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Vitor Pereira e essa desafiadora sequência no Corinthians

Crédito imagem: Rodrigo Coca/Ag. Corinthians

O sucesso e o fracasso tanto no futebol como na vida são previsíveis e podem ser potencializados. Há algumas atitudes que trazem a vitória para mais perto. E há outras que aumentam a probabilidade de um revés. É fato que não controlamos o resultado final. Porém o que entregamos para o mundo e como reagimos aos acontecimentos está inteiramente sob nossa responsabilidade. E dentro dessa perspectiva o Corinthians não poderia mesmo ser campeão paulista. Ter três técnicos (um interino e dois efetivos) em quatorze jogos não tem como dar certo…

Não quero ficar aqui remoendo a saída de Sylvinho. Por mais que não passe pela minha cabeça a manutenção de um treinador de um ano para o outro e após toda uma pré-temporada demiti-lo com apenas três jogos, (uma vitória, um empate e uma derrota), o foco agora deve ser a sequência do bom Vitor Pereira. Contudo, por melhor que seja o técnico português, o elenco corintiano tem graves problemas de formação. As contratações feitas desde o meio do ano passado podem ser vistas mais como oportunidades de mercado e lembranças afetivas do que por performance e efetividade. As posições de primeiro volante e centroavante, por exemplo, carecem de jogadores que estejam no pico da carreira – isso varia a partir de 24 e 26 anos até 28 e 30. 

Que fique bem claro: não sou contra a contratação de jogadores experientes. Mas é nítido que o elenco corintiano tem muitos jogadores que já estão no declínio não só físico, mas também técnico, tático e emocional. E isso é determinante para o modelo de jogo adotado!

Vitor Pereira é inteligente e experiente o suficiente para adaptar suas ideias às características dos jogadores a disposição. Entretanto a diferença entre o que o português prefere e o que esse elenco corintiano pode oferecer é enorme! Como propor uma marcação em linha alta se os homens de frente não conseguem ser intensos os noventa minutos? Como furar marcações fechadas se os jogadores não conseguem romper linhas e atacar espaço com agressividade? E até para não ficar preso só na questão da idade, como buscar uma construção desde lá de trás se o goleiro Cássio nunca foi estimulado a sair jogando com os pés? Isso sem falar do desgaste insano do nosso calendário com jogo atrás de jogo, viagens e mudanças climáticas de Fortaleza a Caxias do Sul pelo Brasileirão, passando pela Bolívia a Argentina com a Libertadores…

Sei que não há fórmula pronta para vencer no futebol e reconheço o enorme talento que alguns jogadores do elenco corintiano tem. Mas o desafio de Vitor Pereira é imenso! Potencializar o que esse time tem de melhor e minimizar as fraquezas não será um trabalho dos mais fáceis…

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Futebol e Formação Integral – A Escola Brasileira do Jogo

Crédito imagem: Lucas Figueiredo/CBF

O tema da formação no futebol é algo que me dedico por anos, estudando, praticando, dialogando, observando e buscando entender seus problemas e possíveis soluções. Nesta série de artigos, estou propondo alguns pilares para sempre termos uma Escola Brasileira de Futebol capaz de formar atletas de maneira integral. No primeiro texto argumentei sobre a nossa Escola Brasileira do Talento que ainda permanece viva, sustentada por três elementos centrais descritos lá (clique para acessar).

No texto de hoje quero abordar a Escola Brasileira do Jogo. Esta, segundo o próprio Ricardo Drubsky, referência para as duas primeiras escolas desta série, é uma que temos deixado a desejar na formação de nossos jogadores. Se por um lado a Escola Brasileira do Talento foi bastante eficaz em formar diversos/as atletas diferenciados/as na nossa história futebolística, a Escola Brasileira do Jogo ainda não chegou a esse grau de excelência.

E o que seria essa Escola Brasileira do Jogo?

Podemos interpretá-la como aquela que ensina os muitos conteúdos do jogo formal de futebol para que os/as atletas compreendam a sua lógica, regras, todos os princípios de jogo, as posições-funções, as estratégias e conexões coletivas fundamentais para que uma equipe seja competitiva. Para essa Escola ter sustentação, destaco ao menos 3 vertentes básicas:

– Profissionais qualificados.

– Competições adequadas.

– Infraestrutura esportiva.

Vamos iniciar pelos profissionais. São eles que conduzirão as crianças e adolescentes que chegam das práticas informais às instituições educacionais do futebol para seguirem o seu processo de formação. Aqui não destaco apenas os professores e treinadores, embora eles sejam responsáveis centrais do processo.

Como diz o ditado africano: “É uma aldeia inteira que educa uma criança”.

