O jogo se vence nos detalhes

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Como venho dizendo (de formas diferentes), o jogo de futebol incita um grande número de pessoas, dos “grandes especialistas” aos mais desavisados torcedores, a fazer algum tipo de leitura sobre as coisas que nele acontecem. “Martelarei” mais uma vez (missão não impossível!) que o jogo de futebol; artístico e imprevisível, é também Ciência.
A Ciência constrói hipóteses, as avalia, discute, cria teorias e busca explicações que defendam uma “tese” qualquer. Ela está presente na concepção de um carro de fórmula-1, na conservação prolongada de algum tipo de alimento exposto nas prateleiras do supermercado, nas cirurgias do coração ou na explicação do comportamento humano. Em resumo, hoje, com o grande avanço na qualidade e quantidade do conhecimento disponível, é improvável que os braços da Ciência não estejam encostados em alguma coisa.
O futebol não é “Ciência Biológica”, não é “Ciência Humana”, não é “Ciência Exata” (ingênua divisão das áreas). O futebol é Ciência Biológica, é Ciência Humana e é Ciência Exata ao mesmo tempo, o tempo todo (o futebol é Ciência “BioHumExa-HumExaBio-ExaBioHum”; e por aí vai…).
A Ciência no futebol, e em qualquer outra área, precisa estar empenhada a resolver problemas do dia-a-dia; da prática; pois se fosse apenas para um “teorizar” desvinculado da prática, não se faria útil. Então, vamos abrir os olhos para esse fato: ou buscamos conhecimentos; construtos científicos para entender e explicar melhor a prática, “praticando-a melhor e em altíssimo nível”, ou vamos ficar bem para trás (acreditando que Ciência é “teorizar por teorizar”).
Nessas duas últimas semanas no “Café dos Notáveis” (Café onde se discute diariamente futebol em alto nível) algumas discussões ganharam repercussão acentuada. Uma delas girou em torno da frase conhecida de treinadores e especialistas: “o futebol hoje é decidido nos detalhes”. A outra, dos gols de contra-ataque que “não se pode sofrer” jogando “fora de casa”. Como no Café dos Notáveis discute-se futebol cientificamente, façamos hoje, algumas observações sobre a primeira dessas duas discussões.
Seguimos então com a primeira questão: você concorda que hoje o futebol é decidido nos detalhes?
É fato muito comum que algumas partidas de futebol apresentam um nível de equilíbrio tão sólido que às vezes “amplifica-se” o argumento de que no futebol a defesa sobressai ao ataque. A alternativa dada pelos especialistas para resolver esse equilíbrio “inabalável” (inabalável?) são “as jogadas de bola parada”.
Ainda que pese o fato de que as bolas paradas são eventos em que o sistema defensivo “parte” de uma situação de equilíbrio (pois os jogadores podem estar onde quiserem, com tempo considerável para sua organização em campo), em competições internacionais os gols oriundos dessa situação representam em geral 30% do total.
É um número representativo se considerarmos que hoje o acesso a informação poderia permitir uma “pré-visão” das armadilhas preparadas por uma equipe nas jogadas de bola parada, diminuindo consideravelmente as chances de êxito do sistema ofensivo numa situação desse tipo. Então, para explicar os 30%, poderíamos levantar hipóteses (lembrem, para fazermos Ciência precisamos levantar hipóteses para explicar um problema) sobre pelo menos três direções: 1) Talvez os treinadores e equipes, com todas suas potencialidades, elaborem estrategicamente, contundentes variações para as jogadas de bola parada, de tal forma que possam realmente surpreender o adversário (que ao esperar uma coisa, se defronta com outra). 2) Outra hipótese, é a de que as equipes não variam pontualmente suas armadilhas, mas o adversário, mesmo sabendo o que virá pela frente, não seja capaz de se preparar adequadamente para tal situação. 3) Por fim, a terceira hipótese,é a de que uma equipe pode ou não variar suas estratégias nas jogadas ofensivas de bola parara, mas a outra não consegue, em tempo hábil saber quais são as armadilhas características do seu adversário (em outras palavras é como se uma equipe não tivesse informações sobre a outra).
Independente de qual seja a hipótese correta, o fato é que das três possibilidades apresentadas, a que mais depende da equipe executante (que ataca) na bola parada, é a primeira (grande variação de jogadas – executadas sobre a mesma plataforma – discutiremos isso em outro texto). Lamentável a constatação de um dos notáveis do Café, de que uma equipe brasileira que vem analisando, está fazendo a mesma jogada em uma situação de bola parada, em seus jogos nos últimos três meses (e ainda vem fazendo alguns gols nessa situação). Como isso é possível?
O jogo de futebol realmente poderia e deveria ser resolvido nos detalhes. Porém, vejo uma outra perspectiva de detalhes que não é explorada, por se aceitar que não “há mais o que inventar” taticamente no futebol. Sinceramente jogos demasiadamente equilibrados não podem ter como única alternativa de desequilíbrio “detalhes de bolas paradas” e muito menos de erros de fato, do próprio adversário em um momento de lapso.
Se não deixarmos passar despercebido o fato de que nas jogadas de bola parada a defesa adversária “parte” de uma condição de equilíbrio e que isso não é verdadeiro em muitos momentos do jogo com a bola “rolando”; o que estaria sendo mal aproveitado; as jogadas de bola parada ou as dinâmicas com a bola em movimento?
Se (mais uma vez eu repito) o sistema defensivo sobressai ao ofensivo em uma partida de futebol (muitos seqüências ofensivas para pouco aproveitamento do ataque), não é necessário a presença de grandes estrategistas para não levar gols. São necessárias sim compreensões básicas iniciais por parte dos jogadores. Mas para se desvencilhar de sistemas defensivos bem equilibrados e armados, desequilibrando-os; não tenham dúvidas, é necessário profundo conhecimento de uma série de conceitos e princípios táticos que compõe o jogo de futebol.
Com a bola rolando, por diversas vezes, o sistema defensivo se desequilibra (às vezes por frações de segundo). Estar habilitada taticamente para ter essa leitura e se aproveitar dela poderia ser uma arma muito útil nesse futebol do “nada de novo tem pra se inventar”.
Então, ou acreditamos nisso e deixamos “as forças do destino e dos deuses do futebol” resolverem para onde vamos, ou busquemos nós mesmos a “direção” do nosso avião tático; o jogo de futebol.
PARA ENTENDER MELHOR; A TEORIA DA BALANÇA:< /div>

