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A defesa de faltas laterais: Vantagens e desvantagens da altura da linha defensiva – Parte 2: defesa posicionada de forma mais adiantada, à frente da linha da grande área

Visando a obtenção de vantagem sobre os adversários, as bolas paradas têm sido alvo de reflexão neste espaço com alguma frequência. Já falamos sobre algumas estratégias que podem ser adotadas nos escanteios ofensivos e na última coluna, iniciamos a discussão sobre a defesa das faltas laterais, falando sobre as vantagens e desvantagens de posicionar a linha defensiva na linha da grande área, algo muito comum no futebol atual, sendo que esta tendência se aplica tanto para equipes que defendem homem-a-homem, como por zona.

Chegou a vez de falarmos sobre outra possibilidade de posicionamento, menos usual, que vem sendo adotado por algumas equipes nos últimos anos, o posicionamento da linha defensiva “mais alta”, ou seja, posicionada, sempre que possível, de forma mais adiantada, alguns metros à frente da linha da grande área.

Exemplo de defesa de falta lateral com a linha posicionada a poucos metros à frente da entrada da área (Liverpool).

Exemplo de defesa de falta lateral com a linha posicionada a muitos metros à frente da entrada da área (Manchester City).

 

Novamente, minha análise será centrada apenas no posicionamento, não levando em consideração parâmetros fundamentais como disciplina, agressividade, ataque à bola, imposição no duelo defensivo, coragem, sincronismo no tempo de entrada na área, velocidade no preenchimento dos espaços, etc.

Dito isto, posicionar os jogadores, sempre que possível, à frente da linha da grande área (a poucos ou a muitos metros – depende de onde é a cobrança) gera repercussões e interações significativamente diferentes do que quando comparado ao posicionamento mais convencional (na linha da grande área), proporcionando vantagens e desvantagens, as quais sem dúvida vale a pena pensar a respeito.

As vantagens associadas ao posicionamento defensivo à frente da linha da grande área:

Em minha opinião, a lógica por trás desta ideia gira em torno do local da cobrança, que irá influenciar diretamente a viagem da bola e o tempo que ela demorará para chegar até a área. Quanto mais longe a bola estiver da área, mais tempo leva para chegar até lá, assim como os jogadores rivais.

Como vimos na publicação anterior, posicionar os jogadores na linha da grande área (de forma intencional, mesmo tendo a possibilidade de adiantá-la) leva a que com a “viagem” da bola a defesa termine a jogada dentro da grande área, produzindo uma aglomeração de jogadores (defensores e atacantes) que limitam/restringem a ação do goleiro neste tipo de bola, impedindo de socá-la, ou agarrá-la, enfim, intervir de maneira direta. Deste modo, se cria a possibilidade dele ficar “vendido” no lance, a espera de algum desvio, ou acontecimento para reagir.

Desta maneira:

– Em caso de a bola ser lançada diretamente para a área (principalmente contra “pé fechado”), em virtude do posicionamento da linha defensiva estar mais adiantada (sempre quando houver a possibilidade), o goleiro terá mais tempo e espaço para intervir, porque teoricamente haverão poucos jogadores aglomerados ao seu redor dentro da área ao fim da “viagem” da bola, facilitando suas ações (por isso, quanto mais longe a cobrança, mais alta a linha pode estar);

– Ainda que um jogador atacante consiga finalizar a jogada, a finalização acontecerá, teoricamente, mais longe da baliza, aumentando as chances da equipe não sofrer gol;

– Devido a ser um posicionamento pouco utilizado, a equipe que ataca poderá perder suas referências habituais (tanto de batida, como de posicionamento e preenchimento de zonas de finalização);

– Se a linha de marcação for bem feita, a equipe igualmente se favorece da regra do impedimento, em caso da equipe adversária entrar antes da batida.

Compilação de lances positivos em que a defesa, posicionada com a linha mais alta, apresenta solidez defensiva.

Ainda, existem situações em que não é possível posicionar a linha alta, da maneira desejada, em virtude da posição da bola na cobrança (mais próxima da área, por exemplo). Nestes casos, o que vemos nas equipes que procuram adotar esta estratégia de marcação é posicionar a linha defensiva na linha da barreira, ou na linha/dentro da área, consoante o local da cobrança.

As desvantagens associadas ao posicionamento defensivo à frente da linha da grande área:

– Bolas nas costas da defesa podem ser exploradas através de corridas sincronizadas com o batedor e com bloqueios, já que ao propositalmente ceder espaço em suas costas, a linha defensiva fica vulnerável com bolas lançadas neste espaço (cavada, rasteira, etc.) quando precedidas ou não de bloqueios de determinados jogadores e corridas sincronizadas do atacante com o cobrador, acelerando sobre a linha defensiva no momento exato.

– Possível vulnerabilidade em cobranças de “pé aberto”, sobretudo com “bolas rápidas”: Quando o cobrador (principalmente de “pé aberto”) consegue colocar uma bola rápida entre a linha defensiva e o goleiro, existe a tendência em o ataque ser favorecido. Isso porque a vantagem da saída do goleiro devido à linha alta, fica diminuída já que com bolas rápidas o goleiro não tem tempo suficiente para intervir, podendo expor a linha defensiva, devido ao espaço que se cria entre defesa e goleiro.

Talvez seja por isso que equipes como o Manchester City e o Liverpool admitem baixar sua linha defensiva contra cobradores de pé fechado

– Jogadas indiretas (2 tempos): Segue a lógica de fazer a defesa correr de frente, em direção ao seu próprio gol, através do uso de jogadas de dois tempos, como por exemplo bolas cavadas no 2º poste para que a bola volte a ser jogada na área (com cabeceio, pé, etc.), proporcionando o ataque atacar o espaço entre goleiro e linha defensiva. Além disso, o fato da jogada ser em dois tempos, aumenta a viagem da bola, levando a que a defesa esteja mais aglomerada em torno do goleiro, quando comparada a uma jogada de 1 tempo (lançamento direto).

