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A flexibilidade mental no futebol

Crédito imagem: Cesar Greco/Palmeiras

O alto rendimento não é uma condição natural para o ser humano. Se o nosso cérebro tende a levar o nosso corpo o maior tempo possível ao conforto e ao gasto mínimo de energia para manter o funcionamento e a sobrevivência, ter picos de performance físicos e emocionais não é uma condição simples de atingir. Por isso poucos disputam uma Olimpíadas. Por isso poucos jogam uma Copa do Mundo. Por isso poucos são profissionais de ponta…

Entrando no contexto do futebol profissional o ambiente automaticamente seleciona os mais bem preparados. A própria transição das categorias de base vai promovendo isso, fase após fase. E uma vez estando na ciranda dos profissionais, não só jogadores, mas também treinadores, auxiliares, preparadores, analistas, enfim, todos que são remunerados, vivem uma instabilidade que não é comum a quase nenhuma atividade laboral. 


Um técnico, por exemplo, que permanece anos e anos no alto nível, sendo que no Brasil a média de um profissional é de três meses no cargo, tem habilidades que vão além das técnicas e táticas. Há uma capacidade mental muito acima da média para “sobreviver” a esse caos. É claro que quem chega entre os melhores do país conquista uma situação financeira privilegiada. Mas chega um momento que “só” o dinheiro não basta e não satisfaz. Dentro da média de três meses em cada clube, como um treinador planeja sua vida pessoal? Como fixar residência? Como administrar o entorno familiar, no caso de esposa e filhos? Se forem filhos em idade escolar, como criar raízes mudando de colégio a cada trimestre?

Levanto essas questões para trazer o lado humano ao debate. Há um descarte absurdo de profissionais atualmente no Brasil. Bastam alguns resultados negativos e vem o clamor para uma demissão. Se já repeti insistentemente que temos que analisar trabalho, conceito, metodologia, liderança, comunicação, volto o olhar agora para o ser humano, que já teve que enfrentar pressões absurdas para chegar onde chegou. Vale muito um tratamento mais humanitário ao invés da troca pela troca, sem nenhum embasamento técnico de que a mudança é a melhor opção.

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Fluxos migratórios no futebol de base brasileiro

INTRODUÇÃO

Por que fluxos migratórios? 

O desrespeito aos direitos de crianças e adolescentes no processo de formação de jogadores e jogadoras é uma ocorrência bastante documentada por meio de produção acadêmica, jornalística e de estudos independentes. Entre as principais violações relatadas estão o distanciamento escolar e da família, a sobrecarga nos treinamentos e o abuso sexual.

Para aqueles que amam o futebol e mesmo para os que se preocupam com o futuro de nossa sociedade e país esse assunto merece atenção pois impacta um número significativo de jovens, sendo uma questão que extrapola a esfera do esporte, atingindo nossa sociedade como um todo. 

Mas afinal, qual o tamanho do futebol de base no Brasil?

Publicado em 2019, o relatório: educação e as categorias de base, mostrou que existiam no ano anterior 448 clubes em atividade nas categorias sub-15, primeira com competições oficiais em idade na qual é possível, legalmente, alojar jovens jogadores, ou superiores. Tal número equivale a cerca de 40 mil jovens, em uma estimativa bastante conservadora baseada em entrevistas com profissionais de 7 clubes profissionais de diferentes níveis esportivos do país. Destes, 35 mil, também de forma estimada* atuavam em clubes sem o Certificado de Clube Formador – CCF, sinal de alerta para a garantia dos direitos desses jovens, como aprofunda o referido documento. 

*As escolhas dessas estimativas estão explicadas de maneira detalhada no relatório.

No documento citado também são apresentadas estimativas, ainda de acordo com as entrevistas com os profissionais dos 7 clubes, sobre o número de jovens que transitam pelo país participando de processos seletivos in loco. Também de maneira conservadora e que vamos extrapolar no relatório de agora, o número encontrado foi de 13 mil jovens ao ano.

É em relação a esse contingente, em conjunto com os aprovados que passam a viver longe de suas cidades e estados de origem, que vamos direcionar nossas maiores atenções no presente estudo. 

Distanciamento escolar 

Mencionamos nos primeiros parágrafos outros tipos de violações frequentemente citadas em estudos sobre as categorias de base do futebol. Entre eles, o distanciamento escolar talvez seja o mais fácil de se observar e mensurar, por isso escolhemos nos debruçar sobre ele, especificamente, para ilustrar como o regime de albergamento, os alojamentos, podem ser prejudiciais para o desenvolvimento de jovens jogadores e jogadoras, lembrando que todas as outras violações listadas podem vir a reboque, estando menos documentadas ou recebendo menos atenção dos envolvidos no processo de formação. 

Quando estudados os centros de treinamento e formação de jogadores e o distanciamento do ensino formal o que se percebe é que ele acontece tanto literalmente, com a não presença nas aulas, quanto de uma forma menos objetiva. Estudos publicados por Melo e colaboradores em 2010 apontam que jovens jogadores provenientes de outras cidades e estados que vivem em regime de albergamento em clubes do Rio de Janeiro são os que detêm maior número de reprovações e de atraso escolar quando comparados aos futebolistas em formação que vivem com a família. Também segundo os pesquisadores, quanto maior a faixa etária, mais os jovens são levados a estudar no período noturno. Em outro estudo, realizado por Marques e Samulski em 2009, com 186 jogadores de 18 anos, também é apontado o atraso escolar e dificuldades para conciliar a escola e a carreira esportiva, sendo que mais da metade da amostra parou de estudar em algum momento para se dedicar ao futebol.

Desde então, algumas melhorias, como a própria regulamentação do CCF, vêm sendo implementadas no processo de formação de jogadores, com destaque para o cada vez mais valorizado trabalho das, na maioria mulheres, profissionais do Serviço Social. De qualquer maneira, o tema continua merecendo nossa atenção. 

Tendo em vista a falta de dados sobre o tamanho do futebol de base no Brasil e a necessidade de especial atenção para os jogadores e jogadoras que deixam seus lares para buscar um espaço no futebol profissional, realizamos um levantamento sobre as cidades de origem de jogadores de 12 clubes das séries A e B do campeonato brasileiro de futebol masculino.

OS DADOS DO ESTUDO

O estudo tem dados enviados por 12 clubes das séries A e B do campeonato brasileiro de futebol masculino. Ao todo, foram coletadas as informações de 1680 jogadores nascidos entre 2000 e 2012, sendo 256 menores de 14 anos, ou seja, que não podem legalmente serem alojados. 

Em relação a seus estados de origem, dos 1680 jogadores listados, 718 são de estados distintos dos clubes de onde atuam, assim como 39 dos 256 menores de 13 anos.

