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Sobre os leitores e leitoras do bom futebol

Vocês sabem que eu estava lendo, outro dia, um pedaço de um desses livros que usei como referência na minha pesquisa de mestrado. Chama-se ‘Nietzsche & a Educação’, escrito por este brilhante filósofo que é o Jorge Larrosa – que já citei algumas vezes aqui. Num certo momento, analisando uma das passagens escritas pelo Nietzsche, Larrosa faz uma observação muito interessante, que gostaria de trabalhar com vocês. Diz ele o seguinte:

“É a vida em sua totalidade, e não só a inteligência, a que interpreta, a que lê. Mais ainda, viver é interpretar, dar um sentido ao mundo e atuar em função desse sentido. Por isso a incapacidade para ler um livro não implica tanto a falta de ‘preparação’ do leitor como a falta de uma comunidade de experiências com o livro que, em última instância, remete a uma diferença vital e tipológica. Ser ‘surdo’ a uma obra, mesmo que a tendo ‘compreendido’, supõe ter outra disposição diferente daquela que a obra expressa. Quando um livro expressa em uma linguagem inédita experiência muito pouco comuns, ou radicalmente novas, e um tipo vital fora do comum, quase ninguém poderá lê-lo.”

No ano passado, escrevi neste mesmo espaço um texto apresentando um pouco do que entendo como o jogador inteligente. Basicamente, usei a origem da palavra para defender que o jogador inteligente é aquele capaz de ler nas entrelinhas. Ou seja, enquanto os outros só conseguem enxergar o literal, o jogador inteligente enxerga além, enxerga entre, lê o que os outros não leem. Não sei se fica tão claro assim, mas podemos tirar pelo menos duas coisas daqui: a primeira é que o texto que se apresenta ao jogador inteligente é o mesmo texto que se apresenta aos outros – portanto, a diferença não está no ‘texto’ em si, mas na ‘leitura’ que se faz dele. A segunda é que isso não vale apenas para o jogador, vale também para treinadores, assistentes, analistas, fisiologistas, preparadores físicos, gestores e etc. A inteligência, enquanto capacidade de ler e de tentar compreender as entrelinhas, cabe a todos nós.

Mas repare que quando nos dispomos a assistir a um jogo de futebol, ou mesmo assistir às nossas sessões de treino, ou de outros colegas, quando nos dispomos a analisá-las e a interpretá-las, a inteligência em si não basta. O motivo por que citei aquela passagem do Larrosa é para questionar a nossa leitura do futebol, ou de qualquer outra modalidade, acontece de corpo inteiro ou não. Será que os olhos são suficientes para assistir ou analisar bem um jogo de futebol? A meu ver, não. É preciso ir além e refinar todos os sentidos, para uma educação capaz de ouvir ao jogo – para que não sejamos surdos a ele, de tocar o jogo – para que ele também nos toque, de sentir o aroma do jogo – para que saibamos reconhecer uma equipe pelo perfume, ou mesmo uma educação capaz de saborear o jogo – pois a palavra sabor, não se esqueça disso, tem a mesma origem da palavra saber. A visão, embora seja um sentido privilegiado, não basta. A inteligência também não.

Só que vocês haverão de convir comigo que nada disso é ensinado por aí, essas coisas não aparecem nos cursos de formação – pois há quem diga que não é ‘prático’. Afinal, acreditamos que o que nos faz melhores é a quantidade de conhecimento que acumularmos. Bom, isso não é um problema em si, mas basicamente significa que podemos cair facilmente no mesmo problema apresentado pelo Larrosa acima, ou seja, da ‘falta de preparação do leitor’. Porque quando nos dispomos a ler um determinado jogo, ou uma determinada metodologia, ou uma determinada sessão de treino, ou um determinado atleta, quando nos dispomos a ler a nós mesmos em relação com o mundo, não é preciso que nos defendamos – ou que nos escondamos – atrás da preparação, ou da suposta falta de preparação, ou dos saberes, ou da suposta falta de saberes, não é preciso – nem é inteligente – nos restringirmos com barreiras tão pequenas: podemos muito bem nos apoiar na comunidade de experiências que fazemos com o jogo, ou com o método, ou com o treino, ou com o atleta – e isso se faz de corpo inteiro. As coisas que precisamos saber não estão nas coisas em si, mas na qualidade das relações que estabelecemos com elas, no sentido que damos a elas, por isso cada saber é único, particular, não se repete. Não por acaso, aplicamos muitas vezes um mesmo conteúdo, de maneiras diferentes, no processo de treino: porque uma vivência apenas não basta, e quanto mais vezes voltarmos aquele conteúdo, provavelmente melhor e mais refinada será a relação que nós mesmos e os atletas estabelecemos com ele.