Compilação de gols e chances criadas a partir de faltas laterais, com equipes posicionadas com a linha mais alta.

Considerações finais:

Depois de expor sobre diferentes alturas de posicionamento da linha para a defesa de faltas laterais, fica claro que ambos os tipos de posicionamento possuem vantagens e desvantagens, cabendo ao treinador a escolha que mais se ajusta às suas convicções e, fundamentalmente, aquela que irá permitir levar vantagem sobre o adversário.

Em minha opinião, a característica dos jogadores da própria equipe, bem como a análise do próximo adversário (seus pontos fracos e fortes) são de fundamental importância no momento de eleger um posicionamento específico, podendo, inclusive, variar de jogo a jogo, com o intuito de obter maior solidez defensiva, e, por consequência, reduzir significativamente a margem de risco associada às faltas laterais.

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Debater o ‘tátiquês’ é perda de tempo. Para todo mundo

Debater ideias é sempre interessante. Procuro aprender e crescer com pontos de vista diferentes dos que tenho. Críticas também são bem-vindas. Não aquela que diz que você é uma porcaria. Assim como aquele elogio que diz que você é o melhor do mundo também não ajuda muito. Mas apontar aquele errinho específico, aquela falha no detalhe é fundamental para o crescimento.

Só que acima de qualquer debate e crítica está a relevância do seu conteúdo. Vamos debater para ver quem é mais ‘inteligente’ ou para criar algo melhor juntos? Medir forças não nos tira do lugar, porque aí vamos tentar empurrar ‘goela’ abaixo nossa opinião um para o outro. Porém, criar algo juntos, sim, compensa. Refletir sobre a prática e teorizar em cima de um futuro desejado com a contribuição de todos é algo que me fascina.

Dediquei os dois parágrafos iniciais deste texto justamente para contextualizar de maneira pormenorizada o que vem a seguir, que é mais uma vez a famigerada discussão entre debater tática ou não no noticiário esportivo. Não tem certo ou errado. Não tem melhor e nem pior. O que existe é opinião, maneira de ver o que funciona e o que não funciona para a boa comunicação.

Primeiramente, vamos combinar que o mundo mudou, ok!? Antes eu usava orelhão para falar com a minha então namorada. Hoje consigo fazer chamada de vídeo com a minha atual esposa através de um aparelho celular. Acompanhando essa evolução estão o futebol e a imprensa. E aqui é o ponto que pega muitos que atacam alguns novos termos: a preguiça de estudar as tendências do jogo. Dá trabalho. Não é fácil. Exige leitura, estudo, assistir muito jogo com um outro olhar. E também tem que gostar. E isso é importante: tem gente que não gosta de tática. Acha chato. Ok, tudo bem, respeito. Eu amo tática. Já fiz quase dez cursos na Universidade do Futebol. Já li livros sobre o tema e estudo filosofias de jogo de técnicos do mundo inteiro. Mas, repito, tudo isso porque esse assunto me atrai. Eu amo!

Porém, tem o outro lado da moeda. Quanto mais eu estudo tática mais eu entendo que ela é meio e não fim. A tática serve o jogo de futebol e não o contrário. Ficar preso só ao que acontece taticamente dentro de uma partida é muito pobre. Não representa a totalidade da prática. Até porque o jogo é tático, mas é também técnico, físico, emocional, espiritual e etc e etc. Posso absorver princípios e sub-princípios ofensivos e defensivos de uma equipe, comportamentos de transição ofensiva e defensiva dela, revelar que eles estão sendo muito bem cumpridos, mas mesmo assim esse time pode perder o jogo por 1 a 0. Ou seja, a tática não explica tudo.

O fundamento básico da comunicação é se fazer entender. Se a sua mensagem não for bem compreendida a culpa não é de quem não a entendeu e sim sua que não soube se expressar de acordo com o modelo de mundo e repertório de conhecimento do outro. Em uma comunicação de massa temos de tudo. O bom comunicador é aquele que se faz entender. Por mais estudo que se tenha se quem te acompanha não te entende você não cumpriu sua missão de comunicar. Traduzir o ‘tatiquês’ é a chave. Porque o público entende de futebol, sim senhor. Talvez com outros termos. Mas ele sabe, por exemplo, o que é alargar o campo, conhecido também como amplitude.

Uma imprensa mais competente ajuda a formar um futebol melhor. Todos perdemos de 7 a 1 para a Alemanha, em 2014. Inclusive nós, jornalistas. Elevar o debate é fundamental. Necessário para ontem. Mas sempre se fazendo compreender.

 

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Debater o 'tátiquês' é perda de tempo. Para todo mundo

