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Vale Tudo

A novela Vale Tudo, da Rede Globo, marcou época na vida do povo brasileiro.

Foi ao ar em 1988, período que antecedeu as primeiras eleições diretas para Presidente da República, depois de longos anos de chumbo na Ditadura Militar.

O país ainda aprendia a lidar com esta liberdade recente. Não só o povo, como também os políticos, que não mais iam ser escolhidos por um colegiado de seus pares, mas enfrentariam a sentença das urnas.

Muitos temas de importante relevância social foram abordados nas micro-histórias dos personagens: corrupção; crime de colarinho-branco, ambição das pessoas para ascender na vida em detrimento da vida dos outros, sexualidade e homossexualismo, “jeitinho” brasileiro, desemprego, hiperinflação.

Com o perdão do trocadilho, vale a pena ver de novo a novela, agora no Canal Viva, desde o começo de outubro em reprise. Para mim, tem sido excelente como aula de história de quem somos os brasileiros.

Passados 22 anos, o filme Tropa de Elite 2 expõe, criticamente, as entranhas do sistema e do jogo de poder que figura por trás da criminalidade endêmica – muito bem organizada, diga-se – no Rio de Janeiro, mas que, em certas nuances, replica-se pelo Brasil.

O protagonista, Capitão Nascimento, foi promovido à cúpula administrativa da Secretaria de Segurança Pública. Acreditava que seria mais fácil combater o crime. O problema é que ele percebeu que ele estava exatamente no coração do sistema criminoso, onde todas as relações eram perigosas e todos atuavam num script de corrupção magistralmente desenhado.

A certa altura, o personagem ressalta que a coisa mais valiosa que os corruptos do “sistema” podem desejar das pessoas de uma “comunidade” é o voto.

Mais recentemente, a Fifa sofreu com denúncias de que países-candidatos a sede das Copas de 2018 e 2022 estariam negociando compra e venda de votos, em que figuravam no processo o presidente da Confederação Asiática e o Presidente da Federação Nigeriana de Futebol.

Vivemos num sistema social onde impera a democracia. Entretanto, não se pode esquecer que o sistema também pressupõe a existência de forças antagônicas, complementares e nem sempre equilibradas, cujo fiel da balança pode ser o voto – não só votar como ser votado.

Isso serve para chamar à consciência todos nós a importância das eleições. Não de forma isolada devemos participar, mas entendendo a complexa rede social em que vivemos.

Se servia às vésperas das eleições de 1989, deve servir para 2010. Eleições em que os candidatos usaram de todas as artimanhas para desqualificar o processo, presumindo que o povo é um bando de idiotas desinteressados e desimportantes.

No Brasil, no clube de futebol da esquina, no condomínio ou na sede da Fifa.

E a genial letra da música “Brasil”, cantada por Gal Costa, ecoa ao longo destes anos todos e nos faz perguntar se há algo de novo no Brasil, sede da Copa do Mundo 2014 e dos Jogos Olímpicos 2016:

Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascer
Não me ofereceram
Nem um cigarro
Fiquei na porta estacionando os carros
Não me elegeram
Chefe de nada
O meu cartão de crédito é uma navalha
Brasil
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim
Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascer
Não me sortearam
A garota do Fantástico
Não me subornaram
Será que é o meu fim?
Ver TV a cores
Na taba de um índio
Programada pra só dizer “sim, sim”
Brasil
Mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim
Grande pátria desimportante
Em nenhum instante
Eu vou te trair
(Não vou te trair)

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

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Marketing social

Um de meus principais objetos de estudo na área de gestão e marketing esportivo está voltado para a sinergia existente entre as ações sociais conjugadas com a linguagem inerente ao esporte, dentro da sua perspectiva de comunicação e de penetração de seus ideais sobre as pessoas de uma maneira geral.

O marketing olímpico tem boa parte de suas estratégias de comunicação canalizadas sobre a relação social com o esporte. Os dois últimos livros de Philip Kotler (“Marketing 3.0” e “Marketing contra a pobreza”) tratam da importância de as empresas assumirem práticas justas de mercado como forma de se aproximarem de seus consumidores. Apenas para referir dois exemplos daquilo que se pensa em termos de marketing social.

No esporte, e no futebol em particular, é enorme a quantidade de ações diárias divulgada pelos meios de comunicação especializados, tendo em vista o aproveitamento de espaços proporcionados pelo esporte com trabalhos sociais realizados por entidades e empresas ligadas a esse setor da economia.

Quando me deparo com este tipo de informação, fico me perguntando qual a real validade de algumas ações, uma vez que muitas delas me parecem oportunistas e sem qualquer efetividade para sensibilizar de fato as pessoas ou mesmo ser um agente importante de transformação social.

Poucos estudos me convenceram sobre o impacto positivo em relação às marcas, justamente em razão de apenas ver um sinal de mero aproveitamento de oportunidades e não efetivamente fazendo parte de uma estratégia empresarial com vínculo consistente com o esporte.

Acredito mais em ações perenes e não simplesmente pontuais. Ações que tenham a ver com o negócio da empresa que promove a questão social, passando por uma lógica de que todos (inclusive o patrocinador social) devem ganhar com o trabalho desenvolvido. Remeto a um estudo de caso sobre o patrocínio da Chevrolet à Major League Baseball (de John Fortunato – “Using sponsorship as a form of public relations: a case study of Chevrolet and major league baseball”. Fordham University, New York, 2009).

Nele, dentro de seu escopo de análise, aparece, dentre outras coisas que não vou pontuar aqui, a promoção por parte da empresa, através de ações sociais, para o incentivo ao uso eficiente de energia e combustíveis, uma vez que a Chevrolet é mentora de alguns estudos sobre o tema, passando pela transformação de seus veículos a fim de conceber veículos que utilizem menos combustíveis fósseis ou que emitam menos gases que denigrem o meio-ambiente.

Uma atitude que é aparentemente simples, mas que utiliza a força de consumo das pessoas que acompanham as ligas americanas de esportes, contribuindo para as questões sociais e para a troca de ideias com os consumidores dentro da perspectiva de negócios da empresa. Trata-se de uma estratégia de comunicação que tende a evoluir ao longo do tempo ou das temporadas, a partir de contribuições de ambas as partes para que tal discussão chegue de fato ao consumo consciente das pessoas.

Minha linha de reflexão nesse texto passa por não banalizarmos aquilo que foi construído em relação à responsabilidade social corporativa. O esporte possui elementos riquíssimos de associação com causas sociais, mas, para isso, deve fazer parte de uma estratégia conjugada, sólida, duradoura e que todos os envolvidos possam ganhar efetivamente.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br  

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Até tu, Platini?