Portanto, todos devem estar preparados para educar as crianças e adolescentes que chegam às instituições. Dos professores e treinadores a donos de escolas e presidentes de clubes. O conjunto de crianças que chega nessas instituições não pode ser tratado como diamantes a serem lapidados ou descobertos. Ou mesmo não podem entrar em uma espécie de fábrica de atletas com a simples lógica de produção de jogadores e jogadoras de alto rendimento para o futebol nacional e mundial. Nem meros clientes que estão ali para passar o tempo ou apenas se divertir. Primeiramente, é preciso haver a essência da qualidade de educadores nesses profissionais.

Aqui posso resgatar Paulo Freire que certa vez disse: “Educar-se é impregnar-se de sentido cada momento da vida, cada ato cotidiano.”

Nessa perspectiva, os educadores do futebol precisam oferecer às crianças e jovens que frequentam as instituições esportivas a possibilidade de encontrarem sentido no que fazem. Um sentido que os levem para uma vida melhor, em todos os aspectos. Dentro disso, a instituição precisa saber em qual etapa ou etapas do processo de formação ela se dedica, e como pode desempenhá-la da melhor maneira. Abaixo deixo um texto sobre essa diferenciação dos contextos.

Nas próprias questões específicas da formação para o jogo, para que a criança (já talentosa ou não) se desenvolva para além de uma especialização precoce, os profissionais envolvidos na sua formação precisam estar preparados para enxergar o mapa completo do jogo, com todos os seus conteúdos pedagógicos. Desde aqueles que ela já consegue desempenhar até aqueles que ainda não consegue. Diante disso, oferecer estímulos e feedbacks que a prepare ao mais alto nível possível de conhecimento sobre e para o futebol que ela possa chegar. Isto é, ensinar bem futebol a todos/as (clique para ler um texto sobre isso). Veja a imagem completa do Mapa do Jogo que ilustra essa ideia.

A autoria desta imagem é do Treinador Eduardo Barros e do Professor Bruno Pasquarelli em colaboração com a Universidade do Futebol. Caso queira entender mais profundamente este Mapa do Jogo, procure pelo curso: O Mapa do Jogo: desvendando a complexidade do futebol

Outra vertente central, que, sem ela, profissional ou instituição nenhuma isoladamente é capaz de fazer um trabalho de excelência, é a existência de competições adequadas para essas crianças e jovens praticarem o jogo mais próximo à sua lógica formal. De maneira gradativa com o passar dos anos, mas que forme competências para que o desempenho final seja compatível com um futebol de alto nível.

Contudo, o que caracterizaria uma competição adequada?

Aquela resposta que você já deve ter ouvido para diversas questões: depende! Pois o cliente final de qualquer competição, para que ela seja adequada no sentido integral que estou apontando, não pode ser os pais, clubes ou patrocinadores, mas sim, as pessoas que jogam. O regulamento, o calendário, as regras do jogo, a postura das pessoas em volta ao jogo, os símbolos, as honras e os méritos etc., todas as variáveis que envolvem uma competição precisam ser pensadas para favorecer quem joga a jogar da maneira mais plena que puder, nas condições possíveis de realizar.

Tamanhos oficiais de campo e gols para crianças de 11 anos não podem ser características de uma competição adequada, tais como não são adequadas: competições com placares muito elásticos; equipes com condições logísticas totalmente desfavoráveis jogando contra equipes com condições logísticas totalmente favoráveis; lógica de competições de alto rendimento para torneios de crianças em iniciação ou de jovens em especialização; reforço à cultura de supervalorização dos resultados em detrimento dos processos não pode fazer parte de uma competição adequada para a maioria dos contextos, diria até para o alto rendimento; calendário de equipes com competições/jogos demais ou de menos também prejudica a formação integral e contínua de atletas. É preciso que os responsáveis por organizar competições de todos os níveis pensem, sobretudo, em quem joga. Pergunte-se: o que é mais adequado para que esta competição seja saudável e potencializadora das pessoas que jogam e do futebol que será produzido aqui?

Por fim, a última vertente que eu gostaria de destacar é a infraestrutura esportiva. É muito difícil possuir uma Escola Brasileira do Jogo de excelência. Pois para produzi-la de tal qualidade, baseada na formação integral de atletas, é necessário contar com espaços para a prática e treinamento de futebol correspondentes a esse nível de exigência. Especialmente nas últimas fases de especialização, na transição base-profissional e no alto rendimento, o jogo se torna muito prejudicado quando não existem bons gramados, bons espaços para treinar, com estrutura para que os profissionais e atletas consigam desempenhar o que sabem de maneira minimamente razoável. Portanto, aspectos econômicos entram nessa equação, pois para termos uma Escola Brasileira do Jogo que forme integralmente nossos e nossas atletas, é necessário investimento em infraestrutura esportiva. As qualidades do jogo e dos treinamentos são altamente dependentes dessas condições.