Debater ideias é sempre interessante. Procuro aprender e crescer com pontos de vista diferentes dos que tenho. Críticas também são bem-vindas. Não aquela que diz que você é uma porcaria. Assim como aquele elogio que diz que você é o melhor do mundo também não ajuda muito. Mas apontar aquele errinho específico, aquela falha no detalhe é fundamental para o crescimento.
Só que acima de qualquer debate e crítica está a relevância do seu conteúdo. Vamos debater para ver quem é mais ‘inteligente’ ou para criar algo melhor juntos? Medir forças não nos tira do lugar, porque aí vamos tentar empurrar ‘goela’ abaixo nossa opinião um para o outro. Porém, criar algo juntos, sim, compensa. Refletir sobre a prática e teorizar em cima de um futuro desejado com a contribuição de todos é algo que me fascina.
Dediquei os dois parágrafos iniciais deste texto justamente para contextualizar de maneira pormenorizada o que vem a seguir, que é mais uma vez a famigerada discussão entre debater tática ou não no noticiário esportivo. Não tem certo ou errado. Não tem melhor e nem pior. O que existe é opinião, maneira de ver o que funciona e o que não funciona para a boa comunicação.
Primeiramente, vamos combinar que o mundo mudou, ok!? Antes eu usava orelhão para falar com a minha então namorada. Hoje consigo fazer chamada de vídeo com a minha atual esposa através de um aparelho celular. Acompanhando essa evolução estão o futebol e a imprensa. E aqui é o ponto que pega muitos que atacam alguns novos termos: a preguiça de estudar as tendências do jogo. Dá trabalho. Não é fácil. Exige leitura, estudo, assistir muito jogo com um outro olhar. E também tem que gostar. E isso é importante: tem gente que não gosta de tática. Acha chato. Ok, tudo bem, respeito. Eu amo tática. Já fiz quase dez cursos na Universidade do Futebol. Já li livros sobre o tema e estudo filosofias de jogo de técnicos do mundo inteiro. Mas, repito, tudo isso porque esse assunto me atrai. Eu amo!
Porém, tem o outro lado da moeda. Quanto mais eu estudo tática mais eu entendo que ela é meio e não fim. A tática serve o jogo de futebol e não o contrário. Ficar preso só ao que acontece taticamente dentro de uma partida é muito pobre. Não representa a totalidade da prática. Até porque o jogo é tático, mas é também técnico, físico, emocional, espiritual e etc e etc. Posso absorver princípios e sub-princípios ofensivos e defensivos de uma equipe, comportamentos de transição ofensiva e defensiva dela, revelar que eles estão sendo muito bem cumpridos, mas mesmo assim esse time pode perder o jogo por 1 a 0. Ou seja, a tática não explica tudo.
O fundamento básico da comunicação é se fazer entender. Se a sua mensagem não for bem compreendida a culpa não é de quem não a entendeu e sim sua que não soube se expressar de acordo com o modelo de mundo e repertório de conhecimento do outro. Em uma comunicação de massa temos de tudo. O bom comunicador é aquele que se faz entender. Por mais estudo que se tenha se quem te acompanha não te entende você não cumpriu sua missão de comunicar. Traduzir o ‘tatiquês’ é a chave. Porque o público entende de futebol, sim senhor. Talvez com outros termos. Mas ele sabe, por exemplo, o que é alargar o campo, conhecido também como amplitude.
Uma imprensa mais competente ajuda a formar um futebol melhor. Todos perdemos de 7 a 1 para a Alemanha, em 2014. Inclusive nós, jornalistas. Elevar o debate é fundamental. Necessário para ontem. Mas sempre se fazendo compreender.
 

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Sobre os espaços de debate do futebol brasileiro

Museu do Futebol, no Pacaembu: um dos claros espaços para se debater futebol no Brasil.(Divulgação: Direção Cultura)

 
Nesta terça-feira, esta mesma Universidade do Futebol promoveu um encontro presencial para os alunos do curso Gestão Técnica no Futebol, no Museu do Futebol, em São Paulo. Os encontros já se tornaram tão recorrentes quanto a palavra futebol na oração anterior – e quanto mais falarmos dele, melhor. Este colunista esteve presente ao evento, mas gostaria que a conversa de hoje, por arrastamento, tomasse outro rumo.
Vejamos.

***

É bem verdade que as facilidades virtuais permitem, de algum modo, que possamos nos comunicar à distância e em tempo real. Podemos pensar, como já nos advertiram diversos pensadores, sobre os efeitos que tamanho imediatismo causa na nossa percepção do mundo – consequentemente, na nossa percepção sobre futebol -, mas é inegável que essa agilidade permite que nossa comunicação seja simplificada, superando as distâncias de tempo e espaço. Este texto, por exemplo, é fruto da mesma facilidade.
Por outro lado, ainda que se mostrem atalhos úteis, não é possível afirmar que as tecnologias substituam o contato pessoal. O virtual nos traz pedaços, faíscas do humano. A vida vivida, por sua vez, apresenta o humano por inteiro. E é nessa inteireza, nessa riqueza humana do debate, que me detive com alguns dos colegas ontem, durante o dia, no Pacaembu. Ao futebol brasileiro, além do hábito de oxigenar-se (ainda que nossos ares se purifiquem aos poucos), também é preciso cultivar o hábito dos encontros presenciais. Nós precisamos nos reunir e conversar pessoalmente sobre futebol em uma base regular.
Repare que eu disse conversar, não exatamente falar sobre futebol. Por quê? Porque estes espaços, em primeiro lugar, são espaços de escuta. São espaços de abertura e respeito para aqueles que, hoje, nos dão seus ombros – como disse ontem o colega René Simões – de modo que então nossa vista seja privilegiada. Mas, para isso, é preciso repensar profundamente este discurso, cada vez mais arraigado, de irrefletida romantização da modernidade, acompanhada de uma violenta negação do passado, como se o caminho para o futuro precisasse de uma grande borracha imposta sobre o espelho retrovisor. Não conheço um registro sequer de indivíduos, grupos ou sociedades que evoluíram a partir da absoluta indiferença ao que são ou ao que já foram. Com o futebol não seria diferente. Mas será que estamos suficientemente abertos?
Se não, talvez sejamos vítimas deste hábito, comum ao nosso tempo, de encarar os debates como espaços a serem dominados (logo, vencidos). Entrar em uma conversa fechado, estribado, não seria uma ofensa à própria natureza antagônica do debate? Pois foi parte do que vi, nestes últimos dias, nessa discussão sobre as terminologias utilizadas por nós, profissionais da área, que causam desconforto em alguns dos colegas. Veja bem, é claro que outros tempos são acompanhados de outros hábitos e, também, de outras linguagens. Da mesma forma, o refinamento intelectual é importante para quaisquer atividades – idem para o futebol. Mas ainda não consigo enxergar onde está a necessária dose de modéstia nos diagnósticos que fazemos vez por outra. É razoavelmente ingênuo, por exemplo, afirmar que novas terminologias são sinônimos de ‘progresso’ futebolístico. A ideia de linearidade associada ao tempo (como se o seguinte fosse necessariamente melhor do que o anterior) não é em nada ‘moderna’. Pelo contrário, no futebol, onde as relações de causa/efeito, são absolutamente frágeis, exatamente pelo equilíbrio instável inerente ao jogo, a linearidade ganha cada vez menos força. Da mesma forma, como já conversamos em outras oportunidades, é importante ter algum cuidado com a romantização irrefreada do discurso científico, que enxerga a ciência como uma ferramenta inequívoca e universal para a resolução pasteurizada de quaisquer problemas – inclusive os do futebol. Se assim fosse, em primeiro lugar, o estudo já seria dispensável (não é). Em segundo lugar, existem olhares para além da ciência. Será mesmo que a filosofia de um Nietzsche, a literatura de um Shakespeare, de um Machado de Assis ou Nelson Rodrigues, a música que nos toca, a reza que rezamos e a vida vivida, nenhum deles científicos, todos importantes para a humanidade em geral, seriam realmente dispensáveis ao olhar do futebol? Ao invés de afirmar que se sabe, talvez a sabedoria pura resida na postura socrática – saber que não se sabe. A ignorância reconhecida é mais sábia do que a pretensa inteligência.
Daí a importância dos debates presenciais, para dissolver nossas certezas, mediar as contradições. Este sim é um dos caminhos seguros para o progresso (progresso moral!). Não para nos criar em polêmicas cegas, mas para cultivar as raízes de um debate sério que, primordialmente, vá ao encontro de uma determinada agenda. Qual é a grande agenda do futebol brasileiro hoje em dia? Quais são nossos objetivos? – se a resposta for ganhar, talvez estejamos em um caminho estreito e pobre – Qual é o perfil que esperamos dos nossos atletas, treinadores, profissionais em geral, mesmo da imprensa esportiva? O que une o futebol brasileiro e o separa dos outros? Quais os caminhos que queremos para o futuro próximo e distante?
São perguntas que me ocorrem e que, imagino, não ocorrem apenas a mim.
Resta agora debater.
 

