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A estrela de Weah continua brilhando

Quando eleito presidente do Brasil, era possível enxergar em Lula o perfil ideal de um governante populista. Bastou adequar um pouquinho sua ideologia a uma linha menos radical, que Lula ganhou a eleição, fácil, fácil. Foi até covardia.

 

Lula poderia muito bem ter dito em um de seus inúmeros discursos pré e pós-eleitorais: “Eles estão cobertos por diplomas, mas destruíram nossas vidas. (…) Eu sou como vocês; eu sei o que é passar fome, ou ir pra escola descalço”. Mas não disse.

 

O autor da frase acima é George Manneh Oppong Ousman Weah, 38 anos, ex-jogador de futebol do Milan, Chelsea e PSG, entre outros clubes. Foi eleito o melhor jogador do ano de 1995 pela Fifa e, ao que tudo indica, será o próximo presidente da Libéria.

 

Dentro de uma eleição composta por 22 candidatos, George Weah – também conhecido como Brotha George ou King George – alcançou o primeiro lugar com uma distância relativamente considerável dos seus oponentes. Irá disputar o segundo turno com a economista ex-secretária da ONU e ex-ministra Ellen Johnson-Sirleaf no dia 8 de novembro.

 

Caso ganhe, Weah assumirá a Libéria abalada por um passado recente de conflitos e guerras civis, que se tornaram muito comuns no país. Será, possivelmente, o primeiro presidente sem laços militares a ser eleito no país depois de um longo tempo. Será também o primeiro ex-jogador de futebol do mundo a ser eleito presidente e com um ideal verdadeiramente populista.

 

Brasilidade

 

Lula e Weah têm muito mais em comum do que apenas a retórica populista.

Primeiro é preciso dizer que Weah sempre teve um quê de brasilidade. Quando eleito melhor jogador do mundo, ocupou justamente o espaço entre Romário e Ronaldo. Até hoje é conhecido como o Pelé africano.

 

Ambos são vistos com ressalvas quanto à capacidade intelectual e como candidatos cuja força reside na alta popularidade com as camadas mais baixas da população e na confiança naqueles que os cercam.

 

Também podem possuir o mesmo calcanhar de Aquiles. A confiança em sua base minou Lula. Seguindo o exemplo, Weah já deveria se preparar pro que vem por aí. E pelo que já foi descoberto, coisa boa não deve ser.

 

Pouco tempo atrás, Orishall Goulp, secretário-geral do seu partido, foi forçado a renunciar por denúncias de desvio de dinheiro da Previdência. Sua assessora de imprensa, Margot Cooper, foi afastada do cargo por cobrar propina para agendar entrevistas.

 

Caso Weah realmente venha a ser eleito, não deve demorar muito para que Lula siga sua cartilha diplomática e o convide para um churrasquinho na Granja do Torto. Na hora do futebol, Lula separará os times: aqueles que foram apontados por Deus contra a rapa. Dava até pra chamar o Romário, que é o cara. Mas daí já vai ser covardia.

Para interagir com o autor: maurobeting@universidadedofutebol.com.br

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O futebol diante das adversidades

Horácio, um poeta latino que viveu alguns anos antes de começar a Era Cristã (65 a.C. – 8 a.C.) já naquela época alertava que “a adversidade desperta em nós capacidades que, em outras circunstâncias favoráveis, teriam ficado adormecidas”.

 

Outro dia, assistindo a um programa de televisão que mostrava um trabalho voluntário sobre ação social com detentos, me impressionou o depoimento de uma ex-presidiária, afirmando que sua experiência de trabalho com comercialização de produtos artesanais havia salvado sua vida, tirando-a de uma rotina de 27 anos como traficante de drogas. Chegou a afirmar que a prisão tinha sido uma benção para ela, pois concluiu que muito provavelmente não estaria viva, hoje, se continuasse no mundo do crime.

 

A frase sobre adversidade de Horácio e a conclusão da ex-detenta me levam a refletir um pouco sobre a situação da seleção brasileira. Embora feliz pelos resultados e pelo desempenho que nossos craques têm alcançado nos últimos tempos, preocupa-me o ambiente de exagerado otimismo, euforia e ufanismo que toma conta de todo ambiente futebolístico nestas ocasiões de sucesso.

 

Como amigo de alguns dos membros da comissão técnica da seleção brasileira, sei que eles estão atentos a estes aspectos e já planejam alguns trabalhos que contraponham os efeitos de qualquer exagero de autoconfiança, que pode desembocar num relaxamento na preparação para a Copa do Mundo na Alemanha.

 

Isto seria desastroso para uma competição tão curta como esta. Depoimentos de alguns jogadores mais experientes mostram que, pelo menos nas palavras, eles estão preocupados com este assunto.