Em relação aos fluxos migratórios, ou as origens e destinos dos jogadores temos os seguintes dados:

Origem dos jogadores 

Nascidos entre 2000 e 2007 – 12 clubes

SUL – 3 clubes

13 do norte (4,333333 por clube)

29 do nordeste (9,666667)

26 do centro oeste (8,666667)

85 do sudeste (28,33333)

33 do sul (11)

França 1 (0,33)

Namíbia 1 (0,33)

Portugal 1 (0,33)

Espanha 1 (0,33)

Paraguai 1 (0,33)

Equador 1 (0,33)

Camarões 1 (0,33)

SUDESTE – 5 clubes

14 do norte (2,8 por clube)

100 do nordeste (20)

53 do centro oeste (10,6)

110 do sudeste (22)

42 do sul (8,4)

3 dos Estados Unidos (0,6)

1 do Panamá (0,2)

1 da Bolívia (0,2)

1 da Colômbia (0,2)

CENTRO-OESTE – 1 clube

4 do norte

13 do nordeste

14 do centro oeste

14 do sudeste

2 do sul

NORDESTE – 3 clubes

4 do norte (1,333333)

27 do nordeste (9)

11 do centro oeste (3,666667)

51 do sudeste (17)

5 do sul (1,666667)

1 do Paraguai (0,3333)

Nascidos entre 2008 e 2012 – 5 clubes 

SUDESTE – 4 clubes

6 do norte (1,5 por clube)

17 do nordeste (4,25)

11 do centro oeste (2,75)

13 do sudeste (3,25)

3 do sul (0,75)

1 da Itália (0,25)

51(12,75 por clube) de fora do estado de origem/205 (51,25) no total

NORDESTE – 1 clube

6 do nordeste

1 do sul

7 de fora do seu estado de origem/51 no total

O funil

Os números do relatório: educação e as categorias de base com suas estimativas conservadoras apontam que temos:

40 mil jogadores de base no Brasil (1)

35 mil deles atuando em clubes sem CCF (0,875 para cada um do total da base)

10 mil alojados (0,25 para cada um do total da base) 

13 a 224 mil perambulantes que viajam realmente pelo país (0,325 a 5,6 para cada um do total da base) 🡪 30 a 500 jovens participando anualmente das semanas de avaliação para ingresso nos clubes brasileiros de variados níveis esportivos.

Com base nesses números temos, de acordo com o novo levantamento temos os seguintes dados:

Jogadores nascidos de 2000 a 2012

Total = 1680 (140 por clube) x 40 de série A e B = 5600 x 1000 tentando ingresso para cada um que tem êxito (Damo, 2005 e Toledo 2000) = 5,6 mi tentaram ingresso apenas nesses clubes.  

5600 x 0,25 = 1400 alojados nos 40 clubes das séries A e B

5600 x 5,6 perambulantes (escolhemos o máximo relatado nas entrevistas de 2019 por estarmos analisando clubes de elite, das séries A e B) = 31360 ao ano saem da sua cidade de origem anualmente para serem avaliados, ao menos uma vez em clubes.

Fora do seu estado de origem = 718 (59,83 por clube – 42,7%) x 40 de série A e B = 2393,2 x 1000 = 2,39 mi fora do seu estado de origem tentaram ingresso – Todos avaliados in loco? Não! Muitos são avaliados e sondados em seus estados e cidade de origem antes de viajarem de fato. 

Jogadores nascidos de 2008 a 2012 – jogadores com 13 anos (7º ao 8º ano do ensino fundamental) ou menos de 5 clubes das séries A e B masculinas, do nordeste e sudeste.

Total = 256 (51,2 por clube) x 40 de série A e B = 2048 x 1000 = 2,05 mi tentaram ingresso

51,2 por clube x 40 clubes = 2048 x 5,6 perambulantes por jogador a base = 11469

Fora do estado = 39 (7,8 por clube – 15,2%) x 40 de série A e B = 312 x 1000 = 312 mil fora do estado tentaram ingresso. Todos in loco? Não! 

Observações e discussões

– Estudo publicado em janeiro de 2021 de autoria de Israel Teoldo e Felippe Cardoso demonstra que o número de habitantes e o IDH da cidade de origem dos jovens jogadores impactam na identificação e desenvolvimento de jogadores no Brasil, o que pode ajudar a explicar o maior número de jovens originários do sudeste fora de seus estados nas categorias de base dos clubes estudados. 

– Em relação aos números do presente relatório um ponto de destaque é que estamos falando de um topo de pirâmide em relação ao “mercado de jogadores mirins”. Tendo CCF ou não – a maioria dos clubes que participaram desse levantamento possui o documento, independentemente da estrutura e condições de vida que os clubes oferecem aos integrantes de suas categorias de base, o grande ponto de preocupação é o que se passa com a vida dos perambulantes, principalmente os não aprovados. Essa preocupação deve ser extrapolada para aqueles que perambulam em busca de oportunidades em toda a cadeia produtiva do futebol brasileiro. Ou seja, para além dos mais de 31 mil – 11 mil menores de 13 anos – que viajam em busca de oportunidades nos 40 clubes das séries A e B, quantos outros são avaliados pelos mais de 400 clubes que mantém categorias de base ativas no Brasil? A quais tipos de violações de direitos tais crianças e jovens estão expostas? De quem é essa responsabilidade?

– Com o aumento exponencial da circulação de recursos no futebol feminino, é uma tendência que essa rede de captação tenha cada vez mais uma maior intensidade, aumentando o fluxo de meninas por conta do futebol pelo Brasil e, possivelmente, expondo essas crianças e jovens às violações de direitos já observadas no caso do futebol masculino. 

Como discutido ao longo do seminário “O ensino do futebol – Uma alternativa à captação”, existem caminhos que podem ajudar a diminuir esse fluxo de menores pelo país, com uma gestão mais humanizada das categorias de base, priorizando a Pedagogia de Futebol e não a captação de talentos.

Referências

Análise da carreira esportiva de jovens atletas de futebol na transição da fase amadora para a fase profissional: escolaridade, iniciação, contexto sócio-familiar e planejamento da carreira. Marques, M. P. Samulski, D. M.

Do dom a profissão: uma etnografia do futebol de espetáculo a partir da formação de jogadores no Brasil e na França 2005. Doutorado na UFRGS. Arlei Sander Damo, 2005.

Lógicas no futebol. Luiz Henrique de Toledo, 2000

Onde há fogo, há fumaça. Indústria de Base, 2019.

Perfil educacional de atletas em formação no futebol no Estado do Rio de Janeiro. Leonardo Bernardes Silva de Melo e colaboradores, 2010

Relatório: educação e as categorias de base. Universidade do Futebol, 2019.

Talent map: how demographic rate, human development index and birthdate can be decisive for the identification and development of soccer players in Brazil. Israel Teoldo e Felippe Cardoso, 2021.