Meus cabelos não são brancos o suficiente que me permitam falar com a sabedoria e fazer uma análise crítica sobre um certo jogador francês que encantou o mundo. Mas também não são tão jovens e abundantes capazes de afirmar que esse jogador é Zidane, que foi um dos gênios do futebol, sem dúvidas. Mas me refiro à graça e técnica de Michel Platini.

Numa idade de vislumbramento, de novidades e descoberta do mundo, ainda criança, tive o privilégio de guardar em minhas memórias alguns lances maravilhosos deste jogador (embora seja uma heresia considerá-lo igual aos outros), afinal Platini deveria estar numa categoria à parte de atletas, mas por falta de outro termo vamos chamá-lo de jogador mesmo.

Não sei por que, mas dentre tantas jogadas geniais e gols maravilhosos gravei em minha memória o gol do melhor jogador do time branco (assim eu me recordo do jogo em questão) contra o tradicionalíssimo time azul na Copa de 1986. O jogo em questão era válido pelas oitavas de finais da Copa, entre Itália x França, que depois seria o adversário e algoz do Brasil nas quartas de finais.

Lembro-me de ficar tentando reproduzir a sutileza e elegância do toque na bola capaz de desacelerar a rápida saída do goleiro e fazer com que a bola entrasse de forma simples no gol. Como disse, não sei por que, mas essa é uma das recordações que tenho de Michel Platini.

Por sorte e para reviver minhas emoções, consegui achar o gol graças às tecnologias de hoje. Eis o gol ao qual me refiro, talvez nada muito complexo perto do que o próprio Platini já havia feito, mas talvez tenha me marcado pela dificuldade que encontrei em fazer igual, na ingênua esperança de que nossas habilidades fossem iguais.

Pois bem, o tempo passa e hoje estou aqui, escrevendo e refletindo semanalmente com você meu amigo leitor, e o ídolo Platini lá como dirigente da Uefa.

E eis que nossos caminhos se cruzam novamente, mas agora acerca da discussão do uso da tecnologia no futebol. Já tratamos em outros textos algumas opiniões do Platini a respeito. O tema é recorrente, minha posição a respeito, o amigo leitor já conhece. Espaço para todos os lados opinarem já utilizamos, porém não me canso de me surpreender com os argumentos de dirigentes a cerca do uso da tecnologia.

E para minha tristeza é como se Michel Platini ao dizer:

“As câmeras podem ver tudo, mas o árbitro tem apenas um par de olhos”.

E argumentar como defesa que é injusto, pois a câmera vê mais que o árbitro e por isso não pode ser considerada:

“Um juiz não é suficiente, não na era moderna quando você tem 20 câmeras acompanhando o jogo. É injusto, as câmeras podem ver tudo, mas o árbitro tem apenas um par de olhos. Toda vez que um erro é cometido, as câmeras estão lá para mostrar. O artifício pode tornar o jogo um futebol de Playstation”.

É como se eu tivesse descoberto que no momento do gol, do toque genial ele fosse capaz de deixar a bola escapar, e mais, retomá-la aos seus pés, mudar a direção, e percorrer todo o campo para, frente a frente com o goleiro de sua própria equipe, dar um toque idêntico por cima dele e fazer o gol, um gol contra, que embora seja do mesmo ídolo e com o mesmo gesto, provoca agora uma outra sensação, que não a de admiração…

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

* http://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2010/10/platini-ratifica-oposicao-tecnologia-e-teme-que-futebol-vire-video-game.html

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Ora, bolas!

A política virou, cada vez mais, futebol. Deixamos de ter ideologias políticas para termos convicções partidárias. Cada vez menos se pensa e mais se torce quando o assunto é o futuro do país nas urnas.

Na última semana, mais uma vez tivemos a mostra de quanto as pessoas estão obcecadas pelo fanatismo politico. O quebra-pau entre defensores de Dilma e Serra, em meio a uma aparição do candidato do PSDB, foi digna de torcedores organizados, que não possuem a mínima noção de coletividade para conviver com aquele que pensa de maneira diferente da sua.

O resultado do conflito entre as pessoas foi algo ainda maior e mais absurdo. Passou-se a debater uma possível agressão a Serra, que foi ao hospital fazer uma tomografia para se certificar de que não teria sequelas por ter tomado em sua cabeça o que parecia ser um rolo de fita crepe.

Aí entra a grande questão que permeia o trabalho jornalístico, que é a apuração de fatos.

No dia seguinte ao episódio, amplamente noticiado em todos os veículos e tipos de mídia, o SBT fez uma reportagem mostrando que Serra teria simulado algo mais grave do que de fato teria acontecido. O repórter cinematográfico da emissora havia filmado Serra atingido por uma bola de papel. De acordo com o relato, 20 minutos depois o candidato recebe uma ligação telefônica e leva as mãos à cabeça.

Pronto!

Bastou termos essa versão da história para a torcida voltar a rugir. Até o presidente Lula caiu de pau em cima do rival político, equiparando-o ao chileno Roberto Rojas, que simulou ter sido atingido por um foguete no Maracanã em meio à disputa das eliminatórias para a Copa de 1990.

Até que, no dia seguinte, a Globo foi mostrar outras imagens, além daquelas exibidas pelo SBT, captadas pelo fotógrafo da “Folha de São Paulo”. Com a junção das duas imagens, é possível construir a história inteira, mostrando que Serra foi atingido por uma bola de papel e pelo que parece ser um rolo de fita crepe.

Deixemos de lado as torcidas. O exercício da profissão de jornalista requer bom senso, especialmente no momento em que se está no campo de trabalho e ainda mais no meio de uma grande confusão (fatos que são recorrentes para quem atua no esporte). Nesse momento, o repórter não é só quem escreve ou aparece no vídeo, mas fundamentalmente aquele que está no local com a função de captar imagens. Cinegrafistas e fotógrafos são grandes aliados nesse trabalho, já que a captação de uma imagem exclusiva pode ser fundamental para que se construa uma grande história.

No episódio da bola de papel, isso foi ainda mais claro. Com apenas um câmera, foi impossível construir um relato preciso daquilo que aconteceu. Estamos acostumados hoje a acompanhar um jogo de futebol com pelo menos cinco câmeras simultâneas realizando a transmissão de imagens.

Isso dificultou, e muito, o trabalho para o trio de arbitragem e também para jogadores desleais que tentam agredir o adversário num momento em que teoricamente “ninguém está vendo”.