 

E é bom que estejam preparados mesmo, pois a história das Copas nos apresenta que ao disputarmos esta competição com amplo favoritismo, o resultado não foi o que desejávamos. Ao contrário, quando a seleção brasileira parte para a Copa, carregada de desconfianças e até desacreditada, parece que a mobilização interna entre os jogadores e a comissão técnica aumenta, dando mais seriedade e foco aos nossos representantes.

 

Torço para que as principais lideranças que conduzem o trabalho da seleção brasileira de futebol, que tanto significado simbólico tem para todos nós, continuem a trabalhar esta questão. Afinal, não apenas os jogadores de futebol costumam se acomodar, quando falta o estímulo da cobrança em um cenário com poucas adversidades. Todos nós humanos, em diferentes graus, somos assim, não é mesmo? 

 

Para interagir com o autor: medina@universidadedofutebol.com.br

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Crises e glórias no futebol brasileiro

O futebol brasileiro vive um momento paradoxal. Há poucos meses conquistamos, com algumas exibições de gala, a Copa das Confederações realizada na Alemanha, como uma avant première da Copa do Mundo de 2006. A façanha brasileira incluiu uma goleada histórica no jogo final contra a poderosa e eterna rival Argentina.

Também há pouco, terminamos a fase sul-americana das eliminatórias para a Copa do Mundo em primeiro lugar, superando novamente a Argentina que liderou a competição praticamente durante todo o tempo. Conquistas como estas nos enchem de orgulho.

Por outro lado, os escândalos na arbitragem, recentemente revelados, provocam descontentamentos, decepções, suspeitas que já comprometem irremediavelmente a nossa principal competição de futebol que é o campeonato brasileiro e, o que é pior, debilitam nossas instituições e o conceito moral de todos nós brasileiros.

Nosso grande patrimônio cultural chamado futebol tem a capacidade de orgulhar até aqueles que não são tão apaixonados por esta modalidade esportiva, mas ao mesmo tempo de envergonhar, diante de tantos escândalos.

Tais constatações nos fazem concluir que o futebol, como metáfora da vida, reflexo de nosso modelo de sociedade, é este fenômeno que nos obriga a conviver com os paradoxos e contradições de nossa existência, onde o lado mágico, criativo, estético, alegre, descontraído, solidário, vitorioso, tem que conviver com o seu lado obscuro, feito de mentiras, corrupção, malandragem, egoísmo e desonestidade.

Deste caldo cultural é que sai a nossa identidade como Nação. E é justamente deste eterno conflito que temos de encontrar as brechas em busca de nossa superação e o nosso desenvolvimento enquanto seres verdadeiramente humanos. 

Esta decisão do caminho a seguir não cai do céu, não vem do governo ou de outra instituição qualquer. É uma decisão que vem lá do fundo da consciência de cada cidadão.

Para interagir com o autor: medina@universidadedofutebol.com.br

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A função social do futebol

Já afirmei que o futebol nem sempre é sinônimo de saúde, como muitos imaginam. Sempre que abordo este assunto, as pessoas parecem ficar surpresas com este meu ponto de vista sobre o futebol, esporte que sem dúvida é uma das maiores manifestações culturais do século 20 e nada indica que não será assim, também neste século 21.

Muitas pessoas me questionam. “Medina como você, sendo professor e trabalhando no futebol há tanto tempo, pode falar mal do futebol?”

Penso que ter um olhar crítico sobre o futebol não significa necessariamente falar mal dele.  Pelo contrário, toda visão crítica pode contribuir mais para a valorização das práticas esportivas, do que uma visão ufanista ou de senso comum. 

Defendo que precisamos ter a capacidade para aproveitar o enorme potencial do futebol, para realmente assegurar a promoção da saúde, educação e cultura.

Se o esporte em geral, e o futebol em particular, fosse algo bom por si só, que dispensasse a necessária intervenção competente, positiva e pró-ativa de seus agentes, não veríamos em vários momentos exemplos de atletas envolvidos em drogas, atos de violência e corrupção que se repetem dentro e fora dos campos.

Cabe, portanto, àqueles que são os atores responsáveis pelas práticas esportivas, ou seja, treinadores, atletas, líderes comunitários e dirigentes, terem sempre em mente os valores que devem permear o esporte: solidariedade, cooperação, busca de superação dos limites, constante aperfeiçoamento, o espírito democrático,  respeito aos nossos oponentes etc.

Com uma visão crítica que dê mais clareza quanto à forma em que as relações sociais se dão no interior das atividades lúdicas, educativas e competitivas, talvez, possamos realmente entender o esporte e, em especial, o futebol, como um privilegiado instrumento que auxilia o desenvolvimento do ser humano de uma forma geral.