Para ser um bom leitor ou uma boa leitora de futebol, é preciso ler de corpo inteiro, não apenas com os olhos. E é justamente assim, lendo pela audição, pelo olfato, pelo tato, pelo paladar, lendo de corpo inteiro, que refinamos a nossa capacidade de dar sentido às coisas. Como diz o texto que citei no início: viver é interpretar. Eu realmente admiro a importância das avaliações mais objetivas e as colaborações das ciências mais duras em modalidades como o futebol, mas gostaria de pedir sinceramente a vocês que não confundam a razoabilidade dos saberes objetivos com uma completa negação da subjetividade, como ser sujeito fosse um problema e ser objeto, uma solução . Porque o sentido que eu dou ao jogo, ao método, ao treino ou ao atleta, será apenas e tão somente meu, assim como o sentido dado por você será apenas seu, assim como o sentido dado por um terceiro será apenas dele e portanto ninguém além de mim pode dar sentido às coisas como eu, ninguém além de você pode dar sentido às coisas como você – e assim sucessivamente. E é justamente nessa coisa meio plural, meio complexa, nessa coisa meio transitória, nessas contradições, nessa impureza, nessas diferenças – é nesses desencontros que eu, você e todos os outros nos fazemos únicos, nos tornarmos melhores leitores, do jogo que se joga mas não apenas dele, nos tornamos mais inteligentes. Nessas diferenças que o nosso saber contrai, relaxa, fadiga, supercompensa. Se não existem verdades próprias do jogo – me lembro aqui do Dostoieviski, tudo é possível.

E se tudo é possível, é melhor ler – e criar – de corpo inteiro.

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A cultura esmaga a proatividade

Com mais de dois meses do retorno do futebol em todo o país, já temos uma fotografia bem clara do cenário envolvendo clubes, técnicos, jogadores e as ambições e projeções de todos. Para aqueles que defendem uma melhor qualidade do jogo o contexto não é nada animador. O fato é que temos a mesma conjuntura de anos anteriores: técnicos cobrados pela vitória custe o que custar e com isso a tendência natural a privilegiar a defesa, dificuldades gritantes para criar comportamentos ofensivos elaborados e coordenados e o que é pior neste ano: a ausência do elemento torcida no contexto tem tirado um pouco mais a velocidade dos jogos.

Fazendo um exercício de empatia e nos colocando no lugar dos técnicos é mais do que compreensível essa postura dentro de campo. Sabendo que a média de duração de um profissional no cargo é de apenas três meses, que com o calendário apertado as sessões de treino são escassas, que a cobrança é inteiramente a curto prazo e que não há paciência para colher os frutos de um processo pelo menos a médio prazo, são raros os que se arriscam a buscar algo diferente.

É claro que para desenvolver conceitos ofensivos é preciso ter muito conhecimento, principalmente uma metodologia de treinamento capaz de operacionalizar as ideias. Porém aqui a questão é mais de mentalidade do que capacidade técnica. Para fazer algo diferente, um técnico tem que ter a voracidade de se impor frente a um cenário caótico, a gana de triunfar com algo diferente frente a uma mesmice já desgastada e, sobretudo, confiança na própria capacidade. Reconheço que quando um treinador estrangeiro chega ele tem uma tolerância maior do ambiente para desenvolver tudo isso. Mas já passou da hora de termos um técnico brasileiro vencendo com ideias diferentes do que costumamos ver. Enfrentar a cultura não é pra qualquer um! 