Diante das vertentes que compõem a Escola do Jogo, como você classificaria a situação do Brasil nas questões de profissionais, de competições e de infraestrutura esportiva para o futebol? Damos as condições de nossos e nossas atletas se desenvolverem plenamente no jogo? Como avançarmos no desenvolvimento desta Escola?

Neste ponto, encerro a reflexão de hoje, já convidando para o próximo texto, que será sobre a Escola Brasileira do/a Atleta. Será que todo jogador talentoso ou talentosa é um bom atleta? Será que isso é ensinável? Vamos conversar sobre isso na próxima semana. Até lá!

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Treinar para formar ou ganhar? A resposta não é tão simples

Crédito imagem: Renata Lufti

Uma discussão frequente entre os treinadores de base, seja aqui nos Estados Unidos ou ao redor do mundo, é se devemos priorizar a busca pelo resultado ou se devemos enfatizar o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Na era dos comentários nas mídias sociais, é interessante analisar como pais e treinadores opinam fortemente sobre esse tema.

Neste texto abordarei esse tema, levando em consideração a minha experiência como treinador de categorias de base em uma grande variedade de ambientes e países, minha formação acadêmica proveniente da graduação em Educação Física e interação com outros profissionais da área.

O erro da abordagem binária

Para começar, é preciso deixar claro que não necessariamente esse tópico deve ser abordado de forma binária, ou seja, treinar para ganhar ou para desenvolver não são polos opostos em que o treinador deve abraçar algum. No entanto, esses objetivos nem sempre andam juntos:  algumas decisões podem enfatizar algum objetivo específico. Para que as decisões tomadas pelos pais, treinadores e dirigentes sejam adequadas, é preciso analisar a própria realidade e sopesar as consequências de cada abordagem.

Contexto: objetivos dos pais e atletas

Frequentemente, ao abordarmos o futebol de base, o foco está nos jogadores de elite, mais precisamente nas equipes profissionais. Na prática, seja no Brasil ou no exterior, a maioria dos praticantes de futebol de base não se encontram nesse cenário. Enquanto o sonho de se tornar um atleta profissional talvez seja comum para muitos, esse não é o objetivo principal de todos os pais ao inscrever seus filhos em um clube, escola de futebol, projeto social, ou qualquer outra organização que permita a criança jogar regularmente. O desenvolvimento motor, cognitivo, psicossocial e socioafetivo podem ser alguns dos principais motivos pelos quais as crianças são inseridas em um contexto de treinamento esportivo. Na perspectiva de quem joga, que pode também praticar outras atividades, a motivação pode ser simplesmente se divertir, buscar uma boa forma física, estar próximo de algum amigo ou até mesmo o prazer pela competição e pelo “estado de jogo”. Assim, além da própria filosofia do treinador nessa discussão entre treinar para ganhar ou desenvolver, é importante considerar o meio em que se encontra, e os objetivos de quem joga e de seus respectivos familiares. 

Formar para a vida ou para o futebol?

Esse não será o tema central deste artigo, mas vale a pena ressaltar que ao se discutir os objetivos do treinamento, quando nos referimos a “formação”, essa pode ser estritamente esportiva ou estar ligada à constituição de um cidadão íntegro, responsável e crítico, capaz de lidar com os pormenores da vida e de repensar o meio em que vive. Assim, ao se discutir treinar “para formar”, é importante compreender o que esse termo significa para cada um.

Note que essas definições do formar, não são antagônicas e que o esporte não precisa ter um fim em si mesmo, ou seja, em um projeto pedagógico, a formação esportiva pode acompanhar a formação pessoal, qualificando ainda mais o processo de ensino-aprendizagem.

Métodos e estilo de jogo

Os métodos empregados durante o treinamento e o estilo de jogo serão frequentemente os primeiros itens a serem discutidos em relação à formação ou ao desenvolvimento. Por exemplo, nos Estados Unidos, país onde moro, tradicionalmente existe um estilo de jogo muito direto, possivelmente por influência histórica de outros esportes como o futebol americano. Talvez por conta disso, grande parte dos treinadores de outros países que aqui trabalham (e são muitos, com predominância de europeus) se baseiam na ideia de que para desenvolver jogadores é necessário um estilo de jogo de posse de bola, com saída de jogo desde a própria meta.

