Mês: maio 2008
Champions League
CHELSEA: O 4-1-4-1 de Avram Grant: com a bola, Joe Cole e Malouda se
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Quem quer dinheiro?
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O futebol é uma caixinha de surpresas. Todo boleiro conhece essa frase, usada tanto por vencedores quanto por derrotados; talvez por isso Nelson Rodrigues, dramaturgo, jornalista e apaixonado pelo Fluminense, criou uma figura capaz de personificar fatos do esporte bretão.
Em outubro de 1968, Nelson Rodrigues escrevia no Jornal O Globo: “Amigos, dizia Horácio que há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia. Esta aí uma clara alusão ao Sobrenatural de Almeida (…) Os idiotas da objetividade não vão além dos fatos concretos. E não percebem que o mistério pertence ao futebol. Não há clássico e não há pelada sem um mínimo de absurdo, sem um mínimo de fantástico (…) O curioso é que o Sobrenatural de Almeida andava sumido. Ou melhor dizendo: não tinha imprensa”.
A partida de volta entre Fluminense e São Paulo, no Estádio do Maracanã, pelas quartas-de-final da Copa Libertadores da América de 2008, é um bom momento para a reafirmação de Sobrenatural de Almeida, que, criado justamente para explicar certos “acasos”, pode nos ajudar a entender que essa partida tem um valor além da vaga às semifinais da competição, revelando então que fora das quatro linhas há muito mais em jogo do que se pode pensar.
Descrever o que aconteceu naquela quarta-feira no Rio de Janeiro é desnecessário, mas é necessário escrever que o time de Renato Gaúcho cravou seu lugar não só na história de seu clube, mas também no imaginário coletivo de uma legião de seguidores do Fluminense.
“Jogo, logo existo”, diria Eduardo Galeano; e Washington passou a existir na memória do torcedor carioca não só pelo gol da classificação, mas antes mesmo de entrar em campo.
Sem marcar nenhum gol havia oito partidas, o atacante apelidado de “Coração de Leão” – referência à superação após cirurgia cardíaca – recebeu uma carta de incentivo de um torcedor. Nela, a pessoa indicava a ele o filme “Desafiando Gigantes”, história de um treinador de futebol americano que, depois de enfrentar crises profissionais e pessoais é desafiado por um desconhecido a acreditar no poder da fé, descobrindo assim a força da perseverança para vencer.
O atacante, que tem essa questão religiosa viva dentro de si, mostrou a seus companheiros de equipe o filme na concentração horas antes do jogo. Por mais que muitos não acreditem em certas coisas, a história mexeu com seus companheiros, que passaram a acreditar que era possível vencer a outra equipe, considerada provável campeã do torneio continental.
É por isso que o imprevisível é uma singularidade do futebol, fazendo até que uma equipe considerada mais fraca consiga vencer outra supostamente mais forte. Assim, o evento futebol passa a ser uma narrativa na qual o que conta não é saber o que aconteceu, mas sim a essência do fato. E Nelson Rodrigues, em outro momento, escreveu: “E o Sobrenatural de Almeida estava ali, provando que o futebol é mais do que puro e simples futebol. Qualquer clássico ou qualquer pelada tem aura”.
E a aura desse jogo foi caracterizada pela superação técnica e física de um homem que, em 90 minutos, transformou-se no herói da partida: Washington Stecanela Cerqueira, um brasiliense de 33 anos, que fez história na Ponte Preta, clube paulista, depois se transferiu para Atlético-PR e para o Japão e voltou ao futebol brasileiro para ser ídolo.
Quanto ele precisou percorrer e acreditar que chegaria a um momento como esse? Quantas foram as negações sobre sua qualidade no momento em que se descobriu cardíaco e diabético? Quantas foram as lágrimas no gramado mais conhecido do mundo, após o último gol do Fluminense, gol da classificação de seu time pela primeira vez a uma semifinal de Libertadores?
O adjetivo de ser herói (guardião ou protetor do time) ou ídolo (imagem da divindade a ser respeitada) nesse momento não importa. O que vale é o que o placar não confessou após o apito final do jogo: o renascimento de um homem, que com seus problemas de ‘humano’ superou palpites técnicos e táticos.
E, em uma partida como essa, considerada épica pelos cronistas do futebol, nem Nelson Rodrigues (o torcedor) nem Sobrenatural de Almeida (o jogador) poderiam deixar de entrar em campo.
* Jornalista, pesquisadora do tema “Crônica Esportiva”, membro do Gief/USP e do Memofut.