A bolinha em Serra é a prova de que não se pode ter apenas uma fonte de informação. Para tentar contar uma história da forma mais completa possível, não se pode ter apenas um ângulo da visão. É preciso tentar ampliar o espectro e enxergar mais longe.

Isso vale também para comentaristas da televisão, que muitas vezes se esquecem de que o árbitro não tem o mesmo campo de visão que ele sentado na cabine ou assistindo a imagem por diferentes ângulos e velocidade.

Ora, bolas! Parece tão mais fácil quando se está do lado de cá. Mas, para isso, é preciso lembrar que para se formar uma história tem de buscar suas mais diferentes miniversões.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br  

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O método global integrado e o método analítico no futebol

Ao longo de décadas, e virando o século, muitos pesquisadores vêm estudando o ensino e desenvolvimento das habilidades técnicas nos esportes coletivos.

O objetivo impulsionador da maior parte dos estudos sempre foi o de entender como alcançar com os treinamentos a maestria desportiva e como maximizar o desenvolvimento técnico específico de jogadores e equipes.

A percepção de que a repetição sistemática de gestos nos treinamentos, para melhorar as habilidades técnicas de jogo nos esportes coletivos, não correspondia necessariamente, sob o ponto de vista cognitivo e neuromotor, à repetição do real gesto solicitado durante uma situação de jogo, trouxe à tona, a necessidade de se entender como tratar do desenvolvimento das habilidades técnicas, de maneira a atender a manifestação motora específica exigida no jogo.

Em outras palavras, além do habitual treino de repetição de gestos técnicos (de passes, cabeceios, chutes, etc.), tornou-se necessário o desenvolvimento de treinos que dessem conta, de não mais repetir apenas gestos, mas sim repetir sistematicamente ações (ações de passes, ações de cabeceio, ações de finalizações).

Desta maneira, métodos de ensino e treinamento da técnica nos esportes coletivos tornaram-se objeto de estudos e de aplicação.

No futebol, dentre os métodos amplamente estudados e utilizados, destacaram-se principalmente os métodos “analítico” e “global”.
 

O método analítico, herdeiro especialmente das práticas empíricas, foi nos primórdios do treinamento técnico, o principal método empregado por equipes de futebol; das escolinhas, passando pelas categorias de base, até o profissional. No Brasil é o método de raízes mais profundas.

O método global, oriundo do redirecionamento dos olhares da ciência, à prática esportiva dos jogos coletivos, foi ganhando um grande corpo de conteúdos e de interessados, e passou a ser estudado e empregado em centros onde “construir o talento” passou a ser uma necessidade e uma resposta as dificuldades de se “encontrar o talento”. Na Espanha encontrou seu principal porto de desenvolvimento (não só no futebol, mas também no futsal, basquetebol, voleibol e handebol).

Hoje, na prática do futebol, o método analítico se caracteriza pela realização de exercícios técnicos, com repetição sistemática de gestos, que são fragmentados e retirados do contexto circunstancial-situacional de jogo.

O método global por sua vez, se caracteriza pela repetição sistemática das ações (balizada pela aleatoriedade e imprevisibilidade do jogo) em contexto de jogo, integrando ao desenvolvimento técnico, o desenvolvimento tático individual e coletivo, bem como o desenvolvimento físico (enfim, o desenvolvimento do jogar).

A Ciência não nega os feitos e benefícios do método analítico, afinal, especialmente no futebol, muitos problemas ao longo da história, foram sendo resolvidos através dele.

Há, porém, que se destacar que as soluções dadas pelo método analítico deixaram lacunas, que até certo ponto, frearam o desenvolvimento dos jogadores. Isso gerou novas perguntas (novos problemas), que não poderiam ser respondidas com as mesmas respostas.

Infelizmente, muitos dos “gestores maiores” nos clubes de futebol (nas categorias menores ou no profissional), aqueles que tem poder de decisão para mudar o rumo das coisas, viveram uma época de aprendizagem em que a lição formal era dada pelo método analítico (sem se dar conta, muitas vezes, de que a lição que realmente lhe valeu frutos foi ensinada nas ruas, nas peladas das periferias, de um “jeito global”, que não era método).

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br
 

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Viabilidade financeira dos clubes

Caros amigos da Universidade do Futebol,

estamos vivendo um momento importante na indústria do futebol profissional. Um momento em que se procura a viabilidade econômica para o jogo e, principalmente, para os clubes que são os menores e principais núcleos de concentração da atividade dentro da família da Fifa.

Sem os clubes (e jogadores, evidentemente), não haveria disputa em equipes e, consequentemente, não haveria o jogo, principal produto que movimenta toda a indústria do futebol.

Nesse contexto, é preciso darmos atenção para os clubes pequenos, que possuem uma capacidade menor de gerar renda, mas que, sem eles, não há viabilidade econômica dos grandes (eles promovem todas as disputas de divisões inferiores, e geram os talentos vindos das categorias de base para os grandes clubes).

É certo que os recursos provenientes de direitos televisivos não podem ser distribuídos de forma igualitária entre clubes de uma mesma divisão. Certos clubes têm um maior potencial que outros, e, portanto, merecem uma maior fatia do bolo.

Entretanto, essa distância financeira entre os principais clubes e os demais não pode ser muito grande.

Hoje vemos na mídia uma discussão interessante sobre a migração de clubes de futebol de uma cidade para outra. É um movimento lícito, mas deve ser observado com atenção pelos agentes reguladores do futebol, como as federações e confederação.

Se a alteração de cidade ocorrer por conta da necessidade de o clube obter sua viabilização econômica, então deve ser aceito. Temos que entender que os clubes menores precisam muitas vezes mudar de ares para não se tornarem inviáveis. E a manutenção de sua saúde é também salutar para a os demais clubes e até para o futebol como um todo.

O grande risco reside na alteração de sede para eventualmente uma composição com outro clube e a eventual subida de divisão sem o cumprimento de critérios técnicos para tanto. Isso sim poderia prejudicar a boa imagem do futebol e acabar por retirar valor do esporte perante patrocinadores, investidores, mídia e torcedores.

Essa é a grande missão dos reguladores do futebol: manter o equilíbrio sem permitir deturpações dos princípios fundamentais do esporte.

Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br

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O efeito sanfona

Acompanhando o final de semana de acessos para as séries “B” e “C” de alguns clubes, torno a refletir sobre seus respectivos projetos. Conversando com alguns amigos, classificamos muitas dessas conquistas como o “EFEITO SANFONA DO FUTEBOL BRASILEIRO”. Sei que já tratei um pouco desse assunto, quando discutimos sobre o rebaixamento de clubes com alguma expressão no futebol.

