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Por uma defesa das defesas individuais

Pepe versus Messi: dentre as respostas individuais encontradas nesta última década. (Foto: Reprodução/One Football)

 
Outro dia, lia uma dessas histórias maravilhosas, que encontrei num livro cujo título me foge agora, mas que dizia que o sujeito, vamos chamá-lo aqui de Sujeito A, um desses intelectuais brilhantes que o Brasil já produziu, foi chamado para um debate com um outro sujeito, vamos chamá-lo de Sujeito B, do qual discordava violentamente. O debate começou com o Sujeito B falando o que gostaria de falar.
Reza a lenda que o Sujeito A pegou o microfone, cumprimentou os presentes, e começou dizendo que gostaria de refazer a fala do Sujeito B, que estaria cheia de equívocos, segundo ele. E refez tudo o que o outro rapaz havia falado, defendendo arduamente o seu ponto de vista, citando inúmeras referências e etc. Logo em seguida, disse ‘muito bem, agora posso começar minha apresentação’, e aí começou a defender o extremo oposto do que ele havia recém-defendido, discordando violentamente dele mesmo, com argumentos ainda mais sólidos, deixando o Sujeito B enxabido e a plateia admirada.

***

Bom, infelizmente não tenho essa capacidade, mas gostaria que nos inspirássemos para um exercício parecido. Todos nós, em algum momento, já nos deparamos com essa discussão sobre as marcações individuais e por zona, sobre as diferenças da marcação individual pura e da individual no setor, essas coisas todas. O problema é que tenho sentido, especialmente em alguns comentários posteriores ao sucesso do Flamengo de Jorge Jesus, uma extrema negação das individuais, uma ideia de que as individuais são ultrapassadas, de que ‘na Europa ninguém marca assim’ (o que não é verdade) e coisas do tipo. Para defender a zonal, criou-se uma desconstrução dos encaixes.
Em primeiro lugar, gostaria de pontuar essa relação com o tempo. Não é o primeiro e não será o último assunto que cai nessa vala comum da ‘modernidade’, que diz que tudo o que não segue um determinado padrão seria portanto ‘ultrapassado’, ‘não teria estudo’ e etc. Aqui, gostaria de relembrá-los do que tratei em outros textos, particularmente neste: não há (e não haverá) uma fórmula mágica que responda aos problemas do futebol. O que existem são apostas. E o fato de uma aposta nascer após a outra não significa, necessariamente, que ela será melhor, porque a história não funciona a partir de encadeamentos lineares e sequenciais que vão melhorando a si mesmos. A história parece estar mais distante dessas coisas lineares e mais próxima de uma noção cíclica, de ciclos que vão e que voltam em si mesmos, de outras formas, de tempos em tempos. A história não se repete mas rima, diria alguém.
Daí que não faz sentido demonizar as individuais como ultrapassadas, uma vez que  não há nenhuma qualidade, em si, que faça das zonais mais ‘modernas’. Em primeiro lugar, porque a ideia de ocupar os espaços em função do movimento da bola (ao invés de concentrar-se nos adversários) não nasceu ontem.Depois, porque da mesma forma como as zonais ultrapassaram a si mesmas, a partir do refinamento posicional, das próprias metodologias de treinamento e etc, as individuais também se alteraram – ou marcamos individual hoje como se fazia há vinte ou trinta anos? Não, os refinamentos posicionais (onde eu devo estar no exato instante prévio ao passe que levará a bola ao atacante que marco?) e mesmo de treinamento (especialmente do ponto de vista individual, em comparação com uma ou duas décadas atrás, com aumento das distâncias percorridas, do número de sprints por jogo, melhora razoável das capacidades físicas em geral e etc) também fazem com que as individuais tenham evoluído nelas mesmas, e talvez quando falamos em individuais hoje, falamos de uma coisa já bastante diferente do que falávamos há dez ou vinte anos. Equipes como a Atalanta, o Slavia Praga (sobre o qual já escrevi aqui, outro dia arrancou um empate enorme contra o Barcelona), o próprio Leeds United, treinado por Marcelo Bielsa, são exemplos competitivos, cada um no seu contexto, no atual cenário europeu.
Depois, poderíamos pensar naquela ideia, normalmente usada – e que foi apresentada dia desses como revolução – de que a marcação individual ‘faz com que a decisão do defensor seja sempre posterior à decisão do atacante’, dos movimentos do atacante, que um seja submisso ao outro e etc. De fato, a referência do defensor é o adversário, mas talvez a discussão não se encerre aqui. Por que quem nos garante, por exemplo, que precisamente a obrigação de condicionar o movimento do defensor não influencie a própria tomada de decisão do atacante? Ou seja: ao invés de tomar a decisão A, que talvez fosse a primeira numa outra condição, eu decido tomar a decisão F, justamente em razão da minha preocupação com o próprio defensor. Mas aí, amigos e amigas, não seria essa uma contradição em si? Porque se isso for verdade, então quem está submisso não é mais o defensor, mas sim o atacante, que talvez inconscientemente deixe de tomar uma certa decisão em benefício de outra, eventualmente menos adequada ao modelo de jogo ou mesmo à própria situação de jogo, mas que acaba respondendo a um determinado problema individual. Sem falar do incômodo mental que há na perda de um, dois ou mais duelos individuais (que causam efeito mental diferente dos equívocos resultantes de pressões coletivas).
Da mesma forma, não existe uma coordenação coletiva nas marcações individuais? Vejam as individuais por setor, por exemplo: supostamente, o encaixe só pode ocorrer quando o adversário entra em um determinado setor. Ora, a referência primeira não seria portanto zonal? Minha referência será o adversário, desde que ele ocupe um espaço no meu próprio setor, e desde que este setor também conte com a presença de um elemento fundamental chamado bola. Porque se sou lateral direito e a bola estiver lá do outro lado, pode ser que todos os meus companheiros naquele setor defendam individual – enquanto eu fecho a linha de quatro. Digo isso para lembrar aos amigos que as próprias referências de marcação não são absolutas, que elas dependem do problema apresentado pelo jogo e que, portanto, pode ser que os jogadores de uma mesma equipe precisem adotar, num dado instante, referências diferentes, que não necessariamente se opõem a um objetivo comum, concordam? As individuais podem ser principalmente individuais, mas isso não significa que serão apenas individuais durante todo o tempo, porque espaço e adversário não se separam facilmente assim.
Fico pensando o que diriam nossos colegas treinadores de basquete, handebol e futsal, que tanto recorrem às individuais (em modalidades eventualmente mais intensas do que o próprio futebol, diga-se), seriam todos eles ‘ultrapassados’? Será mesmo que nossos colegas da NBA ou da Euroliga jamais consideraram que o defensor estaria dependente da decisão do atacante? Ou será que existem outros benefícios, talvez não exatamente debatidos, que fazem com que prefiram as individuais apesar das qualidades da marcação por zona?
Provavelmente sim, e espero ter apresentado, nas linhas que passaram, algumas dessas qualidades das individuais.
O que, lembrem-se do início, não significa que eu concorde com elas…
 