Vejamos atentamente as balanças abaixo. Na posição A existe um equilíbrio entre seus dois lados. Na posição B ela apresenta pequenas oscilações que se alternam, com pequenas quedas para cada lado. Na posição C há um grande desequilíbrio, fazendo a balança pender acentuadamente para um dos lados.
              
 
Na concepção “tradicional”, um jogo equilibrado representaria a balança A, onde os dois lados (adversários) estão invariavelmente estáveis. O fato é que na realidade essa situação de equilíbrio estático não ocorre dessa forma no futebol (a não ser no início do jogo, antes do apito do árbitro; ou no posicionamento inicial de uma jogada de bola parada, também antes de um apito do árbitro).
No jogo o que acontece é uma constante oscilação entre equilíbrios e desequilíbrios que se alternam de uma lado para o outro, o tempo todo (balança B); ou seja, o equilíbrio que existe é dinâmico.
Nos jogos muito equilibrados, essas oscilações também ocorrem o tempo todo, em mesmo volume, mas com menor amplitude (os pratos da balança na verdade “micro-balançam”).
Uma equipe consegue levar vantagem sobre a outra quando essas oscilações geram um grande desequilíbrio que faz com que um dos lados sobressaia ao outro (balança C).
Há portanto a necessidade de se refletir sobre o que é mais fácil: causar desequilíbrio (tirar da inércia) acentuado na balança que está totalmente equilibrada (situação de bola parada – balança A) ou causá-lo em momentos de oscilações (em que se pode aproveitar o movimento a favor da inércia)?
Se assumirmos a idéia “tradicional”, continuaremos acreditando que nada de novo pode ser inventado taticamente (o que pode aumentar o investimento nas bolas paradas – e quem sabe também, aumentar o número de gols oriundos dessa possibilidade).
Se resolvermos “tomar a pílula vermelha” (referência ao filme Matrix – em que o personagem Neo deveria escolher entre tomar a pílula azul – que o manteria “cego” para coisas do mundo – e a pílula vermelha – que o libertaria para a realidade) talvez consigamos novas perspectivas para os desequilíbrios e equilíbrios do jogo, e ao invés de enxergarmos a balança A, possamos abrir os olhos para a balança B.
Para interagir com o aoutor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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