Mas o tema continua pertinente, uma vez que muitas destas entidades acabam por dar um passo maior que suas pernas, não quebrando um paradigma de administração moderna em clubes de futebol. As principais premissas dizem respeito ao:

1. Amadorismo: é impressionante como muitos clubes insistem em uma gestão amadora, há anos, negligenciando completamente o profissionalismo e as informações que palpitam sobre qualquer entidade neste mundo globalizado. E profissionalismo não é simplesmente se dedicar de corpo e alma ao clube de futebol. É preciso muito mais que isso. É preciso conhecimento. É preciso ter recursos humanos capacitados e capacitar as pessoas que estão lá dentro, contando com gente com expertise na administração do esporte e na área técnica da modalidade.

2. Diretor precisa colocar dinheiro: há uma velha ideia no mundo do futebol de que diretor precisa ser um megaempresário, rico e colocar dinheiro no clube. Pura conversa. Diretor precisa ser bem resolvido financeiramente e precisa ter o discernimento de contratar profissionais de qualidade que possam administrar o clube, de acordo com um orçamento e um planejamento previamente definido. Se esses profissionais não cumprirem com suas metas e obrigações, é hora de trocar de comando e de pessoas. Da mesma forma que se faz em qualquer empresa do ambiente corporativo.

3. Estrutura: uma estrutura minimamente adequada para as necessidades de treinamento da equipe são fundamentais para o alcance de resultados dentro de campo. A negligência sobre tal premissa custa caríssimo em um momento decisivo, de qualquer partida de futebol.

4. Equipe Multidisciplinar: essa conversa é antiga e completamente ignorada pela grande maioria dos clubes. Ou melhor, pela grande maioria dos clubes que entram no chamado efeito sanfona, de subir e descer de divisão ano a ano. Ter uma equipe de trabalho multidisciplinar é o eixo de suporte para que, em momentos decisivos, os jogadores tenham tranquilidade para
decidir.

O trabalho de um psicólogo, por exemplo, é fundamental para que os atletas suportem a pressão por resultados. O acompanhamento de um nutricionista serve para equilibrar a alimentação com a carga de treinamento diária de um atleta, repondo a energia gasta ao longo dos trabalhos. Essa equipe multidisciplinar engloba ainda a figura de um Podólogo (isso mesmo, um especialista que cuide da saúde dos pés dos jogadores); um Dentista (há uma relação muito próxima entre a existência de lesões musculares e a existência de foco dentário); um Fisiologista (que acompanhe diariamente o treino e possa dar suporte ao preparador físico); e outras tantas como um Pedagogo do Treino, uma Equipe de Observadores Técnicos; um Assistente Social, um Coordenador Técnico e daí por diante.

5. Planejamento: o que se quer subindo de divisão? Se o clube não sabe responder a tal pergunta, qualquer resultado serve. É preciso possuir uma visão de médio e longo prazo para nortear todas as ações a serem realizadas na dinâmica do clube nas divisões superiores do futebol nacional, acompanhando o seu nivelamento técnico.

6. Formação de atletas: não me lembro de clubes que tenham conquistado resultados expressivos em campo com o futebol profissional nos últimos anos que não tenha tido um projeto de investimento maciço nas categorias de base. Atletas jovens, com objetivos de crescimento na carreira e com identidade com o clube, mesclado com jogadores mais experientes, tem sido a melhor receita para as vitórias no médio-longo prazo.

7. Ajuda: nenhum clube precisa da ajuda de ninguém. Eles precisam de investimento. O futebol é um motor de negócio importante e não uma entidade filantrópica. Trata-se de uma relação de troca, em que todos devem sair ganhando de alguma maneira. Quebrar alguns desses paradigmas (e outros que não foram lembrados ao longo do texto) pode ser a chave para que as equipes consigam resultados sustentáveis ao longo do tempo, criando uma cultura mais rígida e criteriosa na administração de alguns clubes do nosso futebol.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br  

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Argentina: lei que obriga a tecnologia no futebol

Nesta segunda feira, tomaram eco na Argentina os dizeres da deputada Silvia Vázquez sobre o interesse de apresentar um projeto de lei que determine o uso da tecnologia no futebol.

Preocupada com os recentes gols mal assinalados no campeonato argentino, a deputada defende que a utilização dos “olhos de falcão”, câmera auxiliar que seria consultada pela arbitragem, ajudaria a tornar o futebol mais transparente. Mas não só nesse aspecto a deputada argentina se fundamenta para defender seu projeto. Ela aponta que o uso de tal recurso ajudaria a dirimir as dúvidas sobre a possível má fé que se levanta em formas de especulação sobre alguns árbitros e, consequentemente, contribuiria para a diminuição da violência no futebol, uma vez que ela acredita que muitos atos hostis têm origem na indignação de atletas e torcedores a respeito dos erros dos árbitros

“Se trata de establecer el impacto que algunos arbitrajes tienen respecto de la violencia. Pero hemos visto que no hay sectores que empujen este cambio, porque incluso lo envié a la AFA y no tuve respuesta”*

“El error humano no es el que genera la indignación, sino la acción dolosa del mismo, del que siempre se sospecha”.*

Difícil falar se isso será levado a diante ou não. Mas vale a reflexão.

Muito provavelmente, como a própria deputada já percebeu, os órgãos que gerem o futebol vão virar as costas para esse fato. Porém, se o projeto ganhar corpo e for de fato implementado teremos ai um grande marco político-esportivo.

A Fifa, que não aceita de modo nenhum interferência em suas decisões, vai ser capaz de frear esse movimento? Como de praxe, deve ameaçar o país de eliminação de competições internacionais e essas coisas que sempre utiliza para colocar medo naqueles que ousam quebrar seu poder. Porém, será que consegue fazer frear esse movimento com uma seleção de renome como a seleção argentina?

E há outro fator que devemos levantar, Por mais que exista essa rivalidade entre brasileiros e argentinos, temos que “tirar o chapéu” para o povo de nosso país vizinho quando se trata de reivindicações e postura firme frente a qualquer situação (o que para muitos piadistas brasileiros é tratado como arrogância), uma postura de enfrentamento sem receio das consequências que serão tomadas.

Não sei o que deste projeto vai realmente acontecer, mas imagino que caso a Fifa não mude sua postura e aceite a tecnologia no futebol, e se a deputada Silvia Vázquez conseguir implementar esse projeto, a briga vem pesada e forte.