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O Interior do Futebol

Esta coluna repete há semanas a máxima de que “fazer futebol é caro” e que quem garante boas receitas são os clubes com número expressivo de torcedores, capazes de comprar muitos ingressos e que garantem audiência expressiva no rádio e na televisão. Diante disso, os clubes no interior têm os dias contados.

Treinador do Red Bull Brasil, equipe do interior paulista, antes de atividade do clube em preparação para a segunda fase do estadual. (Foto: Divulgação)

 

Não tem sido bem assim. No caso do estado de São Paulo, as equipes do interior que chegaram à fase final têm se saído como mananciais de exemplos de como desejamos o futebol do país. A coluna sempre valoriza a importância de se haver propósito, filosofia, rotina e cultura de trabalho. A necessidade de se construir uma identidade. Para a Gestão do Esporte, elemento sine qua non para o bom desempenho das atividades e produtividade.

Os chamados “grandes” clubes enfrentam problemas que os do interior não passam. E vice-versa. Estes não enfrentam a pressão por resultados ou questões políticas que interferem no dia a dia do clube. Muitos possuem problemas com salário, entretanto estes que avançam de fase, não. Quem recebe em dia trabalha mais tranquilo, né? Produz mais, sem dúvida. Aquele futebolista de um grande clube pode até desempenhar sem receber, porque a torcida faz pressão. No entanto, na primeira chance, sai do clube e coloca em risco o trabalho a longo prazo. Errado o atleta? Não!

Outro fator importante: tempo. Os clubes do interior possuem tempo para poderem construir a identidade de jogo da equipe. Operam a longo prazo, contratam ou moldam os jogadores de acordo com a filosofia de trabalho, conduta dentro, fora de campo. Estes fatores, como já escritos antes, tornam o trabalho de comunicação e marketing da equipe excelentes. É capaz de atrair muitos torcedores. O Botafogo de Ribeirão Preto, mesmo não estando na fase final, se antecipa ao revitalizar o estádio. 

O futebol do interior tem, é verdade, trazido boas novas. Oxalá venham mais bons sinais como, por exemplo, austeridade financeira que seja o alicerce de uma sustentabilidade para as equipes do interior. Portanto, o interior do futebol revela que, quanto menor o propósito coletivo e a cultura de trabalho, os resultados ficarão mais aquém daqueles esperados. 

Em tempo mais uma frase relacionada à Gestão e Marketing Esportivo:

“Este é o caminho do Atlético daqui para frente. Este é o marketing, o grande marketing do futebol. A bola entrar naquela casinha quadrada que tem uma rede. O melhor executivo de marketing que existe no mundo do futebol é quem coloca a bola na rede.” 

Alexandre Kalil, quando presidente do Clube Atlético Mineiro (Julho/2013)

 

