela, se existem limitações que ele não tinha e passou a ter depois da infecção e como é que vai ser essa curva de recuperação. Tudo isso precisa ter indicadores, avaliações, exames, que possam mostrar essa recuperação, mesmo que ela seja lenta. Senão a gente vai expor esses atletas de maneira desnecessária.

UdoF – Jogadores e jogadoras estão mais ou menos propensos a serem contaminados por conta de seu preparo físico e idade? Quando contaminados, eles estão menos propensos a desenvolverem sintomas mais graves do que a média da população?

Páblius – A atividade física é um fator protetor sim, existe descrição disso, e um condicionamento melhor não é só que você vai fortalecer a imunidade, mas deixa o corpo mais atento à essa resposta quanto aos agentes externos que o cercam que podem ser potencialmente infecciosos. O grande problema é exatamente o treino em excesso, pois, no esporte de alta performance, o limiar entre estar bem de saúde ou com o próprio sistema de defesa comprometido é muito estreito.

Por exemplo, não é incomum que atletas profissionais, dependendo da modalidade, quando a intensidade das atividades se intensificam próximo de uma competição importante, comecem a desenvolver alguns sintomas como resfriados, sinusites, rinites, quadros gripais. O que ocorre nesses casos é uma queda da primeira defesa do organismo dada a intensidade dos treinos nesse momento específico de sua temporada. É aqui que nós médicos questionamos quanto um treinamento de alta intensidade, sem períodos de recuperação suficientes, é bom ou não para a saúde.

No futebol a gente tem notado algumas medidas que ajudam e diminuir essa sobrecarga, como o aumento do número de substituições, o uso de máscaras nos arredores dos gramados, o que de certo modo deu um pouco mais de segurança para os competidores, e também o afastamento dos que são detectados como positivos nos testes, medida bastante positiva.

O fato de você isolar esses atletas os 14 dias, de ter um decréscimo da presença do vírus e da posterior negativação permite que esses jogadores e jogadoras afastadas possam seguir a vida normalmente após esse período. Temos essa preocupação com o alto rendimento quando o treinamento é extremamente intenso, com pouco tempo de recuperação isso pode levar a um problema de ordem de defesa do organismo, que é o que a gente chama de imunidade.

Em relação ao desenvolvimento dos sintomas os atletas estão tão propensos a eles como qualquer pessoa. Evidências de sintomas como dor no corpo, dores musculares, indisposição, febre, dores articulares foram e tem sido relatados por atletas. Em situações mais graves, falta de ar – a dispneia, comprometimento de pulmões. Outra situação importante, é a volta ao esporte pós covid. Estudos mostram pequenas, mas significativas alterações cardíacas com pericardite e miocardite, principalmente se o retorno ao esporte for intenso e repentino após cessados os sintomas. 

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João Batista Freire – colaborador da Universidade do Futebol