Um novo discurso
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M
as é claro! Como esperar bons resultados se o próprio processo de treinamento empregado corre em detrimento da idéia de se ter mais do que onze jogadores, aptos, entrosados, prontos e preparados para entenderem o mesmo jogo e jogarem pelo mesmo modelo de jogo?Se não se prioriza o grupo como um todo, não se conseguirá, ao se substituir um certo número de jogadores, manter um nível de excelência.Muitas vezes culpa-se aos jogadores que acabam entrando (para poupar outros) pelo baixo rendimento da equipe. Porém, se enquanto os poupados estão dentro de campo recebendo instruções táticas nos treinamentos os substitutos estão atrás do gol realizando treinos de sprint, fica inconcebível imaginar que terão eles a mesma competência dentro do jogo.Então, acabam sendo os próprios treinadores, vítimas dos seus próprios desconhecimentos; e os seus “expressinhos” os filhos de seus próprios descuidos.Muitos dirão que não é possível manter o nível de jogo substituindo jogadores que são titulares por jogadores de menor potencial. O fato é que a abordagem de treinos como é feita só serve para amplificar as possíveis diferenças já existentes no nível de jogo de atletas que são ou não titulares.Aliás, os conceitos de titular e reserva deveriam ser revistos. O pensamento deveria ser “quais são os melhores onze para iniciar o próximo confronto” e não “quais são os onze melhores jogadores do meu grupo para todo o campeonato“.Mais uma vez poderia eu, dar diversos exemplos de equipes fora do Brasil, que por compreenderem melhor o processo competitivo, jogam qualquer jogo de qualquer campeonato com força máxima mesmo com um sem número de jogadores diferentes de uma partida para outra (vide como exemplo mais recente a equipe do Manchester United enfrentando a Roma pela Liga dos Campeões 2007/2008 nas quartas-de-final, levando a campo no segundo jogo uma equipe com cinco jogadores diferentes daqueles que participaram do primeiro confronto – venceram os dois confrontos).“Todos sabem qual é a diferença entre as grandes equipes, como o Chelsea (na época de Mourinho), e as equipes de sucesso ocasional, como o Liverpool de Rafael Benitez: é que umas lutam pela vitória em qualquer terreno, sabendo que a derrota é um risco, e outras esgotam as suas energias numa competição, sabendo que, no resto, a derrota é o preço a pagar pela impotência de lutar por esse grande desígnio de dar sempre uma boa luta em qualquer competição que apareça pela frente” (trecho do livro do jornalista José Marinho (2007): José Mourinho, vencedor nato. pág. 75).Como diz meu amigo policial, ninguém do seu grupo pode estar “mais ou menos” apto ao trabalho. Ou se está pronto, ou não. E se não está não pode estar no grupo, nem em ação, nem descansando em alerta. Afinal de contas, em qualquer missão, cada um dos escalados tem nas mãos a vida do seu companheiro, um pelo outro, o tempo todo. Não há titulares ou reservas. Há quem está de serviço e quem não está. E ponto final!Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br
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Quem é melhor, mesmo?
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Os princípios dos jogos desportivos coletivos
Pensemos um jogo que tenha uma bola, cuja posse é disputada por duas equipes que atuam em um campo com dois alvos e cujas ações do jogo sejam reguladas por regras pré-estabelecidas.
Essas duas equipes alternam-se nos seguintes momentos do jogo: a equipe que mantém a posse de bola deve progredir em direção ao alvo adversário buscando marcar um ponto ou gol. Já a equipe defensora, em contrapartida e simultaneamente, deve procurar proteger seu alvo, impedindo a progressão da equipe adversária e buscando a recuperação da posse de bola, para poder se organizar ofensivamente.
Que esporte é esse? Futebol, claro!
Mas e o basquete, handebol, hóquei, futebol americano, o rúgbi…? Por que não poderiam ser estes os jogos coletivos dessa descrição?
Vejam como uma análise simples como essa pode ser estendida a toda a classe dos jogos desportivos coletivos, principalmente sob a ótica das modalidades de invasão de território e luta direta pela posse de bola.
As análise sobre essas seis categorias (3 ofensivas e 3 defensivas), que estão estruturadas de maneira interdependente na tabela 1, são descritas por Dietrich et al (1984) e definidas por Bayer (1994) como os Princípios Operacionais do Jogo.
Tabela 1. Análise dos Princípios do Jogo – Retirado de Bayer (1992, p.53).
Vejam a grandiosidade que uma descrição tão simplificada de um jogo pode nos significar. A partir de reflexões dessa natureza torna-se possível determinar os princípios inerentes aos jogos desportivos coletivos. Ou seja, as relações descritas anteriormente são um primeiro passo para observarmos o jogo em busca de sua compreensão e de identificar sua lógica interna, ou seja, seus aspectos estratégicos e táticos.