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Termos técnicos

A seleção brasileira de futebol é uma das marcas mais relevantes do esporte em âmbito global. É um time que simboliza vitórias, conquistas, ídolos e um estilo que contribuiu sobremaneira para a própria disseminação do jogo. No entanto, e isso não é um caso recente, também um dos maiores exemplos de como uma comunicação inadequada pode debelar uma imagem essencialmente positiva.
Durante décadas, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) submeteu a seleção a jogos esdrúxulos, estádios e adversários que não condizem com o time pentacampeão mundial, amistosos agendados apenas para afagar o ego de patrocinadores, convocações suspeitas – tema que já apareceu até em uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) –, denúncias de contratos espúrios e uso político da marca. O time que apresentou ao mundo nomes como Pelé, Garrincha, Zico, Romário e Ronaldo também é o responsável por colocar no noticiário figuras como João Havelange e Ricardo Teixeira.
A seleção tornou-se uma parte tão relevante para a construção identitária do que é ser brasileiro que o significado da camisa amarela extrapolou demais os limites do campo. É um símbolo que aproximou turistas de diferentes países por muitos anos, e que mais recentemente virou denominador comum em protestos políticos – as manifestações que antecederam a derrubada da presidente Dilma Rousseff (PT) e que pavimentaram a ascensão da extrema direita representada por Jair Bolsonaro (PSL) tiveram como ponto comum o uniforme.
Em outras épocas, a seleção já foi usada por políticos locais de diferentes espectros e tratada de forma calhorda por muitos dos que deveriam zelar por sua marca. O mau uso da camisa canarinho é outro fenômeno que não tem nada de novo e que apenas revela a total ausência de um manual do que representa a marca.
Se houvesse preocupação com a relação entre público e seleção brasileira, o time nacional não teria enfrentado o Panamá no último sábado (23); se houvesse essa preocupação, o duelo não teria acontecido em Portugal; se houvesse, o empate por 1 a 1 não teria sido tão pouco relevante e o retrospecto do Brasil após a Copa do Mundo de 2018 teria levantado muitas discussões pertinentes.
O Brasil disputou sete partidas desde que foi eliminado pela Bélgica no Mundial disputado na Rússia. Foram seis vitórias e um empate (justamente contra o Panamá), com apenas um gol sofrido e sem qualquer apresentação digna de nota. Há uma renovação em curso, que tem dado mais espaço para nomes como Éder Militão, Lucas Paquetá, Arthur e Richarlison. Também existem mudanças táticas significativas – a principal delas é o papel dos laterais, mais agudos e menos construtores pelo meio do que eram Daniel Alves e Marcelo, titulares até 2018.
No entanto, o que mais levantou discussão após o empate com o Panamá foi o discurso do técnico Tite. Tudo porque o treinador, em entrevista coletiva depois da partida, usou expressões como “externos desequilibrantes” e “sinapses no último terço”. Foi o suficiente para gerar críticas de quem identificou nele um excesso, um pedantismo ou uma dificuldade para criar vínculo com quem recebe a mensagem.
Ora, Tite não se tornou essa figura apenas depois da Copa. O treinador tem esse tom como característica, e foi falando assim que virou uma das maiores unanimidades do país – e não apenas no esporte – antes da disputa do Mundial.
Também é fato que o desgaste da imagem de Tite tem a ver com o excesso, mas não com o excesso das expressões. O treinador foi o principal garoto-propaganda de várias marcas em 2018 e se tornou figura presente em praticamente todos os segmentos. Pelo baixo índice de rejeição e por ter conseguido um rápido sucesso no comando do time nacional, suplantou qualquer jogador em volume de aparição midiática.
A enorme exposição também aumentou a responsabilidade de Tite e transformou o treinador em uma figura mais vinculada ao fracasso na Copa. O Brasil caiu em um grande jogo contra a Bélgica, vale lembrar, numa partida em que teve oportunidades até o fim.
Tudo – o jeito professoral de Tite, o excesso de exposição do treinador, a queda para a Bélgica e as expressões inusitadas – faz parte de um pacote que não atrapalha necessariamente a comunicação. O que acontece é que esses elementos ganham destaque quando as outras pautas perdem importância.
Expressões como as usadas por Tite – e outros exemplos, como “terço final”, “oportunizar”, “entrelinhas” ou “bloco baixo” – fazem parte de um glossário de uma nova geração no futebol, e lutar com isso também denota algum preconceito. Há não muito tempo ouvi dois garotos de 11 e 12 anos comentando que haviam “quitado um jogo” para dizer que tinham deixado uma pelada. É uma apropriação exagerada da língua inglesa, mas o mais importante é que o grupo se identifica a partir desse modo de falar.
Jornalistas falham ao não traduzir bem isso, mas também falham ao ironizar ou falar de forma preconceituosa sobre expressões que têm conteúdo. Tite deu vários elementos que poderiam levantar discussões sobre a seleção brasileira, e discutir o discurso também é uma forma de evitar o trabalho de aprofundamento em outros temas.
O Brasil tem vários problemas de comunicação com seu público, e o discurso de Tite é apenas um deles. Se houvesse uma real preocupação da cúpula da CBF, as expressões do treinador poderiam compor até um glossário ou mostrar a diferentes perfis de público que nem todos precisam consumir o jogo da mesma forma.
Mas talvez seja pedir demais que a CBF, que há décadas busca meios diferentes para pisar na história da seleção brasileira, agora tivesse qualquer tipo de preocupação com as mensagens que sua principal marca transmite.
 

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A nova velha crise sistêmica do São Paulo

Sinceramente, não lembro quantos textos já escrevi ou quantos comentários já fiz no rádio e na TV falando da mesma coisa: a crise no São Paulo. Perdi a conta porque foram muitos. A luta agora é buscar argumentos diferentes, fatos novos, sustentação mesmo, para fugir do achismo e buscar primeiro entender para depois explicar o que está acontecendo. Até porque tanto o sucesso como o fracasso deixam pistas e rastros e entende-los muitas vezes não é difícil. E é justamente esse o ponto: é fácil entender a areia movediça em que há anos o São Paulo patina. Está todo mundo vendo! Porém, é impressionante como o clube cada vez mais se afunda nela.
Um clube de futebol é sistêmico. O todo é maior do que a soma das partes. Por exemplo, um time forte não dará resultados consistentes a médio prazo se a parte administrativa não estiver bem. O ‘vice-versa’ também é verdadeiro: uma gestão sólida no comando diretivo, mas sem uma linha de trabalho bem alicerçada dentro de campo também não produzirá frutos. A questão no Tricolor é que nada funciona. Nem dentro e nem fora das quatro linhas. E em casos assim a mudança tem que partir de cima.
As picuinhas políticas e o arcaico modelo de eleição aniquilam a modernização tricolor. Não estou pedindo aqui que de uma hora para outra, o São Paulo tenha um dono, com ações na bolsa de valores. Até porque, por mais que eu sonhe que isso aconteça um dia aqui no futebol brasileiro, sei que os reais donos dos clubes, que não são empresários que visam a profissionalização e o honesto lucro com isso, vão largar o osso tão cedo. Mas o que vemos hoje no Morumbi é a política acima da performance. Cargos estratégicos, inclusive o do ídolo Raí, não me parecem ser escolhidos tendo a competência técnica como fator mais decisivo para contratação. É tudo político.
Diante desse quadro, como falar de uma filosofia de futebol? Como debater modelo de jogo baseado na história, nas conquistas, no perfil de expectativa da torcida, enfim, do DNA do clube dentro de campo, se fora dele a bagunça impera? Qualquer projeto bem sucedido em campo precisa de sequência, continuidade de ideias de jogo e metodologia de trabalho. Variando no estilo do treinador mais do que varia a estabilidade da economia brasileira fica difícil ter conquistas.
Em abril, o São Paulo será comandado pelo terceiro treinador no ano. O elenco já está sendo reformulado. Há quem aponte que as categorias de base do São Paulo funcionam, mas olhando o clube como um todo de nada adianta conquistar a Copa SP de Juniores se o time profissional não é abastecido por esses garotos formados em Cotia. Imagine o São Paulo na Pré-Libertadores deste ano tendo Eder Militão na linha defensiva e David Neres em uma das pontas?
Não sei se as linhas acima representam uma análise nova. Talvez o problema não seja nosso, de quem analisa. E sim de quem há dez anos vive uma crise inimaginável e parece não fazer nada para muda-la.
 