João Batista Freire não é apenas um dos pesquisadores mais respeitados do Brasil quando o assunto é futebol. Professor aposentado da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), consultor do IEE (Instituto Esporte Educação) e colaborador da Universidade do Futebol, ele é hoje uma referência em temas relacionados à pedagogia do futebol e à “pedagogia da rua”, investigando as origens do esporte enquanto jogo e tenta estender à formação do atleta a ludicidade presente na abordagem infantil.
Apesar de sua origem oficial elitizada, a gênese do futebol no Brasil tem muito a ver com a informalidade e com o jogo praticado pela população mais pobre, seja nas ruas, nos terrenos baldios, nas praias ou várzeas. A identidade do país no esporte foi construída a partir disso. A defesa desse modelo como alicerce cultural, portanto, faz de Freire um representante da própria brasilidade futebolística.
A carreira de Freire no esporte começou, na verdade, no atletismo. Durante quase mais de uma década trabalhou como professor e técnico de crianças e jovens na modalidade. Nas próximas décadas, além de seu trabalho na universidade, desenvolveu vários trabalhos na Educação Física Escolar e em esportes como Voleibol, Basquetebol e Hóquei sobre patins. Porém, seus trabalhos práticos e estudos foram dirigidos, mais especialmente, ao esporte educacional, focado, acima de tudo, no futebol como elemento lúdico e no jogo como pilar da formação para a vida além do esporte. Deu aula em faculdades de educação física e em escolas públicas e escreveu diversos livros – o mais conhecido deles é “Educação de corpo inteiro”, da editoria Scipione.
O bate-papo a seguir, portanto, não é apenas um registro do que Freire tem estudado durante décadas; é uma conversa que deslinda aspectos fundamentais do futebol como fenômeno cultural no Brasil e mostra caminhos para que o país não perca elementos que foram tão importantes para a construção de sua identidade.
Leia os principais trechos da entrevista:
Universidade do Futebol – Que avaliação o senhor faz do futebol brasileiro enquanto patrimônio cultural na segunda década do século 21?
João Batista Freire – Um patrimônio cultural é construído ao longo de um tempo que pode ser contado em décadas ou séculos. No caso do futebol brasileiro, essa construção já dura mais de um século. Quando ele chegou ao Brasil, alguns tentaram praticá-lo como o praticavam seus criadores, os ingleses. Mas o povo brasileiro, que não tinha acesso aos grandes clubes ou aos estádios, não fez isso. Ao conhecer suas bases, praticou-o à sua maneira, nas ruas, nos espaços de terra, nas praias, nas várzeas dos rios. Foi um futebol, inicialmente, mais a base de construções de habilidades individuais que coletivas. Tratou-se de uma espécie de reinvenção do futebol. Na década de 1930, quando esse futebol reinventado chegou aos clubes e se tornou coletivo, foi um assombro. De tal maneira esse patrimônio erarico que as pessoas mais ricas de nossa sociedade se apoderaram dele e o transformaram em inesgotável fonte de lucros. O futebol de mais alto rendimento hoje tem donos, e esses donos sabem quanto lucro ele ainda pode gerar. Eles não se importam se por aqui o futebol recebe poucos investimentos; o que mais lhes importa é que, no Brasil, o futebol continuará revelando os meninos que são, para eles, verdadeiras minas de ouro. Essa riqueza produzida por esses meninos escoa para cofres internacionais, que possui seus agentes nas federações e clubes brasileiros. Por enquanto, esse é o cenário do futebol brasileiro nas duas primeiras décadas do século 21. Como será daqui por diante, pouco sabemos. Não somos profetas. Sabemos que os donos do poder tentarão manter as coisas como estão. Mas revelam-se, aqui e ali, novas atitudes, novas ideias. Estamos começando a descobrir, por exemplo, o valor da formação de bons técnicos. Estamos redescobrindo o valor da cultura do “futebol de rua” e, com ela, uma “pedagogia da rua” que pode ser levada às escolas, aos clubes. Como essas coisas se desenvolverão daqui por diante não podemos prever.
Universidade do Futebol – A profissionalização e a consequente mercantilização do futebol comprometem em que medida o ambiente lúdico inerente ao jogo?
João Batista Freire – Tudo que chamamos de jogo só pode ser chamado assim porque é jogo. O mais importante jogador do mundo não é pago para rir ou chorar a cada gol, a cada conquista. Não é pago para abraçar e rolar no chão com seus colegas por causa da alegria do gol, não é pago para chorar com as decepções das derrotas. A cada instante os melhores jogadores do mundo revelam o lúdico que ninguém paga. Os donos de seus contratos querem que eles sejam craques para vender os produtos que rendem bilhões de dólares e que alimentam a indústria do esporte, mas não podem evitar que o futebol seja lúdico. E se evitassem, o futebol perderia a graça e seu valor comercial. A mercantilização do futebol mantém craques como Messi e Neymar expostos diariamente ao público. Acredito que eles vão além do esporte, praticam arte, e isso é o lúdico em seu mais elevado grau de refinamento. O problema do lúdico, para mim, não está no alto nível de desempenho, mas na formação das bases do futebol, na formação dos jovens. Profissionais despreparados empenham-se para evitar que seus jogadores joguem, que brinquem, que se divirtam com a bola. Isso é mal, é perigoso, pois é isso que mata, no nascedouro, os Messis, os Cristianos Ronaldos, os Philippes Coutinhos.
Universidade do Futebol – O senhor é reconhecido como um dos maiores estudiosos sobre as questões do jogo ou do lúdico, relacionadas ao desenvolvimento da criança. Qual é a importância de se conhecer esse fenômeno sociocultural para professores e demais profissionais que trabalham ou desejam trabalhar com o futebol?
João Batista Freire – O futebol é um jogo. Não é por outro motivo que dizemos “jogar futebol”. Como todo jogo, ele guarda elementos de risco, imprevisibilidade, complexidade. O jogo é sempre uma simulação. Simulação do quê? Simulação de aspectos de nossas vidas. Porém, o jogo não tem elementos de ludicidade; ele é a ludicidade. Jogo e lúdico querem dizer a mesma coisa. Portanto, aqueles que lidam com o futebol, ou seja, com o jogo, deveriam ter conhecimento sobre o jogo ou o lúdico. Esse conhecimento é raro em nossa formação, mesmo nas faculdades de educação física. Alguns profissionais do futebol, mesmo não tendo essa formação, são capazes de lidar, até intuitivamente, com o jogo. São pessoas que correm riscos, que criam, que enfrentam o novo. Porém, isso poderia ser melhor feito se tivéssemos formação adequada. Ao contrário do que pensam alguns profissionais do futebol, estudar faz bem, desde que estudemos as coisas certas e com motivação. Técnicos de futebol são professores, e professor é profissão de quem estuda. Bons técnicos que não estudam poderiam ser técnicos melhores se estudassem. Mas se estudarem bobagens, coisas inúteis, não vai adiantar nada. Precisam estudar conteúdos contextualizados com seu mundo do futebol, coisas que tenham significado para eles. E é preciso respeitar o nível de cada um, a partir do qual cada técnico poderá evoluir. Compreender, por exemplo, como se desenvolve uma criança é decisivo para quem pretende ser técnico e preparar jovens e adultos.
Universidade do Futebol – Arrigo Sacchi, ex-treinador da seleção da Itália, disse que “o futebol é a coisa mais importante entre as menos importantes”. Essa lógica está diretamente ligada às críticas sobre a relevância atribuída ao esporte, que para muitos pode ser até um elemento de alienação. O senhor acredita no papel transformador do futebol? Como o futebol pode transformar o Brasil e como o Brasil pode ajudar o futebol?
João Batista Freire – Se não fosse o futebol seria outro esporte. Na Idade Média um grande atleta dos Torneios, o esporte preferido na época, chamado Guilherme Marechal, ao encerrar sua carreira tinha um patrimônio muitomaior que qualquer jogador de futebol atual. Os grandes esportistas sempre foram glorificados e bem pagos. E isso ocorre pelo que o esporte representa. Basta lembrar do quanto uma brincadeira de nossa infância representava para nós. Levávamos aquilo mais a sério que qualquer outra coisa. E aquilo era só um faz de conta, uma simulação. Porém, trata-se de uma simulação de coisas decisivas de nossa vida, que não necessariamente estão na nossa consciência. Nossa vida está em jogo no jogo. Quando jogamos trazemos os elementos de nossa vida para o jogo e podemos, fazendo isso, superar obstáculos, aperfeiçoar conhecimentos, resolver conflitos, criar nossas possibilidades. Quando jogamos, acima de tudo, podemos viver nossa vida livre de impedimentos e correr todos os riscos, até porque, quando o jogo não dá certo, podemos começar tudo de novo. O poder do jogo reside nesse poder que ele tem de representar tudo que vivemos. Jogar é uma maneira de apenas viver, sem outros compromissos que não seja esse. E, dado tal poder, claro que sua relevância para a educação, formal ou informal, é enorme. Em nossa educação informal, desde o nascimento, ele é responsável por boa parte do que aprendemos e, consequentemente, somos. A educação formal tem recusado o jogo; a escola ainda acredita que brincar é algo sem consequência, sem importância para a educação. Se dependesse de mim o Brasil teria um grande projeto de educação esportiva. Não somente para termos atletas de destaque internacional, mas para que todos pudessem aprender a praticar esporte e a fazer do esporte um recurso de acesso a uma vida ética e digna. Como disse Sócrates, “com uma bola nos pés a gente muda um país”. Eu acrescentaria: “com uma bola nos pés e bons professores a gente muda um país”. Por que não tornar o futebol, nosso patrimônio cultural mais rico, um mote para a educação? Ou, talvez, um grande tema gerador? Podemos, perfeitamente, numa quadra, num campo, ou em qualquer pedaço de chão, enquanto ensinamos futebol, servir-se dele para também ensinar a ler e escrever. Brincadeiras de futebol ensinam a ler o mundo, como podem também ensinar a ler livros.
Universidade do Futebol – Na sua opinião, as universidades brasileiras têm problemas em produzir conhecimento aplicado ao futebol? Que análise o senhor faz do papel dessas instituições de ensino, pesquisa e extensão? Tem sugestões a fazer em relação à atual produção e ao seu futuro próximo?
João Batista Freire – Afastei-me da universidade por dois motivos básicos: o primeiro é que me aposentei na Unicamp e lá não existe um programa para aproveitar os aposentados, por mais que ainda tenham energia para produzir como professores e pesquisadores. O segundo é que a universidade criou um mundo, especialmente na pós-graduação, onde não posso habitar. Cobraram-me que eu me tornasse um publicador de artigos. Muitos artigos, aos montes, não importando o conteúdo e sua qualidade. Números são necessários para provar que a universidade é produtiva. Creio que a sociedade brasileira precisa de mais do que isso. Sinto-me ainda com muita energia e disposição para trabalhar para meu país e preciso estar em lugares em que isso seja possível. Infelizmente não encontro esse espaço na universidade (embora talvez volte a ter). Depois de décadas falando de ciência do esporte, montando laboratórios, desenvolvendo pesquisas, o que isso resultou na melhora do nível de desempenho do esporte brasileiro? Pelo contrário, em modalidadescomo o atletismo nós pioramos. Qual a relação entre a produção científica na área da educação física e o desempenho dos atletas no esporte brasileiro? O mundo da produção não depende só da universidade. Há muita gente produzindo em outras instituições. Não por acaso sirvo, com muito orgulho, ao Instituto Esporte Educação e à Universidade do Futebol.
Universidade do Futebol – O senhor visitou recentemente a China e teve a oportunidade de conhecer como o futebol está sendo introduzido nas escolas do ensino fundamental (dos 6/7 aos 12/13 anos) naquele país. Que paralelo faz com a prática do esporte e particularmente do futebol nas escolas brasileiras, de forma geral?
João Batista Freire – Fomos à China conversar com empresários e autoridades do governo chinês. Eu gostaria de ter sido chamado por autoridades do governo brasileiro, mas isso não aconteceu. Talvez a China queira de nós aquilo que nenhum governo brasileiro se interessa em ter. Na Universidade do Futebol estamos transformando em pedagogia as práticas que, por décadas, nossas crianças e jovens realizaram em ruas e outros espaços, sem nenhum método sistemático. Porém, se não havia sistematização na rua, havia sabedoria, havia criatividade. As habilidades individuais foram excepcionalmente bem desenvolvidas. Nossas crianças e jovens mostraram até onde podem ir sem professores. A partir de certo ponto precisariam de professores e não tiveram – exceto aqueles jovens que foram absorvidos por clubes importantes e geraram o melhor futebol do mundo. Estamos, portanto, formulando uma “pedagogia da rua”, porém, sistematicamente, e nos norteando por princípios que garantam essa rica aprendizagem a todos. Esses princípios são: ensinar futebol a todos, ensinar bem o futebol a todos, ensinar mais que futebol a todos. Os chineses gostaram disso e mostraram a intenção de levar essa pedagogia, assessorados por nós, a todas as crianças e jovens escolares da China.
Universidade do Futebol – Por diferentes razões, são cada vez mais escassos os espaços e ambientes para a prática do chamado “futebol de rua” no Brasil – espaços em que era possível, de fato, brincar, jogar bola, inventar, errar sem tantas cobranças ou punições. De que forma podemos resgatar ou desenvolver a criatividade e a inteligência coletiva dos jovens através da prática do futebol em um mundo cada vez mais utilitarista e consumista?
João Batista Freire – Podemos replicar isso em diversas instituições públicas e particulares, realizando aquilo que chamei na questão anterior de “pedagogia da rua”. Nunca mais teremos aquelas ruas que nos davam liberdade para construir, livremente, a arte de jogar futebol. Mas nada nos impede de fazer isso fora das ruas: a pedagogia da rua revela a sabedoria de ensinar não só para o futebol, mas para qualquer coisa. Trata-se de um conjunto de ações que podem constituir uma pedagogia fantástica – para as escolas, inclusive. Nosso papel na Universidade do Futebol será convencer aqueles que trabalham com futebol de que temos que voltar a ensinar brincando, não importa se com equipes sub-20, sub-17 ou qualquer outra. Na formação só atingiremos o nível da arte de jogar futebol brincando. Não vejo outro caminho.
Universidade do Futebol – Qual é a importância de termos bons professores e educadores trabalhando com futebol? É possível ter esperança de que o nível educacional das escolas melhore e o esporte (ou especificamente o futebol) possa fazer parte de uma evolução ou revolução nessa atividade humana fundamental para o desenvolvimento enquanto sociedade?
João Batista Freire –O futebol é importante demais para ficar na mão de gente inescrupulosa. Porém, por sua riqueza, é justamente essa gente inescrupulosa que mais se apropria dele, para que vire inesgotável fonte de lucros. Se considerarmos todas as coisas produzidas no Brasil que nos destacaram no cenário internacional, talvez seja o futebol o caso mais bem-sucedido. Isso é para virar programa de governos. O futebol não pode ser visto só como prática de alto rendimento esportivo. Futebol, além de fim, deve ser meio de educação. O futebol, por seu alcance e encantamento, serviria maravilhosamente como veículo de educação para a cidadania, para a formação de pessoas dignas, para a conscientização sobre as questões da vida, para a democracia. O futebol é muito mais do que aquele espetáculo que nos encanta quando ligamos a televisão ou vamos a um estádio, embora esse espetáculo seja um dos mais maravilhosos que já presenciei em minha vida.
 
Revisão: Guilherme Costa

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Igor Custódio, coordenador de preparação física da base do Atlético Mineiro

Ser um bom preparador físico é ter acesso e conhecimento da ciência, vocação e olhar para o todo que influencia no desempenho de um time de futebol. Nas categorias de base, por exemplo, nem todos os clubes desenvolvem o potencial do garoto que, obviamente, não atingiu o grau máximo de maturidade, seja físico ou mesmo técnico, tático e psicológico.
Por meio do coordenador de preparação física da base, Igor Custódio, o Atlético Mineiro utiliza método para verificar quais potencialidades e fragilidades os jovens apresentam. “Ao longo dos anos, dentro da realidade do Atlético, por meio de testes e jogos oficiais, criamos valores de referência para cada uma das qualidades físicas, a fim de conseguirmos identificá-las eficientemente dentro de cada categoria do nosso futebol de base”, explica Custódio, que gerencia um departamento com sete preparadores.
No momento da seleção e avaliação, a equipe mineira não dá prioridade à capacidade física, olha primeiramente os aspectos técnicos e táticos e, num segundo momento, prima pelo perfil comportamental, dentro e fora do campo.
“Dentro do contexto da preparação física, procuramos o jogador que tenha um bom potencial para a força, velocidade, potência e resistência específica de jogo. Acreditamos que tais características possibilitam ao atleta, caso o técnico necessite, desempenhar sua função dentro da partida de maneira satisfatória, contra qualquer adversário e sob qualquer nível de intensidade”, acrescenta o coordenador.
Segundo Custódio, o trabalho é integrado ao profissional pois a forma de treinamento segue modelo único e ainda há uma base de dados unificada dos jogadores. “Tanto a fisiologia quanto a preparação física do time principal têm ciência do que é realizado na base por meio de inúmeras ferramentas de registro que possibilitam o conhecimento de informações como carga de treinamento, frequência nas atividades, histórico de lesões, jogos realizados, avaliações físicas e avaliação de desempenho em partidas oficiais, dentro de cada uma das cinco categorias de formação (aproximadamente 180 atletas)”, descreve.
O pensamento integrado também se direciona para o treinamento, afinal, em cada categoria, o desenvolvimento do aspecto físico acontece em sintonia com os quesitos técnicos e táticos e a forma de jogar do clube. Confira a entrevista:
Universidade do Futebol – Qual a sua formação acadêmica e como ocorreu o ingresso no ambiente do futebol?
Igor Custódio – Sou graduado em educação física pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), especialista em Treinamento Esportivo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e atualmente curso mestrado em Ciências do Esporte, também pela UFMG.
Meu ingresso no futebol se deu ainda nos tempos de graduação em educação física, atuando em projetos sociais da Prefeitura Municipal de Viçosa, bem como no futebol universitário. Tal experiência foi crucial para o estabelecimento de relações profissionais que possibilitaram minhas primeiras oportunidades nas categorias de base dos clubes de Minas Gerais.
Universidade do Futebol – Quais são as principais funções do coordenador de preparação física das categorias de base de um clube?
Igor Custódio – Na minha opinião, a principal função é o efetivo gerenciamento da equipe de trabalho. Gerenciamento no sentido de garantir a eficácia da aplicação da filosofia de treinamento adotada pelo clube. No Atlético Mineiro, nós contamos com sete preparadores físicos dentro do departamento de futebol de base, divididos entre cinco categorias de formação. Além disso, o processo de treinamento técnico da equipe (atualização profissional), o estabelecimento de ferramentas de registro, monitoramento e controle da carga de treinamento, a construção de parâmetros de referência para avaliação da performance física, bem como a implantação e supervisão do trabalho de forma multidisciplinar, são as principais funções atribuídas ao cargo.
 