Minha opinião: não acho que o parlamento de um país necessite intervir desta maneira no jogo, porém, na medida em que as injustiças e erros humanos, que podem sem muito alarde diminuir com o advento da tecnologia, são influenciadores e ajudam a gerar violência e dúvidas sobre a idoneidade do jogo, creio que o problema passa a ser maior e vá além das quatro linhas

E você, o que acha?

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

* http://www.infobae.com/futbol/542263-100902-0-Por-ley-quieren-que-se-use-tecnologia-el-futbol-argentino

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Meus arquivos sobre José Mourinho

Na última semana, resgatei de meus arquivos uma entrevista de José Mourinho ainda no FC Porto.

Neste sábado, trago uma dada ao “Expresso”, já na época de Chelsea. Ela está na íntegra e no “português de Portugal”, digamos assim.

Entrevista de José Mourinho ao EXPRESSO

Publicado em 18 de dezembro de 2006

Pela primeira vez não vai à frente, mas não ficou mais humilde. “Não há dúvidas sobre a minha competência”. Terá a Inglaterra mudado alguma coisa em Mourinho ou foi só Mourinho que mudou a Inglaterra?

Foi ele que escolheu o campo. Em cima da hora, preferiu jogar em casa. Não a grande moradia fora da cidade que já mostrou aos portugueses nos ecrãs da SIC, mas a casa de Belgravia, bairro muito «posh» do coração de Londres, a pouca distância do rio Tamisa e do estádio do Chelsea. É num beco tranquilo que vive com Tami (Matilde) e os dois filhos, Tita (Matilde) e Zuca (José). Assim podem ir às compras e ao cinema a pé, ao contrário do que acontece em Cobham, onde preferem estar ao fim-de-semana.

Dada a antecipação da entrevista (marcada para o dia seguinte), os jornalistas do Expresso acabaram por jantar na sala de José Mourinho. Carne estufada com cenoura e arroz, a que se seguiu um gelado de baunilha servido por uma simpática empregada brasileira. Na copa, o treinador do Chelsea assistia a uma transmissão da Sport TV em português. Depois, passou para o sofá.

Está em segundo lugar este ano, mas fala aos jornais como se fosse em primeiro. Não o assusta não ir à frente desta vez?

É uma experiência nova para mim. Nas outras duas épocas começámos à frente muito cedo. Já nas duas épocas anteriores, em Portugal, foi a mesma coisa. Eu sempre disse – e não mudo o discurso agora que sou o perseguidor – que é melhor ir à frente. Quem vai à frente só tem de pensar nele próprio. Quem vem atrás tem de ter alguma preocupação para que aquele que vá à frente tenha os seus percalços.

Como acha que vai reagir se perder o campeonato?

Anormalidade é eu ter ganho quatro campeonatos seguidos. Não é normal um clube fazê-lo, e muito menos um treinador. Se eu perder um campeonato, o quinto ou o sétimo, seja ele qual for, encaro-o com naturalidade. O que eu procuro fazer – para não me culpar a mim próprio quando isso acontecer – é tentar que os níveis de ambição não diminuam porque ganhei três ou quatro campeonatos. Gostava que acontecesse porque o adversário foi melhor, não porque não fui tão competente, tão determinado, tão líder como costumo ser. Mas estou tão convencido agora como estava há três ou quatro meses de que vamos ganhar o quinto campeonato.

O Chelsea tem mais adeptos hoje do que tinha há dois anos e meio, antes de ter chegado?

Tem.

(.)

Vê o futebol da mesma forma que via antes de vir para Londres?

Uma equipa campeã em Inglaterra não é campeã em Espanha, e o campeão em Espanha não o é em Inglaterra. São coisas completamente diferentes. Temos de ser flexíveis e nos adaptar às características do futebol onde estamos. E Inglaterra tem mudado. Houve grandes treinadores que chegaram, antes de mim, e eu também tenho alguma responsabilidade na mudança de qualidade do jogo. O futebol inglês deixou de ser tão directo e tradicional como era.

Mudou, portanto, depois da sua vinda.

Houve outros treinadores que já tinham tido uma influência positiva. Por exemplo, o Wenger. É óbvio que não somos os melhores amigos, mas respeito o trabalho que ele fez e tenho de reconhecer que é um grande treinador. Começou a fazer um bom trabalho mesmo antes de eu chegar.

(.)

Há dois anos disse em entrevista ao Expresso que se considerava a grande cabeça do futebol não só em Portugal como na Europa. Continua a achar-se o melhor dos treinadores?

São troféus. Ganhei os dois últimos anos mas estou convencido que este ano não voltarei a ganhar. Não é porque seja melhor ou pior do que era, mas o futebol é mesmo assim. Nos últimos anos não ganhei competições europeias. O troféu vai e vem. É como com os jogadores e a Bola de Ouro. Umas vezes vai para o Zidane, outras vezes vai para o Figo. Agora, é óbvio que estou num grupo de elite onde há seis, sete ou oito treinadores. Treinamos os melhores clubes, estamos nas melhores competições, conseguimos os melhores resultados, ano após ano.

Mas o que é o torna, a seu ver, o Special One?

Eu vim quase directamente do anonimato. Quando eu treinava o Leiria ou na minha primeira época no Porto, era praticamente um desconhecido. Passei do anonimato para esse grupo restrito de elite. O que é que nos leva para lá? Os títulos. O que é que nos mantém lá? Os títulos. Não há volta a dar: o futebol é ganhar. Special One? No futebol inglês isso faz sentido talvez pela ruptura com o tradicionalismo, por ser uma personalidade diferente, que arriscou muito na primeira época, na primeira abordagem. Nunca nenhum treinador tinha sido campeão ao chegar ao futebol inglês. Sempre foi considerado algo de muito especial, de difícil adaptação e domínio.

Não acha que tem arriscado demasiado às vezes? Houve aquela acusação ao treinador do Barcelona, Rijkaard, de que ele tinha ido ao balneário do árbitro.

Não arrisquei nada. Fiz aquilo que sempre faço, que é acreditar nos meus e naquilo que os meus me dizem de uma forma cega e objectiva. E se um adjunto me diz «foi assim, eu vi», não é nenhum Rijkaard deste mundo que me vai dizer o contrário. Simplesmente pus-me ao lado de um colaborador, como me porei sempre, sem olhar às consequências. Não é o exemplo perfeito.

Esse episódio abalou a sua imagem.

Um dos meus problemas é exactamente não me preocupar com a minha imagem. É uma das minhas características, que faz com que eu seja mais amado por uns e mais odiado por outros. É mais importante a minha equipa e os objectivos que perseguimos. São princípios dos quais não abdico.

Não se arrepende?

Não me arrependo. Exactamente porque o princípio é inerente à minha personalidade.