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Um momento de liberdade: o jogo

Dando continuidade ao texto publicado em 24 de setembro 2020 sobre coisas que aprendi na rua Pernambuco, tenho me questionado sobre a infância, sobre o brincar e o jogar nessa época da vida. Aqui vou utilizar o termo brincar com referência ao momento lúdico e livre vivido pelas crianças, e quando me refiro ao jogo, quero tratar das atividades que tem regras como premissa para a prática. Comecei uma breve pesquisa no campo dos estudos culturais e percebi que pode ser possível fazer uma aproximação dessa base teórica com o que tem sido debatido sobre a pedagogia da rua, o brincar e o jogar na infância.

As relações de poder que perpassam a sociedade cooptaram a educação, utilizando a pedagogia como ferramenta na conformação do sujeito idealizado. “A pedagogia vai corresponder ao conjunto de saberes e práticas postas em funcionamento para produzir determinadas formas de sujeito” (CAMOZZATO; COSTA, 2013, p. 26). A educação contaminada por essa lógica está presente nos mais diversos âmbitos da vida, desde a família, até à mídia.

A relação de domínio se dá na disputa de interesses diversos que atravessam o âmbito social. Buscando dar essa ou aquela direção às pessoas, esse jogo de poder opera por meio de uma determinada pedagogia, em especial, a institucionalizada. Nesse sentido, o que Camozzato e Costa (2013) buscam, é revelar que existe uma “vontade de pedagogia”, ou seja, o motor de uma pedagogia que atravessa, entre outros espaços, as instituições educativas, ainda com objetivo de manter a relação de domínio. Nas palavras das autoras conceito que se torna “dizível” se considerarmos que as condições culturais contemporâneas erigem constantemente pedagogias que cruzam a esfera social e acionam um conjunto de forças para intensificar e refinar, por via das pedagogias, as aprendizagens necessárias a tornar-nos governáveis. (CAMOZZATO; COSTA, 2013, p. 23).

Nesse sentido, seria a pedagogia da rua uma possibilidade de resistir a essa “vontade de pedagogia” que perpassa as relações sociais? Uma tentativa de resposta ao questionamento surge da observação de que quando uma criança brinca com outras, relações e aprendizagens se estabelecem ali, de forma pouco ou nada controlada e com a mínima ou nenhuma interferência externa (de adultos).

Entrar nesse estado de jogo pode abrir espaço para a construção de mecanismos de problematização do modelo de controle fomentado pela “vontade de pedagogia”. É que a lógica interna de algumas modalidades como o futebol, por si, são fonte de desafio e prazer, o que parece ser fator determinante para motivar uma criança a participar daquele momento e adentrar nesse mundo outro, como uma espécie de realidade paralela que acontece naquele instante e ao longo da disputa do jogo.

Esses portais que levam a “realidades paralelas”, simbolizam passagens da criança por momentos únicos na vida, em que cada brincadeira e cada jogo possibilita esse tempo outro, deixando marcas que se manifestarão ao longo da trajetória individual, como as estratégias de negociação de regras e de punições em caso de seu descumprimento. Em especial, a disponibilidade de entrar em relação com o outro em benefício do prazer da brincadeira e/ou do jogo.

O fomento a esse(s) espaço(s) do brincar nos proporciona pensar que é necessária a preservação da infância, em especial daquela que tem o brincar como elemento central, e que os(as) adultos(as) possam proteger e também usufruir desse(s) espaço(s), buscando refúgio nesse mundo outro, onde prevalece a possibilidade de construção coletiva em prol do desejo comum.

Assim, o esporte como fenômeno social, principalmente na pedagogia da rua e pela prática lúdica na infância, assume uma condição de potencial fomento de sociabilidade e construção subjetiva que não se pauta pelo modelo de controle da “vontade de pedagogia”, mas, pelo contrário, promove e incentiva a prática esportiva livre de objetivos docilizantes.

Referência

CAMOZZATO, Viviane Castro; COSTA, Marisa Vorraber. Vontade de pedagogia: pluralização das pedagogias e condução de sujeitos. Cadernos de Educação. UFPel. n.44, jan-ab. 2013. Disponível em http://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/caduc/article/view/2737. Acesso em: 18 jan. 2021.

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Modelo de jogo: saiba o que é, como funciona e conheça os 4 momentos da partida

O tempo em que o futebol era definido somente pelo talento individual passou faz muitos anos.

Basta olharmos para trás para ver muitos jogos considerados “fáceis” que acabaram por dar “zebra” – que na verdade não é o animal em si, e sim um estudo complexo do jogar futebol.

Toda equipe de futebol pode ser ofensiva, se for bem treinada. Tudo o que acontece dentro de campo não pode ser obra do destino, tem que ser trabalhado exaustivamente. Daí surge o modelo de jogo.

O que é o modelo de jogo?

O nome já se explica, mas damos uma força: o modelo de jogo nada mais é do que treinar exatamente o que vai fazer no dia do jogo, como a equipe vai se comportar nos diferentes momentos da partida. Planejamento é tudo, meu amigo.

“Se você quiser derrubar uma árvore na metade do tempo, passe o dobro do tempo amolando o machado.” – Provérbio chinês

“Mas que diabos é esse tal de modelo de jogo?”, alguém pode perguntar.

Nada mais é do que “como” a sua equipe vai jogar. Troca de passes estilo Barcelona? Ou lançamentos longos para a frente no estilo do time da minha rua? Marcação pressão no homem da bola ou marcação a partir do meio de campo? Com qual esquema vou jogar: 4-4-2, 3-5-2, 4-3-3 ou 6-4-0?

Enfim, ao responder a essas perguntas, você já está criando um modelo de jogo para seu time. Afinal de contas, todo brasileiro é técnico de futebol. Sempre temos nosso time ideal em mente.

Características do jogo de futebol: os 4 momentos da partida

Você sabia também que uma partida de futebol se divide em quatro momentos? São eles:

1. Organização ofensiva

A organização ofensiva ocorre quando o time está com a posse da bola. Refere-se à maneira com que a equipe vai atacar, a movimentação dos jogadores, o estilo de passe que será dado nesse momento, o tipo de finalização etc.

2. Transição defensiva

É quando se perde a bola. Não fomos eficientes no ataque e a defesa adversária a roubou.

O que fazer? Quem marcar? Ou seja, essa transição defensiva é um momento rápido de reação do time que estava com a bola.

Perdemos a bola? Então, vamos pressionar o homem da bola o mais rápido possível para não deixá-lo virar o jogo. Esse foi um exemplo.

3. Organização defensiva

Não deu certo a nossa pressão. Não roubamos a bola rapidamente. Eles estão trocando passes e vindo pra cima da gente. O que vamos fazer? Como vamos marcar? Essa é a organização defensiva – a maneira como nosso time vai se posicionar para marcar o adversário enquanto ele estiver com a bola.