Igor 11
Universidade do Futebol – Como se dá o processo de detecção, seleção e captação de talentos nas categorias de base do Atlético Mineiro?
Igor Custódio – Esse processo é dirigido pelo professor Frederico Cascardo, coordenador técnico do clube. Através de anos de experiência, aliada às competências técnicas de todos os profissionais envolvidos no departamento de futebol de base, se traçou um perfil de atleta de futebol que o clube julga ser o ideal para sua realidade e filosofia de formação. Baseando-se nisso, coordenadores, técnicos, auxiliares técnicos, observadores técnicos e outros profissionais vão em busca desse perfil de atleta por meio das ferramentas de captação que o Atlético Mineiro dispõe. Importante salientar que as capacidades físicas não figuram como principal fator de seleção. Uma vez o atleta selecionado e aprovado, baseando-se em valores de referência interna, se verifica quais potencialidades e fragilidades físicas ele apresenta. Dentro do contexto da preparação física, procuramos o jogador que tenha um bom potencial para a força, velocidade, potência e resistência específica de jogo. Acreditamos que tais características possibilitam ao atleta, caso o técnico necessite, desempenhar sua função dentro de jogo de maneira satisfatória, contra qualquer adversário e sob qualquer nível de intensidade. Ao longo dos anos, dentro da realidade da equipe, por meio de testes físicos e jogos oficiais, criamos valores de referência para cada uma dessas qualidades físicas, a fim de conseguirmos identificá-las eficientemente dentro de cada categoria do nosso futebol de base.
Universidade do Futebol – Nesse processo paulatino de categoria a categoria, já existe um “currículo” de formação no Atlético Mineiro que permeie todas as características técnicas, táticas e físicas do jogo em cada um desses atletas ou se trata de uma realidade muito distante?
Igor Custódio – Sim, existe. Entretanto, irei me ater aos aspectos físicos da formação do atleta de futebol. O que dita o ritmo desse “currículo” de formação é o processo de crescimento, desenvolvimento e maturação biológica do atleta. Por causa disso, cada estágio desse processo deve e é levado em conta durante a administração das cargas de treinamento.
Universidade do Futebol – Qual a metodologia utilizada pelo clube nas diversas categorias? Quais as principais diferenças entre os trabalhos? Ou há uma linha metodológica semelhante para todas as faixas etárias?
Igor Custódio – Entendemos o processo de treinamento no futebol como um processo de caráter sistêmico, onde todas as ações estão interligadas e convergem para um objetivo único. Isso acontece em todas as faixas etárias. É claro que o nível de exigência dos diferentes aspectos da performance se diferenciam dentro de cada categoria. Entretanto, a linha mestre de formação está presente em todas elas. Em cada categoria, o desenvolvimento do aspecto físico acontece em sintonia com os aspectos técnicos e táticos, sempre levando em consideração a especificidade energética e biomecânica do futebol, bem como a especificidade da forma de jogar do clube.
Universidade do Futebol – O treino de preparação física é especificado por função [atividade para alas, volantes, atacantes, por exemplo]? Como diferenciar a necessidade individual e o aspecto de treino coletivo nesse caso?
Igor Custódio – Não, nenhum treinamento físico é especificado por posição. Ao longo dos anos de formação, nós conseguimos identificar as virtudes e as deficiências que cada um apresenta. O que normalmente acontece é que, de acordo com a necessidade de desempenho de cada função dentro do campo de jogo, e em cada categoria de formação, procura-se adequar essa necessidade aquele que apresenta melhores condições táticas, técnicas e físicas para tal. Agora, enquanto atleta, dentro de sua individualidade biológica, procura-se adequar a carga de treino à capacidade de adaptação, assim como também suprir eventuais necessidades específicas de condicionamento que porventura se apresentam, mesmo que o jogador tenha que, às vezes, terminar o treinamento antes dos demais companheiros ou realizar sessões individualizadas em momentos diferentes da programação de treinamento padrão.
Treino 12.01.2012
 
Universidade do Futebol – Quanto ao perfil dos profissionais da preparação física, quais são as peculiaridades que a coordenação procura para a escolha para cada categoria específica?
Igor Custódio – No Atlético Mineiro, nós trabalhamos numa perspectiva de que todos os preparadores físicos estejam aptos a trabalharem em qualquer uma das categorias de formação. Para isso, a principal característica que todos devem apresentar é uma grande vocação para a função. Sabemos que a carreira no futebol é bastante difícil e longa. Somente com uma grande vocação se consegue desenvolver todas as outras características necessárias, ou seja, um bom nível de relacionamento interpessoal, um bom perfil de liderança, serenidade, uma alta resiliência, bem como a busca constante de elevação da capacidade técnica de trabalho. Poderia citar inúmeras outras, mas creio que estas aqui são as mais importantes.
Universidade do Futebol – Como se dá a integração da preparação física da base com o grupo de profissionais que trabalha no time principal? Há uma interação constante entre as comissões técnicas ou alguns pontos têm de ser ajustados?
Igor Custódio – Essa integração funciona muito bem entre o departamento e futebol de base e o departamento de futebol profissional. Se desenvolve mais estreitamente entre mim e o fisiologista da equipe principal, Roberto Chiari, apesar de sempre existir também uma grande abertura entre os profissionais da base e os demais preparadores físicos da equipe principal. Enxergamos a forma de treinamento no futebol da mesma forma e isso facilita muito o processo. Nossa base de dados é unificada e, assim, tanto a fisiologia quanto a preparação física da equipe principal têm ciência do trabalho que é realizado dentro das categorias de base por meio de inúmeras ferramentas de registro que possibilitam o conhecimento de informações como carga de treinamento, frequência nos treinamentos, histórico de lesões, jogos realizados, avaliações físicas e avaliação de desempenho em partidas oficiais, dentro de cada uma das cinco categorias de formação (aproximadamente 180 atletas).
Universidade do Futebol – Em sua opinião, o que deve mudar no trabalho das categorias de base nos clubes brasileiros? De uma forma geral, você acredita que o trabalho é bem feito?
Igor Custódio – De uma forma geral, o trabalho é muito bem feito. A grande maioria dos profissionais que militam no futebol de base atualmente possuem uma alta competência técnica. E muitos deles já deveriam estar figurando entre as equipes de futebol profissional da Série A do Campeonato Brasileiro. O que creio que deveria mudar e virar uma rotina dentro da base brasileira é um pensamento, já praticado no Atlético Mineiro há um bom tempo, onde a seleção e avaliação do atleta de base se concentre inicialmente nas capacidades táticas e técnicas, é claro, mas que no segundo momento o quesito preponderante seja um ótimo perfil comportamental, dentro e fora de campo. As demais questões relativas às capacidades físicas deveriam vir depois dessas primeiras. Além disso, creio que a cobrança do trabalho por resultados dentro de campo é uma praxe que acredito não ter mais espaço numa visão mais moderna do futebol. Claro que ganhar é bom e faz parte da ótima formação de um atleta. Entretanto, julgar a eficiência de um trabalho de formação apenas por esse pilar é demasiadamente limitante. O trabalho deve, sim, ser avaliado com rigidez, ao longo do tempo, dentro do dia a dia de treinamento, e não apenas pelo resultado dentro do campo de jogo. Mesmo porque muitas vezes títulos são ganhos formando muito mal, e se perde títulos formando muito bem. Assim como se ganha jogos jogando muito mal, e se perde jogando muito bem.
Igor 13
 
Universidade do Futebol – E se pensando na evolução do departamento em um clube, qual é a importância da longevidade do preparador físico? Você considera interessante o profissional responsável pelo condicionamento dos atletas acompanhar o treinador ou pensa que ele deveria ficar atrelado à agremiação?
Igor Custódio – Eu creio que uma coisa não exclui a outra. Existem profissionais da preparação física que seguirão os dois caminhos. É muito importante que o clube tenha uma filosofia de trabalho definida. E para isso teria, sim, que manter um preparador físico permanente. É claro que também é importante para o treinador ter seu preparador físico de confiança na comissão técnica. Portanto o ideal, na minha opinião, é que já havendo um preparador físico permanente, aliado e mantenedor da filosofia de treinamento adotada pelo clube, outros profissionais contratados o fossem por características semelhantes àquelas que o clube preconiza. Assim, se conseguiria dar longevidade à filosofia de treinamento da equipe e, ao mesmo tempo, não impediria que o treinador recém contratado tivesse seu preparador físico de confiança presente na comissão técnica.