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Sobre o uso de coringas como recurso pedagógico

Toni Kroos, nos tempos de Bayern: um coringa por excelência? (AP Photo/dpa, Thomas Eisenhuth, File| Divulgação: Sporting News)

 
O ofício de treinador – que se confunde com o ofício de professor– exige, como em qualquer outra arte, que se goste de fazê-lo. Neste caso, portanto, é preciso que se goste do ato de treinar. Mas não é só isso: é preciso também que se goste de planejar os treinamentos, que isso se faça com responsabilidade e diligência, assim como é preciso que se goste de pensar sobre o treino, desde as suas referências macro até os pormenores.
Neste sentido, proponho hoje conversarmos sobre um pormenor que já rendeu boas discussões com alguns colegas e que me parece um recurso pedagógico muito interessante: o uso de coringas em determinados exercícios.
Vejamos.

***

Em primeiro lugar, qual é a grande vantagem de lançar mão de coringas nos nossos exercícios? É simples: com eles criamos situações permanentes de superioridade numérica. Mas não é uma superioridade qualquer. No caso dos coringas, as superioridades não se realizam de maneira estanque, mas fluida. Ou seja, uma mesma equipe não terá superioridade durante todo o exercício, mas terá superioridade em momentos específicos, cuja marcação não é exatamente cronológica, mas nasce do tempo do jogo: há superioridade quando se recupera e se conserva a posse da bola. Essa transitoriedade que caracteriza o exercício com coringas me parece importante, especialmente se pensarmos na condição igualmente transitória do jogo.
Neste sentido, talvez persista uma pequena confusão, sobre a qual podemos pensar agora: do que falamos quando falamos de coringas? Aqui, acho saudável estabelecer uma distinção entre os coringas e aquilo que prefiro chamar de apoiosUm coringa também será um apoio, mas um apoio não será necessariamente um coringa. Vejo dois tipos de apoios: I) aqueles que servem como opções ao portador da bola – como citado por Bayer, por exemplo – independentemente do setor do campo; II) aqueles que podem ou não servir às duas equipes em um dado exercício, mas cujas ações estão restritas a um determinado setor do campo, esteja ele próximo à linha de fundo (caso o objetivo do exercício seja, por exemplo, fazer com que a bola encontre apoios em profundidade), ou fixo nas laterais (em um exercício de progressão ao alvo ou manutenção da posse, por exemplo, em que apoios em largura estão disponíveis para a equipe que ataca).
Quando penso em um coringa, penso em um jogador que sempre estará a favor da equipe em posse da bola, mas que pode, durante o exercício, circular livremente, oferecer apoios ao portador da bola em quaisquer larguras/alturas do campo. Ao mesmo tempo, não sei se os colegas compartilham dessa impressão, parece haver no coringa uma certa tendência centrípeta, como se a partir do centro fosse mais provável equilibrar as ações ofensivas. E de certa forma, o coringa se torna uma espécie de atrator natural, uma vez que ele estabelece a diferença momentânea entre as duas equipes.
Ainda aqui, é importante considerar que um coringa não oferece apenas superioridades numéricas. Ele também pode oferecer outros dois tipos de superioridade: posicional (uma vez que, sendo o elemento distinto do jogo, pode e deve criar espaços), como também superioridade qualitativa, pois é o coringa, de acordo com o exercício, quem deve dar fluidez e movimento ao jogo através da bola. Na foto de capa deste artigo, escolhi uma imagem de Toni Kroos exatamente pela sua evidente potencialidade para a função. Kroos, afinal, é um exímio passador.
Mas da mesma forma, sabendo que jogadores mudam ao longo do tempo (muito em função da medicina do bom treinador) será que o coringa também não se torna um recurso interessante para a evolução do mau passador?