Para interagir com o autor: medina@universidadedofutebol.com.br 

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Futebol e desenvolvimento humano

Acompanhando os acontecimentos no mundo e no Brasil, fico imaginando como poderíamos medir o grau de desenvolvimento que a humanidade atingiu neste início de século 21. E quando falo em desenvolvimento, refiro-me não apenas ao processo de acumulação de riquezas materiais, mas às possibilidades de ascensão das pessoas de uma forma mais ampla, ou seja, também nos aspectos biológico, psicológico, ideológico, cultural, espiritual e social.

 

Somos surpreendidos a cada instante com escândalos de toda ordem que nos fazem questionar se vivemos, realmente, numa sociedade civilizada. 

 

Para aumentar estas dúvidas basta vermos, também, o que acontece no mundo do futebol, onde a busca pela vitória, vantagens pessoais e institucionais, muitas vezes, atropelam qualquer apelo que realmente justifique tudo aquilo que entendemos como civilizado.

 

Esta reflexão me trás à mente uma experiência muito interessante, contada há anos por um antropólogo, sobre o comportamento de um povo selvagem. Disse ele que certa vez visitou, com seu grupo de estudos, uma tribo no Mato Grosso, que nunca teve contato com a cultura civilizada.

 

Ao pesquisar aquela população indígena, buscando entender seus relacionamentos, ele e sua equipe aproveitaram para ensinar algumas práticas de nossa cultura, entre elas o futebol. Os índios gostaram tanto do jogo que começaram a praticá-lo diariamente. 

 

Mas um fato chamou muito a atenção dos antropólogos. Como os índios aprenderam que o grande objetivo da competição era a marcação do gol, quando isto acontecia, de um lado ou de outro, os dois times comemoravam entre si, indistintamente. Afinal alguém atingiu a meta e, portanto, cabia uma celebração coletiva que dispensava o conceito de vencedores e perdedores.

 

Bom, talvez, este modelo “selvagem” de ver o futebol não seja o ideal a ser seguido por nós, chamados “civilizados”, participantes de uma sociedade tão competitiva e focada em resultados, mas com certeza pode nos inspirar a colocar alguns limites nas nossas ambições, muitas vezes exageradas, para não dizer doentias.  

Para interagir com o autor: medina@universidadedofutebol.com.br

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Charleroi e a revolução do futebol

Uma revolução consiste, basicamente, em uma transformação fundamental de valores, buscando equilibrar o sistema de poderes entre oprimidos e opressores. Coisas que eram, de repente, deixam de ser. Tornam-se outras.

 

Na cultura e na economia, uma revolução demora para se consolidar. Ela acontece de forma lenta, porém constante. Nas instituições sociais e políticas, porém, ela é repentina. De uma hora para outra, tudo muda. Quando não conseguem pacificamente, os oprimidos vão à luta.

 

O futebol volta e meia convive com revoluções. Em sua maioria, elas afetam o jogo em si, seja através das regras – como a do impedimento – ou das táticas – como o WM e o futebol total.

 

O caso Bosman

 

Muito de vez em quando acontecem revoluções que afetam a estrutura do esporte.

Uma destas poucas foi liderada por Jean Marc Bosman, um atacante até então insignificante que jogava pelo também insignificante RFC Liège. Tão insignificante que hoje não mais existe.

 

O jogador reclamou na justiça belga o direito de livre transferência para outro clube no final do seu contrato. Buscava um salário maior, que um clube da segunda divisão – o Dunkerque – estava disposto a bancar. Eles só não estavam dispostos a pagar pelo preço da transferência que o RFC Liège estava pedindo. Bosman não só ganhou a causa como fez com que todo o sistema de transferência de jogadores fosse transformado pela Fifa.

 

Foi criada então a Lei Bosman, que alterou substancialmente o sistema de transferência de jogadores e revolucionou a relação de poderes entre o clube e seus atletas. Os atletas ganharam, os clubes perderam. A Fifa, que não tinha nada a ver com a história, continuou na mesma.

 

Cadeia de poder

 

A cadeia de poder do futebol mundial é bastante simples: a Fifa é o órgão principal, com poderes de alterar leis e definir o calendário de jogos. Quem compõe a Fifa são as confederações continentais, que por sua vez é composta por confederações nacionais. No caso brasileiro, existem ainda as federações estaduais.

 

Dentro dessa cadeia, os clubes não têm voz. São subjugados às diretrizes e delegações dos órgãos citados acima. Possuem, no máximo, papel consultivo. Uma certa opressão, por assim dizer.

 

Revolta dos oprimidos

 

Como todos os oprimidos, eventualmente os clubes começaram a buscar uma revolução. Um espaço para dar o seu grito de liberdade. E por liberdade entenda dinheiro.

