O jogo se vence nos detalhes
O risco moral do futebol
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Volantes que guiam
Hernanes era meia-esquerda do júnior quando estreou pelo São Paulo, no BR-05. Naquela vitória simples contra o Botafogo, no Morumbi, foi escalado por Paulo Autuori como ala-esquerdo. Hábil e abusado, ambidestro raro, deu algumas pedaladas pelo canto esquerdo. Mostrou serviço e predicados. Naquele São Paulo multicampeão de 2005, teve pouco espaço, e foi emprestado, em 2006.
Voltou ao Morumbi como opção de elenco. Sem Mineiro, sem Josué, sem Fredson, sem uma boa reposição de valores para a cabeça da área, Hernanes foi testado por Muricy como volante-esquerdo, na vitória magra sobre a Ponte Preta, no SP-07. Marcando pela esquerda, ao lado de outro meia improvisado na função (Souza), Hernanes foi eficiente. Mas só ganharia peso, corpo, espaço e um lugar no time do outro lado, fazendo dupla com Richarlyson – ou com Jorge Wágner, dependendo do jogo, e do jogador a ser marcado na ala esquerda são-paulina.
Richarlyson é outro que começou a ganhar a vida como ala-esquerdo do Santo André. Rodou Brasil e o mundo da bola buscando um lugar em campo. Foi meia. Foi até zagueiro com Muricy (tem ótima impulsão e invejável preparo físico). Tem sido bom lateral, com mais obrigações defensivas. Mas vai melhor mesmo como volante improvisado, fazendo excelente dupla com Hernanes. Combinando alterações táticas com Jorge Wágner, outro misto de meia-ala-lateral-volante tricolor.
Os improvisados-definitivos Hernanes e Richarlyson fazem parte do sistema defensivo mais próximo da eficiência neste Brasileirão – e com chances reais de ser em todos os campeonatos, a partir de 1971. “Sistema defensivo”, por favor, e não “defesa”. Por mais que Rogério Ceni seja a bandeira que é, por melhor que sejam Breno (que futuro!), Miranda (que zagueiro!), Alex Silva ou André Dias (que presentes!), todo o São Paulo marca. Começando por Aloísio e Dagoberto (ambos entre os dez atacantes que mais desarmam no BR-07, pelas contas do Footstats), passando pelo suor de Leandro, e, se os adversários conseguirem, passando por um time que pouco deixa passar.
É um São Paulo que também bate. Está quase sempre entre as quatro equipes mais faltosas do BR-07, e nem sempre entre as quatro que melhor desarmam. Hernanes e Richarlyson estão entre os que mais caçam bolas e canelas nas mesmas proporções. Mas o melhor da dupla improvisada (definitiva) é que eles têm marcado como tantos volantes desgovernados que pululam pelos campos, mas também sabem armar, criar e chegar para finalizar como meias de caderneta. No caso de Hernanes, finalizando com rara felicidade com os dois pés.
É o sonho de nove em dez treinadores: um jogador que marque como zagueiro sem a bola, e jogue como atacante com ela aos pés. É um dos tantos “segredos” conhecidos do grande líder do BR-07. Do time que só não tem o melhor ataque do campeonato porque o Cruzeiro ainda tem o futebol mais ofensivo, envolvente e bacana do Brasileirão. Mérito do treinador Dorival Júnior (um volante de ofício, nos anos 80 e 90). Ele soube extrair de um elenco descompensado a força ofensiva que o levou muito além do encomendado:
“O principal para acharmos a equipe ideal do Cruzeiro foi nos voltarmos para aquilo que tínhamos de melhor. Vimos que tínhamos vários meias e atacantes muito bons no elenco. Se temos um elenco mais ofensivo que defensivo, vamos jogar assim. Ainda não temos o equilíbrio necessário para buscar a liderança. Mas fico feliz porque estamos achando um jeito de jogar um futebol mais alegre. Confesso que estou muito satisfeito com o time, pelo modo dele jogar. Prefiro estar jogando esse tipo de futebol a estar mais próximo do São Paulo, com um time mais defensivo”.
Júnior optou pelo ataque até pela falta de outras opções a partir do meio-campo. A dupla hoje titular (Charles e Ramires) segue a linha de jogo da anterior (Léo Silva e Ramires). São segundos volantes com pés de meias. Para não dizer que são meias com funções de volantes. Se a defesa fica vulnerável (até pela falta de maior qualidade dos zagueiros celestes), quem precisa se proteger são os rivais, detonados por meias e atacantes de qualidade e apetite insaciável, e por meias que chegam a todo momento, com intensidade louvável.