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Estamos preparados para o retorno do público às partidas?

Recentemente, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) apresentou ao Ministério da Saúde o plano para o retorno gradual do público aos estádios de futebol, em razão da redução do contágio do novo coronavírus, bem como da queda da média móvel do número de óbitos. O plano enviado pela CBF propõe a liberação dos estádios até 30% da capacidade de público, assim como a presença exclusiva da torcida do time do público do mandante. O Ministério da Saúde, em 22/09/2020, aprovou o referido plano, sendo que o retorno presencial da torcida nos jogos do Campeonato Brasileiro Série A ocorrerá em outubro/2020.

Não obstante as inúmeras discussões que surgem quando o assunto é a retomada gradual do público às partidas de futebol, principalmente relacionadas aos riscos de contágio da COVID-19, medidas de segurança e outros tópicos, proponho aqui o debate de um tema tão tormentoso quanto o coronavírus que é o assédio às mulheres que participam do cenário futebolístico, sejam como torcedoras ou profissionais. Tal tema nos faz refletir: estamos realmente preparados para o retorno do público às partidas de futebol?

Há muito, o futebol já se consolidou como a paixão de muitas mulheres, que participam ativamente do dia-a-dia dos seus clubes, praticam o esporte em seus momentos de lazer ou mesmo atuam de forma profissional no meio do esporte. Mesmo assim observamos com frequência nos estádios de futebol, a violação de nossos direitos fundamentais, somos alvos de comentários sexistas, machistas, misóginos e, até mesmo, assédio e violência.

São inúmeros os relatos de mulheres que tiveram seus direitos e garantias
fundamentais violados, especialmente a dignidade da pessoa humana, o que é repugnante e coloca em xeque toda nossa sociedade. Como exemplos, cito o caso da repórter que foi assediada sexualmente por dois
torcedores que tentaram beijá-la à força. Na mesma partida, uma torcedora foi agredida verbal e fisicamente nas arquibancadas do estádio. Tais casos foram amplamente divulgados na mídia, sendo certo que inúmeros outros sequer chegam a ser noticiados às autoridades competentes. Estas condutas, além de serem tipificadas como crimes, perpetuam o machismo estrutural e a retrógada ideologia de que futebol não é coisa para mulher, o que, lamentavelmente, está no consciente de muitas pessoas.

Ante a trágica situação, algumas mulheres estão se unindo, formando grupos que visam, basicamente, a busca pela igualdade na arquibancada, bem como apoio ao futebol feminino. As integrantes do grupo se reúnem antes das partidas e vão juntas para o estádio de futebol, ficando unidas e defendendo umas às outras. Assim, as mulheres podem exercer o direito básico de torcerem para os seus times, se sentindo mais seguras e acolhidas.

O papel desses grupos é fundamental para romper a cultura machista instalada no futebol, vez que reforçam que o lugar da mulher é onde ela quiser e sua escolha deve ser respeitada. Tais grupos aumentam a representatividade das mulheres no futebol e legitimam o direito de torcer sem sofrer assédio ou serem incomodadas com questionamentos sobre sua presença no estádio de futebol e até sobre o seu conhecimento sobre o tema. Porém, tais grupos são insipientes, sendo que a luta das mulheres por respeito à dignidade da pessoa humana e igualdade, direitos básicos, ainda é árdua e encontram inúmeros entraves.

Não bastasse a violência em campo sobre a qual temos uma oportunidade única para repensar refletir e transformar, a pandemia evidenciou os inúmeros casos de violência doméstica sofridas por mulheres, seja de forma física, psicológica e – ou – financeira.

Assim, reforço o questionamento, em um futuro próximo, estamos realmente preparados para o retorno do público aos estádios de futebol?

É evidente que, como sociedade, temos muito a evoluir, para que direitos fundamentais, garantidos a todos os seres humanos, notadamente as mulheres, sejam efetivados e respeitados. Nos estádios de futebol, não é diferente. É imperiosa a necessidade de mudança da realidade vivenciada pelas mulheres no cenário do futebol, devendo ser criados mecanismos efetivos de proteção à mulher.