E nunca pediu desculpa?

Pedir desculpa por uma convicção ou uma característica de personalidade, não sou capaz de o fazer. Sempre considerei que houve uma desigualdade brutal (no caso Rijkaard) na forma como as coisas foram analisadas e conduzidas. Uns foram de imediato considerados os donos da verdade e os outros foram considerados os donos da mentira. E quando as coisas vão por esse caminho, não vale a pena haver mais discussão. É um episódio que faz parte do passado. Uma das vantagens de ter atingido um determinado estatuto é que podemos chegar a um momento e dizer: pensem o que pensarem de mim, a minha qualidade é evidente. Não há dúvidas sobre a minha competência. Estou-me nas tintas para o que pensam e para o que dizem.

(.)

Tornou-se amigo de Roman Abramovich ou mantêm uma relação meramente de patrão-funcionário?

A dimensão da palavra “amigo” é complexa. O que posso dizer é que gosto dele. Tenho uma relação que ultrapassa a ligação patrão/treinador. É uma relação aberta, frontal, muito objectiva e pragmática. Ele sabe o que é que eu quero, eu sei o que é que ele quer. Os meus problemas são os problemas dele, os meus objectivos são os objectivos dele.

Ele segue de perto a vida do clube?

Tem a sua vida, mas raramente perde um jogo. Quando as suas semanas permitem que esteja em Londres, também vai ao centro de estágio. Mas, ao contratar-me e ao contratar o Peter Kenyon e outros profissionais importantes, é exactamente com o objectivo de ter os
melhores e delegar funções e responsabilidades e de não se preocupar muito.

(.)

O que é que o distingue do Pinto da Costa?

São completamente diferentes. A vida profissional do senhor Pinto da Costa, pelo menos no meu tempo, era o Futebol Clube do Porto. Vivia 24 horas para o clube. O Abramovich é uma pessoa com uma vida para além do futebol.

Prefere alguém como Abramovich, que mantém uma maior distância?

Nós temos é de nos adaptar em função daquilo que é a liderança do clube. Com o tipo de relacionamento que há com um presidente do dia-a-dia, não há necessidade de reuniões periódicas, organizadas, documentadas. Senti-me bem no Porto e sinto-me bem como funciono agora.

Costuma ler o que escrevem sobre si?

Não.

Ninguém lhe faz um resumo?

Há um assessor de imprensa no clube que está comigo todos os dias e que me faz um briefing. Não é um assessor pessoal que vem dizer: «Escreveram este artigo sobre ti». O que me preocupa são as notícias em redor da minha equipa, para eu poder liderar melhor.

(.)

Os fins justificam sempre os meios?

Não. Em absoluto. A maior prova disso é que na minha vida há prioridades. E as minhas prioridades não são o futebol. Há uma coisa que me irrita terminantemente: a calúnia. Por exemplo, em Portugal eu ia a Fátima muitas vezes. E comentava-se: lá vai ele a Fátima porque é antes de um grande jogo.

Isso é uma calúnia?

Então não é? Eu vou a Fátima pedir para ganhar um jogo? Eu ia e vou a Fátima porque gosto.

Fátima não merece essa desconsideração, é isso?

Para mim a única coisa que me preocupa no mundo, de facto, são os meus. Quero lá saber do futebol para alguma coisa. Agora eu ia a Fátima pedir para ganhar um jogo?. A minha vida não é o futebol.

Mas é católico.

Sou católico e sou crente.

Nunca pediu a Deus para ganhar um jogo?

Já pedi. Mas a minha prioridade de vida não é o futebol.

Mas dentro do futebol e voltando aos fins que justificam os meios: prefere perder um jogo justamente e ser correcto ou ganhar mesmo que tenha de torcer um pouco as coisas?

Sou um adepto da correcção. O que eu não gosto é de perder pela incorrecção. E também não gosto de ganhar por incorrecção. Se me disser: vais ganhar no último minuto com um golo marcado com a mão, eu não quero. Mas também não quero perder assim. Os fins não justificam os meios. Agora, enquanto líder de um grupo, vou dar-lhe um exemplo concreto: quando faço as minhas escolhas, faço-o a pensar na melhor maneira de atingir um resultado. Magoa-me, no final de uma época, dizer a um jogador «não te quero cá, vais-te embora». Mas tenho de o fazer. Pagam-me para isso.

E transmite essa emoção aos jogadores?

Depende do jogador.

Adapta-se aos temperamentos?

Sim, adapto-me. Sou totalmente contra o velho chavão do futebol de que todos devem ser tratados da mesma maneira. Não devem. Cada um deve ser tratado de uma maneira muito específica.

(.)

Neste momento é adversário directíssimo de Carlos Queiroz. Dão-se bem?

Damo-nos bem mas só falamos quando jogamos um contra o outro. Antes e depois do jogo, encontramo-nos.

(.)

Tem a sua equipa de sonho?

A equipa de sonho não existe. Há jogadores que jogam noutras equipas e que são intocáveis. Os grandes clubes não vendem os seus melhores jogadores. Mas tenho um plantel muito bom, com pequeninas lacunas, como todos têm. O grande segredo é fazer com que o todo seja melhor do que a soma das partes. Aí é quando a equipa está concluída.

Está contente com Hilário?

É uma situação muito específica: ser suplente do melhor guarda-redes do mundo. Se tudo corre bem e não há lesões, os guarda-redes suplentes são capazes de passar uma época inteira sem jogar. O que aconteceu com o nosso abriu as portas ao Hilário e eu não podia estar mais contente. Ele tem contrato por mais um ano e meio e penso que a tendência natural das coisas é renová-lo por mais tempo ainda.

Sente-se muito popular?

Sinto-me demasiado popular em Londres.

O jornal A Bola avaliou o número de vezes que tem saído na imprensa inglesa e concluiu que está tecnicamente empatado com Tony Blair. Tem ideia dessa dimensão?

Tenho ideia de que o que mais queria para a minha vida, quando eu saísse do meu trabalho e chegasse à rua, era ser uma pessoa igual às outras – e não sou.

(.)

Já conhece bem Londres?

Conheço. Moro no centro da cidade.

Faz vida de bairro?

Faço. A escola dos miúdos é aqui perto.

Consegue ir às compras?

Sim, sendo incomodado. É evidente que tentamos ter o nosso espaço. Temos um local fora de Londres onde vamos de fim-de-semana e onde estamos mais tranquilos. Mas não posso abdicar de ir ao cinema ou de ir buscar os meus filhos à escola e de vir a brincar com eles na rua, de trotinete ou de «skate».

Vai buscá-los a pé?