Todos atrás da linha da bola? Manter o esquema tático? Duas linhas de quatro? Enfim, isso vai de cada técnico.

4. Transição ofensiva

Roubamos a bola! É agora! Vamos pra cima! Nosso zagueiro roubou a bola e agora vamos atacar. Também é um momento rápido para nos organizarmos ofensivamente. Roubamos a bola, e agora? Pra onde ela vai? E assim começa a transição ofensiva no futebol.

Repararam o que é um ciclo? Todo jogo é assim. Momentos. As equipes treinam como vão atuar dentro desses quatro momentos. Isso é modelo de jogo.

Quer se aprofundar mais nos fundamentos e nas técnicas de modelo de jogo?

Confira o curso Modelo de Jogo: áreas técnicas e performance da Universidade do Futebol. Nele, são abordados os principais conceitos para que você se aprofunde na forma com que os treinadores desenvolvem e distribuem as suas equipes.

Entre as vantagens do curso estão:

  • conteúdo exclusivo
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Táticas no futebol: por que devemos pensar além delas?

É comum, hoje em dia, ouvirmos algumas discussões, supostamente sobre tática no futebol brasileiro se prendendo aos números envolvidos nos esquemas de jogo: o 1-5-4-1 seria defensivo demais, ou o 1-4-2-4 superofensivo — sim, colocamos o primeiro “1” fazendo referência ao goleiro, por isso não fico espantado quando Jorge Sampaoli pedia no Santos um arqueiro que saiba jogar com os pés.

Sistema de jogo: táticas no futebol são importantes, mas não são tudo

Acredito na ideia do “futebol total”: com a bola, todos atacam, inclusive o goleiro. E sem ela todos defendem, incluindo o centroavante.

Eu amo a tática no futebol e adoro estudá-la. Quanto mais conheço e observo, mais quero aprender. Sei, porém, que ela por si só não traz todas as respostas para os complexos problemas que um jogo de futebol apresenta.

É claro que uma equipe com um jogo minimamente elaborado terá referências coletivas de ataque, defesa e transições. Mas haverá também decisões que serão novas, exclusivas dos jogadores, que poderão fazer a diferença para o cumprimento da lógica do jogo.

É necessário analisar além da formação tática

O que quero dizer aqui é que a análise deve ser muito mais ampla do que o esquema tático do futebol. Até porque ele é circunstancial.

Uma equipe pode se defender com duas linhas de quatro e atacar com uma linha ofensiva de cinco jogadores, dependendo da altura que os laterais e os meias ocupam.

Além disso, por conta das características únicas de cada jogador, da sinergia e dos elos que se formam, toda a equipe terá suas características únicas. Ou alguém duvida que um 1-4-3-3 com Messi de falso 9 é diferente do mesmo 1-4-3-3, tendo Diego Costa como centroavante?

Não quero aqui tirar o peso da tática no futebol na análise. Pelo contrário. Colocar os óculos dos princípios e subprincípios ofensivos e defensivos para tirar padrões de comportamento de um time é superválido.

Mas esses mesmos óculos precisam ser calibrados: se não abrirmos os nossos olhos para a complexidade de um jogo de futebol, continuaremos míopes para entender por que uma equipe ou ganhou ou perdeu, mesmo usando esses óculos.

Quer aprender mais as táticas no futebol, novas estratégias e os princípios de defesa e ataque?

O curso Tática no Futebol da Universidade do Futebol apresenta de forma didática e bem fundamentada todos os conceitos relacionados à estratégia e ao modelo de jogo.

São 4 módulos divididos em 14 aulas com diversos exemplos reais de jogo, a fim de ampliar o seu olhar para o futebol.

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Esquema tático: saiba como estruturar a linha defensiva

O modelo de jogo, como sabemos, é o norte que orienta as ações dos jogadores nos diferentes momentos da partida.

Esse norte é balizado por inúmeras referências que se integram e se relacionam complexamente. Dessa forma, o esquema tático é uma das referências e não a única dentro do modelo.

Esquema tático: é preciso ter estratégia para ser efetivo

Sendo uma das referências, o esquema tático de futebol não garante por si só a “ofensividade” ou a “defensividade” de uma equipe, ou seja, jogar com três atacantes não quer dizer que minha equipe é ofensiva, ou jogar com cinco na linha de defesa quer dizer que estou na retranca.

Isso tudo depende de como o esquema tático está se relacionando e sendo utilizado para o cumprimento do modelo e dos objetivos dentro do jogo.

Contudo, não podemos negar que essa referência é fundamental (será? Podemos jogar sem um esquema tático?) para a estruturação do espaço do jogo e precisa ser desenvolvida no dia a dia de treino.

Estratégias do futebol: como implementar um esquema tático?

Para que o esquema seja treinado é preciso antes de tudo que ele seja definido com o modelo de jogo da equipe.

Não vamos definir aqui todo o modelo de jogo e apresentar um processo completo para o desenvolvimento do esquema tático em especial.

Vou definir a dinâmica que envolve a linha defensiva dentro do 1-4-4-2 em linha e apresentar três atividades para o seu desenvolvimento.

Volto a destacar que dentro do 1-4-4-2 existem diversas possibilidades e vou explorar uma delas.

Modelo de jogo hipotético: entenda como funciona

Em meu modelo de jogo hipotético, pensando na “linha de 4” defensiva, minha equipe irá se comportar a partir de uma marcação zonal com a participação do goleiro como um elemento que fará a cobertura dos defensores.

Além disso, a linha defensiva terá como princípio operacional de defesa a recuperação da posse de bola nas laterais do campo e impedir progressão na região central, onde os jogadores devem direcionar a jogada para as laterais.

Quando a bola entrar nos corredores do campo, os laterais devem pressionar a bola e os demais jogadores da linha devem se movimentar, a fim de criar uma linha de três jogadores atrás do atleta que realiza a pressão.

(Vejam que um modelo de jogo contém muito mais conteúdos, mas utilizarei apenas esses dentro da organização defensiva, para fins didáticos.)

Sendo assim, posso elaborar algumas atividades para desenvolver o modo de jogar específico de minha linha defensiva.

Vale a pena destacar que essa linha não deve ser confundida com linha de impedimento, pois sua dinâmica não busca deixar o adversário nessa condição, mas sim neutralizar o ataque adversário.

Atividade 1

Descrição

  • Atividade de 4 x 4 + coringa, em que o objetivo das equipes é fazer o gol nos golzinhos adversários.

Regras e pontuação

  • Região central do campo: dois toques na bola;                    
  • Gol nos golzinhos vale 1.

Atividade 2

Descrição

  • Atividade de 4 + goleiro + coringa x 5, em que o objetivo da defesa é recuperar a bola nas laterais do campo e fazer um passe para o coringa posicionado no meio-campo. O ataque deve fazer o gol.