Claro que futebol não é handebol e rúgbi não é basquete, exatamente porque outros fatores – regras; forma, peso e medida do implemento ou bola; quantidade de jogadores; entre outros – tornam cada modalidade diferenciada entre si. Porém, temos que concordar que a lógica primária dos jogos desportivos coletivos está evidenciada nesses princípios descritos até o momento.
Dos princípios do jogo à análise tática do jogo
Pensando um dos princípios como a “manutenção da posse de bola”, por exemplo, inicialmente constata-se que e um jogo analisado a partir da relação da posse da bola, uma das funções das equipes é lutar para mantê-la. Apesar de já ser uma interpretação desse princípio, trata-se de uma visão ainda bastante simplificada sobre esse princípio, devendo ser entendida em sua radicalidade.
Aprofundando as análises sobre esse princípio ofensivo tendo como o foco o futebol, pode-se discutir e analisar aspectos como:
(1) em que faixa do campo a equipe mantém posse da bola;
(2) por quanto tempo;
(3) a bola circula em que sentido: lateralmente ou em profundidade (em direção ao gol adversário);
(4) quem são os principais articuladores da equipe;
(5) os jogadores realizam algum trabalho de movimentação sem bola e trocas de posição durante essa manutenção;
(6) como a equipe reage à investida adversária? A bola é passada pra trás? Tenta-se o drible? Perde-se a bola?
Enfim, podemos ver uma infinidade de observações mais profundas à aquele princípio do jogo, que podem ser multiplicadas por infinitas vias de análise sobre a ótica da tática do jogo.
Análise dos princípios de recuperação da posse de bola – reorganizações ofensivas e defensivas
Destaco, porém, o princípio da “recuperação da posse de bola”, pois este é um momento do jogo no qual existe as situações de transição ofensivo-defensiva e cujas análises podem ser muito ricas.
Pode-se observar, por exemplo, como a equipe que perdeu a posse de bola se comporta, a partir d reflexões da seguinte natureza:
(1) ela busca imediatamente recuperá-la?;
(2) existe alguma estratégia de reposicionamento em campo?;
(3) a equipe define em atitudes individuais a busca da recuperação da bola ou reorganizando sua defesa na tentativa de impedir ataques rápidos e contra-ataques?
Também é possível analisar como a equipe que recuperou essa posse se comporta, com critérios como:
(1) a equipe possui alguma estratégia de transição rápida buscando um contra-ataque?;
(2) existem jogadores específicos que são imediatamente requisitados após essa recuperação?;
(3) como ela se comporta quando imediatamente pressionada?
Para cada princípio operacional do jogo pode-se desenvolver inúmeras formas de analisá-lo sob sua perspectiva estratégico-tática, além dessas descritas acima.
E vale a pena destacar novamente: esses seis princípios são o alicerce para a busca de análises táticas e estratégicas mais profundas do jogo, basta explorá-los para que o desenvolvimento de formas inteligentes de análise do jogo possa surgir.
Dos princípios do jogo à estruturação pedagógica
Inicio este item com a seguinte questão: será possível agregar os Princípios Operacionais do Jogo como ferramenta de organização e estruturação de aulas/treinos?
É possível imaginar o ensino do futebol tendo como temas principais para a estruturação das aulas/treinamentos assuntos como: “recuperação de posse de bola e conservação da posse” ou “progressão em busca da meta adversária em contraposição a ações de proteção do alvo”?
Se pensarmos o futebol como tradicionalmente se faz, como um jogo de chute a gol, desmembrado dos passes, desmembrado da marcação, a resposta seria possivelmente não.
Porém, se temos como ponto de partida os aspectos ligados à lógica do jogo, como são os Princípios Operacionais do Jogo, se faz impossível imaginar como estratégia de ensino aquele pautado no determinismo, uma vez que esta forma de abordagem pedagógica acaba por retirar por completo do aluno/atleta a capacidade de refletir e responder aos problemas do jogo, sendo pautada na idéia de que o futebol é uma prática de habilidades fechadas e que se somadas, formam o jogo.
A lógica de uma proposta de ensino que adéqüe a compreensão dos Princípios Operacionais do Jogo acabará por valorizar a jogabilidade como aspecto fundamental de sua prática. Será através de jogos que evidencie cada um dos Princípios e suas relações já implícitas com os outros princípios que as aulas deverão ser estruturadas e pensadas.