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Sobre as essências do futebol e a riqueza do possível

A Holanda dos anos 1970 – o possível é mais rico do que o real? (Foto: Reprodução/These Football Times)

 
Existe uma passagem muito bonita, citada pelo professor Manuel Sergio, naquele grande livro Filosofia do Futebol, por onde gostaria de começar nossa conversa de hoje. Falo do seguinte trecho, escrito pelo sociólogo americano Immanuel Wallerstein:
“É importante perceber o que são e o que não são os estudos da complexidade. Não se trata de rejeitar a ciência, enquanto modo de conhecimento. Trata-se de rejeitar uma ciência baseada na concepção de uma natureza passiva, em que toda a verdade já está inscrita nas estruturas do universo. Trata-se na verdade de acreditar que o possível é mais rico do que o real.”
Não sei vocês, mas a mim este trecho, especialmente a segunda metade, me tocou bastante. Na nossa conversa de hoje, gostaria que partíssemos dele, para pensarmos, pelo futebol, esta ‘verdade inscrita nas estruturas do universo’ e este ‘possível mais rico do que o real’.

***

Deixem-me só contextualizar aquela citação: ali, Manuel Sergio escrevia sobre a importância de considerar a hipótese da complexidade (complexus = aquilo que é tecido junto) para um olhar mais afiado sobre o futebol. Afinal, uma equipe de futebol não é exatamente a soma das suas partes, mas sim as interações entre elas. E para considerar a complexidade, para considerar que as coisas são tecidas juntas, é preciso repensar tanto as relações sujeito/objeto (sejam elas relações entre pessoas e coisas, sejam as próprias relações entre pessoas e pessoas, uma vez que a objetificação dos outros é um problema importante e uma barreira ao processo de humanização, que defendo aqui há algum tempo), quanto as noções que temos sobre a própria natureza (especialmente se pensarmos natureza como princípio, origem, ordem, ou como tudo aquilo que não tem interferência humana). Se acreditarmos que a natureza é passiva, que guarda em si somente uma verdade possível, então vocês concordam comigo que acreditamos que a natureza tem uma (e apenas uma) essência, que essa essência é eterna (sempre houve e sempre haverá), que não se altera e que, portanto, deve ser buscada e encontrada, de preferência com rapidez.
Acho essa discussão particularmente interessante porque da mesma forma que acreditamos, às vezes sem querer, que a natureza é um objeto a ser explorado e que nela existe uma essência, também existe uma certa noção, nem sempre admitida, de que o jogo de futebol é um objeto a ser explorado por treinadores e treinadoras, por atletas e profissionais do futebol em geral, e que o jogo de futebol também tem a sua essência, tem a sua verdade, tem o seu destino e, portanto, todos aqueles que não encontrarem a essência do jogo a priori, também não chegarão ao destino certo. Trocando em miúdos, são os que não ganham. As duas ideias me parecem bastante perigosas, mas vocês haverão de convir comigo que elas não apenas estão por aí, como também estão por aqui, conosco, uma vez que também somos herdeiros daquele pensamento sobre a natureza.
Vejam, por exemplo, a discussão sobre isso que chamamos jogo de posição (o juego de posición espanhol). Os amigos que já leram o bom Pep Guardiola: a Evolução, irão se lembrar que Juanma Lillo, uma das grandes referências do próprio Guardiola, admite que o termo jogo de posição não é sequer o mais adequado, que o melhor seria jogo de localização, porque as ideias que precedem o jogo de posição estão precisamente ligadas à distribuição espacial dentro do campo. Poderíamos dizer que talvez não seja um ataque por zona (como é a defesa à zona, ocupação dos espaços em função do movimento da bola), mas um ataque por zonas, no plural, uma vez que não é o jogador que vai até à bola, mas a bola que vai aos jogadores em determinados espaços. Mas digo isso porque, especialmente após o sucesso do próprio Pep, parece que tomamos uma certa ideia do jogo de posição (que não necessariamente corresponde ao que ele é) como o único jeito de se jogar futebol, como a ‘verdade inscrita nas estruturas do universo’, e aí tudo o que é bom é bom porque é posicional, e tudo o que é ruim é ruim porque não é posicional ou porque não tem amplitude ou porque não tem profundidade e etc etc. Aliás, sobre as noções de campo grande e pequeno no ataque, fiz algumas observações aqui. E sobre outra dessas verdades que não se questiona mais, que é o que se chama de intensidade, escrevi mais de uma vez, aqui e aqui e aqui.
Pensem agora naquele outro problema, de olhar para o jogo como um objeto a ser dominado. Muito bem, já sabemos que a ação antrópica (ação do homem) sobre a natureza é diretamente responsável pelos diversos problemas climáticos que nos afligem hoje – e a imensa maioria das pesquisas sérias vão neste sentido. Explorar indefinidamente a natureza é, em última análise, explorarmos a nós mesmos (não é isso, aliás, que fazemos todos os dias?). Com o jogo jogado não é diferente: enquanto olharmos para o jogo apenas como um objeto a ser dominado, um animal a ser domado por treinadores, atletas e profissionais do futebol em geral, provavelmente teremos problemas – basta observar o enorme déficit causado pela morte do futebol de rua, menos pela rua e mais pelo jogo, que foi se perdendo também pelas tentativas de controlar a formação dos nossos pequenos e pequenas via exercícios demasiadamente técnicos ou de jogos entupidos de regras mirabolantes. Como aprendi com o Professor Alcides Scaglia, o jogo é autotélico, tem um fim nele mesmo: se treinamos de outras formas que não através de jogos (grandes ou pequenos) será que não estamos, portanto, falando outro idioma que não o do jogo? E outra: se o jogo tem um fim nele mesmo, será que realmente existe apenas uma forma de se jogar futebol? Ou será que o jogo admite os mais diversos sistemas, os diversos modelos de jogo, as diversas técnicas, os diversos biotipos, as diversas potências, os diversos metabolismos, os diversos tempos, os diversos espaços… Se o jogo é diverso por si mesmo, se acolhe a todas as ideias, então sim, devo concordar que o possível é mais rico do que o real.
Por isso, acho que podemos tomar duas decisões práticas: acho que podemos refletir um pouco mais sobre a nossa cultura de se jogar futebol, o quanto o nosso futebol reflete e deveria refletir o nosso povo e, portanto, qual deve ser a medida entre interessar-se e estudar o que é produzido pelos nossos colegas estrangeiros mas, ao mesmo tempo, fazer isso sem sabotarmos a nós mesmos, a nossa cultura, sem nos negarmos. Depois, acho que podemos nos afirmar um pouco mais, como pessoas, no jogo que jogamos. Porque parece que estamos pensando mais ou menos parecido, que estamos falando mais ou menos as mesmas coisas, que estamos usando mais ou menos os mesmos sistemas, que estamos mais ou menos com medo de sermos outros e, a meu ver, isso significa que estamos mais ou menos com medo de ser quem somos.
Não por acaso, às vezes nosso futebol está mais ou menos e às vezes tem um certo medo de ser o que é.
 