 

Primeiramente criaram as ligas, campeonatos independentes formados e organizados pelos clubes e que atendem ao interesses dos próprios. E por interesses entenda dinheiro.

 

Depois, os maiores clubes europeus se uniram e criaram o G14, formado inicialmente por 14 clubes, mas que hoje conta com 18. E deve crescer mais ainda.

 

Apesar de parecer bastante com o Clube dos 13, ambos sendo uma organização formada pelos maiores clubes de um determinado perímetro geográfico, o G14 possui um papel um pouco diferente.

 

Enquanto o C13 cada dia mais se estabelece como uma liga, o G14 funciona como um sindicato. Foi criado para dar uma voz conjunta aos maiores clubes da Europa, um meio deles se inserirem na cadeia de poder do futebol mundial para ter poder decisório de forma a defender seus interesses. E por interesses entenda novamente dinheiro.

 

Liberação de jogadores

 

Um dos grandes conflitos entre os grandes clubes da Europa e a Fifa é a respeito da liberação de jogadores para as seleções nacionais.

 

De acordo com o G14, os clubes são obrigados a liberarem os jogadores para disputar partidas internacionais, muitas v
ezes insignificantes, e não recebem nenhuma compensação financeira por isso. Muito pelo contrário, acabam perdendo dinheiro, uma vez que jogadores voltam cansados e, não raramente, contundidos, ficando impossibilitados de atuar pelos seus clubes, ainda que estes continuem a pagar seus salários.

 

A Fifa, por sua vez, argumenta que já destina parte de sua arrecadação para o desenvolvimento de clubes pelo mundo todo, e que uma compensação financeira por convocações só ajudaria aos principais clubes de futebol, que por si só já são bastante ricos e não precisariam necessariamente de mais essa fonte de renda.

 

O problema é que, por vezes, a contusão de um jogador em um jogo pela sua seleção afeta substancialmente a performance do clube dentro do campeonato, o que também afeta diretamente em outras fontes de renda, como renegociação de patrocínios e possíveis classificações para competições mais rentáveis.

 

Charleroi, um novo caso

 

Foi exatamente o que aconteceu com o Charleroi, um time mediano que disputa a primeira divisão belga. É um novo caso que pode revolucionar novamente a relação de poderes dentro do futebol, desta vez entre os clubes e a Fifa.

 

O Charleroi ia muito bem no campeonato, beirando a classificação para a Champions League, muito por causa de Abdelmajid Oulmers, um talentoso meio-campo marroquino. Tanto talento lhe rendeu uma convocação para a seleção marroquina. Orgulho para ele e para o próprio Charleroi.

 

Mas eis que Oulmers volta da seleção seriamente contundido e fica oito meses afastado dos gramados. O Charleroi, que antes beirava a classificação para a Champions League, termina o campeonato se classificando apenas para a Intertoto, uma competição pequenininha que serve como pré-classificatório pra Copa da Uefa. É disputada por clubes que acabam os principais campeonatos nacionais europeus em posições intermediárias e por clubes de países de menor importância futebolística, como as Ilhas Faroe.

 

Indignados com a perda de um de seus principais jogadores, que conseqüentemente levou à perda de bastante dinheiro, o Charleroi resolveu acionar a Fifa na Justiça belga. Exige ser financeiramente ressarcido pelas conseqüências da convocação de seu jogador para o selecionado marroquino.

 

O G14, que há tempos ansiava por uma oportunidade de acionar a Fifa na justiça para conseguir mudar as regras da compensação financeira por convocações, viu o potencial da briga e ofereceu, voluntariamente, toda a sua ajuda ao Charleroi.

 

O caso agora está na Corte Comercial de Charleroi. Envolve o Charleroi, o G14 e a Fifa. Foi aberto no dia 5 de setembro de 2005 e a audiência está marcada para o dia 6 de março de 2006.

 

É uma briga maior do que parece. Mais do que a compensação financeira por convocações, o G14 busca maior representatividade dos clubes na tomada de decisões dos rumos do futebol mundial. Querem ter poder decisório em questões-chave, como a definição do calendário, pois isso afeta diretamente seus interesses. E por interesses, entenda mais uma vez dinheiro.

 

Caso vença a sua causa, o belga Charleroi transformará toda a estrutura do futebol, tal qual fez o também belga Bosman. Se no caso do segundo a estrutura foi obrigada a dar mais poderes aos jogadores, no caso do primeiro ela dará mais poderes aos clubes.

 

Busca-se, dessa forma, equilibrar o sistema de forças do futebol mundial entre os seus componentes.

 

Busca-se, enfim, uma revolução.

 

Hay que endurecerse sin perder jamás la ternura.

 

Oliver Seitz é relações públicas, pós-graduado em Administração para profissionais do esporte (FGV) e mestrando em Administração de Futebol pela Universidade de Liverpool.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br