Regras e pontuação

  • A linha defensiva não pode realizar desarmes na região central do campo, enquanto os jogadores do ataque só podem dar dois toques na bola nesse espaço. Dentro da área e nas laterais do campo é livre.
  • O gol vale 3.
  • Fazer o passe para o coringa vale 1.

Atividade 3

Descrição

  • Atividade de 4 + goleiro x 6.

Regras e pontuação

  • Defesa marca ponto quando recuperar a bola nas faixas laterais do campo (1 ponto) ou quando trocar cinco passes (1 ponto).
  • Ataque marca ponto quando fizer o gol no gol oficial (3 pontos) ou nos golzinhos (1 ponto).

Defender é mais do que correr atrás do seu adversário.

Por conta disso, o curso Tática no Futebol da Universidade do Futebol é uma excelente oportunidade para quem deseja ficar por dentro de conceitos fundamentais, como a estratégia, a tática e o modelo de jogo.

No curso, além de você ser apresentado aos princípios de defesa e ataque, os conteúdos da formação são exibidos de forma didática e bem fundamentada.

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Até a próxima!

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Saiba o que é a marcação por zona e veja como funciona

“A organização defensiva é, acima de tudo, uma questão de defender com lucidez. Aquilo que se deve fundamentalmente procurar é fechar os espaços e assim condicionar os adversários.” (FRADE, 2002).

Nas últimas semanas, recebi vários e-mails sobre questões relacionadas à marcação por zona. Por isso, resolvi antecipar a discussão sobre essa temática.

Antes mesmo de iniciarmos a reflexão acerca da marcação zonal, precisamos discutir o que é a marcação por zona aplicada ao futebol e destacar que ela é parte fractal da organização defensiva da equipe.

Marcação no futebol: conheça 5 formas básicas

A marcação pode ser definida como o ato ou resultado de marcar um espaço e/ou um adversário direto (adaptado de AMIEIRO, 2005).

Partindo dessa definição, podemos discutir cinco formas básicas de marcação em relação ao espaço e ao adversário:

  1. Marcação zonal: age sobre o espaço.
  2. Marcação individual: age sobre o jogador adversário.
  3. Marcação individual por setor: cada jogador é responsável por um espaço e pelo jogador adversário que estiver dentro do local.
  4. Marcação mista: utiliza tanto a marcação zonal quanto a individual, que se alternam em circunstâncias específicas do jogo.
  5. Marcação híbrida: apresenta características da marcação zonal e individual, ao mesmo tempo que estas se manifestam em decorrência da estratégia da equipe.

Cada um desses tipos de marcação tem inúmeras outras referências que a orientam, mas não vamos discuti-las neste momento.

Nosso foco agora é: o que é marcação por zona. Nesta, cada jogador administra um espaço do campo que se modifica em função da bola, de seus companheiros e dos gols.

Marcação por zona: entenda como funciona

O objetivo da marcação é otimizar a ocupação espacial da equipe, deixando o “campo pequeno” para o adversário que ataca.

Na região onde a bola se encontra, a busca é pela criação da superioridade numérica, sem desguarnecer o lado oposto do campo que deve permanecer “vigiado” pelos jogadores mais próximos deste setor.

A região onde a bola se encontra é chamada por alguns autores de “lado forte”, e a região oposta é chamada de “lado fraco”. Em cada uma dessas regiões há uma preocupação diferente por parte da equipe e varia conforme o modelo de jogo de cada uma delas.

É imprescindível conquistar os espaços do jogo de forma estratégica

Para Nuno Amieiro, em seu livro “Defesa à zona no futebol”, ocupar os espaços do jogo de forma inteligente criando superioridade numérica na região da bola é um dos fatores fundamentais para “controlar” os adversários.

Além de criar superioridade numérica na região da bola e “vigiar” o lado oposto a ela, na marcação por zona se preconiza a presença de linhas escalonadas que servem como coberturas e visam, com isso, “aumentar” o caminho entre a bola e o gol.

Vale destacar ainda que na marcação por zona a atenção do jogador não deve ser apenas na ocupação do seu espaço mas também no desenvolvimento de seu jogo como um todo, levando em conta as demais referências do modelo de jogo.

Na marcação por zona, o que se busca é uma marcação coesa, dinâmica, homogênea com o intuito de fornecer uma referência coletiva comum aos jogadores dentro da organização defensiva da equipe.

Por fim, não trago nenhuma atividade prática para vocês, mas venho propor que me enviem sugestões para o desenvolvimento desse conceito.

Na próxima coluna, vou apresentar alguns desses exercícios propostos por vocês a fim de trocarmos informações sobre nossos treinos: acredito que essa troca é fundamental para todos nós.

Perto de finalizar, eu trouxe uma frase de Ayrton Senna, grafada em seu capacete histórico, diante do qual passo todos os dias quando vou para o campo de treino:

“Há um grande desejo em mim de sempre melhorar. Melhorar é o que me faz feliz. E sempre que sinto que estou aprendendo menos, que a curva de aprendizado está nivelando, ou seja, o que for, então não fico muito contente. E isso se aplica não só profissionalmente, como piloto, mas como pessoa.”

Conheça o curso “Mapa de jogo” da Universidade do Futebol

O curso “Mapa de jogo: desvende a complexidade do jogo de futebol”, da Universidade do Futebol, mostra a importância de enxergar o jogo com um fenômeno multidimensional e como essa visão implica os ambientes de treino e jogo.

São abordados tanto aspectos macro, como a lógica e as competências básicas do jogo, quanto os aspectos micro, como as regras de ação para cada posição dos jogadores de futebol.

Para mais informações, entre em contato conosco agora mesmo.

Até a próxima!

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É só trocar o treinador…

Maílson Santana – Fluminense FC

A cultura resultadista e imediatista do futebol brasileiro é uma fábrica de moer treinador. Sei que essa afirmação é batida, que já foi dita milhões de vezes e que no curto prazo a tendência não é de mudança…mas investigar as causas desse fenômeno e traçar alternativas com novas soluções são obrigações de quem quer um futuro diferente.Já começo cravando que não sou contra a demissão de treinador algum. Não é verdade que todo profissional tem que ficar pelo menos um ano no clube para ser realmente avaliado. O ponto aqui é: quem comanda as equipes (presidentes, diretores e gestores) possuem o conhecimento necessário para avaliar o processo, o trabalho, a evolução e, mais do que tudo, entender as circunstâncias do treinador em questão? 