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Fica, Tite!

Tite é o melhor técnico nascido no Brasil. Essa frase é simples, clara, objetiva e carrega toda a minha opinião. Mas falar sobre quem ocupa o cargo de técnico da seleção brasileira é sempre algo complexo vale desdobrarmos essa afirmação em vários parágrafos…
Meu sonho é ver um treinador estrangeiro na seleção brasileira. Um que tenha conceitos claros de jogo e metodologia de treinamento para implementá-los. Como sei que a CBF jamais contrataria um profissional de fora para esse cargo, com medo da crítica de alguns poucos que ainda acham que não temos que aprender com quem vem de fora, tenho que me ater aos profissionais brasileiros. E dentre eles Tite é o melhor.
É evidente que Tite tem dificuldades para organizar bons ataques. Sua maior fraqueza como profissional sempre foi a fase ofensiva. A seleção brasileira carece de conceitos coletivos bem ajustados. Os melhores momentos desde quando Tite assumiu foram muito mais na base da individualidade do que de algo mais conceitual.
Agora lanço a pergunta a vocês: se não for Tite, quem será o técnico da seleção brasileira? Os mais vitoriosos dos últimos anos no cenário nacional foram Renato Gaúcho e Fábio Carille, mas ambos terminam 2019 de uma maneira melancólica. Renato Gaúcho gosta dos méritos das vitórias, mas tem as desculpas prontas quando perde. Já Carille demonstrou uma imensa falta de inteligência emocional e comunicação assertiva nessa segunda passagem pelo Corinthians.
Para apontarmos um problema temos que dar no mínimo uma solução. Reconheço as limitações de Tite. Mas caso ele saia teríamos algum outro profissional do mesmo nível por aqui? Não, não temos. Então, enquanto não tivermos a cabeça aberta para receber novas ideias vindas de fora, iremos com o menos pior.