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Para além de uma utilidade funcional, repare que os coringas têm um importante apelo afetivo – nomeadamente para os colegas que trabalham na iniciação (iniciação tardia, inclusive). No caso das crianças, especialmente após o período pré-operatório piagetiano, já existe um certo senso de solidariedade, ao mesmo tempo em que ainda vivem, como expressões da humanidade que nos é comum, traços de egocentrismo, que também precisam ser afagados. Na minha experiência, percebo que as crianças adoram o papel de coringas, independentemente do jogo –  tendo em vista que o coringa é um atrator natural, como dissemos acima. Com alguma malícia, é possível criar estratégias para que todas as crianças experimentem o papel de coringas ao longo do tempo. Se quiser intensificar a afetividade, basta brincar junto. Por exemplo, quando dou meus treinos de boné, costumo emprestá-lo para as crianças como o objeto que irá distinguir o coringa. De alguma forma, além de estimular que as crianças do time que ataca mantenham a cabeça erguida (o boné está no alto), ali reside um certo peso simbólico, pois usar um dos objetos que diferem o treinador transmite alguma satisfação, ainda que temporária. Se o treinador (de propósito) usar o boné para trás, oferecendo a mesma possibilidade para as crianças durante o jogo, então além de satisfação talvez também se crie uma certa informalidade, um ar simbólico de relaxamento e liberdade – interessante para os mais tímidos, especialmente. Brincar com esses detalhes é parte central do nosso ofício.
Para além da questão afetiva, vejo outra possibilidade pedagógica importante a partir dos coringas. Especialmente na iniciação, tenho a impressão de que jogos em igualdade numérica podem ser fortemente complexos de acordo com o grupo, daí a importância das superioridades. Não por acaso, em exercícios de finalização, por exemplo, me agrada bastante criar situações muito mais limpas para o ataque, como 3 v 1, por exemplo, situações essas que modulo, para baixo, à medida que as crianças se mostram mais à vontade (quanto maior a superioridade, supostamente maiores serão as chances de se alcançar um objetivo como a finalização).
Mas essa mesma situação, repare bem, talvez não seja necessariamente aplicável aos coringas. Em jogos de manutenção da posse, por exemplo, caso utilizemos mais do que um coringa, entramos em um dilema importante, uma vez que uma das primazias do coringa é exatamente o cuidado posicional. Com as crianças, não se pode (e não se deve) priorizar a posição, as crianças precisam jogar. Coringas em excesso, portanto, podem até facilitar o alcance de um determinado objetivo dentro do jogo, mas também podem se chocar com os mesmos princípios da atração e das superioridades de que falamos anteriormente. Lidar com essas ambiguidades é outra obrigação importante do nosso ofício.

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Já nos cenários da especialização e do rendimento, talvez os caminhos sejam outros. Quais são as vantagens e, especialmente, quais são os limites do uso de coringas? Por ora, indico a reflexão do colega Eduardo Barros, em coluna publicada nesta mesma Universidade do Futebol.
Continuamos em breve.
 

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Os Dirigentes e o Marketing do Futebol

A vida de Eurico Miranda se confunde com o Vasco da Gama. E vida dele era o clube, praticamente. Representava por completo o estereótipo do “cartola” que se conhece: “dono” do clube, “pai” dos jogadores, politicamente hábil, discurso muitas vezes incontestável e comportamento, na maioria das vezes, excêntrico. É verdade que estes personagens são cada vez mais raros, entretanto ainda existem. Em igual ou menor grau.

Dirigentes de clubes de futebol do Brasil em reunião na entidade máxima da modalidade no país. (Foto: Divulgação)

 

Em termos de Gestão do Esporte, estas características não se aplicam mais. A atual demanda das organizações esportivas, atletas e fãs do esporte pela busca por transparência, retidão com as receitas do clube, das federações e de parceiros, além de uma governança sustentável, não condizem com as velhas práticas de outros tempos, dos quais Eurico Miranda fez muita parte. Um exemplo – apenas um – é a final da Copa João Havelange de 2000, quando as grades de São Januário se rompem instantes antes do jogo, que teve que ser remarcado. Eurico fez de tudo para que o jogo pudesse acontecer, em vão.

Há quem diga que o falecimento dele é o fim de uma era. Esta era citada no parágrafo anterior. Ledo engano. O futebol do Brasil está longe do término destes tempos. Poucos clubes seguem uma orientação de mercado. Mesmo alguns considerados exemplos na arrecadação de recursos e geração de receitas, estão vinculados a patrocinador(es) cuja rotina também se confunde com o clube, o que sugere participação ativa na vida da instituição. Em outras palavras, manda(m) e desmanda(m).

Manda quem está no comando, quem tem o dinheiro, uma “panela”. Não a torcida, não quem compra o ingresso do jogo e a camisa do clube. Quem, de fato, consome.

Fazer futebol está caro! Atender as demandas das massas por títulos e protagonismo é uma conta que não fecha. Por isso ainda existem os mecenas da bola. Por isso a regulamentação da gestão do esporte e, especificamente, a do futebol, é mais do que urgente.

Com tudo isso, na elite do futebol do Brasil os dirigentes à moda antiga têm perdido espaço para práticas mais voltadas ao mercado. É perceptível este movimento. Entretanto, as práticas diretivas de outrora ainda existem e persistem. O fim dessa era se dará com a participação do torcedor (consumidor); com sustentabilidade financeira e esportiva voltadas para longo prazo. Nos dias de hoje “imediatismos” não mais se aplicam porque a consequência é desastrosa. O produto não se sustenta no mercado e não há marketing que resolva.

Em tempo: nesta coluna acredito que alguma coisa ou outra é falada, ou ideia compartilhada. Quero deixar uma reflexão que é atribuída ao ex-Presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy:

“Sempre se ouvirão vozes em discordância, expressando oposição sem alternativa, descobrindo o errado e nunca o certo, encontrando escuridão em toda parte e procurando exercer influência sem aceitar responsabilidade.”

Longe de qualquer pretensão, em tudo o que se discute e reverbera, é preciso encontrar alternativas e executá-las; procurar ver o que é certo e celebrá-lo, além de aceitar as responsabilidades. Sobretudo, é preciso trabalhar e construir.