Se as coisas não estão sendo bem feitas, deve-se trocar antes tarde do que muito mais tarde. Porém, insisto: tem que haver conhecimento para uma criteriosa avaliação. E não apenas paixão e amadorismo, como vemos no Brasil…

Demitir deve ser a exceção. E não a regra, como é no futebol brasileiro. Atualmente, a maioria dos técnicos tem conhecimento, capacidades técnicas e táticas, metodologia, liderança e habilidades interpessoais para comandar projetos longevos. Uma ideia de jogo e uma mentalidade de alto rendimento não são implementadas em um grupo de vinte e cinco jogadores da noite para o dia. E se existe solidez no processo, quem tem a caneta na mão não pode jogar tudo para o alto na primeira sequência negativa, apenas para dar uma resposta à torcida.

Enquanto dirigentes não buscarem esse conhecimento sistêmico e transdisciplinar do futebol e, mais do que isso, se eximirem das responsabilidades, a culpa continuará caindo toda no treinador. Por isso, não dá para crucificar o técnico que joga primeiramente para não perder. Se o que vale é a sobrevivência, ele dança conforme a música…A nossa cultura superestima a real interferência do treinador no resultado final. E isso vai sempre jogar contra. Não avaliamos trabalho, estrutura, orçamento, condições, nível do elenco e etc. Avaliamos vitórias e derrotas. E enquanto considerarmos bom só quem ganha continuaremos com esse nefasto ‘salve-se quem puder’…

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O ensino do futebol – uma alternativa à captação

Crédito imagem – Palmeiras/Divulgação

Com ou sem escola, as pessoas aprendem. Aprender é o destino de todos nós. O que a natureza nos dá é insuficiente para darmos conta dos problemas permanentes que nos acometem, de cujas soluções depende nossa adaptação ao mundo. As crianças, por exemplo, aprendem desde o nascimento: aprendem inicialmente com a mãe e com o restrito contato que pode manter com seu meio, aprendem com a família, aprendem com seu círculo de relações com outras crianças, outros adultos, objetos e natureza ao redor, aprendem com a escola, com a igreja e outras instituições. Com o desenvolvimento essas relações se ampliam. As crianças, assim como os adultos, aprendem permanentemente, pois, consciente ou inconscientemente, sentem que sempre falta algo que poderá ser preenchido com as aprendizagens.

O tema que motiva este artigo é o futebol e o modo como ele é aprendido pelas crianças e jovens, e como são encaminhados, para níveis mais refinados de práticas, aqueles que demonstram habilidades especiais para esse esporte. Quando descobertas por quem as procura para encaminhamentos destinados à profissão futura de futebolistas, elas passarão por um novo processo de aprendizagem do futebol, não mais daquela forma lúdica, brincada com seus companheiros, mas orientada, dirigida com fins específicos para uma prática, talvez, profissional dentro de alguns anos.

De maneira geral, essas crianças e jovens encaminhados para os clubes e uma futura carreira profissional, são fruto de descobertas feitas por caçadores de talentos espalhados por todo o Brasil. Trata-se de eventos acidentais. Algo parecido com o que se faz nos garimpos à procura de ouro. O problema é que ouro é ouro, está lá, pronto pela natureza, é só pegar. Criança não é ouro, é gente, muda o tempo todo, tem que aprender para viver. Antes de serem descobertos, esses talentos aprenderam futebol ao seu modo. Esse modo é conhecido por todos aqueles que brincaram com o futebol de rua, de campinhos, ou de qualquer lugar em que pudessem compartilhar o divertido jogo de bola com amigos. Quando são reconhecidos pelos caçadores de talentos, quase sempre esses profissionais atribuem à natureza as habilidades demonstradas pelos jovens jogadores. Ignoram o processo por que passaram e acham que são assim porque a natureza assim os fez, diferentes de todos os outros desde o nascimento. Portanto, para essa concepção, trata-se de não perder tempo ensinando, pois os que se tornarão jogadores profissionais são aqueles talentosos por natureza, nasceram para isso. O que precisam, de acordo com esse conceito, é de uma orientação segura que os torne capazes de cumprir as determinações de professores e técnicos. Portanto, somente acidentalmente serão descobertos pelos caçadores de talentos. As chances de descobri-los serão tão maiores quanto maior a rede de observação espalhada pelo território brasileiro. E isso tem sido feito pelos grandes clubes de futebol do Brasil.

Essa prática de descoberta acidental de talentos guarda, em seu núcleo, um problema incorrigível. Por acreditar no talento nato, ela ignora a história do menino ou da menina que mostra habilidades especiais. Antes de serem descobertos viveram um processo no jogo de bola. Trata-se de um processo de aprendizagem. Ele envolve as condições de nascimento, envolve, também, claro, as condições biológicas, envolve a família, o lugar de nascimento, a cultura desse local, a liberdade para jogar, alimentação etc., etc. A caça ao talento ignora o modo como o jogo de bola foi praticado pelo menino ou menina, ignora o grupo infantil, essa pequena sociedade lúdica onde jogar bem é fator importante de identidade e inclusão, ignora o método da educação da rua. Por ignorar tudo isso, ao ser levado para um clube, o menino ou menina sofrerá brusca interrupção nesse processo educacional para o jogo de bola. Tudo que viveu até então será ignorado. É como se tivesse que começar do zero. E, então, um novo processo, que nada tem a ver com o anterior, é iniciado. É aí que se dá o nó da questão. A criança era criativa, divertida, jogava maravilhosamente, mas só naquele contexto de liberdade, de “irresponsabilidade”, de ludicidade, em seu grupo, no seu contexto. Quando chega ao clube, é outro contexto, não há mais sua pequena sociedade, o lúdico praticamente morre, nada de liberdade, pois os torneios exigem não perder, e assim por diante. Ela terá que se adaptar ao novo contexto e começar um novo processo. O que fazer com o que passou? O que fazer com sua história até então? E os fracassos se sucedem. Os poucos que sobrevivem a essa terrível seleção, chegarão aos subs 17, 19, 20, 23 adaptados a um futebol que nem de longe lembra o que jogaram quando aprenderam na rua. E o talento tão decantado será “provado” por raros. E esses raros continuarão alimentando a tese do talento natural. Quantos seriam os talentos caso fosse respeitado o processo que produziu tão maravilhosas habilidades? Não é de estranhar serem tão raros os talentos?

Suponhamos agora um outro caminho, que, por sinal, é trilhado por muitos professores e professoras, não só no futebol, mas em outros esportes, nas artes e outras produções culturais. Porém, fiquemos somente com o futebol. Consideremos que a educação da rua, excepcional na formação das habilidades para o jogo de bola com os pés, não seja interrompida. Claro, alguns questionarão essa rua, dizendo que, em boa parte do país, ela não existe, a não ser para os adultos e os veículos. É verdade, porém, falamos de uma cultura da rua, uma cultura da vida, e não exatamente do espaço entre calçadas. Trata-se de uma metáfora para aqueles espaços em que as crianças brincam entre elas, aprendem entre elas, definem papéis, firmam identidades, definem prioridades, desenvolvem habilidades de acordo com a cultura de cada uma dessas pequenas sociedades lúdicas, enfim, onde formam uma pequena sociedade lúdica.