Já ouvi de diversos treinadores: “eu não me importo de perder todos os jogos, o que quero é desenvolver meus jogadores. Então, nunca damos um chutão, sempre saímos jogando de trás”. A premissa parece louvável, porém existem muitas “armadilhas” frequentemente associadas nesse processo. Entre elas:

  • Desenvolver essa saída de jogo e todo o treinamento através de funções específicas: enquanto treinos “específicos” para uma função frequentemente são percebidos por pais como algo relacionado a uma metodologia eficaz de treinamento, corre-se o risco de incorrer em uma especialização precoce durante o processo de formação, limitando o desenvolvimento dos jogadores.
  • Sempre sair jogando da mesma forma tira dos atletas parte do poder de leitura do jogo e da tomada de decisão, limitando assim o desenvolvimento.
  • Na bola curta, alguns jogadores farão muitas repetições enquanto que os jogadores mais distantes quase não participarão do jogo, de modo que não serão estimulados a lidar com a bola chegando de outras formas ou distâncias.

Ou seja, mesmo quando um treinador diz que “treina para desenvolver”, é necessário cuidado para ter certeza de que os métodos empregados realmente atendam aos requerimentos das janelas de aprendizagem, por exemplo apresentando alta variabilidade durante período iniciais da formação.

Motivação e escolha das competições

No item anterior, afirmamos que alguns treinadores não se importavam em perder, pois buscavam o desenvolvimento dos jogadores. E os jogadores? Será que entendem que a derrota é um preço a ser pago para o “desenvolvimento”?

Mesmo que equipes tenham jogadores determinados a buscar o profissionalismo no esporte, para a grande maioria dos atletas, a carreira irá acabar antes de chegar à idade adulta. Então, vale a pena deixar de ganhar para “desenvolver”, para uma carreira que não irá existir para a maioria dos jogadores?  Além disso, quais os efeitos dos resultados na relação do jogador com o esporte, e as consequências dessa relação para a permanência no esporte? Será que a derrota reduz a motivação e afasta os praticantes da modalidade?

As próprias crianças, no futebol de rua, frequentemente mudam as regras ou times buscando partidas equilibradas para manter a motivação de todos. Acostumar-se com a vitória ou com a derrota pode ser desestimulante.

O nível e frequência das competições escolhidas também pode ter um peso grande na forma de treinar a equipe e na relação do atleta com o esporte. Em alguns casos, fica a critério dos treinadores ou dirigentes determinarem em quais ligas e divisões deverão participar. Uma divisão muito difícil pode gerar pressão para alcançar resultados e afetar o treinamento da equipe de forma que se busque “atalhos” para conseguir bons resultados, mas que possam afetar negativamente o desenvolvimento. Por outro lado, uma divisão muito fácil pode afetar o desenvolvimento de certas valências e ajudar a criar “hábitos ruins” nos atletas.

Desenvolvimento do time vs desenvolvimento do indivíduo

Ao começar o trabalho em uma nova equipe e sabendo que está por vir um torneio importante, é compreensível que o foco esteja na organização da equipe, buscando otimizar os processos durante o jogo para a busca de resultados. Nesse processo de organização tática, os jogadores irão se desenvolver, já que deverão aprender as funções necessárias para colocar o plano tático em prática. Mas esse desenvolvimento será limitado às funções que o atleta terá que desempenhar. Ao se pensar no desenvolvimento do atleta, na maioria das vezes, a atenção irá para os “fundamentos” do futebol, ou seja, ações técnicas com a bola.

Já os princípios de jogo (por exemplo, amplitude, profundidade, penetração etc.) também têm sido enfatizados por muitos treinadores, geralmente na perspectiva do trabalho de aspectos táticos da equipe (por exemplo, como mudar o lado do ataque, compactar-se defensivamente etc.). No entanto, poucos trabalhos enfatizam as táticas individuais e de grupo, que podem ajudar na resolução de inúmeros problemas de jogo, aumentando a autonomia e a efetividade dos jogadores, sem a dependência de uma certa formação ou estilo de jogo.

O resultado é um desequilíbrio na formação dos jogadores: as táticas de equipe, e técnicas individuais são muito mais trabalhadas do que as táticas individuais e de grupo.

Considerando a minha experiência no futsal de alto nível, onde as táticas individuais e de grupo são em geral muito trabalhadas, ou pelo menos requisitadas, não consigo deixar de assistir um jogo de futebol sem prestar atenção em como tantos jogadores têm dificuldades em solucionar problemas do jogo sem depender exclusivamente de capacidades físicas ou técnicas.  Ao treinar equipes competitivas com jogadores entre 15 e 17 anos, que estão a quase 10 anos competindo no esporte, é difícil aceitar que não estejam familiarizados ou que não tenham desenvolvido de forma ótima algumas capacidades táticas individuais, como, por exemplo, fixar um defensor, flutuar na marcação, fechar linhas de passe ou temporizar ofensivamente.  