Quando o tempo o permite, vou.

E jantares românticos com a mulher?

Consigo tê-los, mas sou capaz de estar com o garfo na boca ou a meio de uma conversa importante que queremos ter a dois e de repente não é a dois – é a três. Alguém interrompe e pede para tirar uma fotografia, para o filho ou para o neto. A minha mulher, como educadora dos nossos filhos, tem um trabalho árduo, que é prepará-los para a vida que têm. A culpa é minha – devido à dimensão que eu atingi na minha profissão – mas é a vida que temos.

Os seus filhos estão a gostar do ambiente e da escola?

Eles gostam de Londres.

Já têm muitos amigos ingleses?

Sim. E já falam fluentemente inglês. Ela, além de falar, escreve. É completamente bilingue. Tem dez anos e está no quinto ano. Ele está na primeira classe.

A sua mulher deve estar feliz por lhes poder proporcionar uma educação melhor do que aquela poderiam ter em Portugal.

Não digo que a formação seja melhor. A minha mulher era uma apaixonada pelo plano de vida que nós tínhamos no Porto. Ela adorou viver lá. E os miúdos também. A escola onde eles andavam, o colégio Luso-inglês, era absolutamente fantástica. Serviu-lhes como uma base muito importante para virem para cá. A adaptação foi fácil, arranjar amigos também. Eles sentem-se bem. Estão felizes.

No início, quando veio para Londres, a sua vida social circulava muito à volta dos seus técnicos adjuntos portugueses.

Com os meus adjuntos estou cada vez menos. Eles moram todos praticamente juntos, longe de mim. Já têm as suas famílias. Estão muito mais independentes e perfeitamente adaptados. Estou contente com isso. Nós continuamos, obviamente, a ter a mesma boa relação que tínhamos com eles, mas vivemos cá do outro lado da cidade e os miúdos fazem amigos na escola e isso é muito importante. Amanhã à tarde tenho um jogo marcado – quatro contra quatro.

Que jogo é esse?

Eu fico numa baliza, o segurança dos meus filhos noutra baliza, e jogam o meu filho e mais cinco amigos que vêm da escola de propósito. Sexta-feira à tarde é o dia de jogarmos.

E jogam onde?

Aqui na rua.

Acha necessário os seus filhos andarem com segurança privada?

Ach
amos que sim. Fomos aconselhados a isso não só cá como também em Portugal. Não gostamos que seja uma coisa muito visível e palpável, mas dá-nos tranquilidade.

E eles sentem-se confortáveis?

Sim, porque não é uma coisa muito presente. Sabemos o que está a ser feito, mas não com muita proximidade.

(.)

Tem vizinhos famosos. Dá-se com eles?

Não me dou muito.

Eles não se metem consigo?

Não. Para mim há duas classes de famosos: os que são porque têm mérito e os que pagam para ser. Normalmente, os que têm mérito são uns gajos muito simples, com quem se pode jantar e conversar. Não têm vaidade absolutamente nenhuma. Estive várias vezes com o Brian Adams, que é uma superestrela, e parece que estava a jantar com um tipo qualquer. Encontro-me com o Robin Williams e com o pai dele no hotel em que fazemos estágios e estamos ali a conversar como se ele fosse um tipo absolutamente normal. Se transportarmos isso para o lado português acaba por ser a mesma coisa. No outro dia eu e a minha mulher estivemos a jantar com a Mariza, o Rui Veloso, o Carlos do Carmo, o João Gil. Não os conhecia, foi a primeira vez que estive com eles.

Convidaram-no para jantar?

Sim. São uns tipos porreiros e simpáticos. Ao fim de meia hora, dá para sentir uma empatia grande. Mas a vida, normalmente, afasta-me um bocado disso.

E não o desafiam para ir à televisão inglesa?

Não vou. Têm-me convidado, mas não vou.

Nem a debates vai?

Não quero ir. Nunca fui.

Os outros treinadores não vão?

Alguns vão, mas eu não quero. Aquilo que faço, faço porque tenho de fazer. Vou às conferências de imprensa com o Chelsea porque tenho de ir. Vou às acções de promoção de «sponsors» porque é obrigatório, faz parte da minha contribuição para com o clube. E sou patrono de uma associação de caridade aqui em Londres e vou a coisas que sinto o dever de ir. Eu e a mulher somos parecidos – se calhar por isso é que somos casados. A minha mulher é uma mulher de classe.

(.)

Tem saudades de viver em Portugal?

Não.

Gostou de ver a selecção no Mundial?

Diverti-me. Acho que chegar à meia-final de um Mundial é sempre um feito.

Scolari surpreendeu-o?

Não.

Acha que teria feito melhor no lugar dele?

Teria feito diferente. Cada treinador, cada cabeça. Se perguntar a todos os outros treinadores portugueses, vão dizer-lhe o mesmo.

Scolari teria dado um bom seleccionador de Inglaterra?

Na minha opinião, o futebol inglês merece um seleccionador inglês. Da mesma forma que o futebol português merece um seleccionador português. Acho que a selecção é representativa de um país e que deve ser feita com cidadãos desse país. O que não significa que não respeite profissionais e que eu próprio não vá ser um seleccionador estrangeiro.

Ainda tem quatro anos de contrato pela frente. Falou abertamente que gostava de vir a ser seleccionador nacional. É um projecto para essa altura?

Para mais tarde. Se me perguntasse qual é que seria o meu final perfeito enquanto treinador, era treinar a selecção portuguesa num Europeu e num Mundial.

(.)

Qual é, neste momento, o melhor treinador em Portugal?

Não sei. Acho que é uma injustiça estar a dizer nomes.

O Porto teve grandes mexidas depois da sua saída. O que acha do trabalho de Jesualdo Ferreira?

Se contarmos com o Rui Barros, Jesualdo é o sexto treinador desde que eu saí. O Porto parece ter encontrado agora um rumo. Para já, foi campeão no ano passado e o treinador fez um bom trabalho. A equipa tinha características muito específicas e aquilo que mais prazer deve dar a um treinador é dizer: «Eu ganhei com a minha marca, com a minha filosofia». O Co Adriaanse fez um excelente trabalho. Este Porto do Jesualdo Ferreira é diferente. Ele está a tentar incutir as suas ideias e parece-me uma equipa boa, com bons jogadores, bem trabalhada, com competência suficiente para voltar a ser campeão. E para fazer coisas boas nas competições europeias.

Tem acompanhado o processo do Apito Dourado?

Não consigo acompanhar um processo que dura 100 anos.

Há um fundo de verdade no Apito Dourado?