No frigir das bolas: o melhor time do Brasil marca como nenhum outro sem volantes de cabeceira e de cabeça-de-área; o melhor ataque do Brasil joga sem volantes.
E por que diabos ainda tem tanta gente recheando suas equipes de cérberos descerebrados, optando por medusas táticas de vários cabeças descabeçados de área?
Voltaremos ao tema, falando mais do Inter de 1975-76. O de Falcão, Batista e Caçapava. O melhor time do Brasil nos anos 70.
Por que não mudar?
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E por falar nelas (a preguiça do pensar e a inércia acomodativa), o “Foca” (Kerlon) cruzeirense que se cuide. Os “preguiçosos” de plantão (postes parados no tempo – inércia do não movimento), como não querem pensar no como desarmar a jogada diferente, já fazem suas promessas e previsões – “o Foca vai ficar sem nariz”. Pois bem. Melhor sem nariz do que sem cérebro…
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Somente a grande habilidade técnica não é requisito suficiente para atingir o sucesso no futebol. O controle de aspectos relacionados à composição corporal, principalmente o percentual de gordura, possibilita um melhor desempenho dos jogadores. Está evidenciada a incompatibilidade entre a excelência competitiva e os altos índices de adiposidade subcutânea.
Um dos fatores para este aumento no percentual de gordura corporal está relacionado com mudanças de comportamento após jogos e dias de folga em que, na maioria das vezes, se faz o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e a ingestão de lipídeos acima do limite estabelecido.
Para alcançar uma composição corporal ideal os jogadores costumam utilizar métodos não saudáveis, assim um trabalho de orientação nutricional se faz necessário já que é um aspecto fundamental para se conseguir obter o peso competitivo, fazendo o consumo de quantidades adequadas tanto de macro como de micronutrientes.
Uma dieta para redução de gordura corporal não poderá sofrer uma redução severa de calorias, uma vez que a mesma poderá diminuir o rendimento do atleta e automaticamente seu gasto calórico. A dieta deverá ter uma diminuição do consumo de alimentos ricos em gorduras, pobres em nutrientes e de alta densidade energética.
Um trabalho multidisciplinar também se faz necessário para que o jogador tenha consciência dos benefícios ao habituar-se a uma alimentação saudável regularmente.
* Victor Azevedo é nutricionista do Rio Preto Esporte Clube – vinutri@terra.com.br
O mundo parou para ver o futebol total de Rinus Michels com seu Carrossel holandês na Copa do Mundo de 74. As trocas de posições davam uma impressão de desordem em campo, mas que na verdade eram partes que se organizavam no todo, que é o jogo propriamente dito.
O tempo foi passando e a modernidade do futebol aumentando, ao ponto de se tornar mais físico do que tático no que se diz em novas tendências na área da educação física. Por isso, a proposta de várias mudanças no sistema tático em um jogo devem sempre ter uma grande e primordial preocupação, que é a chamada cobertura ofensiva. Quando se fala em termos ofensivos, sempre vem em mente as estratégias de assistências dos meias, cruzamentos dos laterais ou alas e por fim algum tipo de lançamento ou virada de bola dos volantes. Todas estas opções de ataque são essenciais para se ter um êxito dentro da partida. Mas o grande trunfo é compreender que na verdade quando um time ataca ao mesmo tempo ele se defende.
O nível de concentração de quem executa a cobertura deve ser muito grande, ao ponto de sempre estar por trás da jogada compromissado em desarmar um eventual contra – ataque. Usando o exemplo do Vôlei, sempre quando é feita uma jogada de ataque – no caso a cortada – o time deve estar posicionado para recepcionar o bloqueio do adversário. Para isto acontecer, tem de haver uma cobertura dos jogadores.
Tendo a organização de cobertura ofensiva, a equipe pode assim mudar de um sistema 3-5-2 para um 3-4-3 fazendo com que os alas virem atacantes, volantes se tornem meias, zagueiros serem alas e assim por diante. Mas para isto acontecer, o time deve estar bem treinado nas estruturações de espaços, pois se uma “peça” do contexto geral falhar no sistema, a equipe ficará vulnerável em uma armação do adversário. Isto ocorre por conta de um jogador marcar dois ao mesmo tempo, pois estavam mal posicionados no momento da posse de bola.