O que muitas vezes acontece, é que trabalhar a compreensão da lógica do jogo, o desenvolvimento da criatividade e a solução de problemas através de táticas individuais ou de grupo, sem dúvida não produz resultados tão rápidos quanto a organização da equipe. Assim sendo, trabalhar priorizando o desenvolvimento do individuo se enquadraria em treinar para “formar” muito mais do que treinar “para ganhar”.

Gestão da equipe

Vamos agora mudar o foco da discussão técnico-tática para abordar o tema a partir de outras perspectivas, começando pelo gerenciamento de uma equipe, clube ou associação. A gestão engloba uma variedade de aspectos, como o manejo das substituições e até mesmo a aplicação de sanções disciplinares, que podem elucidar uma clara diferença entre treinar para ganhar ou para desenvolver. Nesse sentido, somente utilizar os melhores jogadores durante as partidas e deixar de aplicar uma ação disciplinar em razão da importância de um jogador são exemplos da prioridade na busca de resultados imediatos em competições.

Autonomia, resiliência e capacidade de investigação

É fundamental desenvolver nos jogadores as capacidades de investigação, resiliência e autonomia, as quais podem, a longo prazo, ajudar as equipes a ganharem os jogos e a manterem uma coesão grupal. No entanto, os efeitos imediatos dessas capacidades tendem a ser menores do que o foco na organização e no modelo de jogo da equipe. Considerando que muitas vezes o treinador possui poucas horas na semana, é comum que a prioridade seja otimizar o desenvolvimento físico, técnico e tático. Assim, temos outro exemplo em focar no jogador ao invés da equipe, poderia ser apontado como fator mais relacionados ao desenvolvimento do que a busca de resultados (pelo menos a curto prazo).

Capitalismo, Pagar para jogar e Categorias de Base

Não podemos deixar de considerar o capitalismo dentro dessa temática. Sob a ótica dos treinadores, os que têm o futebol como “ganha pão” precisam ter como objetivo central a manutenção do emprego ou a ascensão profissional. Muito frequentemente, serão os resultados a curto prazo o elemento principal pelo qual um treinador será avaliado. É evidente que cada cenário carrega suas particularidades, mas a situação de cada treinador interfere em suas prioridades e decisões. 

Sob a ótica do “sistema”, considerando as situações em que os jogadores pagam para treinar, precisamos considerar que escolas (ou clubes) de futebol concorrem umas com as outras, e que, por vezes, agradar o cliente para a sua retenção pode afetar negativamente o processo de formação. Assim, na perspectiva do “cliente” que paga para jogar, as decisões muitas vezes podem ser tomadas de acordo com a prioridade de se atender ao cliente, o que pode deixar ainda mais complexo o processo de decisão.

Nas categorias de base, onde atletas não pagam para treinar, e muitas vezes recebem auxílio financeiro, em geral o treinador não tem tanta pressão em “agradar o cliente”, ficando em geral esse tipo de pressão ligada aos casos de jogadores de muito destaque, que o clube não queira perder. Mas a pressão sobre a comissão técnica por resultados muitas vezes continua presente, e no curto prazo pode se sobressair a um histórico de formação de jogadores, para o time profissional ou para transferências futuras.

Conclusão

“Treinar para ganhar ou para desenvolver” é, certamente, uma discussão complexa, que pode ser analisada sobre uma infinidade de perspectivas. Neste texto, citamos alguns exemplos de assuntos pertinentes ao tema, ressaltando que muitos outros aspectos que não foram aqui citados, podem também influenciar decisões relacionadas à balança do “treinar para formar” versus “treinar para vencer”. Esperamos que este breve texto possa ajudar os envolvidos, sejam jogadores, pais, treinadores ou diretores, a refletirem sobre a complexidade do assunto e a buscar uma visão ampla do próprio ambiente de trabalho e do cenário em que se encontram, para que possam participar desse processo (seja em uma posição de liderança ou não), de maneira coerente com os objetivos e necessidades dos envolvidos.

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Palmeiras x Cristiano Ronaldo

Créditos da imagem: Reprodução/TNT Sports

O que o Palmeiras atual tem a ver com Cristiano Ronaldo? A nacionalidade do atacante do Manchester United é a mesma do treinador palmeirense… mas isso é irrelevante perto da grande e complexa reflexão que podemos fazer ao traçar um paralelo entre o atual estágio do bicampeão da Libertadores e o momento de carreira do ex-melhor do mundo.