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Sobre uma noite clássica de futebol brasileiro

Bruno Henrique e Fredy Guarin em disputa no clássico do Maracanã. (Foto: Reprodução/AM Hoje)

 
Assim que Ribamar fez o gol de empate, neste Flamengo x Vasco jogado outro dia, lembrei-me de imediato de uma chefe que tive, quando mais garoto, que me dizia que toda apresentação deve começar e deve terminar muito bem. De fato, foi o que aconteceu: o gol de Éverton Ribeiro (que, num lapso, imaginei inicialmente escrever ‘gol de Reinier’, o que não estaria de todo errado), logo no início, deu ao jogo um retrato bastante curioso, tanto do ponto de vista de quem fez o gol, como de quem sofreu. De fato, um jogo que começou e terminou bem, mas que não foi apenas início e fim, também foi meio – talvez por isso tenha sido o que foi.
Neste meio houve coisas que causaram certo espanto. Alguns colegas ficaram impressionados com a disposição (tática e anímica) defensiva do Vasco. Talvez porque acostumaram-se a ver uma defesa em 4-1-4-1, ainda que pouco se fale disso e ainda que o Vasco comumente oscile para o 4-4-2 – entre os jogos e dentro do próprio jogo. Neste clássico, como já sabemos, as funções defensivas dos dois atacantes, Marrony e Rossi, estavam diretamente ligadas ao seu papel em transição ofensiva, dado que as coisas não se separam. Ou talvez tenha causado certo espanto que Raul e Marcos Júnior ocupassem os corredores, o que já aconteceu em diversas outras oportunidades, mas talvez a surpresa seja herdeira dessa ideia, ainda cristalizada, da chamada ‘posição de origem’, como se a origem fosse começo mas também fosse um fim, e como se atletas não estivessem em movimento, percurso de vida. Como se a vida não fosse movimento constante e como se não pudéssemos sermos outros de nós mesmos e, por isso, sermos mais.
Porque é nisso, a meu ver, que esteve a potência desse jogo: os dois times foram outros de si mesmos. O Flamengo, porque (dizem os especialistas) não teria mantido o ‘nível de intensidade’, porque teria entrado mais ‘relaxado’, porque não fez isso, porque não fez aquilo. E o Vasco, por sua vez, porque teria tido ‘coragem’, porque igualou a disparidade técnica pela ‘coragem’ (vamos contando os clichês), porque superou-se a si mesmo, porque ‘jogou uma decisão’ e etc. Ou seja: o Flamengo esteve abaixo porque negou-se a si mesmo ao mesmo tempo que o Vasco esteve acima porque afirmou-se a si mesmo. Mas de que modalidade falamos? Porque se falamos de futebol, se falamos de um jogo coletivo de invasão e, especialmente, se pensamos o futebol a partir de uma certa complexidade, como esta mesma Universidade do Futebol defende há muito tempo, se pensamos o futebol a partir daquilo que é tecido junto, então precisamos dar um passo adiante e perceber que o rendimento de um e de outro reflete não apenas os problemas criados por um e por outro (por exemplo, a estratégia vascaína de explorar os corredores do Flamengo, às costas dos laterais, via transições ofensivas) mas especialmente as respostas dadas, por um e por outro, à sabida imprevisibilidade do jogo (por exemplo, as reações de ambas as equipes quando estiveram em desvantagem no placar, especialmente após as viradas). No fim das contas, são dois sistemas fechados que apenas compartilham o mesmo espaço ou dois sistemas abertos que se influenciam mutuamente? Se apostarmos no segundo caso, então caem metade dos clichês. No futebol, nada está posto: tudo é sentido. Mas é sentido coletivo, que tem menos a ver com as partes em si ou a soma das partes do que com o que está entre elas.
Foi por isso que eu escrevi uma vez, e reafirmo, que a inteligência está nas entrelinhas, é capacidade de ler entre as linhas, não apenas o que está visível. O que foi a jogada de Vitinho, no lance do quarto gol do Flamengo (sobre Bruno César, que havia recém-entrado naquela mesma segunda linha de quatro)? O que foi aquele drible de Yago Pikachu sobre Pablo Marí, no lance do pênalti? O que foi a construção coletiva do terceiro gol do Vasco (onde tive a leve impressão de um comportamento de linha de impedimento, que se perdeu quando Filipe Luís precisou acompanhar Rossi), assim como o que foi o terceiro gol do Flamengo, naquela belíssima transição com Bruno Henrique? A meu ver, todos traços de inteligência, individual e coletiva, todos traços de leitura do não-visto, de intuição, de curiosidade, todos traços de aposta. Afinal, não são apostas nossos modelos de jogo, nossas metodologias de treinamento, nossas relações com os outros, nossas ideias e nossas ações sobre o mundo da vida? Se admitirmos não saber tudo, então ainda são apostas.
E talvez aqui seja preciso um certo cuidado, porque às vezes as coisas de momento e a pressa do momento nos levam a crer que só existe uma aposta possível, que só existe uma inteligência, que a inteligência alheia é superior à nossa, que só existe um jeito de se jogar futebol, que o jogo só pode ser ‘ativo’, que o jogo nunca pode ser ‘reativo’, que é obrigatório ser ‘moderno’ (ou aparentar sê-lo), que não se pode olhar para trás, apenas para frente, como fazem os burros de carga, por exemplo. E aí não admira que às vezes neguemos nossa própria história, sabotemos a nós mesmos, que alguns debates sejam demasiado frouxos, o tratamento aos profissionais do futebol seja demasiado frouxo, o respeito seja demasiado frouxo, e nós tenhamos desaprendido a conviver com o diferente, a aceitar o diferente e a aceitar, ao mesmo tempo, este exímio trabalho de um treinador estrangeiro, que merecidamente afirmou-se e contribui conosco, assim como reconhecemos, sem fazer birra, os bons e ótimos trabalhos de treinadores nacionais, em todos os níveis, desde à iniciação até o rendimento. Que ser treinador está para muito além dos estereótipos, que vai para muito além da pseudomodernidade, que no futebol um mais um não são necessariamente dois, que bons trabalhos não se medem apenas pelo jogo, que treinadores não são treinadores apenas no jogo jogado, que não se toma a parte pelo todo, que ainda somos muito pequenos perto do jogo.
Como pequenos estamos perto do mundo e por isso vamos tateando, como fazem as crianças. Na aposta de que sim, é possível sermos outros de nós mesmos.
Como em uma noite clássica de futebol brasileiro.
 