Esta segunda hipótese abre algumas boas perspectivas e alternativas que corrigem o problema nuclear da hipótese do investimento na seleção natural, na busca acidental de talentos. Quando um observador observa crianças ou adolescentes jogando bola, ele colherá apenas um breve momento das práticas deles. Mesmo que a observação se estenda por alguns dias, ela só poderá perceber uma pequena mostra das possibilidades dessas crianças e adolescentes. Pelo contrário, quando inserida num processo educacional, a criança terá a oportunidade de evoluir em suas habilidades. Considerando que o ritmo de desenvolvimento é extremamente variável de criança para criança, aquilo que uma delas apresenta de habilidades para o jogo aos 10 anos, por exemplo, só poderá ser alcançado por outra aos 12 anos. Quando chegarem ao final da adolescência, talvez não tenham nenhuma diferença, ou poderão tê-la a favor de qualquer das duas; trata-se de algo imprevisível.  

A respeito dessa segunda hipótese, isto é, o ensino como alternativa à captação, aqui já chamada de seleção natural, comecemos por um dos casos possíveis: a aprendizagem informal do jogo de bola e o encaminhamento por observadores a clubes profissionais. Nesse caso, a criança ou jovem já sabe jogar bola bem, em nível suficiente para ser levada para um clube. É diferenciada, destaca-se das demais. O clube que a acolhe entende que ela pode chegar ao alto nível de rendimento, tornar-se profissional de futebol. Mas ela corre o risco de ter o desenvolvimento de suas habilidades interrompido pelo método orientador das atividades do clube. Como evitar isso? O clube só poderia evitar esse problema se tomasse como orientadora de seu método a educação da rua, dando continuidade ao processo vivido pela criança até então. Porém, o clube não é a rua, e nunca será; não há como transplantar a rua para o clube, são contextos diferentes. Porém, embora não seja possível transformar o clube em rua, é possível compreender o processo de educação da rua e transformá-lo em uma pedagogia da rua. Não há estudos a respeito disso, porém, boa parte dos que trabalham na área do futebol profissional viveram a rua como experiência educacional em suas infâncias. A rua registra elementos como a formação do grupo, chamado por mim de pequena sociedade lúdica, registra, dentro desse grupo, a constituição da identidade de seus membros, a distribuição de papéis, a importância de, de acordo com cada papel, desenvolver habilidades para o jogo de bola, registra a importância do refinamento do jogo de bola dentro do grupo, e assim por diante. A rua é um cenário lúdico e tem características de descompromissos fora do grupo, oferecendo espaço para a criação, liberdade para a experimentação, não punição para os erros, incitação ao refinamento dos gestos etc. O clube que compreender as características da rua, tendo profissionais competentes para transformar esse processo educacional em metodologia e pedagogia, pode, não replicar a rua, mas dar prosseguimento ao processo ao integrar os elementos nucleares da rua na formação dos meninos e meninas das equipes de base.

Vamos a um segundo caso. As crianças que não aprendem o futebol na rua, mas em escolas de futebol. Antes relembremos que rua é mais que um espaço entre calçadas; é um fenômeno cultural, um grupo de crianças que brinca, não importa o espaço. Um grupo que forma uma pequena sociedade lúdica sem necessitar de orientações de adultos. Portanto, mesmo quando vão aprender futebol em uma escola, essas crianças possuem uma história, participam de sua sociedade lúdica em casa, no pátio do prédio, no intervalo entre as aulas da escola regular etc. Que essa história não seja ignorada. Elas sabem brincar e suas brincadeiras poderiam alimentar de conteúdos o ensino do futebol, desde que houvesse uma adaptação. Essa adaptação consideraria que a rua não é perfeita, tem seus vícios, que poderiam ser evitados na pedagogia da rua. Toda educação sistemática deveria começar por aquilo que as crianças já sabem, aquilo que elas trazem de fora da escola.

São muitas as escolas de futebol espalhadas pelo Brasil. Centenas ou milhares. Algumas ligadas a franquias de grandes clubes de futebol profissional. De maneira geral, essas escolas de futebol fazem o que também ocorrerá nas equipes de base dos clubes de futebol: interrompem o processo de aprendizagem lúdica das crianças, ignoram sua história. Vamos supor que uma escola de futebol decida praticar a pedagogia da rua para ensinar futebol aos seus alunos. Os elementos para construir essa pedagogia ela tem. Inclusive, foram descritos em parágrafos anteriores deste artigo. Essa escola de futebol terá, talvez, que enfrentar a resistência de muitos pais que querem ver seus filhos replicando o que fazem jogadores profissionais de futebol. Será uma questão de esclarecer os pais no momento da matrícula a respeito da linha pedagógica da escola e de manter reuniões periódicas com eles. Vamos supor também que os professores dessa escola de futebol sejam competentes, esclarecidos e compreendam a educação da rua, portanto, capazes de orientar as práticas por uma metodologia da rua. E que o problema com os pais esteja superado. Para constituir essa pedagogia da rua, a escola de futebol levará em conta as brincadeiras que as crianças já conhecem. Levará em conta os conteúdos típicos da pedagogia da rua no que se refere ao futebol, ou seja, brincadeiras como o bobinho, a repetida ou rebatida, o três dentro, três fora, a pelada e o controle, entre outras. Levará em conta liberdade e a “irresponsabilidade” necessárias à criatividade, levará em conta a importância de estimular a formação de uma pequena sociedade lúdica entre os alunos e, para incrementar essa pedagogia, o envolvimento dos alunos em outras atividades culturais, como vídeos, músicas, passeios, trilhas na natureza e outras.

Vamos agora a um último caso, ainda em torno da pedagogia da rua. Isso não quer dizer que não haja outros casos possíveis, mas é o possível para este breve artigo. Temos que discutir o que se faz, atualmente, nas equipes de base do futebol brasileiro. Como esse universo é muito extenso, minha crítica dirige-se apenas àquelas equipes em que o processo educacional da rua é interrompido e substituído por imposições de práticas produtoras de medo, excesso de regras, chantagens, defender-se a qualquer custo, excesso de responsabilidade, não perder acima de tudo, eliminação do lúdico e de toda a criatividade, entre outros fatores. O resultado de tais procedimentos é a inibição gradativa das habilidades, da criatividade e do lúdico que caracteriza qualquer jogo. Lembrem que o futebol é considerado um jogo e, como tal, precisa ser lúdico, caso contrário já não será jogo e sim uma tarefa estafante e enfadonha. Um clube profissional de futebol corre o risco de, consideradas as proporções, ter um jovem de 20 anos de idade menos habilidoso para o futebol que quando ele chegou ao clube aos 12 ou 13 anos de idade. Como fazer para que isso não ocorra?