Certamente, para que seja possível o retorno do público aos estádios de futebol, estes deverão ser adequados, a fim de que se respeite os procedimentos de segurança, a fim de conter a disseminação da COVID-19. Aproveitando as mudanças estruturais que deverão ser realizadas, em razão do novo coronavírus, os estádios podem providenciar a instalação de postos de combate à violência à mulher, contando com pessoal especializado para adotar as medidas cabíveis, inclusive posteriores ao crime cometido.

Ademais, os próprios clubes devem criar mecanismos de punição do torcedor agressor, como forma de coibir a prática de crimes. Tais medidas podem variar desde a suspensão de participação dos jogos, até a proibição. Lado outro, devem ser criadas campanhas de conscientização, a fim de evidenciar a violência às mulheres e as formas de combate.

Assim, como resposta ao questionamento feito acima, tenho certeza de que precisamos implementar mudanças substanciais, para que o retorno aos estádios seja seguro para todos, principalmente para as mulheres.

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Os direitos de transmissão – união dos clubes e acesso do torcedor é o que interessa

O Futebol Brasileiro vem passando por uma transformação gradativa em termos de transmissão de seus campeonatos. A Rede Globo de Televisão, que manteve a hegemonia nas últimas décadas com certa tranquilidade, vem sofrendo uma série de ameaças a esse respeito. Com a pandemia esse movimento foi acelerado, mas ele já se mostrava uma tendência mesmo antes do espalhamento do vírus pelo planeta.

Em 2016, Santos, Palmeiras, Internacional, Athletico, Bahia, Ceará e posteriormente Coritiba e Fortaleza, fecharam acordo com a Turner para a transmissão em canal fechado das temporadas de 2019 a 2024 do Campeonato Brasileiro da Série A. A relação já se iniciou conturbada, pois alguns dos representantes dos clubes se manifestaram muito insatisfeitos com o anúncio, em agosto de 2018, do fim dos canais Esporte Interativo e a realocação da transmissão das partidas para canais de séries, filmes e variedades. Ainda assim, os clubes mantiveram o cumprimento dos contratos, por entenderem o balanço da relação como positiva, apesar dos percalços mencionados.

Independente das movimentações do mercado dos direitos de transmissão, o que é uma realidade comum durante a maior parte da história do futebol brasileiro, e se mostra presente também em relação às negociações dos direitos de transmissões, é a falta de união dos clubes no país!

O Brasil é um dos países que realiza as negociações com as emissoras de forma individual. Com a Turner, a abordagem foi diferente já que a negociação com os clubes foi feita em bloco, porém, em um segundo momento, a empresa entrou em acordo com o Palmeiras por um valor em luvas bem superior ao acertado com os demais. Houve, então, uma renegociação com os clubes, mas ainda com valor inferior ao do clube paulista – os valores do contrato com o Fortaleza eram outros pois, na época, o clube disputava a série C.

Amenizadas estas animosidades, o ano de 2019 se mostrou promissor para os clubes com a nova parceria, mas a paralisação das competições em março de 2020 por conta da pandemia trouxe novos retrocessos. Menos de 20 dias após as interrupções dos jogos, a Turner notificou os clubes alegando diversos descumprimentos contratuais. Clubes como o Coritiba, por exemplo, que sequer haviam realizado seu primeiro jogo pelo Campeonato Brasileiro da Série A, não poderia ter cometido quaisquer irregularidades. Para estes clubes, esse movimento da Turner poderia estar sinalizando uma intenção de rescisão sem o pagamento de multa, consequência do resultado financeiro inferior às expectativas da emissora. Também na pandemia, a Turner suspendeu 50% dos pagamentos referentes aos direitos de transmissão, o que fragilizou ainda mais a relação.

Quando o fim da parceria parecia iminente, o presidente da República, Jair Bolsonaro, assinou a Medida Próvisória nº 984, em 18 de junho de 2020, que trouxe, entre outras ações, alterações na Lei nº 9.615, de 24 de março de 1.998 (Lei Pelé).