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Por uma análise mais coletiva e menos individual

Jogadores e treinadores costumam falar em entrevistas: “isso aqui é um time! Quando ganha (time), todos ganham, quando perde (time), todos perdem”. Mas se repararmos bem essas frases viraram chavões e são proferidas sem muita base. Na prática, nossa cultura não se baliza muito por isso. Todos nós da ‘indústria’ (imprensa, torcida, dirigentes, técnicos e jogadores)  temos a tendência a individualizar um jogo que é coletivo. A desculpa de que esse tipo de análise é ‘da nossa cultura’ e ‘sempre foi assim’, para mim não cola mais. A evolução do jogo aqui no Brasil depende da mudança de paradigma do olhar individual para o olhar coletivo.
Vale contextualizar aqui que o pensamento do jogo individual vem desde os nossos primeiros passos no futebol de rua: quem é o ‘bom’ nas peladas? Aquele que pega a bola e sai driblando todo mundo ou o outro que abre espaços, atrai a marcação e faz um importante papel sem a bola? Na verdade, quando crianças achamos que quando não pegamos na bola nem jogando estamos. E isso acompanha o jogador até ele virar profissional…
No mais alto nível europeu a marcação, por exemplo, é por zona. Aqui a tendência natural ainda é ser individual. O ‘cada um pega o seu’ tradicional no jogo de rua invade com tudo os campos profissionais. Ao atacar, nossos jogadores tendem a ir próximos da bola e reclamam quando não a recebem. Em grandes equipes, no mínimo dois jogadores se posicionam do lado oposto, não para receber necessariamente um passe, mas sim para alargar o campo e dificultar a marcação adversária.
A desculpa está pronta para apontar o porque do jogo aqui no Brasil ser inferior ao europeu: os melhores jogadores estão lá porque eles têm mais dinheiro. Convido todos a uma reflexão diferente, saindo do individual (melhores jogadores) para o coletivo (melhores ideias). E não falo só de treinadores melhores, não. Claro que eles são os líderes do processo e tem muito a dar para o jogo ser melhor trabalhado coletivamente por aqui. Mas cabe a todos nós, inclusive jornalistas, passar a olhar o jogo diferente. Vamos reparar mais em quem não está com a bola. Vamos tentar entender os princípios de jogo que dependem muito mais da cooperação mútua do que do talento individual. O caminho é reverso: quanto melhor coletivamente uma equipe está, mais o craque vai aparecer.
 

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Fábio Carille mancha sua carreira

De maneira geral, dirigente de futebol no Brasil não tem convicções muito apuradas. Costumam surfar na onda do que funciona em outros lugares, sem muita base concreta para avaliação. Quando Luiz Felipe Scolari venceu com o Palmeiras o Brasileirão do ano passado, a “moda” era técnico medalhão. Com o sucesso de Jorge Jesus no Flamengo e de Jorge Sampaoli no Santos neste ano a tendência “leva” para um profissional estrangeiro. E em 2017, você lembra quem indicava o caminho a ser seguido? Fábio Carille, ele mesmo, (!) campeão nacional e estadual com o Corinthians.
Os predicados e o histórico de Carille eram aplaudidos por todos: jovem, ex-atleta, permaneceu anos como auxiliar fixo do clube, ideias claras de jogo e metodologia para implementa-las em campo. Ele realmente se mostrou diferenciado e soube superar a descrença inicial com resultados consistentes em um curto espaço de tempo. Vamos, porém, viajar dois anos no tempo e desembarcar neste final de semana de 2019, onde Carille foi sumariamente demitido do clube que fez um esforço gigantesco para repatria-lo no final do ano passado. O que mudou?
Carille não conseguiu fazer o Corinthians ter um bom desempenho neste ano. Apesar do título Paulista, a equipe não apresentou ideias e conceitos consistentes, principalmente em fase ofensiva. Só que mais do que isso, Carille se perdeu na gestão do ambiente, nas relações interpessoais. Se em 2017 os jogadores corriam por ele, neste ano, por culpa do próprio treinador, o grupo não se mostrava coeso.
Fábio Carille não soube se comunicar. Não mostrou inteligência emocional para passar pelos momentos turbulentos. Não soube fazer das dificuldades dentro de campo uma mola propulsora rumo a uma reviravolta revestida de motivação, empenho e coragem. Pelo contrário. Os jogadores foram denegridos publicamente pelo próprio treinador. Não havia sentido fazer parte de um processo em que o próprio líder usava termos como ‘vergonha’, ‘inexperiência’, ‘dificuldades de entendimento’, dentre outros.
Imagino que mesmo com o pobre desempenho e os péssimos resultados, Fábio Carille permaneceria no Corinthians se tivesse feito uma melhor gestão das relações. Para falar a verdade, não sei nem se ele queria permanecer no Corinthians…o que sei é que Carille jogou contra a própria carreira. Mostrou que quando as coisas não vão bem a culpa não é dele e sim dos jogadores. Uma pena…Carille fez sua reputação, tão bem sedimentada desde 2017, andar para trás…
 

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Sobre os saberes e poderes do treinador no mundo

Jorge Jesus: o exímio treinador cujo tempo chegou. (Foto: Reprodução/Trivela)