Eu acho que a história dos árbitros é uma história interminável e só a tecnologia poderá melhorar as coisas. Não entendo como numa indústria tão forte como é o futebol, a tecnologia na arbitragem não existe. Ela reduz os erros e ao reduzir os erros, reduz a crítica e a suspeição. E reduz a responsabilidade dos árbitros. Uma coisa é um fiscal de linha decidir um jogo por um fora de jogo mal assinalado, outra coisa é a tecnologia substituir o fiscal de linha numa decisão crucial. A tecnologia no futebol é o fim de todos os Apitos Dourados que possam existir.

(.)

É um homem rico.

O que é isso?

Não se considera rico?

Ganho muito dinheiro. Mais do que pensei que podia ganhar. Não tenho problemas financeiros, vivo como vivia há alguns anos. A minha vida não mudou.

(.)

Que carro é que tem?

Só tenho um carro meu, que comprei há uma data de anos e que não vendo, porque a minha filha adora-o, diz que quer ficar com ele quando fizer 18 anos. É um Volvo Cabrio antigo. Os outros carros são os que os patrocinadores me dão. Em Portugal tenho um Lexus, aqui tenho um Audi e agora vai haver qualquer coisa com a Porsche. Gosto de relógios. De vez em quando compro um relógio bocadinho melhor.

Faz colecção de relógios?

Não é propriamente uma colecção. Mas gosto. Quando compro um para mim, compro também um para a minha mulher, na perspectiva de, no futuro, um ser para a Tita e um para o Zuca.

Diz que gosta de viver sob pressão. Isso normalmente traz algum sofrimento. As pessoas sob pressão tendem a ser ansiosas.

Não sofro no futebol. É evidente que, quando a bola bate no poste e não entra, há alterações no batimento cardíaco que têm a ver com a própria natureza do jogo. Agora o sofrimento de desespero ou de ansiedade, não tenho.

Parece a quem está de fora que nunca está satisfeito com o que tem. Uma vitória é apenas um passo para a vitória que vem a seguir?

As vitórias acontecem num momento e fazem parte da história. E é o fim da nossa carreira ou a seguir há mais.

Tem medo de se sentir demasiado feliz?

Quero é mais. Uma coisa que chateia a minha mulher é eu acabar um jogo e ela pensar que por umas horas não há futebol, mas eu já estou a pensar no próximo.

Logo na hora?

Se chego a casa às seis da tarde, como faço depois de um jogo, brinco com os miúdos um bocado, vou jantar fora com a minha mulher e sou capaz de regressar a casa e ir preparar o treino para daí a dois dias ou formar a equipa que vai jogar.

Mesmo depois de uma vitória retumbante?

Sim, pode acontecer. Fiz um acordo com a minha mulher e consegui cumpri-lo: quando a época acaba, há um período em que eu trabalho, para depois haver um período em que ninguém me vai telefonar nem eu vou telefonar a ninguém. Porque, no fundo, o futebol é continuidade. Se calhar um dia vou pôr uma meia-dúzia de meses sabáticos.

Depois de 2010, imagino.

Sim. Vou fazer qualquer coisa que nunca me permiti fazer. Não sei o q
ue são férias de Inverno, ir com os filhos para a neve. Não sei o que é passar um Natal e um fim de ano em família. Há coisas que eu e a minha família não sabemos o que é.

Quer dizer que não tem tido tempo para ser feliz?

Em qualquer família há momentos que são inesquecíveis também pela negativa. São coisas que deixam a sua marca de forma eterna. Podemos todos ter um Natal muito feliz, mas a minha família não se esquece que perdemos a minha irmã há meia dúzia de anos atrás e o sobrinho da minha mulher há meia dúzia de meses. Isso não nos permite a felicidade total. Mas consegui mais do que eu podia ter sonhado. Sou uma pessoa que se pode dizer feliz. Não é uma derrota ou um campeonato perdido que vai fazer com que eu deixe de ser um homem feliz.

Vai passar o Natal em Londres?

Pela primeira vez desde que estou cá, vou passá-lo a Portugal. A minha família vai mais cedo e vem mais tarde. Eu vou a 23 e venho a 25. Tenho jogos.

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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O poder do futebol – Parte II

Caros amigos da Universidade do Futebol,

Já comentamos neste espaço sobre a grande dimensão do futebol, adquirida nas últimas décadas, e sobre o poder que o futebol exerce na nossa humanidade como um todo. Isso muitas vezes pode ser utilizado para boas ações, como reinserção social de determinadas comunidades, promoção da educação através do esporte, desenvolvimento de conceitos de moral e cívica, etc.

Hoje, ressaltamos os impactos negativos que o futebol pode gerar, pela utilização inadequada da sua popularidade. E para exemplificar essa questão, citamos os atos de barbárie ocorridos na Itália no jogo realizado entre Itália e Sérvia.

Pela apuração dos fatos, tudo leva a crer que as ações dos “torcedores” sérvios tinham a clara missão de divulgar mensagens políticas pela reconstrução da chamada “Grande Sérvia”, com a reanexação de territórios como Kosovo.

Não é nenhuma novidade a utilização do futebol para fins políticos. Isso já ocorreu diversas vezes na história, como na Copa da Itália de Benito Mussolini. O contrário também: o futebol já foi utilizado para resolver questões políticas, como, por exemplo, a exclusão da África do Sul para forçar o término das práticas racistas realizadas pelo governo do apartheid.

Mas como fica o papel do órgão regulador do futebol, naquele caso específico da Itália vs. Sérvia, a Uefa? Como resolver essa situação?

Deveria a Uefa deixar esse episódio para ser tratado exclusivamente pelas autoridades públicas, limitando-se a decidir um placar justo para a partida? Ou deveria também punir a equipe da Sérvia como medida para coibir e manifestar a repudia contra a violência de seus torcedores?

Caso não houvesse outras manifestações por trás do puro fanatismo excessivo, não tenho dúvidas que a Uefa deveria punir a Sérvia, e eventualmente apurar responsabilidades de segurança dos mandantes da partida.

Entretanto, tendo em vista que pode ter havido um “envio” de manifestantes por parte de outras entidades ou organizações não ligadas ao esporte com o exclusivo fim de utilizar o futebol para escancarar ao mundo as suas reivindicações, imagino que uma punição à equipe da Sérvia, além da perda da partida, seria algo mais delicado e merecedor de outras ponderações.

O importante é que se encontre (sempre em colaboração com autoridades públicas) alternativas para coibir essa utilização do futebol para fins escusos, o que, além de manchar a imagem do jogo bonito, também pode provocar mortes e/ou graves acidentes.

Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br