O que motivou o nascimento da MP 984 não tem relação alguma com o contexto apresentado, mas a medida acabou “salvando” a relação entre os 8 clubes e a Turner, já que com a legislação vigente até então, as emissoras só poderiam transmitir confrontos entre dois clubes que tivessem contratos com a mesma emissora – Turner com Turner e Globo com Globo, por exemplo – pois o direito de transmissão era compartilhado. Com a MP 984 o direito passou a ser exclusivamente do mandante, dessa forma, quantidade de transmissões permitidas aumentou substancialmente. Tendo 8 clubes sob contrato, a Turner poderia transmitir apenas 56 jogos no modelo anterior, com a MP esse número passou a ser de 152 jogos.

A Globo também se beneficiou com a alteração em relação às transmissões em canal fechado, passando de 132 para 228 jogos que podem ser transmitidos nesse meio pela emissora. Na TV aberta, ela permanece detentora dos direitos de transmissão de todos os clubes participantes do Campeonato Brasileiro.

Além de todas essas mudanças, o SBT, emissora que não realizava transmissões nacionais de futebol desde 1998, adquiriu recentemente os direitos de transmitir em canal aberto o principal campeonato continental, a Copa Libertadores da América. Para que o negócio fosse fechado, o contrato da CONMEBOL com a Globo, válido até 2022, foi rescindindo em meio a uma renegociação de valores que a emissora buscava junto à confederação.

Foi também por meio das condições possibilitadas pela MP 984, que o SBT pôde transmitir o segundo jogo da final do Campeonato Carioca de 2020. Importante pontuar que a TV Globo não teve direito a exibir nenhum jogo dessa competição em suas plataformas, pois a Foxsports transmite os jogos na TV fechada e a Bandsports, em PPV.

A verba proveniente dos direitos de transmissão é a maior fonte de receita dos clubes, representando 39% da renda total na média dos 20 primeiros no ranking da CBF (Fonte: Ernst Young).

Como as mudanças abruptas apresentadas até aqui demonstram, o tema vem sendo tratado de maneira caótica e fragmentada por parte dos clubes, que além do público consumidor/torcedor, são os maiores interessados em um desenvolvimento sustentável das negociações desses direitos.

Alguns clubes tiveram a iniciativa de organizar um movimento chamado Futebol Mais Livre para que a Medida
Provisória ganhe força, seja votada no Congresso e convertida em lei. A MP tem 60 dias de validade para vigorar como Lei, prorrogáveis por mais 60. Se for rejeitada na Câmara dos Deputados, sua vigência e tramitação são encerradas e o projeto arquivado. Estamos há 23 dias do término do prazo e a votação ainda não ocorreu. Doze dos vinte clubes de série A fazem parte do movimento: Athetico Paranaense, Atlético GO, Bahia, Ceará, Coritiba, Flamengo, Fortaleza, Goiás, Red Bull Bragantino, Palmeiras, Santos e Vasco. Apesar da dificuldade histórica dos clubes em chegar a um consenso nas mais diferentes pautas, esse movimento sinaliza união maior do que nos últimos anos, inclusive se considerarmos que os clubes que não se manifestaram como apoiadores, não são declaradamente contrários à MP, o que mitiga conflitos.
O que precisa ficar claro para todos é que a o cerne da questão não está na emissora que irá negociar os direitos de transmissão, mas na forma como o acordo será fechado. Os conflitos com a Turner, por exemplo, mostraram que a Globo tem também vantagens a oferecer. Pontos positivos de uma, ou outra, e ate de uma terceira, podem ser potencializados com a união dos clubes.

A gestão dos campeonatos e a sua venda demanda ainda muitos avanços por parte da CBF e federações, mas poderia ser transformada de uma maneira mais rápida se a rivalidade dos clubes permanecesse somente em campo e existisse a compreensão de que sem a entrega de um bom produto, todos perdem.

Outro ponto fundamental é que a fragmentação dos direitos e a desunião dos clubes tornam o simples fatos de assistir a um jogo, um desafio para o torcedor. Os clubes têm o direito de utilizar a MP 984 para suas transmissões, mas não o dever, então, alguns jogos chegam a ficar sem transmissão em sem público – ausência essa, ocasionada pelo COVID 19. A mensagem que é passada ao torcedor é que ele pode ficar sem o “produto futebol”, procurando se informar sobre os resultados da partida após o seu término ou mesmo apenas acompanhando os jogo pelas rádios.