Cristiano Ronaldo saiu do Real Madrid a peso de ouro para a Juventus da Itália. O objetivo da contratação era enfim ganhar novamente a Champions League. O time italiano batia na trave e havia a crença de que o atacante português era a peça que faltava para a tal mudança de patamar. Oras, se CR7 ganhava com o Real Madrid ele também faria a Juventus campeã…simples, não?! Só que não foi bem assim… o próprio retorno dele ao Manchester United foi cercado por expectativas parecidas…

A questão central é que Cristiano Ronaldo não conquistava as Champions para o Real Madrid. Era o Real que fazia o português conquistá-las. O clube era (e continua sendo) extremamente forte. A cultura vencedora alicerça o desempenho dentro de campo. A mentalidade focada em sucesso por trás de cada célula do clube espanhol embalava o que acontecia nas quatro linhas. CR7 era uma parte dessa engrenagem. Levá-lo para outro contexto não representa jamais a reprodução dos mesmos resultados. Gastar com jogadores, buscar ter os melhores, ajuda a ganhar títulos. Mas não é o mais determinante. O próprio PSG de Messi, Neymar e Mbappé simboliza bem essa questão…

E o que o Palmeiras tem a ver com tudo isso? Absolutamente tudo! A equipe palmeirense não tem os melhores jogadores. Não há um grande craque no time de Abel Ferreira. O Verdão não tem um centroavante como Gabigol. Ou um atacante tão completo como Hulk. Talvez Renato Augusto e Willian do Corinthians sejam melhores do que Zé Rafael e Gustavo Scarpa. Porém a engrenagem palmeirense dentro e fora de campo é disparada a melhor não só do Brasil como da América do Sul. E é isso que tem feito o clube tão vencedor!

Não há um só setor no Palmeiras que não seja profissional. As categorias de base são referência. Os departamentos médicos, de análise de desempenho, de marketing, jurídico etc, são de excelência. E isso impacta dentro de campo! Pode não parecer, mas tudo isso faz mais gols importantes do que um jogador que ganha dois milhões de reais por mês.

Não quero aqui pregar que o torcedor comemore, por exemplo, a chegada de um cientista do esporte ao invés de um craque renomado. Entretanto se faz necessário um olhar mais complexo para o que gera de fato conquistas duradouras e convincentes. O todo é maior do que a soma das partes. Ficaremos cada vez mais distantes das verdades por trás das vitórias enquanto buscarmos individualizar um jogo que é muito mais coletivo do que o onze contra onze nos noventa minutos…

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Futebol e a Formação Integral – A Escola Brasileira do Talento

Crédito imagem: Antônio Cruz/Agência Brasil

O que sempre me encantou no futebol brasileiro foi o talento individual! Devo admitir. Por mais que tenha aprendido a admirar os movimentos coletivos coordenados, os princípios de jogo sendo bem executados, nada se compara a dribles desconcertantes em direção ao gol, domínios mágicos, passes que ninguém esperava ou finalizações magistrais. Na minha visão, a beleza mais nobre do futebol está na genialidade do indivíduo em perceber esse ambiente coletivo e complexo e agir de maneira criativa em função do jogo. Claro que quando tais ações são coordenadas coletivamente em um mesmo lance formam o apse, mas são tão raras de se ver que eu nem conto com elas. Resta-me esperar as genialidades individuais. E quando elas acontecem, para mim, já valeram o ingresso. Este sou eu, na minha íntima relação com a beleza presente no futebol. Respeito quem pensa diferente e devo dizer, pelos anos de estudo da tática, vejo muita beleza também em elementos mais coletivos do jogo. Só não me fascinam tanto.

Talvez, o fato de eu ser brasileiro colabore para que eu supervalorize os lances individuais. Afinal, tivemos tantos jogadores e jogadoras que desfilavam seus talentos em campo, quadra ou areia, aumentando incrivelmente nossas memórias de lances geniais daqueles que descrevi no parágrafo anterior. Concordo que não podemos resumir nosso futebol a talentos individuais. O futsal, o futebol de campo e de areia são esportes coletivos e isso jamais pode ser ignorado. No entanto, acima da excelência e eficácia de uma equipe, fui acostumado com a genialidade. Aquela que se esconde nas profundezas da intuição humana e, de repente, surge. Pronto! A paixão pelo futebol foi novamente plantada na minha alma.

Confesso que tenho medo de ver cada vez mais um futebol burocrático, que inibe qualquer desabrochar da genialidade que cada jogador ou jogadora pode possuir dentro de si. Observando a história do nosso futebol, jogadores e jogadoras, quando crianças, eram movidos a partir do que queriam explorar da brincadeira de jogar bola. Essa ignição os fazia aumentar seus repertórios de soluções dentro do jogo. Mesmo que em determinada situação não fosse a coisa mais “inteligente” a ser feita para cumprir a lógica do jogo, tentavam porque era difícil, porque era legal conseguir o que ninguém conseguia. Se errassem, apenas tentavam de novo, ou no máximo voltavam para casa, praticavam um pouco mais para tentar melhor na próxima pelada. Contudo, hoje, as crianças ao jogarem bola, quase sempre, estão sendo observadas/dirigidas/avaliadas, com uma mínima margem de erro entre serem promovidas a futuras promessas do futebol ou estarem fadadas ao fracasso de não terem gabaritado o teste de cada dia.