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Renato Rodrigues, do DataESPN, defende mudança cultural no futebol brasileiro

Responsável por transmitir a informação ao torcedor, a mídia esportiva é uma agente fundamental para a mudança cultural e quebra de paradigmas no futebol nacional. Mas, sem conhecimento e qualificação dos profissionais da área, essa lacuna ficará em aberto, impedindo a evolução.
Renato Rodrigues se formou em jornalismo e segue estudando desde então. Trabalhou no LANCE! e, como setorista do Corinthians, se aproximou de Tite e da comissão técnica. A prospecção de atletas que fazia paralelamente a sua atividade, aliada à vontade de aprender – simbolizada pelas conversas frequentes com Tite -, renderam a ele convite para reforçar o setor de análise de desempenho do clube paulista.
Condicionado a ter um olhar diferente do futebol, Rodrigues se incomodava como a imprensa tratava o jogo e apresentou um projeto para a ESPN Brasil, que à época já havia incorporado ferramentas de análise. Foi naquele momento que surgiu o DataEspn, há cerca de seis meses.
“Mantive amizade com muitas pessoas de diversos veículos e colocava essa minha insatisfação de como o futebol era passado para o público. Via que a qualidade era muito baixa. Claro que não estou generalizando, mas era algo que realmente me deixava inquieto. Um destes meus amigos, que na época estava na ESPN, viu em mim um perfil legal para uma ideia totalmente nova dentro do canal”, recorda.
Nesta entrevista à Universidade do Futebol, o jornalista explica como funciona o departamento, fala sobre a rotina de trabalho, que inclui alinhamento com os comentaristas do canal, e a preocupação constante de não fragmentar o conteúdo. “Com a minha chegada e a implantação do departamento de análise de desempenho, deixamos de lado as análises somente de lances pontuais. A minha busca é sempre por padrões dentro do modelo de jogo de cada equipe analisada, tentar mostrar que para a bola entrar no gol, existe toda uma estrutura e um trabalho até este ato final. A busca é sempre qualitativa”, explica.
Renato Rodrigues se anima com o retorno positivo dos telespectadores, mas tem noção de que o objetivo ainda não foi alcançado. “Quero que o setor de análise de desempenho do canal seja referência em estudo de futebol e uma ferramento que ajude na mudança cultural do futebol brasileiro. O Brasil só terá um futebol melhor quando todos os brasileiros entenderem o futebol melhor”. Confira a entrevista:
Universidade do Futebol – Explique como você chegou ao Corinthians e descreva como era o seu trabalho no setor de análise de desempenho do clube.
Renato Rodrigues A minha relação com o futebol é bem estreita desde pequeno. Sempre busquei um entendimento mais profundo dele, de início acompanhando jogos de várzea aqui por São Paulo. Mesmo quando não era para jogar, gostava de participar de todo o processo e anotar tudo o que acontecia nos campos batidos. Por isso, inclusive, busquei estudar jornalismo e ingressar na mídia esportiva. Passei quatro anos no Diário LANCE!, onde fui setorista do São Paulo (um ano) e Corinthians (dois anos e meio). Neste tempo, fazia um trabalho de prospecção de atletas paralelamente. Justava dados, gerava relatórios, arquivava tudo que se tratava destes jogadores… Claro que se tratava, principalmente no início, de apenas um hobby. Sem grande profundidade.
Conforme foram passando os meus dias de repórter, fui buscando sempre uma literatura ligada ao futebol. Também comecei a participar de cursos e palestras para me aprofundar. Com isso, minhas coberturas jornalísticas já começavam, cada vez mais, ter um olhar mais tático/técnico do futebol. Creio que criei essa imagem dentro do meu ambiente de trabalho na época. Tanto que ganhei um blog dentro do próprio LANCE! para escrever sobre estas observações que eu fazia no dia a dia.
Enquanto isso, eu já tinha uma boa abertura dentro do Corinthians por conta da cobertura diária que fazia. Eu sempre buscava aprender observando os treinos, conversando com técnicos e auxiliares… O professor Tite mesmo, sempre muito atencioso, por vários momentos tomou um pouco de seu tempo para me explicar conceitos e ideias dos treinamentos. Em um momento destes, tive a oportunidade de mostrar o meu trabalho de prospecção para o então diretor de futebol na época Ronaldo Ximenes. O observador técnico Mauro da Silva também gostou da forma em que eu trabalhava essa observação de atletas, mesmo que sem grande estrutura para tal. Com isso, fui apresentado para o coordenador do CIFUT, Fernando Lázaro, e daí surgiu a oportunidade de me juntar ao Corinthians. Estes três profissionais, aliás, foram de extrema importância neste meu crescimento profissional.
Ao chegar ao CIFUT, me deparei com um ambiente totalmente novo, mas, graças a Deus, com muita gente de qualidade disposta a me ajudar na minha adaptação. Tinha comigo que eu teria que superar as expectativas, principalmente por vir de um ambiente totalmente contrário ao deles. Os analistas Raony Thadeu, Luis Felipe Batista, Denis Luup e Leonardo Baldo rapidamente me incorporaram a todo o processo. Me passaram muito conhecimento, tanto teórico como prático. O clube, através do gerente de futebol Edu Gaspar, também investiu na minha qualificação profissional e me proporcionou ter acesso a cursos mais aprofundados, inclusive com a Universidade do Futebol. Sou muito grato a todos lá do Corinthians.
Na época da minha chegada, ainda sob o comando do professor Mano Menezes, fiz brevemente o trabalho de observação dos adversários, estudando os últimos jogos, achando padrões das equipes e ajudando a comissão técnica na montagem das reuniões e preleções. Já em 2015, com o professor Tite, ficou delegado a mim cuidar da prospecção de atletas e monitorar possíveis contratações. Neste tempo, criamos toda uma metodologia e organização na observação de jogadores, geramos relatórios quinzenais de competições e mercados diversos, e criamos uma relação de muita confiança com a diretoria e comissão técnica, que sempre nos apoiou muito e nos direcionou esse olhar.
Vivi em um ambiente bem dinâmico, onde participei da filmagem de treinos, palestras e grupos de estudo no próprio CIFUT e absorvi muito conhecimento com todos. Uma experiência que mudou totalmente minha vida e a forma que eu via o futebol.
Universidade do Futebol – Como surgiu a ideia do DataESPN?
Renato Rodrigues Ainda no Corinthians, agora com um olhar totalmente diferente do futebol, começou a me incomodar a forma como a imprensa tratava o futebol de uma maneira geral. Por mais que eu estivesse feliz lá, via em mim a possibilidade de ajudar em uma transformação também da mídia esportiva. Mantive amizade com muitas pessoas de diversos veículos e colocava essa minha insatisfação de como o futebol era passado para o público. Via que a qualidade era muito baixa. Claro que não estou generalizando, mas era algo que realmente me deixava inquieto. Um destes meus amigos, que na época estava na ESPN Brasil, viu em mim um perfil legal para uma ideia totalmente nova aqui dentro do canal.

Renato Ferreira está na ESPN há seis meses
Após trabalhar no Corinthians, Renato Ferreira está na ESPN há seis meses

Me explicou que a empresa tinha uma estrutura legal e que não usava a fundo ferramentas de análises que havia incorporado no dia a dia. Insistiu que eu montasse um projeto e apresentasse para alguns editores do canal. De cara, senti que deixei uma boa impressão. Coloquei minhas ideias de ajudar a aprofundar os debates com materiais mais conceituais, que fugiam da mesmice de todo santo dia. A ideia era ter um departamento que deixasse toda a discussão dos programas mais rica, mais didática e, principalmente, rica em conteúdo de um futebol que quase ninguém via atualmente. Sempre frisei que o futebol brasileiro precisava de uma transformação. Mas que a imprensa, de um modo geral, também tinha que passar por uma mudança. Desde o começo, entendi que a ESPN seria um lugar que daria espaço a estes novos conceitos, que pouco atingiram a imprensa até então.
Universidade do Futebol – Como funciona atualmente este departamento? Qual a rotina e a quantidade de profissionais envolvidos diretamente neste trabalho?
Renato Rodrigues O DataESPN ainda é um departamento com pouco tempo de vida, mas que já vem rendendo bons frutos para o canal. Tenho tido um retorno legal tanto internamente quanto externamente sobre o projeto. São só seis meses de trabalho. Atualmente respondo ao Edu Souza, editor do canal e gestor do DataESPN. Eu coordeno todo o trabalho de análise e tenho o auxílio de Ricardo Spinelli, que cuida exclusivamente da parte de pesquisa e estatísticas. A tendência é que em breve eu já tenha mais alguém para me ajudar no estudo das equipes e materiais mais voltados para a individualidade dos jogadores.
No início da semana fazemos uma reunião para definirmos as prioridades da semana. Vemos em nossa grade quais são os principais jogos que serão transmitidos e damos uma grande atenção a eles, para enriquecer ainda mais os “esquentas” durante a programação e trazer conteúdo diferenciado nos momentos pré-jogo. Tentamos sempre balancear entre partidas internacionais e nacionais, para atingir todos os gostos.
Definidos os jogos que iremos atacar e preparar análises, começo a estudar equipe por equipe. Normalmente assisto três ou quatro jogos de cada uma delas, onde vou observando padrões ofensivos, defensivos, de bolas paradas e transições… Conforme estes padrões vão ficando mais claros, vou separando imagens para trabalhar as ilustrações que deixam a ideia ainda mais didática para o fã de esporte. É um trabalho muito parecido com o de um analista de desempenho de clube. A grande questão é ter a noção que o público que vai ter acesso ao meu conteúdo é diferente. Não se trata mais de atletas, comissão técnica e afins, mas sim de pessoas que não têm um conteúdo futebolístico diferente. A grande chave disto é deixar o conteúdo sempre direto.
Com o conteúdo pronto, vem a parte de como passá-lo ao telespectador, que é através do comentarista. Por exemplo, fiz uma análise de uma equipe que em três jogos marcou escanteios defensivos das três diferentes maneiras: individual, zona e mista. Trago o comentarista até minha sala e tento explicar, da forma mais clara possível, as diferenças dos três diferentes conceitos de marcação na hora da bola parada. É de extrema importância que estas ideias estejam bem alinhadas, para que o vídeo e a explicação ao vivo se encaixem e criem um entendimento novo à pessoa que está do outro lado da tela. Até então a relação com os comentaristas tem sido bem legal e de uma maneira geral, todos têm entendido e apoiado a causa. Tem situações em que mostramos um padrão bem definido da equipe e momentos depois, durante o jogo, ele acontece e resulta em gol, por exemplo. Digamos que é o momento do “nosso gol”.
O volume dos materiais também muda de acordo com a relevância das partidas e equipes que estão em jogo. Para as finais da Copa do Brasil, por exemplo, usamos uma câmera panorâmica para fazer as análises. Algo pouco usado pela mídia. Também implantamos o estudo de pênaltis durante a transmissão… O grande barato de tudo é a liberdade para criar que a empresa me dá e a confiança que todos têm em mim para tocar essa ideia.
Todas estas análises também vão para o nosso site e, uma vez por semana, tento fazer uma coluna abordando de forma ainda mais aprofundada, um dos materiais produzidos. Estes textos, inclusive, estão tendo uma boa audiência. Sinal de que existe gente buscando este tipo de entendimento.
Universidade do Futebol – Como as informações obtidas pelo DataESPN podem contribuir com as análises dos jornalistas nos diversos programas da empresa? É realizada somente a análise quantitativa dos jogos ou o departamento também faz análises qualitativas das equipes?
Renato Rodrigues Creio que neste momento estão contribuindo muito. Com a minha chegada e a implantação do departamento, deixamos de lado as análises somente de lances pontuais – muitas vezes aleatórias, inclusive. Deixamos de analisar um gol só porque ele foi bonito, qual a velocidade da bola, a velocidade do atleta… Claro que tudo isso também é usado e tem sua curiosidade, mas a ideia é levar mais que isso para o telespectador. Por isso a minha busca é sempre por padrões dentro do modelo de jogo de cada equipe analisada. Buscamos sempre que a análise não seja apenas de “linhas e bolinhas desenhadas na tela”, mas que elas tenham conceitos e ideias de jogo dentro delas. Tentar mostrar que para a bola entrar no gol, existe toda uma estrutura e um trabalho até este ato final. Como a iniciação de jogo de uma equipe na 1ª e 2ª etapa de construção, tão importante quanto a entrada no último terço do campo e o momento alto da finalização.
A minha busca é sempre qualitativa. Obviamente que um padrão só é um padrão depois de aparecer por vezes na mesma situação. E cabe a mim observar estes momentos. Mas a minha ideia é de nunca cravar o certo e o errado dentro de um modelo de jogo. Claro que tenho opiniões sobre as diversas situações que analiso durante o meu dia a dia. Mas acredito que no futebol tudo se trata de escolha. E elas podem te trazer coisas boas e ruins dentro de uma só partida ou temporada. A grande chave é como você vai potencializar as coisas boas e como vai resolver os problemas que esta escolha te trouxe na hora da adversidade. Isso que é realmente decisivo em um jogo ou campeonato.
DataESPN se notabiliza por fazer análises qualitativas
DataESPN se notabiliza por fazer análises qualitativas