 

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A relação entre torcedor e futebol

Alerrando, 19, foi o personagem principal do futebol brasileiro no último domingo (17). Em seu primeiro jogo como profissional no Mineirão, o atacante do Atlético-MG fez dois gols – um deles aos 45min do segundo tempo – e definiu a vitória por 3 a 2 sobre o América-MG. “Era um sonho. Via muita gente marcando aqui, e em 2014 eu estava na arquibancada quando o Luan brilhou contra o Flamengo [vitória por 4 a 1 na Copa do Brasil]. Por isso eu explodi e fui para a galera”, contou o garoto, que agora tem sete gols e lidera a artilharia do Campeonato Mineiro. Era para ser uma história feliz, emocionante, de superação. Em vez disso, o desempenho tornou mais emblemático o que aconteceu com o garoto Gabriel, de dez anos.
Gabriel estava entre os torcedores do Atlético-MG no Mineirão e ficou frente a frente com Alerrandro quando o jogador deixava o gramado em direção ao vestiário. O atacante tirou a camisa que havia utilizado na partida e atirou na direção do garoto, que segurou o presente. Antes que ele ficasse com a recordação, contudo, outros torcedores intercederam, tentaram tomar o uniforme e acabaram machucando o braço do pequeno torcedor (a gravidade da lesão ainda não foi confirmada).
Seguranças do Mineirão e o pai de Gabriel conseguiram conter os outros torcedores e os impediram de levar a camisa. Além disso, após intermediação da TV Globo, Alerrandro encontrou o garoto e deu a ele um uniforme novo – o que o jogador havia utilizado no sábado, por causa da disputa, acabou todo rasgado. Um desfecho feliz para a relação entre menino e ídolo e para a recordação. No entanto, essa história é suficiente para apagar a tensão que o torcedor viveu quando foi interpelado por outros atleticanos e teve de lutar com eles até machucar o braço?
Ao ver aquela cena, outros pais ficaram mais ou menos interessados em levar seus filhos ao estádio? E afastar crianças do estádio tem um impacto positivo ou negativo para o futebol no médio e no longo prazo? Gabriel pode ter ficado com um sentimento positivo sobre o jogo depois do que aconteceu no Mineirão, mas tem certeza de que isso não vai se repetir no futuro?
O escritor Eric Hobsbawm (1962-2012), em uma discussão sobre economia e futebol, disse que o esporte é perfeito para o capitalismo porque não precisa cultivar paixões. Que empresa, afinal, tem milhões de consumidores absolutamente fiéis, incapazes de comprar produtos de seus concorrentes?
Episódios como o do Mineirão, contudo, não afetam necessariamente a relação entre torcedor e clube; alteram o nível de interesse pelo próprio esporte. Gabriel não vai ser menos atleticano depois de ter enfrentado outros adeptos para ficar com uma camisa, mas essa história pode afetar a relação dele e de seus parentes com o jogo. O Atlético-MG segue não disputando público com América-MG ou Cruzeiro, mas os clubes do Brasil continuam sem entender que brigam com teatros, cinemas, videogames, Amazon Prime, Netflix e tantas outras ferramentas do gênero.
A tecnologia pode potencializar o consumo no esporte e pode ajudar a construir narrativas a partir de bases que não eram usadas antes. Se esperar apenas um crescimento orgânico, contudo, o esporte acabará perdendo a chance de se beneficiar. Em vez disso, será substituído por outras formas de entretenimento.
Entretenimento, vale lembrar, é algo caro. Ainda que a atividade seja gratuita, demanda transporte, alimentação e abre outras frentes de consumo. Ir a um jogo de futebol não é simples para a realidade econômica média do Brasil. Fazer dessa experiência um episódio traumático certamente não contribui para fazer desse um investimento mais viável.
O mesmo vale para o episódio do clássico entre São Paulo e Palmeiras, disputado no sábado (16), válido pelo Campeonato Paulista. A partida contou apenas com torcedores da equipe tricolor no Pacaembu e teve uma discussão nas numeradas depois de um garoto ter supostamente vibrado quando Carlos Eduardo anotou o gol da vitória alviverde por 1 a 0.
Em vídeos gravados por jornalistas que estavam acima das numeradas é possível ver um torcedor acusando o garoto de ser palmeirense, como se isso fosse algum tipo de insulto. O pai do torcedor, de costas para o campo, responde com expressões como “e daí?” e “e se ele for?”. Depois, conclui que “queria ter mais palmeirenses sentados ao lado deles”.
Mais uma vez, uma convicção individual (o torcedor acha que não é admissível um são-paulino vibrar com um lance de efeito de um time rival) acabou afetando a experiência de quem estava no estádio e ainda vivencia a construção de uma relação com o esporte.
Depois do episódio, ainda que o pai tenha sido incisivo na defesa, outros torcedores também passaram a ameaçar o garoto. A família toda acabou deixando o Pacaembu. Que saldo será que eles tiveram da experiência de ver um jogo no estádio?
E se o garoto tiver vibrado apenas porque achou o lance bonito? E se for realmente palmeirense? Qual o problema de um garoto com coração alviverde acompanhar o pai (seja ele são-paulino ou não) em uma partida de futebol? Essa família tinha um grande potencial de consolidar uma relação de consumo com o esporte. Diante de casos como o de sábado, esse potencial é extremamente debelado.
O contraexemplo do fim de semana aconteceu na Espanha, onde o Barcelona venceu o Betis por 4 a 1 em Sevilha, casa do rival. Autor de três gols e de algumas das jogadas mais plásticas do duelo, o argentino Lionel Messi foi aplaudido de pé por grande parte do público presente. Não houve quem tentasse coibir de forma violenta essa manifestação de apoio e valorização do talento.
No Brasil, seguimos pensando que o jogo de futebol é um ambiente em que convicções individuais podem aparecer e ignorar construtos sociais. É uma seara que ainda faz pouco para que preconceitos não reverberem, por exemplo.
Do ponto de vista da comunicação, está mais do que claro que qualquer atitude separatista diminui seu potencial de público. O futebol, esporte mais popular do planeta e paixão de milhões, viveu décadas apenas aproveitando os frutos desse status. Se continuar achando que não precisa cativar seus consumidores, porém, acabará vendo pela TV o sucesso de seus concorrentes.