Lembrando, falamos aqui de 39% da receita do futebol brasileiro! Se o torcedor perder o interesse em assistir ou de estar presente nos jogos, a audiência cai, a presença nos estádios segue essa mesma tendência, o produto perde valor e as receitas despencam. E nem foi mencionada aqui a realidade que extrapola os 20 principais clubes do país. Nesse contexto, as questões a serem resolvidas são bem mais profundas do que as emissoras e suas trasmissões.

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A pandemia mudou o jogo

A Pandemia impactou o mundo, transformou o modo de pensar a vida e hábitos da grande maioria de sua população. Também mudou os cenários corriqueiros em momentos de dúvidas e tensão, e o “normal” já não era mais o mesmo, criou-se a instabilidade dos fatos, nos deixando frente à fragilidade humana. O caos se instalou.

Hoje, estamos tendenciosos a ter uma visão mais atenta para o todo. Já ao o próximo, temos uma empatia traduzida que ao cuidar de mim, influencio diretamente o cuidado com o outro. Entretanto, até parece que esse aprendizado é uma competência comportamental básica demorada para assimilar. Agora, novos gatilhos emocionais foram acionados, dessa forma seguimos aprendendo e nos adaptando.

No futebol não foi diferente, o caos chegou, e pela primeira vez na história, tudo parou! Sim, estamos diante de um “novo normal”, que exige um poder de adaptação e reação nunca visto antes, trazendo para dentro nós traduções de novas referências mentais e novos sentimentos, que até então, não faziam parte das nossas lembranças.

Diante do protocolo obrigatório de segurança por conta da pandemia, os estádios estão vazios, os treinos iniciaram de forma individual e em casa, os vestiários e áreas internas dos clubes foram fechados, os colaboradores dos centros de treinamentos reduzidos para menor circulação de pessoas, os atletas e comissão têm uso obrigatório de máscaras protetoras e estão fazendo exames semanais do COVID. Junto com quem precisa sair para trabalhar, muitas vezes, vem o medo, medo de se expor ao vírus, medo de expor a família e de transmitir para algum ente querido sem se quer saber da sua própria contaminação.

Inseguranças e probabilidades obscuras são sentimentos que passaram a fazer parte do dia a dia dos atletas – que são antes de tudo seres humanos. Sim, seres humanos!!!

 Pode-se pensar que para a grande maioria da população mundial, apaixonada por futebol e que espera o grande espetáculo, dia de jogo do seu time, esta “visão de que o atleta é um ser humano comum a todos”, pode não ser tão facilmente absorvida, afinal, ele está lá se apresentando, “fazendo sua obrigação profissional” e esta é a parte da vida do atleta (quando ele está em jogo) que muitas vezes é facilmente julgada, pela grande maioria.

 Pois bem, talvez hoje o atleta possa ser percebido mais facilmente como um ser humano, que também sente medos, inseguranças, dores e dificuldades.  O jogo mudou fora e dentro dos gramados também, o cenário está diferente. As arquibancadas estão vazias, quem habitualmente frequentava os estádios, não está mais lá, desde o torcedor mais crítico até o maior incentivador. Algo mudou, e agora: o quanto isso interfere no desempenho de todos aqueles que estão dentro de campo?

 O jogo se transformou em um ambiente mais silencioso. Neste novo ambiente, ainda desconhecido e cercado de dúvidas para muitos esportistas, contrapõem-se o estado de jogo e o estado de treino.   O primeiro, o “estado de jogo”, é tomado como um contexto externo mais desafiador, diante do adversário que mobiliza sentimentos de ameaça, competitividade, ansiedade positiva e uma série de fatores internos que são influenciados também pelo estímulo da presença da torcida. Estas condições tendem a gerar respostas mais imediatas sobre a tomada de decisão com base emocional.  Talvez esse tal estado de jogo esteja tão silencioso quanto o “estado de treino”, entendido como um ambiente mais seguro, rotineiro, amigável, sem a interferência do adversário e da torcida, que tende a gerar respostas construídas por estímulo de repetição diante de um estado interno de maior conforto e segurança.