Por isso nada de ficar apontando se é melhor jogar com a linha defensiva alta ou baixa, por exemplo. A ideia é achar o padrão e mostrar o que está acontecendo. Sempre buscando bons argumentos e uma maneira didática para quem estar assistindo tirar sua própria conclusão e passar a ter suas próprias escolhas do bom ou ruim.
A questão quantitativa têm relevância em poucas situações do meu dia a dia. Usamos números, mas tentamos fazer isso no momento certo e buscando alguma relevância dentro de um confronto. Por exemplo: uma determinada equipe tem uma média de 525,7 passes certos por jogo. Bom, para mim, isso não quer dizer nada. Neste momento, prefiro qualificar esta estatística e ver qual foi a porcentagem de passes para frente e que furaram linhas. Quantos deles foram para o lado? E quantos foram para trás? Quantos destes passes dados o portador da bola estava pressionado? Aí sim já seriam números que eu daria uma maior relevância. Tenho uma certa resistência quanto a isso.
Universidade do Futebol – Em geral, as análises gerais do jogo realizadas pela mídia reforçam a tese de que olhamos apenas para a parte, sem compreender o todo e a complexidade da integração entre todos os fatores do desempenho esportivo? Como o DataEspn pode contribuir para esta mudança?
Renato Rodrigues Sem dúvida alguma. De modo geral, falta qualidade nos comentários e nas análises da mídia esportiva. A grande questão é que os formadores de opinião precisam se qualificar minimamente antes de falar para milhões de pessoas sedentas por conhecimento. Uma palavra mal colocada pode induzir milhares de pessoas a pedir a saída de um técnico, muitas vezes com poucas semanas de trabalho, não? Isso pode virar uma verdade absoluta. Tratam-se de situações muito perigosas e de difícil reversão. Por isso sou totalmente a favor de que estes profissionais, e eu me incluo nisso, busquem conteúdos que são estudados por treinadores, auxiliares, preparadores físicos, analistas de desempenho como eu…
A minha grande motivação com o DataESPN é tentar quebrar estes paradigmas. Não quero que sejamos “apenas” o primeiro departamento de análise de desempenho dentro da televisão brasileira. Quero que aqui seja referência em estudo de futebol e uma ferramenta que ajude na mudança cultural do futebol brasileiro. Ao colocar conteúdo aprofundado no ar, queremos atingir o torcedor e o dirigente (muitas vezes torcedor também). O Brasil só terá um futebol melhor quando os brasileiros entenderem o futebol melhor.
Universidade do Futebol – Em sua opinião, de que forma os jornalistas que não foram atletas fazem para compensar a falta de conhecimento prático? Qual é a importância da teoria e da prática para a capacitação profissional do jornalista esportivo?
Renato Rodrigues – Acredito que quem jogou futebol não necessariamente entende de futebol. E que também quem entende de futebol também não precisa ser um bom praticante de futebol. Temos ex-jogadores que, além da experiência de grande parte de sua vida dentro do campo, também buscam o conhecimento teórico que tem sido cada vez mais importante dentro do Brasil. Já outros se acomodam em seus nomes e os conteúdos abordados não passam de histórias curiosas que viveram em sua carreira. Assim como tem jornalistas que nunca foram em um treino e que cobram um treinador com o mês de trabalho.
Existem bons e ruins nos dois seguimentos. O que diferencia uns dos outros é o quanto eles se interessam em explicar futebol e não só contar de futebol em rede nacional. O quanto eles buscam de conhecimento para o seu dia a dia. Aqui na ESPN mesmo temos ex-jogadores que, mesmo em seus tempos de campo, buscavam entender melhor o funcionamento da engrenagem que participavam. Por isso, estes caras já trazem um conteúdo diferente para quem os assiste. No caso de jornalistas, temos um grande exemplo aqui dentro. Quem frequenta cursos voltados para profissionais do futebol como os que fiz quando eu estava no Corinthians, vira e mexe encontra com o Paulo Calçade, um dos nossos comentaristas. É um dos caras que tem profundidade ao analisar uma partida por entender que precisa se especializar cada vez mais. Ele, inclusive, tem sido o grande apoiador do DataESPN deste o início da ideia. É um cara que vive e luta por mudanças no nosso futebol e um dos “soldados” do DataESPN.
Universidade do Futebol – A cobertura jornalística esportiva tem um formato predefinido, seja no rádio, TV ou internet, e geralmente temas mais complexos não são abordados no dia a dia. É possível quebrar esse paradigma para que o grande público tenha acesso a uma informação mais analítica e qualificada, ampliando, dessa forma, a cobertura tradicional?
Renato Rodrigues – Claro que é possível. Estive há alguns dias rapidamente com o professor Roger Machado, técnico do Grêmio, e lhe contei sobre o DataESPN. Ele me disse: “Joga análise e conceito de futebol para o povo ver! Na primeira ele pode não entender, na segunda também… Mas na terceira você faz com que ele entenda e melhore seu olhar crítico”. Então, tem que haver uma quebra de cultura, não tem jeito. E claro que não adianta somente a ESPN fazer isso. Precisamos ver rádios, sites e jornais também remando para o mesmo lado.
Os veículos vivem muito dentro de um regime de buscar audiência e por vezes se perdem na qualidade que está oferecendo ao seu público. Por isso é uma mudança que tem que atingir todos os seguimentos. Assim tudo tende a melhorar e atingir nosso bem maior, que é o futebol.
Apesar das minhas críticas, vejo que este cenário tem mudado. Dentro dos clubes já vemos treinadores dessa nova geração ganhando espaço. Analistas de desempenho mais valorizados, preparadores físicos novos, fisiologistas com espaço e poder de decisão no dia a dia. E já começo ver a imprensa vindo para o mesmo lado. Caras como Paulo Massini e Mario Marra no rádio, Rafael Oliveira, Gustavo Hofman e Leonardo Bertozzi aqui mesmo na ESPN… Todos caras que eu já vejo que buscam um entendimento do jogo para ajudar nesta revolução tão necessária. A própria Universidade do Futebol hoje é um espaço de referência para todos. Para mim, a tendência é de melhora…
Universidade do Futebol – Quais são as formas possíveis de atualização para jornalistas esportivos? É importante conhecer ciências atreladas ao esporte?
Renato Rodrigues – Quem se propõem a falar de futebol, tem que entender de futebol. Pelo menos o básico. Entender os princípios ofensivos e defensivos, conseguir enxergar um sistema tático, entender um erro coletivo e não individual… E quem melhor se prepara, melhor vai passar a informação e argumentar. É preciso ter um pouco mais de convívio no futebol, assistir treinos, acompanhar in loco um pouco do trabalho do treinador antes de criticá-lo. Literatura, cursos, palestras, seminários… Tem muita coisa acontecendo por aí que pode ajudar nesta evolução.
Nós jornalistas às vezes reclamamos muito que os técnicos e jogadores falam sempre a mesma coisa em suas entrevistas. Mas nós só perguntamos a mesma coisa, oras! Em minha experiência como repórter vi várias situações em que perguntas mais técnicas/táticas, com um pouco mais de profundidade, foram bem respondidas por treinadores. E vi prazer neles em respondê-las, inclusive.
Resumindo, um jornalista não precisa ter licença do curso da UEFA para comentar sobre futebol. Mas existem várias maneiras de se aprofundar e elevar o nível dos debates. Estamos todos acostumados e acomodados em cima dos nossos rabos. É mais fácil ficar apontando para os rabos dos outros. Quando todos entendermos que somos parte importante para uma grande mudança do futebol brasileiro, que tanto cobramos, o cenário vai melhorar.
Universidade do Futebol – O Sócrates costumava dizer que se as pessoas acharem que o futebol é aquele da TV, o mesmo iria paulatinamente acabar. Você concorda com esta opinião?
Renato Rodrigues – Nunca concordei tanto. Comecei deste lado do futebol, fui para dentro dele e hoje volto com outra cabeça para a imprensa. Acho, inclusive, que tem muito a ver com política. Muita gente diz não gostar e por isso não entender de política. Se não entendermos minimamente de um assunto, como vamos cobrar melhoras em cima dele? Ou então vamos cobrar errado, que é o que fazemos para os dois seguimentos.
O torcedor precisa ser reeducado. O futebol que ele se acostumou, mudou. Quando quem gosta de futebol entender melhor dele, vai conseguir cobrar melhor e apontar os erros de forma mais justa e clara. Vai muito da nossa cultura no Brasil. Aqui reclamamos muito e fazemos pouco. Esta crítica precisa ser melhor apontada e, de preferência, buscando soluções. Acredito que a TV é o maior canal para isso. Se mudarmos o futebol e a mídia esportiva, também mudamos a quem formamos opinião.
E acho que uma nova geração de torcedores já buscam esse entendimento. Cabe a nós, dar isso a eles.

