O ser humano sempre procurou entender o funcionamento do universo e dos fenômenos naturais que o cercam. A gênese do conhecimento científico é inerente a essa curiosidade. Contudo, os acontecimentos do mundo exterior não são o único motivo para fomentar dúvidas e criar conhecimentos. A partir de observação e acompanhamento, surgiu o interesse pelo que acontece com o próprio homem.
O primeiro a demonstrar tal preocupação foi o filósofo Aristóteles, um dos pilares para o desenvolvimento do pensamento ocidental contemporâneo. Nascido em 384 a.C., ele começou a fazer anotações sobre a anatomia e a estrutura dos seres vivos quando tinha 17 anos. Foi o primeiro homem a usar o termo “mecânica” para descrever alavancas e outros mecanismos do movimento humano e escreveu um livro sobre a locomoção dos animais no qual classificou seus corpos como sistemas mecânicos.
Anos depois, no fim do século II d.C., o movimento humano foi tema de um livro escrito pelo médico Claudius Galeno, considerado por muitos o primeiro médico esportivo da história. Em sua obra, ele criou um esquema para explicar o encurtamento das fibras e fez considerações sobre a atuação dos músculos no funcionamento do movimento humano.
Só a partir dos estudos feitos por Leonardo da Vinci, porém, é que aconteceu uma consolidação acerca dos conhecimentos do movimento humano. O pintor e cientista italiano sempre teve interesse especial por anatomia e pela mecânica, que ele classificou como a mais nobre da ciência porque estudava o movimento.
Da Vinci produziu em 1490 um estudo sobre as proporções humanas baseado num tratado que havia sido descoberto anos antes, do arquiteto romano Vitruvius. Além disso, participou de várias autópsias a fim de entender o funcionamento e a composição do corpo humano.
As análises anatômicas foram a base do trabalho de outro cientista fundamental para o desenvolvimento do estudo do movimento. No século XVII, James Keill conseguiu calcular o número de fibras em alguns músculos, determinou que as fibras têm um formato esférico quando se contraem e conseguiu dar contribuições importantes para se conhecer a quantidade de tensão desenvolvida por cada fibra para levantar uma determinada carga.
Também no século XVII, o padre italiano Giovanni Alfonso Borelli produziu teorias que fizeram com que ele fosse considerado até hoje o pai da biomecânica. Foi ele que escreveu o tratado de “Motu Animalium”, lançado em 1630 ou 1631, que descreveu a quantidade de força produzida por vários músculos e a perda de força em conseqüência de uma ação mecânica desfavorável.
Além disso, Borelli é o responsável por contribuições fundamentais ao estudo do movimento, como a determinação do centro de gravidade do corpo humano, a interligação da inspiração com a ação muscular e da expiração com a elasticidade dos tecidos e o funcionamento dos ossos como alavancas para o movimento.
O avanço concebido com os estudos de Borelli sobre o movimento foi complementado pelas teorias de Isaac Newton, que estabeleceu as leis da dinâmica moderna, formulou a lei de gravitação universal e sistematizou a física a partir de leis que regem o movimento e o repouso dos corpos.
Só a partir do século XIX, porém, os conhecimentos de mecânica que foram desenvolvidos por Newton passaram a ser usados no estudo do movimento. E os responsáveis por isso são os irmãos Eduard e Wihelm Weber, que compilaram observações e considerações teóricas, atreladas a um pouco de intuição sobre os acontecimentos, para analisar o movimento dos membros inferiores e compará-los a um pêndulo.
A observação do movimento humano também apareceu com destaque na obra de Eadweard Muybridge, pioneiro da cinematografia. Ele estudou a locomoção animal e publicou importantes obras sobre padrões do movimento, que até hoje são vistas como um ponto fundamental para a evolução da cinemetria biomecânica.
Com a contribuição de Muybridge, Christian Wilhelm Braune e Otto Fischer revisitaram a obra dos irmãos Weber. O desenvolvimento dos métodos de análise do movimento possibilitou um estudo muito mais completo sobre os membros inferiores dos seres humanos durante a marcha e uma maneira mais precisa para determinar o centro de gravidade.
A criação dos conceitos que até hoje balizam a biomecânica moderna, entretanto, remete a Guillaume Benjamim Amand Duchenne, autor do livro “Fisiologia do movimento” no século XIX. A partir de experimentos com estímulo elétrico no corpo humano, ele classificou funções de músculos isolados em relação ao movimento, ainda que tenha considerado a ação muscular como algo que não existe na natureza.
No fim do século XIX, L. Ranvier descobriu a diferença na velocidade de contração entre os músculos brancos e vermelhos. Esses dados representaram um ganho importante para as pesquisas posteriores e para o desenvolvimento dos estudos do movimento no século XX.
A evolução do estudo dos movimentos teve seqüência quando Angelo Mosso inventou o ergógrafo, instrumento capaz de fazer um registro gráfico da atividade muscular (esse exame ficou conhecido como ergograma).
Já no século XX, Archibald Vivian Hill conseguiu estabelecer os princípios do consumo de oxigênio nos músculos e de suas contrações – teoria que rendeu ao cientista o prêmio Nobel de 1922.
Depois disso, muito do esforço que era demandado para estudar o ser humano em situações estáticas passou a ser destinado a acompanhá-lo em movimento. Prova disso é que em 1930 houve o primeiro programa de bioquímica em um curso universitário, na Escola de Educação Física de Leningrado, em Leipzig (Alemanha).
A inclusão da disciplina no conteúdo do programa universitário refletiu uma mudança no foco da comunidade científica. O movimento humano passou a ser visto com um interesse cada vez maior e passou a ser estudado de diferentes maneiras.
A partir disso é que se desenvolveram, na segunda metade do século XX, diferentes perspectivas sobre o movimento. Essa é a base para estudos aprofundados em direções como a cinesiologia, a biomecânica aprofundada e a ergonomia.
Nas décadas de 1960 e 1970, a biomecânica começou a ser incluída de forma mais ampla nos currículos de graduação e pós-graduação dos Estados Unidos. A partir disso, houve um desenvolvimento mais acelerado dos conceitos da disciplina e do estudo dos movimentos em geral.
Com a evolução, os conceitos começaram a permear outras áreas do conhecimento. E assim, acabaram sendo utilizados para a melhoria de performance em profissionais do esporte a partir dos últimos anos do século XX.
Por conta de ainda ser uma coisa recente, o estudo do movimento só teve uma evolução realmente contundente na última década do século XX, quando conseguiu começar a encontrar espaços nos clubes e no trabalho com atletas de modalidades individuais.
Atualmente, o estudo dos movimentos desempenha funções que vão desde a prevenção de lesões até a correção funcional para melhorar o desempenho dos atletas – tudo isso baseado em estatísticas e em noções da mecânica clássica.
Bibliografia
RASCH, Philip J.. Cinesiologia e anatomia aplicada. Editora Guanabara Koogan, 1991.
BATISTA, Luiz A.. A biomecânica em educação física escolar. Niterói, 2001.
MCGINNIS, Peter M.. Biomecânica do esporte e exercícios. Editora Artmed, 2002.
OKUNO, Emico & FRATIN, Luciano. Desvendando a física do corpo humano: biomecânica. Editora Manole, 2003.
* Colaboraram Gabriel Codas e Rubem Dario