A sorte brasileira é que a Escola do Talento ainda permanece viva. Os meninos e meninas que vivem, sobretudo, nas periferias das grandes cidades, nas cidades litorâneas ou nas cidades pequenas e médias do interior do país, ainda aprendem a jogar futebol movidos pela descoberta do jogo, com o direito de errarem e consertarem à vontade. Esse modo de aprender, considero o Diferencial do Futebol Brasileiro, como relato na série de 4 textos que fiz sobre esse tema (Texto 1, Texto 2, Texto 3, Texto 4). É dele que emerge a base de conhecimentos aplicados ao jogo que poucos jogadores e jogadoras têm no mundo. São conhecimentos sobre o jogo que só quem o viveu de maneira plena e intensa por milhares de horas pode ter desenvolvido.

Na minha visão, os pilares para o desenvolvimento desses conhecimentos em massa, se olharmos para o Brasil, são essencialmente três:

  • (1) precisamos que a cultura do futebol influencie as crianças para que elas se apaixonem pelo futebol logo cedo, e com isso queiram gastar o tempo livre brincando de futebol;
  • (2) é preciso que cada criança que goste de brincar de futebol encontre outras que também gostem, pois quanto mais crianças brincando juntas, melhor para o desenvolvimento das habilidades e da afetividades de cada uma delas para o jogo;
  • (3) essas crianças precisam de tempo e espaço suficiente para brincarem, sem se preocuparem com outras coisas que não seja aproveitar a brincadeira da melhor maneira possível.

Dentro de uma perspectiva educacional, configurando o que seria a Escola Brasileira do Talento, esses três elementos são centrais para que continuemos formando pessoas talentosas para o jogo de futebol. Porém, para que elas se tornem jogadoras ou jogadores de futebol de excelência, isto é, tenham a sua formação mais completa possível, elas precisarão passar por mais três Escolas. Ricardo Drubscky certa vez citou a Escola do Talento e a Escola do Jogo, peço permissão a ele para adicionar mais duas, a Escola do/a Atleta e a Escola do/a Cidadão/ã. Nos próximos textos discorreremos sobre cada uma delas nesta nova série chamada Futebol e Formação Integral – A Escola Brasileira. Espero que goste e caso queira ler mais textos meus, clique no meu nome aqui abaixo! Grande abraço e nos encontramos na próxima semana!

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Os dilemas de Vitor Pereira no Corinthians

Crédito imagem: Divulgação/Timão Web

Estou muito curioso para acompanhar a evolução do trabalho do português Vitor Pereira à frente do Corinthians. O desafio de todo treinador quando chega em um novo clube é diminuir a distância e ser assertivo entre o que “quer fazer” e o que “dá pra fazer”. É claro que o técnico estrangeiro tem um empoderamento maior no ambiente. Digamos que inovar é um pouco mais fácil  para um profissional que vem de fora do que para um “doméstico”. Porém em alguma intensidade a ruptura com Vitor Pereira irá acontecer, já que o que ele pensa de futebol está muito distante do que vem sendo feito, salvo alguns curtos períodos, há mais de uma década no Corinthians.

A equipe de Parque São Jorge foi vitoriosa com Tite, Mano Menezes e Fábio Carille tendo uma ideia macro muito semelhante. Claro que algumas particularidades eram específicas de cada time, já que jogadores diferentes geram conexões também diferentes. Mas podíamos identificar padrões muito claros que permaneciam ao longo dos anos. Por exemplo, o bloco defensivo variando do médio para o baixo, a linha defensiva sempre com quatro jogadores tanto para defender como para atacar numa construção bem sustentada. Para atacar, e na própria transição ofensiva, a ideia prioritária era o passe vertical, tentando chegar ao gol adversário com poucos toques. Na transição defensiva, uma busca imediata pela recuperação da posse, porém após alguns segundos já uma recomposição da organização defensiva. 

Agora, Vitor Pereira demonstra gostar de outros mecanismos, como a saída de bola com três e não quatro jogadores, o goleiro participando da construção e jogando adiantado para fazer coberturas, já que o bloco de marcação também fica adiantado. Para atacar, jogadores bem abertos dando amplitude, buscando sempre triângulos, mesmo que isso gere passes para o lado e para trás várias vezes. E para executar essas ideias o grande dilema será a escolha dos jogadores. Cássio será esse goleiro que joga com os pés e fica adiantado fazendo coberturas? Gil terá velocidade para acompanhar os atacantes adversários quando vier uma bola longa? Fagner conseguirá jogar por dentro tendo outro jogador aberto pela direita?