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Fabiano Costa, diretor jurídico do Cruzeiro

A transformação do futebol brasileiro, de muitas ideias e raras aplicações, passa pela profissionalização do setor jurídico dos clubes. Duas das pautas mais recentes, o Profut e a proibição de compra dos direitos econômicos dos jogadores por parte de terceiros esbarram na esfera do direito desportivo, que hoje é tratado com a devida importância no futebol brasileiro – salvo algumas exceções.
No Cruzeiro há quase 20 anos, Fabiano de Oliveira Costa é diretor jurídico e faz um trabalho integrado com as áreas comercial e administrativa, atuando na prevenção e orientação aos departamentos. Se não fosse o trabalho do jurídico, composto por cinco profissionais ao todo, o time mineiro não teria os 70 mil sócios-torcedores, afinal a participação do setor é crucial.
Recentemente, o Cruzeiro aderiu ao Profut, programa de refinanciamento das dívidas fiscais proposto pelo Governo Federal. A despeito disso, Costa diz que a nova lei não resolve os problemas do futebol nacional e sugere a criação de uma legislação destinada ao esporte, com o propósito de regular contrato de atletas, televisão, profissionalização da arbitragem, gestão desportiva, justiça desportiva, entre outras áreas.
“O Profut não é a salvação e nem foi feito com essa pretensão. O que salvará é uma legislação esportiva, trabalhista, tributária e civil voltada ao esporte”, defende.
Sobre a intervenção de terceiros, agora proibida oficialmente pela Fifa no que diz respeito à negociação de jogadores, o diretor jurídico do Cruzeiro faz ressalvas. “Acho que isso somente prejudicou os clubes da América do Sul, que precisam de investimentos privados no esporte. Não se contrata bons atletas, de renome, com recursos provenientes somente dos times. É claro que haviam abusos, mas acho que houve uma generalização da proibição, que poderá prejudicar hora da contratação e transferência de novos jogadores”, opinou Fabiano Costa.
Na entrevista concedida à Universidade do Futebol, o especialista em direito desportivo comenta ainda sobre a má avaliação da mídia e dos torcedores em relação aos tribunais de justiça desportiva. Admite que mudanças são necessárias, mas aponta para a falta de conhecimento dos torcedores sobre o trabalho dos auditores e procuradores. Confira:
Universidade do Futebol – Fale um pouco sobre a sua formação e ingresso na esfera profissional do futebol.
Fabiano Costa – Me formei em direito em 1999, com pós-graduação em direito civil e processo civil em 2003 e mestrado em direito empresarial em 2010. Comecei no direito desportivo como estagiário no Cruzeiro EC em 1997, quando estava no sétimo período. Desde então, há quase 19 anos, milito diariamente nessa área.
Universidade do Futebol – Como é o trabalho cotidiano no Cruzeiro e os problemas que enfrenta no dia a dia na sua área de atuação? Todas as questões jurídicas são tratadas dentro do clube ou há alguma área terceirizada?
Fabiano Costa – O trabalho realizado aqui é bem intenso. O Cruzeiro é um clube muito grande, com quase 600 funcionários, com dois clubes recreativos, dois centros de treinamento e uma sede administrativa. Assim, o clube se relaciona muito, com relações jurídicas em várias áreas, comercial e administrativa. Exatamente por isso, temos uma grande demanda interna de contratos, pareceres jurídicos, orientações e reuniões diárias entre os vários setores do clube. Atuamos de maneira muito intensa na prevenção e nas orientações aos departamentos. Atualmente, nossas principais demandas envolvem questões de torcedores e trabalhistas. Com exceção do tributário, todas as demais questões, contenciosas e administrativas, são tratadas internamente no departamento jurídico do clube, que é composto, além de mim, pelos doutores Felipe Fiedler, Fernanda Saade, Vinicius Machado e Edison Travassos.
Universidade do FutebolNa sua opinião, há clubes que não dão a devida importância e reconhecimento ao departamento jurídico? Explique.
Fabiano Costa – Sem dúvida, mas felizmente são poucos. Hoje em dia notamos que os dirigentes perceberam a necessidade da criação e manutenção de departamentos jurídicos nos clubes, com advogados atuantes e especializados no direito desportivo, com investimentos na sua formação e estrutura. Aqueles que ainda não concluíram por essa necessidade passam por diversos problemas de ordem administrativa e contenciosa. É muito comum em algumas negociações de atletas nos depararmos com bons advogados de outros clubes, mas que não possuem conhecimento jurídico da área desportiva, o que traz uma série de dificuldades no entendimento de conceitos básicos e a sua visão prática da área do futebol. Isso costuma até mesmo inviabilizar uma negociação.
Universidade do Futebol Um dos grandes problemas enfrentados pelo torcedor brasileiro em eventos esportivos diz respeito à comercialização de ingressos. E de acordo com o Estatuto do Torcedor, os bilhetes devem ser numerados e o consumidor tem o direito de ocupar o local correspondente ao número de seu ingresso no estádio. Por que há uma distância tão grande entre teoria e prática?
Fabiano Costa – Essa distância se dá, a meu ver, por uma razão muito simples: pretende-se impor ao torcedor uma cultura pela lei, e não pela instrução, educação e orientação. Isso somente será resolvido quando se perceber que a legislação não muda cultura, não a impõe. É imprescindível que se oriente o torcedor e que se demonstre a ele os benefícios dessas mudanças, a fim de que possa aderir de maneira consciente e definitiva. O trabalho deverá ser contínuo, persistente e adequado.
Universidade do Futebol – O Cruzeiro está entre os primeiros na lista de sócios-torcedores no Brasil. Qual o segredo do sucesso e até que ponto o departamento jurídico contribui?
Fabiano Costa – O departamento jurídico participou de todo o projeto desde a sua concepção. Elaboramos os regulamentos, verificamos as possibilidades, avaliamos consequências. Dentro da execução do projeto, participamos ativamente das adequações e aperfeiçoamentos. Hoje o Cruzeiro é o sexto no país de adesão ao sócio do futebol, com cerca de quase 70 mil torcedores, com baixíssimo nível de demandas e problemas. Há de se ressaltar que é um trabalho constante, sempre disponibilizando o melhor serviço ao torcedor. Em algumas intervenções e adequações feitas pelo departamento jurídico, como por exemplo a alteração de datas e prazos do regulamento, evitamos uma série de problemas ao clube.