 
Disse em outras oportunidades e reafirmo: o futebol é prática da vida. Ou seja, o futebol que se joga, o jogo jogado, está intimamente ligado à vida que se vive, às nossas palavras e ações, ao mundo que se desenha ao nossos olhos e que também é formado e conformado, de acordo com a nossa vontade.
Ainda não sei se as palavras que temos são suficientes, mas repare que daqui sai uma linda relação entre a condição humana e nossa condição como treinadores e treinadoras. Existe por aí uma conversa meritocrática, uma conversa que acredita que tudo é possível, que tudo é alcançável, e que se alguma coisa não se realizou ou não foi alcançada, é porque não trabalhamos o suficiente. Ou seja, existe uma crença, mais do que internalizada, de que é possível conformar o mundo ao nosso prazer, ao nosso saber, ao nosso poder, às nossas vontades (tiro este trecho do maravilhoso pensador que é o Jorge Larrosa). Se as coisas não nos acontecem, é porque nosso saber, nosso poder e nossas vontades não foram suficientes, portanto é preciso trabalhar mais e trabalhar melhor. Não surpreendem, aliás, os enormes índices de esgotamento físico e mental que há por aí, em todo o lugar.
Mas se digo isso é porque, vocês haverão de convir, também existe uma crença, mais do que cristalizada, de que é possível conformar o jogo jogado ao nosso bel prazer. Por este raciocínio, treinadores e treinadoras seriam domadores, como ventríloquos que controlam, sutilmente o jogo jogado. Por este raciocínio, o resultado de um determinado jogo, ou mesmo o comportamento de uma dada equipe ao longo do tempo (às vezes, um tempo muito curto) é resultado especialmente do saber, do poder e das vontades do treinador, e se uma dada equipe não vence, ou não convence (o que está mais próximo dos olhos de quem vê), ou convence menos do que poderia, ou às vezes convence até demais, então rapidamente alguém faz um diagnóstico, que geralmente tem a ver com o saber, com o poder, com as ideias (palavra que se usa, às vezes equivocadamente), com o método (idem) ou com as vontades do treinador. Só que o tempo do futebol está cada vez mais rápido, cada vez mais curto e, especialmente no rendimento, é comum que não haja tempo para trabalhar mais e melhor. É mais fácil, neste raciocínio, trocar de treinador. Ou reciclar o processo, como dirão em breve aqueles que tratam treinadores como resíduos quaisquer.
Sendo o tempo do futebol muito curto e muito rápido, é comum que haja conclusões muito rápidas e, não por acaso, muito curtas – ainda que o futebol seja largo. Por exemplo, não é adequado dizer que ‘treinadores brasileiros não estudam’. Na verdade, é uma frase terrível. Para não gastar os dedos, ficarei apenas neste ‘treinadores brasileiros’: é um termo terrível porque generaliza, a partir de uma amostra mínima (geralmente treinadores da Série A, avaliados especialmente pelos resultados) uma classe que é ampla e diversa, que passa por uma certa transição geracional, que ainda tenta equilibrar um certo saber empírico, que desenvolvemos historicamente, ao saber científico, que também fazemos muito bem (embora não se saiba o que se produz nas universidades brasileiras), mas uma classe que não é só rendimento, que é iniciação, especialização, participação. Evidente que uma classe que distante da perfeição, mas que é muito mais do que o jogo televisionado do fim de semana, uma classe que acaba respondendo pela frágil crença de que uma equipe é somente resultado de causa/efeito dos saberes, dos poderes e das vontades do treinador.
(neste assunto, uma pergunta mais adequada seria: que condições estruturais diferenciam a formação dos treinadores portugueses, por exemplo, dos treinadores brasileiros? Uma das hipóteses: a relação das federações com as universidades)
Para sentir que não é daquilo que se trata, basta olhar-se no espelho: será que as nossas são produto puro do nosso saber, do nosso poder e da nossa vontade? Ou será que vamos respondendo, na medida do possível, às demandas do trabalho, aos problemas da família, às condições materiais (às vezes limitadas), ao nosso passado, aos nossos desejos, às coisas e pessoas que nos chegam para além da nossa vontade, às coisas e pessoas que se vão? Pois é precisamente disso que trata o jogo, e não é preciso ter lido Huizinga ou Caillois, não é preciso que saibamos que o jogo se faz pelo seu caráter imprevisível – especialmente se jogo coletivo de invasão – que se faz pela criação de novas ordens a partir do caos (Teoria dos Sistemas Dinâmicos), pela complexidade do tecido do jogo, não é preciso nada disso, basta uma sessão de treinos, às vezes um só dia à beira do campo, para saber que mesmo as melhores metodologias, mesmo os mais profundos conhecimentos, mesmo as melhores equipes de trabalho, nas melhores condições materiais, nas condições próximas das ideais, podem dar outro resultado, ou podem dar resultados extraordinários e as conclusões, em ambos os casos, precisam ser muito cuidadosas, pois para sintomas idênticos pode haver diagnósticos mil. E não estamos em tempo de errar.
Fazendo isso, talvez nos venham três coisas: que podemos saber mais e melhor, que sabemos mais e melhor do que sabem sobre nós, mas que o saber, o poder e a vontade podem não ser o suficientes.
A vida está além disso.
 