Logicamente que estas opções não são “receitas de bolo”, pois todo esquema tático, deve se adequar com o plantel que o treinador possui. Não adianta pensar em um esquema que use os alas para serem atacantes, se as opções são de jogadores que cadenciam mais o jogo. Ou então realizar trocas de volantes com meias, se eles forem de características mais defensivas do que ofensivas. Enfim, cada time deve ter seu sistema de jogo próprio como padrão.
Para se ter uma equipe compacta na hora de defender e dinâmica no momento de ataque, o time deve ter sabedoria de perceber o adversário, ou seja, se marcam pressão, em intermediária ou então atrás do meio-campo. Para isto acontecer, a comissão técnica deve estar integrada, pois é muito importante as presenças além do head coach o preparador físico e psicólogos (estes para assessorar o emocional do atleta que se eleva em um jogo), para se ter então um time de imensa concentração tática do começo até o fim de uma partida.
Computação no futebol
“Computação não se relaciona mais a computadores. Relaciona-se a viver.”
Nicholas Negroponte
O mundo é complexo. Estudar o funcionamento de tudo é uma tarefa impossível. A fragmentação do conhecimento é uma maneira de se tornar o aprendizado mais simples. Pode-se notar melhor essa tendência analisando o crescente aumento dos cursos de graduação e pós-graduação no Brasil. Tal simplificação, por outro lado, complicou a compreensão de fenômenos mais complexos. Para esses casos existe a necessidade de integrar diferentes áreas para superar uma barreira, a tão discutida interdisciplinaridade. A computação, dada sua velocidade e precisão, possui excelente inserção como agregadora nestas situações.
Durante o processo de formação do profissional da computação, o mesmo é capacitado para desenvolver ferramentas que solucionem um problema. A principal dificuldade na solução de um problema passa pela definição do mesmo. Portanto a presença de especialistas que utilizarão essas ferramentas é primordial para o funcionamento da mesma, ou seja para o detalhamento do problema.
Na Scoutonline a presença de profissionais da área esportiva é intensa. A definição e o destrinchamento do problema é realizada toda por eles, sempre em contato com profissionais atuante da área. Cabe aos profissionais da parte de computação transformar a teoria em prática e desenvolver softwares (ferramentas) para facilitar a vida deles.
A definição da metodologia adotada é estudada, debatida, aplicada e constantantemente aperfeiçoada e, junto à coleta de dados em tempo real, sendo esta realizada pelos profissionais esportivos, após um intensivo treinamento. É primordial que para tal interdisciplinaridade exista uma sincronia e aprofundamento e exploração dos conhecimentos de cada área, trazendo à tona as habilidades e competências que se complementam.
A definição dos filtros (mecanismos e dinâmicas de consultas às informações) e imagens geradas através dos dados do jogo também é proposta pelos profissionais esportivos. Informações tais como: passes efetuados – para quem um jogador passa a bola – , passes recebidos – de quem um jogador recebe a bola, fluxo de passes, posicionamento tático por peso de ações, distribuição da posse de bola é toda realizada por tais profissionais. Cabe ao pessoal da computação criar os recursos necessários, o onde muitas vezes se torna necessário a criação ou adaptação de hardwares, para automatizar o processo.
O computador está cada dia mais presente nas nossa vidas como elemento facilitador. Ou será que você está tão acostumado a utilizar seu editor de textos favorito que não consegue mais perceber a quantidade de recursos que ele lhe oferece? Ou então experimente perguntar ao gerente do seu supermercado como era feito o controle de estoques antes dos computadores. Os softwares desenvolvidos na Scoutonline permitem analisar rapidamente os dados e gerar informações tais como imagens através das quais consegue se visualizar situações que não estejam claras à olho nu. Será que não vale a pena ampliar o número de softwares que você utiliza no seu dia-a-dia?
* Rodrigo Grassi Martins é mestre em Ciência da Computação responsável por projetos da ScoutOnline
O treinamento no futebol tem como objetivo aprimorar as capacidades físicas (força, velocidade, resistência aeróbica e anaeróbica, coordenação e outras), técnicas e táticas (individual, grupo e equipe) do rendimento. No entanto, os pretensos resultados dependem muito e diretamente da condição psicológica dos atletas.
Observa-se entre os envolvidos no futebol competitivo (atletas, técnicos, preparadores físicos, dirigentes, jornalistas e outros) a constatação da importância do fator psicológico dos atletas. No entanto, esses mesmos criticam a falta de treinamentos específicos para o desenvolvimento/ controle dos aspectos psicológicos.