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Universidade do Futebol – A Lei Pelé já completou uma década e passou por algumas atualizações. De maneira geral, você acredita que a legislação brasileira favoreça a gestão de um clube de futebol? Em sua opinião quais os pontos positivos e negativos a serem ressaltados nesta atualização?
Fabiano Costa – A Lei Pelé é, sem sombra de dúvidas, o maior problema do direito desportivo. É uma legislação ruim, contraditória, confusa e de baixo entendimento. Foram várias e sucessivas alterações que nada acrescentaram. Faz-se necessário uma nova legislação desportiva, valendo-se de conceitos e institutos consagrados no Direito do Trabalho, Direito Civil, Direito Empresarial, Tributário…, mas com regras próprias para as atividades desportivas, inclusive para o futebol, mas não somente para ele. Talvez seja o momento de discutirmos um Código do Desporto, que regulará todas as relações desportivas, contrato de atletas, televisão, profissionalização da arbitragem, da gestão desportiva, a justiça desportiva, etc. A legislação atual é péssima para a gestão e péssima para torcedores e atletas. O Brasil, pela complexidade que o desporto se apresenta, precisa urgentemente de uma regulamentação compatível com a grandeza das instituições, com a dedicação e esforço de clubes e atletas, para que o espetáculo seja cada dia melhor, em todas as modalidades desportivas.
Universidade do Futebol – Quais as principais medidas de caráter estrutural que você julga fundamentais para o avanço da legislação desportiva brasileira? Pela importância e tradição, não deveríamos ter uma legislação que contemplasse unicamente o futebol?
Fabiano Costa – Acho que devemos pensar num Código Desportivo ou Código do Desporto, uma compilação de leis que alcance todas as áreas do esporte. Evidentemente que, pelo volume de negócios, interesses e pessoas envolvidas, o futebol mereceria um capítulo à parte, tratando das relações desportivas de maneira mais objetiva, clara e eficiente. Como exemplo que sempre defendo para alteração da legislação desportiva é a possibilidade de flexibilização das regras trabalhistas, em contratos de trabalho e imagem a serem firmados entre clubes de futebol e seus atletas, desde que com parâmetros claros e objetivos. No futebol europeu é possível a contratação de atleta por temporada, mediante valor fixo, sem delongas. Estabelecido alguns parâmetros, como por exemplo o piso salarial mínimo, a lei pode se tornar flexível para permitir melhores salários, objetividade e simplicidade nas relações. O que acontece hoje é uma legislação demasiadamente interpretativa, que não fornece segurança jurídica e nos torna incapazes de atender devidamente aos interesses das partes.
Universidade do Futebol – Recentemente, a Fifa acabou de maneira oficial a intervenção de terceiros no futebol por meio de direitos econômicos. Quais as consequências que isso terá para o nosso futebol?
Fabiano Costa – Acho que isso somente prejudicou os clubes da América do Sul, que precisam de investimentos privados no esporte. Não se contrata bons atletas, de renome, com recursos provenientes somente do clube. Os clubes europeus são ricos e independem de investimentos de terceiros, ao contrário dos brasileiros. É claro que haviam abusos, nos quais o clube se passava por mero detentor do contrato de trabalho sem qualquer participação na venda de atletas que formava, pagava salários e custos. Isso é abusivo e merece controle. Mas acho que houve uma generalização da proibição, que poderá prejudicar os clubes na contratação e transferência de novos atletas. Talvez fosse o momento da proibição, mas com critérios mais razoáveis e equilibrados.
Universidade do Futebol – Em sua opinião, por que os tribunais de justiça desportiva, invariavelmente, não têm uma boa avaliação por parte da mídia especializada e do torcedor? Que tipos de procedimentos poderiam ser adotados para melhorar essa avaliação ruim?
Fabiano Costa – Não restam dúvidas de que algumas mudanças são sempre necessárias, como maior rotatividade dos cargos, critérios técnicos na admissão de auditores e procuradores, independência maior do tribunal, mediante contratação remunerada de auditores e procuradores pelo próprio tribunal (profissionalização), com orçamento e independência financeira, entre outros. Mas as queixas dos torcedores contra o tribunal são geralmente resultado de desconhecimento sobre seriedade do trabalho e da dedicação que se desenvolve ali e da entrega pessoal dos auditores e procuradores em favor do esporte. Ademais, nenhum torcedor gosta de ver seu time punido, e isso é feito exatamente no tribunal.
Universidade do Futebol – De maneira geral, como você analisa os departamentos jurídicos dos clubes brasileiros? Eles estão realmente preparados para as responsabilidades para as quais são designados?
Fabiano Costa – Na grande maioria dos departamentos que conheço, a qualidade é inquestionável. São pessoas dedicadas ao trabalho, interessadas no direito desportivo, muito ao contrário do que havia há 15 ou 20 anos atrás, quando o trabalho não era feito por profissional específico, mas geralmente ligado a conselheiro ou amigo do clube que trabalhava no departamento jurídico de maneira espontânea, com menos cobranças e metas. Hoje a profissionalização leva a resultados.
Universidade do Futebol – Atualmente, o clube formador tem até 5% dos direitos sobre o jogador que revelou para o futebol em negociações futuras. Você não acha esse valor pequeno e a regra confusa? E qual é o papel do departamento jurídico e do clube para garantir a indenização sobre o atleta formado?
Fabiano Costa – Sinceramente, minha opinião pessoal é que acho a própria existência do direito de formação questionável. Ao vender o atleta formado no próprio clube, este já foi devidamente remunerado e indenizado pela formação, ou seja, ao colocar o seu preço de venda, o clube formador tem que ter como parâmetro um valor de negócio compatível com os custos da formação e com o retorno que considera justo pelo investimento que fez durante essa formação. No início, a Fifa criou essa regra a fim de democratizar os lucros na venda de atletas, principalmente visando os clubes menores pelos quais o atleta passou. Acho que é pouco e não resolverá problema financeiro de clube nenhum. O que precisamos é uma legislação bem feita, adequada à realidade, garantindo a formação, melhor racionalidade tributária, profissionalização da gestão, auxílio institucional aos clubes, e não essas participações da venda.
Universidade do Futebol – O Cruzeiro aderiu ao Profut recentemente. O que você pensa sobre a lei e quais as dificuldades que o clube tem encontrado para se adequar às exigências? Além disso, você acredita que o Profut significará, de fato, a salvação financeira dos times brasileiros? Por fim, o que você pensa sobre as contrapartidas exigidas? Explique.
Fabiano Costa – Como disse, o que salvará os clubes é uma boa legislação desportiva, trabalhista, tributária e cível voltada ao esporte. A grande maioria dos clubes somente aderiu ao Profut em razão da ilegalidade e inconstitucionalidade do artigo da lei que alterou o Estatuto do Torcedor, estabelecendo como critério técnico para participar das competições a exigência de CND – Certidão Negativa de Débitos. Ou seja, se não tiver CND é rebaixado de divisão a qual estiver classificado, e não mais por critérios técnicos conseguidos dentro de campo. Não fosse isso, certamente não haveria adesões ao Profut, que se revelou um ingerência ilegal na organização desportiva. Até mesmo estatutos dos clubes precisaram ser alterados. Não é a salvação dos clubes e nem foi feito com essa pretensão.
Universidade do Futebol – O jogador de futebol não tem direito à aposentadoria e, muitas vezes, a maior parte dos vencimentos é pago via direitos de imagem. Por outro lado, há grupo de dirigentes que dizem que os atletas são beneficiados pela lei, ganhando diversas causas trabalhistas. Qual é a avaliação que você faz sobre o tema?
Fabiano Costa – O atleta sempre terá direito à aposentadoria, desde que o clube esteja recolhendo devidamente os encargos trabalhistas e, se não tiver, o atleta tem meios de defender seus interesses, seja por meio do Sindicato dos Atletas ou de advogado particular. O atleta é, sem sombra de dúvidas, o maior beneficiado pela atual redação da Lei Pelé, em especial no que se refere às questões trabalhistas, ressalvando-se, claro, que há diferenças substanciais nas relações entre atletas de clubes grandes e pequenos. São causas milionárias, absolutamente injustas. A existência do pagamento do direito de imagem fora do contrato de trabalho, por vezes, é exigência do próprio atleta, que se torna beneficiado no pagamento dos tributos. Entretanto, ao sair do clube, procuram a justiça do trabalho para ver reconhecido o suposto salário “por fora”. Por outro lado, se não há pagamento de direito de imagem, também procuram a justiça por que seu nome e imagem foram usados “ilegalmente” em álbum de figurinha, video games, internet, aplicativos e outros. Vejam, pois, a contradição e a dificuldade. Como a legislação é muito ruim, acaba por tornar as coisas ainda mais difíceis que já são pela especificidade da atividade desportiva.

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André Galbe, prep. físico do sub-20 do Corinthians

Partindo de uma visão atual do futebol, que propõe um treinamento que se trabalhe as vertentes física, técnica, tática e psicológica de maneira integrada, pensou-se que o preparador físico não teria mais o espaço e a importância de outrora. Mas, o profissional desta área continuou sendo essencial nos clubes e parte da engrenagem de uma comissão técnica, desde que esteja adaptado às exigências do momento.
André Galbe trabalha no time sub-20 do Corinthians e, recentemente, já como coordenador do departamento nas categorias de base, vivencia esta nova perspectiva da função. Os desafios já se apresentam no excesso de jogos e tempo de recuperação reduzido dos atletas, problemas ditos e repetidos no profissional e que também atrapalham o desenvolvimento dos garotos.
Não precisamos nos apegar a aquela vitória no último minuto de jogo, pois isto pouco ou nada tem a ver com o treinamento físico. Temos que nos fazer importantes dentro daquilo que é essencial para o futebol moderno. O grande desafio é render mais treinando menos e isto não se consegue de qualquer jeito. São pequenos detalhes que fazem a diferença, e todo profissional é importante”, diz Galbe.
O preparador físico, que se especializou em treinamento e alto rendimento em uma universidade russa e tem como trabalho marcante a participação na classificação do Estoril (Portugal) para a Liga Europa, diz que as atividades no Corinthians têm ligação com a forma de jogar da equipe, aplicadas em trabalhos específicos. Entretanto, Galbe afirma que apenas o treinamento por meio do jogo não atende todas as necessidades dos atletas.
O treinamento físico complementar, e não querendo ser protagonista, é muito importante e existe no mundo todo”, defende.
Nesta entrevista à Universidade do Futebol, André ainda dá detalhes de como é organizada a semana de treino das categorias de base do Corinthians e fala sobre o trabalho de desenvolvimento dos jovens jogadores. Confira:

Universidade do Futebol – Fale de sua formação e conte como ingressou no futebol?

André Galbe – Minha graduação foi em Educação Física em 2004. Depois, fiz pós-graduação em treinamento desportivo e também em fisiologia do exercício. Por fim, fiz especialização em treinamento e alto rendimento na Universidade de Cultura Física, Esporte e Turismo da Rússia, em 2009.

Comecei no futebol profissional como professor estagiário em um centro de treinamento que trabalhava desde a iniciação esportiva até grupos de jogadores profissionais sem clubes. No ano de 2005, já graduado, realizei um projeto de preparação física no Clube Pequeninos do Jockey com as equipes que iriam disputar algumas competições pela Europa e, no retorno desta excursão, acabei contratado para o sub-15 e 17 do Desportivo Brasil, onde fiquei até 2011 depois de cumprir todas as etapas, passando inclusive pelo profissional.

Depois, recebi convite para ser o preparador físico da equipe profissional do Estoril, de Portugal, onde realizei duas temporadas completas (2011 e 2012) com um título e conquista inédita de vaga para a Liga Europa. Aí, voltei de Portugal direto para o Mogi Mirim, onde disputamos a Série C do Brasileiro em 2013 e o Paulistão de 2014.

Eu cheguei no Corinthians em maio de 2014 para exercer a função de preparador físico do sub-20 e fui promovido recentemente para coordenador da preparação física na base.

Universidade do Futebol – Quais as principais dificuldades que o futebol atual impõe aos preparadores físicos dos grandes clubes?

André Galbe – Com certeza, o calendário com grande número de jogos e muitos quilômetros para percorrer entre um Estado e outro.

Na minha opinião, e por ter vivenciado tal experiência, jogar duas vezes na semana não é a pior parte, e sim as viagens com logísticas difíceis e os horários dos jogos de meio de semana que terminam tarde e atrapalham a rotina de sono e alimentação dos jogadores, o que interfere diretamente na questão da qualidade da recuperação. Com tudo isso, além da comissão técnica ter que administrar o desgaste dos atletas, é preciso conter a ansiedade em realizar uma nova sessão de treino, que em muitos casos não é aconselhável.

Nas categorias de base, especificamente em São Paulo, o calendário é favorável, pois há condições de darmos férias para os atletas e comissão técnica e temos tempo suficiente para preparar as equipes antes das competições principais.

Encontramos algumas dificuldades com o excesso de campeonatos que, por melhor que seja o nível técnico, não são obrigatórios e a ânsia em participar de tudo que aparece sobrecarrega o período competitivo de algumas categorias.

Outra dificuldade é a rotatividade e o grande volume de atletas por categoria, que condiciona o treinamento no que diz respeito à otimização da sessão e a quantidade da qualidade da prática diária de cada atleta.