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O Futebol e o Marketing de um país

Esta coluna em quase todos os textos destaca a importância das boas práticas da gestão do esporte a fim de fomentar a sua indústria, gerar renda, emprego e riqueza. Se não é destaque, ao menos sugere isso. O futebol de rendimento – quer queira, quer não – é um produto dentro de uma indústria que é parte do produto interno bruto e que proporciona muitas receitas. No Brasil é preciso potencializá-la e isso demanda uma regulamentação. Simultaneamente, o futebol é capaz de fomentar um serviço pouquíssimo explorado pelo país: a imagem no exterior.
Especialistas entendem isso como sendo marketing internacional, diplomacia pública ou poder brando. Nós geralmente conferimos atributos positivos quando lemos ou falamos de “carros alemães” e “eletrônicos japoneses”, não é mesmo? Se as palavras “carros” ou “eletrônicos” vierem acompanhadas de outros gentílicos, os valores que daríamos certamente seriam distintos. A agência de turismo britânica, por exemplo, trabalha com a liga de futebol inglesa (muito reconhecida por especialistas como a melhor competição nacional de clubes) nos seus prospectos a fim de aumentar o número de turistas na ilha. Vai além, inclusive. Contribui para amenizar a imagem do Reino Unido face à novela que está sendo o Brexit.
Também em linhas gerais somos bastante reticentes à política externa norte-americana, às declarações de Trump e algumas de suas políticas internas. No entanto, tudo isso fica um tanto de lado quando se acompanha as ligas esportivas profissionais estadunidenses. Não que concordemos com as políticas citadas anteriormente, mas que as impressões sobre aquele país não ficam tão negativas.
Ora, o “futebol do Brasil” é uma marca. Há toda uma história das suas seleções nacionais, seus clubes e atletas. Sobre o jeito de jogar. Fomentar boas práticas de gestão do esporte e incentivar o profissionalismo são formas de respeitar a meritocracia e a competitividade nesta indústria, com respeito ao atleta e ao torcedor. Uma melhor organização é capaz, a prazo, de melhorar o nível e a qualidade do jogo, incentivar o turismo de eventos esportivos além de um trabalho de relações públicas a fim de melhorar a imagem do Brasil no exterior, para não só atrair turistas, mas para a percepção da opinião pública internacional sobre ele. A analogia pode ser esdrúxula, mas sabe-se a origem quando os carros são alemães; e o eletrônico é japonês. E assim pode ser com o futebol, do Brasil.

Manchester City comemora título da liga inglesa. (Foto: Reprodução/Divulgação)

 
Assim sendo, quando falamos em gestão do futebol não é apenas em governança, recursos humanos, métodos, processos, rotina, filosofia e cultura de trabalho. Comunicação e marketing direto, do jogo como produto, que vai ser colocado no mercado e consumido. Se limitar a isso é ingenuidade. O futebol moldou identidades nacionais de vários Estados-Nação modernos e, por isso, é capaz de trabalhar a imagem deles mundo afora.

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Em tempo mais uma citação que se relaciona com o tema da coluna:

“O Brasil precisa vencer pelo que ele tem de sua essência: pela alegria, pela criatividade, pela música, pela boa paz, pela generosidade e pelo amor. Vencer com o que há de pior no espírito humano é uma grande derrota. Afinal, somos ou não o tal país do futuro?”

Afonso Celso ‘Afonsinho’ Garcia Reis
(médico e ex-futebolista, XV de Jaú, Botafogo FR, Olaria FC e CR Flamengo)

 

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Futebol é arte ou ciência?

Em uma de suas edições recentes, o podcast do globoesporte.com Minas Gerais, recebeu o professor Israel Teoldo, ilustre conhecedor das ciências do esporte e principalmente do futebol.
Foi uma conversa muito agradável e instrutiva, onde os jornalistas Rogério Correa e Henrique Fernandes souberam explorar algumas gotas do conhecimento científico do Doutor em esportes Israel Teoldo.
Dentre os vários temas debatidos, um despertou meu interesse:
– O futebol é arte ou ciência? 
Vou “meter minha colher”, porque esse assunto faz parte das minhas discussões no futebol brasileiro desde 1983, quando comecei profissionalmente a atuar na área.
“- A ciência é a sustentação da arte no futebol!.”..
…disse e bem o professor Teoldo, e eu complemento que sem a ciência teríamos uma arte empobrecida no jogo.
Futebol é ciência sob todos os aspectos, assim como tem arte em sua essência!
As ciências fisiológicas, do treinamento, das táticas, médicas, psicológicas, sociais, dentre muitas outras, interagem junto às virtudes dos jogadores e das equipes forjando um ambiente transdisciplinar, sempre na tentativa de dar sentido a complexidade do jogo.
Hoje é difícil distinguir a arte sem o contributo da ciência no futebol. Sempre foi assim, e com mais recursos para o desenvolvimento e avaliação das performances individuais e coletivas, fica quase impossível ver uma sem a influência da outra.
Onde estiver um ser vivo, a arte será objeto de relevância aos olhos sensíveis dos humanos.
Sem esquecer que somos humanos, seres vivos e protagonistas em quase todos os fenômenos dessa existência, não poderíamos excluir o jogo de futebol da galeria de eventos artísticos.
No entanto, sabemos distinguir um jogo com arte daquele que nem tanto. Sentimos isso, assim que batemos os olhos em uma partida de futebol.
Ainda que a plasticidade dos lances individuais não esteja presente nessa ou naquela partida, as táticas podem assumir o papel e aguçar a sensibilidade de quem assiste o jogo para manifestações diferentes da arte no futebol.
Hoje, conseguimos ver muita arte em um time que joga em conjunto. E não é preciso fazer força pra perceber isso. Flamengo, Grêmio, Athletico-PR, Bahia, Santos, Bragantino, Atlético-GO e Sport, principalmente, nos dão mostras disso. Com diferenças em seus perfis de jogo, como deve ser, todos estão apresentando a arte do jogo jogado.
No amistoso Brasil 1×1 Senegal, disputado em 10/10/2019, a exceção do gol brasileiro do Firmino, foi difícil ver arte nos noventa minutos daquele jogo.
O amistoso, por si só, tira muito das possibilidades de se ter algo interessante num jogo de futebol. As mentes dos jogadores e da equipe não estão “super-conectadas às exigências do jogo”. Quem melhor consegue ver a importância dos amistosos, em qualquer nível ou ocasião, são os treinadores e suas comissões técnicas. Jogos sem razão são invariavelmente sem tesão.
As ciências aplicadas ao desenvolvimento dos talentos indiscutivelmente trouxe mais arte ao jogo a partir do momento que contribuíram para a melhor formação atlética dos seus principais protagonistas.
A Alemanha deu mostras claras dessas influências quando mudou radicalmente sua iniciação esportiva no futebol desde os critérios de seleção de talentos até metodologia de treinos para o desenvolvimento dos seus craques.
Foi ciência pura o que os alemães fizeram. Trabalharam vários outros aspectos do espetáculo mas, para o nosso objetivo agora, o que fizeram em relação ao talento e o jogo era o que mais interessava.
Futebol é arte, instrumento de desenvolvimento social, inclusão, entretenimento… mas não esqueçamos jamais: – está embebido na dependência científica que o faz chegar a performances cada vez mais altas.
É lindo ver no jogo atual a velocidade, a força, a plasticidade individual e coletiva, as táticas, as respostas às avaliações das performances, o “circo” à volta do jogo, enfim tudo diretamente ligado às contribuições científicas.
Não dá pra viver o mundo moderno e o jogo moderno sem as ciências. A arte que nunca deixou de fazer parte deste jogo maravilhoso precisa apenas ser apreciada com olhos e sentimentos especiais.
Continuamos tendo jogadores geniais no jogo moderno, assim como em tempos passados quando praticávamos “um jogo diferente”, sem tanta ciência. Hoje, assim como antes, e como sempre será, teremos um número de jogadores fora de série bem inferior quando comparado àqueles ótimos, bons, regulares ou jogadores comuns, etc.
Por isso a arte que envolve a construção do jogo moderno, agora com maior protagonismo e/ou dependência dos treinadores, começa a se escancarar aos nossos olhos.
Seja bem-vindo, jogo moderno!
Não consigo me alienar desta discussão que de uns tempos pra cá faz parte do grande debate da sociedade esportiva brasileira: “o que é melhor e pior no jogo moderno e no jogo do passado no futebol”. Muita coisa está envolvida nesta discussão. A arte e a ciência, sem dúvidas ocupam considerável espaço no assunto.
Ainda falaremos mais sobre esse tema!
Até…
 