A desarmonia psicofísica é fator inibidor do rendimento, e como o problema da preparação psicológica, faz do treinamento em futebol. Todo esforço deve ser feito para permitir aos jogadores responderem positivamente aos estímulos psicológicos que aparecerão nos treinamentos e jogos.
A psicologia do esporte facilita a preparação e dinamiza o rendimento do jogador de futebol. Devido à exigência de constante melhoria no rendimento (vitórias). Cabe à psicologia do esporte ajudar o jogador a desenvolver por completo sua capacidade de rendimento em potencial, de modo que ele seja capaz render satisfatoriamente no jogo. A psicologia do esporte tem como uma de suas tarefas ajudar técnicos e jogadores a transformar seus conceitos subjetivos irrealistas em objetivos realistas.
Dentro dos principais propósitos da preparação psicológica temos:
– determinação de objetivos realistas
– mobilização da energia psicofísica
– controle do estresse
– motivação para o rendimento
– aperfeiçoar o autocontrole
– desenvolvimento da concentração
A partir desse primeiro ensaio, serão apresentados alguns dos principais fatores psicológicos que influenciam diretamente rendimento no futebol e que necessitam ser conhecidos por jogadores e técnicos de futebol. Apresentaremos nos próximos artigos os temas motivação, concentração, ansiedade, estresse, autoconfiança, relaxamento e medo.
Bibliografia
Al Huang C, Linch J. O Tao do Esporte. São Paulo: Editora Best Seller; 1992.
Thomas A. Esporte: introdução à psicologia. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico; 1983.
Feijó OG. Corpo e Movimento: uma psicologia para o esporte. Rio de Janeiro: Shape; 1998a.
Samulski D. Psicologia do Esporte. Barueri: Manole; 2002.
Weinberg RS, Gould D. Fundamentos da Psicologia do Esporte e do Exercício. Porto Alegre: Artmed; 2001.
Miranda R, Bara Filho MG. Motivação no Esporte. Scape 2002; 1 (1): 53-62.
Cox RH. Sport Psychology Concepts and applications. Dubuque: Brown and Bench-Mark; 1994.
Bara Filho MG, Miranda R. Aspectos Psicológicos do Esporte Competitivo. Treinamento Desportivo 1998; 3 (2):75-84.
Ídolos
O jogo estava marcado, mas uma tribo ficou presa na estrada. Sem ter adversário para a primeira partida, os Kayapó entraram em campo para mostrar um pouco da sua cultura. Os índios chegaram calados, vestindo seus adornos e exibindo pinturas por todo o corpo. O chefe da tribo, que era também o treinador do time, chegou com uma bermuda jeans, descamisado, com o corpo todo pintado. A impressão inicial foi de que ele estava seguindo o protocolo; se estivesse na sua tribo, ele não teria vestido aquela bermuda. Em respeito aos “civilizados”, adotou o traje como sendo “oficial” para o evento.
Os índios se espalharam pelo campo. Apresentaram algumas danças, entoaram seus cantos, e ali ficaram para verem e serem vistos. Além das pessoas que estavam trabalhando, havia em campo alguns moradores da cidade que foram assistir ao jogo daquele dia. Enquanto tentávamos entrevistar os índios para a nossa pesquisa, uma das crianças nos pediu uma caneta emprestada. Sem compreender o motivo, entregamos o objeto para a menina, que imediatamente virou para o nosso entrevistado e lançou a pergunta: “Me dá um autógrafo?”. Isso bastou para que dezenas de crianças viessem rodear o índio, com canetas e pedaços de papel na mão, esperando ansiosamente a preciosa assinatura. O índio rabiscava os papeizinhos rapidamente, sem entender direito o que estava acontecendo. Quando terminou de escrever pela última vez o seu nome, a criançada inventou de colecionar autógrafos, e atacou mais três índios. Dessa vez o espanto foi nosso, quando percebemos o orgulho deles em dar aqueles autógrafos. Estávamos mesmo diante de grandes ídolos?
Uma chegada triunfal
Os Kayapó esperaram o time adversário em vão. A tribo Gavião não chegou no primeiro dia.
Mais tarde, a história dessa viagem virou lenda. O ônibus vinha de Porto Seguro e quebrou quando passava por Governador Valadares-MG. Os índios tiveram que esperar uma providência: ou consertavam o ônibus ou mandavam outro ônibus para concluir a viagem. Resolveram consertar o ônibus para levar os jogadores o mais rápido possível até Juiz de Fora, porque eles estavam atrasados um dia para o campeonato.