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Trabalho de preparação física está ligado ao modelo de jogo

Universidade do Futebol – Quais os principais métodos que são utilizados na preparação física do Corinthians atualmente? É realizada algum tipo de periodização e como ela é feita e dividida por categorias?
André Galbe – Não falamos em métodos no Corinthians, e sim em princípios de treinamento e conteúdos essenciais. O grande princípio do treinamento aplicado a todas as categorias é o da especificidade. Princípios como individualidade biológica, sobrecargas e continuidade ganham mais importância de acordo com a categoria.
Os conteúdos relacionados à preparação física precisam ser respeitados, porém, fica difícil de adotar ou criar um método próprio por falta de estrutura, sendo que as nossas instalações não atendem todas as categorias na questão de disponibilidade dos espaços, horários e materiais, cenário que está prestes a mudar com a inauguração do nosso novo centro de treinamento da base.
Do sub-10 ao 14, os garotos cumprem um programa de desenvolvimento motor associado a fundamentos técnicos que indiretamente contribuem para o condicionamento físico geral.
A partir do sub-15, é dado uma atenção especial à capacidade de força. Nosso programa de treinamento de força visa dar suporte aos componentes técnicos e táticos. Em casos especiais, a prescrição é individualizada, fazendo ajustes pontuais nas necessidades dos atletas.
Não usamos um método específico, e sim uma ideia funcional de força aplicada ao movimento dando um sentido mais dinâmico e coerente no nosso ponto de vista.
Não temos uma periodização padrão, cada categoria organiza sua temporada da melhor forma possível, mas sem abrir mão dos conteúdos.
Universidade do Futebol – Como é feita a divisão entre trabalhos gerais e específicos? Qual o papel de cada um na preparação dos jogadores?
André Galbe – O geral é o que chamamos de complementar e que envolve o treinamento de força, velocidade, neuro proprioceptivo, flexibilidade e as técnicas de recuperação. São geralmente aplicados no início da sessão no lugar do aquecimento tradicional. O foco do treinamento geral é o próprio treino subsequente e o objetivo é estimular bem os atletas para a especificidade. Seria como treinar para melhorar o treino e, consequentemente, o jogo.
O trabalho específico é determinante na preparação física dos atletas e por isso é aplicado todos os dias da semana. Ele que molda todas as capacidades, promovendo uma adaptação única e intimamente ligada à forma de jogar da equipe.
O exercício geral tradicional como a corrida, por exemplo, não é descartado. Utilizamos com atletas acima do peso, em transição do departamento médico ou com alguma restrição momentânea.
Universidade do Futebol – Vocês se utilizam de jogos reduzidos na preparação física? Caso sim, como são alteradas as variáveis de treino de modo a atingir os objetivos propostos?
André Galbe – Utilizamos sim, porém a preparação física nunca é o objetivo principal, e sim uma consequência. Nem por isso desconsideramos a importância do componente físico, que é estimulado o tempo todo.
Já é conhecido que alterar o espaço de jogo, número de atletas, ter baliza ou não, criar regras e a interatividade com o treinador modificam as características físicas dos exercícios e alteram a densidade das ações e os componentes de força e resistência.
De forma geral, espaços menores exigem muito do componente neuromuscular, consequentemente são exercícios mais curtos e com mais tempo de intervalo.
Espaços maiores, com número de jogadores ajustado, exigem muito do componente cardiorrespiratório, permitindo uma recuperação ativa dentro do próprio exercício, que faz com que este formato possa ser aplicado por períodos mais longos.
Universidade do Futebol – Quais ferramentas são utilizadas por vocês para planejar, quantificar e avaliar as cargas de treinamento?
André Galbe – Utilizamos a percepção subjetiva de esforço (PSE) para calcular a carga. A PSE é uma escala adaptada, com âncoras numéricas e verbais onde classificamos a sessão de treino e o jogo por meio de uma nota dada pelos atletas. Sempre ao final de cada sessão, passamos de forma individual uma tabela com valores de zero (0), que representa estado de repouso, a dez (10), que representa esforço máximo.

Está nota multiplicada pelo tempo de atividade do atleta nos dá a carga de treino expressa em unidades arbitrárias (UA).

Além disso, nós monitoramos treinos e jogos com sistema de GPS, onde os dados mais relevantes são distância percorrida, número de ações intensas e o tempo que o atleta permanece andando ou parado durante o trabalho.
Universidade do Futebol – Você poderia falar, de modo geral, como é organizada a semana de treino das categorias de base do Corinthians?
André Galbe – No sub-20, nós utilizamos um microciclo padrão com seis a sete sessões de treino, que são divididas em quatro partes. Começamos com um treino físico complementar, que substitui o aquecimento tradicional e tem duração de 20 minutos. Depois, nós partimos para 12 minutos de exercício analítico, em que treinamos fundamentos com combinações de passes. Aí vem a parte principal, que dura de 40 a 50 minutos e contempla o desenvolvimento do modelo de jogo. Na parte final, reservamos 10 minutos para a prática de fundamentos com supervisão. De segunda a quarta-feira, o foco é o nosso modelo e comportamento. Quinta e sexta-feira, entra a aplicação em função do adversário.
 
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Universidade do Futebol – Como é feito o monitoramento para saber se os atletas estão em estirão de crescimento. Vocês utilizam essa informação para fazer algum ajuste individual na periodização do treinamento? E caso usem, como é feita a intervenção? O volume de treino desse adolescente é reduzido?
André Galbe – Monitoramos por meio da curva de crescimento e sinais da maturação sexual. A curva de crescimento é um gráfico do acompanhamento do aumento de estatura dos atletas, onde observamos o momento do estirão de crescimento de cada garoto e quantos centímetros estão crescendo a cada trimestre, semestre e ano. Desta forma, é possível detectar indivíduos tardios e precoces. Vale lembrar que está é a fase de transição do pré-pubere para a puberdade e, neste momento, ocorrem muitas mudanças de forma abrupta no corpo e organismo dos atletas, como por exemplo a desordem motora causada pela mudança do centro de gravidade, aumento da força e do tamanho dos membros inferiores e superiores, o que muitas vezes afetam o rendimento técnico do atleta.
Todo ajuste é feito sempre em função de nunca prejudicar os atletas tardios e não vemos necessidades de acelerar o processo para os atletas mais maturados, a não ser que eles sejam promovidos de categoria de forma precoce.
O volume não é reduzido nestes casos, mas os treinos físicos complementares são individualizados. Vale lembrar que os treinos complementares são ajustes físicos feitos de forma coletiva e individual e que utilizamos para ativação, desenvolvimento e manutenção de componentes físicos dos jogadores. Atletas com necessidades maiores realizam exercícios ou sessões extras. Por exemplo, aqueles com histórico de lesão no tornozelo fazem atividades extras de treinamento neuroproprioceptivo, jogadores com encurtamento muscular fazem mais exercícios para aumento da amplitude do movimento, e assim por diante
Universidade do Futebol – O Corinthians possui estratégias de hidratação dos jogadores? Se sim, como é feito o monitoramento?
André Galbe – De um modo geral, colocamos à disposição água, isotônico e maltodextrina em todos os treinos e jogos. O atleta precisa ter consciência da importância da hidratação e isso é passado constantemente.
Em dias mais quentes e, principalmente nos jogos, damos uma maior ênfase no momento de hidratar.
Em competições curtas, como a Copa São Paulo de Futebol Júnior, os quartos são abastecidos com água e isotônico diariamente e os jogadores ficam à vontade para ingerir quando quiserem.
Universidade do FutebolComo é feito o trabalho de integração entre a preparação física na base e profissional? O método de trabalho é alinhado?
André Galbe – São trabalhos diferentes e com objetivos diferentes. O nosso objetivo e compromisso é entregar ao futebol profissional atletas saudáveis, sem histórico de lesões graves e com cultura de treinamento.
A categoria sub-20 realiza periodicamente a mesma bateria de testes e avaliações do profissional e que são, inclusive, realizados no CT Joaquim Grava pelos profissionais de lá.
Universidade do FutebolComo você vê o papel do preparador físico em um clube de futebol no futuro? Quais são as novas tendências aplicadas à modalidade e o que se pode esperar dessa área no futuro dentro do futebol?
André Galbe – Vejo com bons olhos. A disposição e disponibilidade do atleta nos treinos e, consequentemente nos jogos, dependem muito do estado físico e mental de cada um. Atletas mais saudáveis se encontram mais disponíveis.
A saúde do atleta reflete diretamente na sua capacidade de trabalhar com um nível elevado de exigência e de sempre estar recuperado.
Ter força muscular, corpo equilibrado e baixo percentual de gordura são sinais de bom estado físico e, muitas vezes, o treinamento somente por meio do jogo não atende estas necessidades.
O treinamento físico complementar, e não querendo ser o protagonista, é muito importante e existe no mundo todo.
Ter conhecimento sobre as ciências que envolvem o treinamento é essencial na elaboração do plano de trabalho para uma temporada.
Os jogadores passam a temporada toda próximos dos seus limites físicos e emocionais.
A consequência de anos de prática muitas vezes faz com que o atleta necessite de cuidados especiais com o físico, em função do desgaste provocado pelo tempo, lesões crônicas, desequilíbrios, encurtamentos e envelhecimento.
O controle de carga aumenta a qualidade da recuperação dos atletas, o que acaba sendo essencial pelo elevado número de jogos e é um grande desafio.
Aqui no Corinthians, um atleta que vai para departamento médico continua treinando quando a lesão permite para manter o condicionamento físico geral e o controle da composição corporal. Por exemplo: se a o atleta tem uma entorse de tornozelo, do local da lesão para cima ele treina tudo o que for possível enquanto está em tratamento e impedido de treinar no campo, assim acaba minimizando o destreinamento e fica mais rápido à disposição do técnico após sua liberação.
Tudo isto quem faz é o preparador físico e não é menos importante do que todas ações intensas que um jogador realiza durante o jogo.
Não precisamos nos apegar a aquela vitória no último minuto de jogo, pois isto pouco ou nada tem a ver com o treinamento físico. Temos que nos fazer importantes dentro daquilo que é essencial para o futebol atual.
O grande desafio do futebol moderno é render mais treinando menos e isto não se consegue de qualquer jeito. São pequenos detalhes que fazem diferença e todo profissional é importante.