Atividades desenvolvidas a fim de trabalhar, por exemplo, a manutenção da posse de bola e da recuperação, transforma uma aula/treinamento num momento de intensa atividade, através de jogos, na qual todas as capacidades físicas, técnicas, emocionais, estratégicas estariam ali contidas. Não há outra forma a não ser através de atividades jogadas de trabalhar essas relações.
Uma atividade enfatizando a “progressão em direção à meta adversária” e a “tentativa de impedir essa progressão” acabaria trabalhando jogos para o desenvolvimento de estratégias defensivas e ofensivas, preenchimento do espaço de jogo, abordagem de diferentes formas de marcação (individual, zonal, mista), ênfase em atividades com trocas de posição no processo ofensivo com finalidade de estabelecer formas de transições ofensivas mais eficientes, etc..
Atividades pensando a “finalização ao alvo” e a “proteção do alvo”, por exemplo, poderiam ir além daquela idéia do chute a gol, elaborando atividades de relação de inferioridade ou superioridade numérica, a final, não é só o goleiro o responsável pela proteção do alvo, mas também o jogador de linha.
Outras possibilidades de relação estariam em atividades de transição ofensivo-defensiv
a, trabalhando atividades jogadas nas quais a possibilidade de manutenção da posse de bola pela equipe atacante seja diminuída através, por exemplo, da inferioridade numérica dessa equipe ou limitação do espaço de atuação da equipe atacante, facilitando a recuperação da bola pela equipe defensiva.
Atividades assim trabalham:
(1) a transição ofensiva através de diversas formas de estratégia – contra-ataques, ataques com sobrecarga numérica de jogadores em determinadas regiões do campo, enfatizando a compactação e amplitude ofensivas; e
(2) a transição defensiva através de diversas estratégias coletivas para “abafar” contra-ataques, recuperar imediatamente a posse de bola, influenciar a equipe em transição defensiva ao erro, trabalhar a rápida reorganização defensiva de acordo com a estratégia determinada (marcação em zona, individual, mista) entre outras possibilidades.
Trata-se, portanto, de uma forma de pensar a estruturação das aulas/treinos sob uma perspectiva diferente daquela tradicional, uma vez que os princípios do jogo em nada nos remetem para o pensamento do futebol sob a ótica tecnicista, mecanicista ou puramente biológica, mas nos leva a pensar o jogo de futebol através da compreensão da interação de seus processos, levando, portanto, à elaboração de atividades que enfatizem no jogo e na vivência, o mais específica possível, uma forma de abordagem pedagógica motivante, lúdica e de qualidade.
Conclusão
Compreender que o futebol pertence a uma gama de atividades conhecida como os Jogos Desportivos Coletivos possibilita a análise de sua lógica sob a perspectiva dos seus Princípios Operacionais – logo uma visão bastante abrangente e não específica – o que nos remete à sua compreensão sobre a ótica de suas interações estratégicas e táticas.
Tendo a tática do jogo como principal foco, transcender a visão do “futebol apaixonado” – que ainda impera no meio do chamado “futebol profissional” – para um “futebol estratégico” em busca de respostas a partir de sua prática acaba sendo questão de tempo e esforço.
Tendo a tática do jogo como principal lente de observação do futebol, as aulas tornam-se muito mais do que um espaço de repetição de movimentos, mas de conscientização daquilo o que se faz e da busca por otimizar o tempo de intervenção através da utilização de atividades que venham a preencher o espaço de aprendizagem com jogos baseados nesses princípios do jogo, criando um ambiente motivante e específico de aprendizagem.
Bibliografia
BAYER, Claude. La Enseñanza de los Juegos Deportivos Colectivos. 2. ed. Barcelona: Hispano Europea, 1992.
DAOLIO, Jocimar & MARQUES, Renato Francisco Rodrigues. Relato de uma experiência com o ensino de futsal para crianças de 9 a 12 anos. In. Motriz – Rio Claro, v.9, n.3, p.169-174, set./dez. 2003. [clique aqui]
DIETRICH, K., DÜRRWÄCHTER, G., SCHALLER, H.J. Os grandes jogos. Metodologia e prática. Ao Livro Técnico. Rio de Janeiro, 1984.
LEONARDO, Lucas. O desenvolvimento de modelos de análise do jogo através da compreensão do jogo. (42f.) – Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, 2005. [clique aqui]
LEITÃO, Rodrigo. Futebol : Analises qualitativas e quantitativas para verificação e modulação de padrões e sistemas complexos de jogo. Dissertação (mestrado). Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, 2004 [clique aqui]
* Lucas é bacharel e licenciado em Educação Física pela UNICAMP, trabalha no InfoCenter Campus Pelé, é membro do setor de pedagogia do esporte do Projeto Campus Pelé e coordenador pedagógico da Associação Campineira de Handebol.