Estou sugerindo que os responsáveis pela formação de jogadores nas divisões de base considerem a seguinte lógica: se os meninos e meninas participantes dessas divisões foram escolhidos por suas habilidades, elas não caíram do céu. Foram construídas nas relações deles com o jogo de bola. O jogo de bola, como disse o Prof. Alcides Scaglia, na verdade muitos jogos, e da família dos jogos de bola com os pés, é uma atividade lúdica. Jogo e lúdico são a mesma coisa. São atividades produzidas quando predomina, em nós, a dimensão lúdica. E o que é a dimensão lúdica? É um dos aspectos do ser humano que se manifesta sem compromissos externos, em troca de nada. É uma espécie de fazer por fazer, de graça. Por isso tem graça. Quando jogam bola na rua, as crianças não têm qualquer compromisso fora do grupo do jogo de bola. É uma pequena sociedade que não tem que prestar contas para nada que esteja fora dessa sociedade. Elas jogam por jogar, embora, nas suas fantasias, imaginem-se jogando em um grande clube, marcando gols decisivos, fazendo defesas aplaudidas. Esse jogar por jogar permite arriscar, pois nada fora daquele jogo as cobrará, nada as exigirá, nada será feito que não possa ser refeito. Essa liberdade, esse salvo-conduto para o risco, permite tentar o novo, a criação. Não há jogo sem risco. No entanto, nas divisões de base, correr o risco tem consequências graves. Se der certo, tudo bem, mas se der errado – e a chance de dar errado é sempre enorme – a punição pode ser grave, pode significar perder o lugar na equipe, pode comprometer a sonhada carreira profissional.

Nas divisões de base, portanto, assim como nas escolas de futebol, não se deveria cobrar vitórias e títulos. Eliminar essa cobrança significaria tirar o peso da responsabilidade que inibe a criação. Que a expectativa por vitórias e títulos fique para depois, para a vida adulta, para a vida profissional, quando o jogador ou jogadora terá consciência suficiente para dar conta disso, terá maturidade, terá habilidades e modo de jogar consolidados.

Nessas divisões de base o núcleo das atividades práticas deveria ser a educação da rua, ou seja, as equipes de base deveriam pautar suas práticas por uma pedagogia da rua, fundada na educação da rua, dando continuidade ao modo como esses e essas jogadoras aprenderam a jogar bola. Nas divisões de base o jogo ainda deveria ser o jogo de bola.

Considero, portanto, que uma pedagogia da rua é possível, em escolas de futebol, nas equipes de base dos clubes de futebol profissional ou em qualquer outra instituição. Quantos jovens que poderiam ser jogadores profissionais extremamente habilidosos não perdemos por apostar, quase sempre, na descoberta acidental, na tal captação?

Os jovens precisam de tempo para revelar suas habilidades. Precisam de orientação, de paciência, de quem lhes dê atenção e os observe com humanidade. Não são máquinas, são seres humanos. É difícil enxergar seus sentimentos, mas é possível considerar suas expectativas, seus medos, seus sonhos, e dar um tempo para que se revelem, cada qual a seu tempo. A pressão por resultados é insuportável e uma espécie de guilhotina de habilidades. Perdemos centenas, milhares, milhões de jovens que poderiam ser alegres e nos alegrar com suas habilidades para o jogo de futebol. Estamos agindo como Herodes, isto é, matando o talento antes que ele se revele, simplesmente porque alguns observadores, como ungidos por Deus, determinam quem é e quem não é capaz de jogar futebol. A pedagogia da rua não pensa só no futuro jogador de futebol profissional, pensa, antes de tudo, no ser humano, no cidadão, nos direitos humanos. Não educa, prioritariamente, para formar o futebolista, mas para formar a pessoa, de modo que, também, o jogador profissional seja, mais que isso, um cidadão digno. A pedagogia da rua propõe que eduquemos as crianças e jovens para o futebol e para a vida, e que possam ser educados em seus lugares de origem, em vez de serem obrigados a migrar pelo território brasileiro e para fora do Brasil. A educação desses jovens com bolas nos pés objetiva, entre tantas coisas, evitar que passem por eventos que lembrem, inevitavelmente, o tráfico de seres humanos.

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O técnico perfeito não existe

Crédito imagem – Flamengo/site oficial

A busca pela perfeição sempre esteve presente nas atividades humanas. E isso não é negativo. Mirar a excelência é premissa para o alto desempenho de qualquer profissional. A ‘boa’ ambição é aquela que foca na performance para que o resultado seja o melhor possível.

Trazendo para o futebol temos isso muito aflorado. Até porque se trata de uma competição. Quem chega no alto nível tem uma vontade de vencer intrínseca já muito bem sedimentada. 

O problema é só valorizarmos o primeiro colocado. Apenas quem ganha tudo e sempre – mesmo sabendo que isso é impossível – é quem tem valor. Torcida, imprensa e até dirigentes cobram dos profissionais os melhores resultados. Tudo para ontem. E na maioria dos casos a estrutura e condições oferecidas estão longe de serem de ponta. E nessa cobrança desenfreada, nessa impulsividade e, principalmente, na falta de capacidade de avaliação se o trabalho está sendo bem feito ou não, muitos profissionais extremamente qualificados ficam pelo caminho. 

Mesmo sem resultados no curto prazo, um treinador pode estar criando ideias coletivas e sinergias entre os jogadores que vão aparecer muito em breve. Temos paciência no futebol brasileiro não só para esperar, mas ao menos falar sobre isso?! Não creio…

Tite, técnico da seleção, referência por ser o que melhor alia capacidades técnicas com habilidades relacionais, foi criticado veementemente quando o Brasil perdeu a final da Copa América para a Argentina. Não estou pregando que a crítica não deva existir. Pelo contrário. A crítica pontual, embasada, que toca realmente ‘na ferida’ é super saudável e necessária. Mas dizer que um profissional não serve apenas por um jogo me parece muito simplista, ainda mais lidando com algo tão complexo como o futebol.

Se no Campeonato Brasileiro tivermos os vinte melhores técnicos do mundo ainda continuará sendo apenas um o campeão. E quatro deles serão rebaixados…como não valorizar a longevidade de Luis Felipe Scolari e Vanderlei Luxemburgo neste mercado tão competitivo?! Ou as habilidades relacionais de Renato Gaúcho e Abel Braga, que muitas vezes são mais importantes do que qualquer conceito tático?! E tantos outros profissionais que já mostraram virtudes, mas foram engolidos por essa cultura resultadista…


O técnico perfeito não existe. Sempre há algo a melhorar. Saber olhar qualidades mesmo quando os resultados não estão acontecendo não é trivial. O primeiro passo para isso é observar o jogo com o óculos da complexidade e deixar as lentes do imediatismo um pouco de lado.