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Se a palavra é de prata, o silêncio é de ouro

O atual líder da série A do campeonato brasileiro de futebol, o Flamengo – também finalista da Libertadores -, encanta o país com o seu jogo. Dizem os especialistas que o estilo resgata a maneira que fez o Brasil ser reconhecido pelo mundo todo. Seus protagonistas são bem conhecidos. O que chama a atenção é que seus dirigentes trabalham bastante nos bastidores, sem aparecerem tanto. Realidade bastante diferente em comparação com outros anos.

Por outro lado, o clube mais popular de São Paulo, o Corinthians, não tem tido o mesmo desempenho. Muito pelo contrário. Os mesmos especialistas questionam a performance dentro de campo e apontam inúmeros fatores para isso. Diferente do clube carioca, o presidente do clube assume uma entrevista coletiva e dá delicadas declarações que podem interferir no trabalho do plantel.

O que este texto quer ressaltar é que dentro de uma organização existe hierarquia. Responsáveis diretos pela equipe são os membros de uma comissão técnica. Em último lugar, o presidente da instituição, ou o cargo mais elevado. Certamente ele pode querer comparecer a uma entrevista coletiva a fim de esclarecer inúmeras questões levantadas pela imprensa. Sobretudo em situações não muito boas, como foi após a derrota para o CSA. Entretanto é preciso cuidado com as palavras e as colocações, a fim de respeitar uma hierarquia e os comandos dentro desta hierarquia. O uso do vocabulário adequado, em consideração à instituição, à sua história e também à complexidade do momento. É necessário clareza, precisão, a comunicação minuciosamente planejada a fim de não deixar incertezas. A organização – neste caso, o clube -, precisa de um bom ambiente de trabalho para superar crises e uma palavra mal proferida pode, sem dúvida alguma, rotular pessoas, comprometer carreiras e também trabalhos.

Coletiva de imprensa do Flamengo. (Foto: Reprodução/Divulgação)

 

Todos competimos para vencer. Todos queremos ser campeões. No entanto nem todos podem ser campeões ao mesmo tempo, e sempre. É preciso mudar este pensamento, quer seja pelos dirigentes, quer seja pelos torcedores. Gastos indevidos e violência não proporcionam títulos, muito pelo contrário. Um dia, outrora, talvez, a falta de planejamento financeiro proporcionou conquistas para alguns clubes. Outros tempos. Atualmente não há mais quem queira cobrir estas contas. O patrocinador hoje além de levar em consideração os resultados esportivos, tem em conta os resultados institucionais, ou seja, o que a marca ganha em agregar-se a uma outra.

Com tudo isso, uma boa gestão do futebol passa pela comunicação. Uma boa comunicação é capaz de construir, fortalecer, conferir atributos positivos e proteger uma instituição, sem ser omissa. A má comunicação destrói tudo isso. E, para destruir, uma palavra apenas basta. 

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Em tempo mais uma citação que se relaciona com o tema da coluna:

“Onde tudo é de todos, nada é de ninguém”.

Pedro Trengrouse,
Professor de Direito Esportivo da Fundação Getúlio Vargas,
sobre o modelo associativo dos clubes de futebol do Brasil