A notícia de que eles já estavam a caminho aliviou os organizadores, que começaram logo a mudar a tabela para encaixar os jogos com a tribo. Mas os Gavião não estavam com sorte. Durante a viagem, o ônibus atropelou uma moto. A polícia apareceu e todos foram encaminhados para delegacia para esclarecer os fatos. Nos bastidores do campeonato todos tentavam imaginar a cena: quase trinta índios diante do delegado acusados de atropelar uma moto.
Finalmente, liberados da cadeia eles conseguiram chegar a tempo de jogar nos últimos dias. A história virou a lenda do campeonato e os índios deviam ter ganhado um troféu pela disposição de enfrentar tanta aventura.
Índios consumistas
No segundo dia da competição estava marcada uma partida para as cinco horas da tarde. Os organizadores e os jogadores estavam esperando o time adversário para iniciarem o jogo. Depois de uma hora, eles começaram a ficar preocupados com tanta demora. A dúvida sobre o que teria acontecido com a tribo Kanela era maior porque já tinha chegado a notícia de que eles não estavam mais no alojamento há muito tempo. Mas, se não estavam em campo, por onde andavam?
Foi então que aconteceu o inesperado. Sete táxis chegaram e trinta índios desceram dos carros carregados de sacolas de compra, exibindo os nomes de lojas do centro da cidade. Com total naturalidade, os índios pagaram os motoristas e se dirigiram ao campo para enfim começar a partida. Perplexos, os organizadores resolveram cancelar o jogo daquele dia e dispensar todos os atletas. Era preciso um tempo para assimilar a cena que tinham acabado de presenciar.
Como punição pelo impulso consumista, a tribo Kanela teve que jogar três vezes no dia seguinte. Mesmo eliminados da competição, devem ter ficado muito satisfeitos com o tour que fizeram em terras mineiras.
Impressões e devaneios
Talvez a pergunta mais recorrente durante os quatro dias do campeonato tenha sido esta: “Somos todos cidadãos de um mesmo Brasil?” Se já nos deparamos com essa dúvida em dias comuns, isso fica maior quando estamos diante de pessoas tão “diferentes” de nós. O impacto de conhecer cidadãos do seu país, que não falam a mesma língua que a sua, gera a incerteza de compartilharmos sentimentos patriotas. É claro que existem inúmeros modos de falar o português, mas com boa vontade todos são compreensíveis. Porém, o idioma utilizado por algumas tribos brasileiras é outro, nada semelhante àquele que usamos. O saldo positivo depois do choque de se ver inserido em uma sociedade muito mais diversa é saber que os índios tentam preservar sua cultura, continuando a usar a língua materna.
Curumim
Outro momento pitoresco aconteceu durante a manhã do sábado, terceiro e penúltimo dia da competição. A tribo Yawalapiti estava jogando, seus reservas estavam no banco torcendo, observando atentamente a partida e as instruções do treinador. Um deles estava acompanhado da mulher e do filho, um indiozinho de três anos. Ele não falava e não entendia nada de português, mas olhava curioso para aqueles estudantes que faziam tantas perguntas. O curumim era uma graça, pequenininho e gordinho, com o olhar curioso próprio de toda criança. E ficou ao lado do pai brincando com seus óculos escuros. A observação curiosa vinha da comparação entre a criança índio e as outras crianças “homem-branco” que estavam acompanhadas de seus pais para conhecerem o futebol indígena. Impossível imaginar a convivência entre mundos tão distintos, culturas extremamente diferentes.
Índios modernos
A lembrança final trouxe à memória o primeiro jogo. Não propriamente os lances futebolísticos, mas a chegada e a entrada em campo da tribo Xacriabá. Todos os jogadores estavam usando “Ray-Bans” e o treinador ouvia tranquilamente seu i-pod. Só faltou ele tirar do bolso um celular para se comunicar com algum auxiliar-técnico estrategicamente posicionado no topo da arquibancada, aderindo assim à moda dos grandes treinadores brasileiros.
Na memória
A imagem escolhida como a mais bonita foi a confraternização entre duas tribos. Primeiro, entraram em campo de mãos dadas, assim como fazem as estrelas do futebol mundial. Após a partida, cada tribo fez uma dança. Duas rodas separadas, duas cirandas em lados opostos. Um elo invisível entre aqueles que permitem a sobrevivência da cultura de nossos ancestrais, da nossa história.
* Débora Nobre Monteiro é membro do O Núcleo de Pesquisa em Comunicação, Esporte e Cultura da UFJF