É esse tipo de questionamento que será respondido com a sequência de jogos… entretanto a questão central para Vitor será ter o máximo de eficácia com o mínimo de atrito entre o que ele quer fazer e o que de fato dará para fazer.

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A força do treino no futebol

Crédito imagem: Leonardo Moreira/Fortaleza

Não quero repetir que contratar técnico estrangeiro não é garantia de sucesso. Se tivermos vinte treinadores de fora no Brasileirão, ainda assim, apenas um será campeão e quatro serão rebaixados. Já critiquei dirigentes que vão no modismo, tentando surfar na onda do sucesso de outros clubes, desprezando totalmente o contexto – não é porque deu certo trazer um técnico estrangeiro no time A que necessariamente o time B será vencedor usando do mesmo expediente.

Porém, observando atentamente declarações de jogadores e desses próprios técnicos, além de vídeos oficiais das atividades internas (o acesso da imprensa segue restrito por conta da pandemia), tem me chamado a atenção a valorização do treinamento por parte desses profissionais. É comum ouvirmos atletas falando que nunca aprenderam tantas coisas novas. Pronto! Aqui temos um diferencial!

A nossa cultura nunca valorizou o treino. Sempre aceitou-se por aqui treinar de qualquer jeito. Pular sessão de treino. Como se fosse algo normal. E não é! Não existe jogo de qualidade sem um treino de qualidade. Não é um estádio lotado que fará o jogador, por exemplo, ser intenso e agressivo nas ações com e sem a bola. Não adianta o treinador ficar a beira do campo berrando, cobrando isso. Tem que ser algo treinado! Tem que estar no inconsciente do atleta. Tem que ser comportamento! E sem uma metodologia muito clara e bem executada durante a semana nenhum princípio de jogo será transferido pro jogo de domingo.

Claro que há treinadores brasileiros que dominam conhecimentos avançadíssimos de treino. Mas falo aqui de uma cultura. Nossa “escola” de treinadores é super recente. Temos pouquíssima literatura nacional a respeito do tema. Afinal, no futebol “antigo” o bom treinador era aquele que não atrapalhava. Os nossos jogadores eram os melhores do mundo, então para que treinar?

O sucesso no futebol é constituído de inúmeras variáveis. O treino é uma delas. Se essa onda de profissionais estrangeiros servir para elevar o nível e a consciência a respeito do treinamento por aqui já terá sido de grande valia. Treinadores vão, mas a cultura fica. E pelo nível do nosso futebol hoje já deu pra perceber que as fórmulas do passado não funcionam no presente e muito menos funcionarão no futuro.

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Heróis e vilões no futebol

Crédito imagem: Valquir Aureliano/Portal Bem Paraná

Semana triste com casos de violência no futebol brasileiro. Absurdos que nem registrarei com pormenores para não dar ainda mais visibilidade aos agressores. O que quero, sim, é jogar luz em alguns elementos nocivos no enxergar o jogo de futebol que estão transformando os necessários apaixonados em alguns bandidos invasores, delinquentes que cometem atentado contra trabalhadores.

Claro que temos que colocar que o futebol está inserido na sociedade, que é um sistema maior. E quanto mais esse sistema for disfuncional mais seus elementos sofrerão. Já falamos que nossa sociedade tem suas violências e impunidades. Porém isso está se somando aos ingredientes impaciência e intolerância dos dias atuais, fazendo com a panela de pressão exploda mais rápido e mais forte! Hoje tudo tem que ser pra ontem. Ou no máximo para agora. Precisamos ter verdades absolutas em fração de segundos. A internet julga e cancela. Mesmo que em muitos casos não tenha solidez e embasamento para esses tais vereditos.  No futebol isso é transferido aos personagens. Técnicos, jogadores e até dirigentes são individualmente valorizados e ridicularizados na mesma proporção em função de alguns poucos resultados. Ignoramos contexto, processo e todo o ecossistema que sustenta, positiva e negativamente, o resultado. Ganhou é gênio. Perdeu não presta. 

Nada justifica a violência. Nada! E futebol não é um mundo à parte. O que é da esfera policial transcende as quatro linhas. Contudo nós do futebol podemos ter uma visão mais ampla, entendendo que dentro de um clube, por exemplo, é mais importante a criação sistêmica de uma cultura ou do sucesso ou do fracasso que permeia todo o processo. O impacto de um jogador e de um treinador é pequeno frente ao que o clube produz como um todo. Vou continuar propagando essas ideias, mesmo tendo muito pessimismo sobre a real assimilação disso da parte de quem pratica um atentado com bomba contra quem está exercendo um ofício…