A motivação extrínseca, aquela força “da camisa 12”, evidencia-se com a presença da torcida, que empurra o time para o ataque e o segura na defesa, que se mostra através das sensações provocadas pela adrenalina imposta por este típico ambiente. Aqui estão os canais sensoriais captando estímulos externos (informações do ambiente) e influenciando o jogador e seu próprio corpo. Tais estímulos funcionam como pequenos impulsos elétricos que atingem o sistema nervoso central do indivíduo, casos da visão (do estádio cheio) e da audição (da torcida gritando), que potencializam a ação de garra pelo resultado positivo. Mas e agora, com o silêncio e a arquibancada vazia, de onde virá a motivação?

Os jogadores em campo, não tem mais o estímulo visual e auditivo que a torcida traz, uma variável importante a ser considerada na influência mental, emocional e comportamental dos seres humanos em atuação. O jogo mudou, o cenário está diferente.

Exige-se, assim, mais da motivação intrínseca, aquela força impulsionadora que é caracterizada por cada indivíduo como sua capacidade interna de mover-se para a ação. Exige-se mais do foco e concentração no jogo, exalta-se a prontidão de cada atleta em “empurrar seu próprio time” para o gol adversário. Tal motivação pode também ser comparada ao sentimento primário que acompanha a maioria dos atletas do futebol na sua infância, ou categorias de base, onde não há também tantos estímulos externos, e o jogo se faz principalmente pelo amor, diversão, criatividade, alegria, e “desejo de bola” daqueles meninos que estão em campo.

Bryant Cratty, reconhecido autor da Psicologia do Esporte, destaca que “somos todos cercados por uma constelação de valores que pode, a um dado momento, nos levar à ação ou nos reduzir à imobilidade” (1984, p. 36).   

Portanto, olhando de frente para o que este novo contexto nos mostra, destacam-se sinais de que quanto mais os clubes inovarem nas ações para potencializar ambas as motivações de seus atletas (interna e externamente), mais competitivos, competentes e assertivos serão os indivíduos atuando pelo resultado.

Referência bibliográfica:

CRATTY, Bryant J. Psicologia no Esporte. Rio de Janeiro, Prentice Hall do Brasil, 1984.

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Sobre o fazer do futebol no distanciamento social

Vocês sabem que o distanciamento social, por razões óbvias, acabou se tornando um enorme desafio para todos nós, que somos diretamente dependentes do campo do futebol para o nosso trabalho. A despeito disso, tivemos que encontrar algumas soluções nesse período, seja para manter os atletas conosco, do ponto de vista afetivo mesmo, seja para mantê-los consigo mesmos de outras formas – a partir de outros olhares sobre o jogo, por exemplo.

Neste texto, gostaria de apresentar a vocês algumas das atividades que fizemos com nossos atletas na Elleven Futebol Studio – academia de formação de atletas onde trabalho, em Campinas. Em condições normais, antes do distanciamento, fazíamos quatro treinos semanais. Nossos garotos têm em média 16 anos de idade, e a partir dos treinos e das competições que disputamos, se preparam ou para ingressar nas categorias de base de clubes em âmbito estadual/nacional, ou então para realizarem intercâmbio esportivo. No distanciamento, optamos por fazer trabalhos físicos diários (via treinamento funcional planejado e aplicado por nós mesmos, acompanhado ao vivo), ao mesmo tempo em que mantivemos um encontro semanal, para falarmos de questões relativas ao jogo. É sobre esses encontros que gostaria de falar com vocês.

***

Em linhas gerais, acredito que um encontro não começa nem termina nele mesmo. O que isso significa? Significa que são melhores os encontros que começam muito antes do próprio encontro e que terminam muito depois do próprio encontro – como se o tempo pudesse ser alargado de alguma forma. Como os nossos encontros aconteciam às quintas-feiras à tarde, basicamente a minha ideia era, sutilmente, sempre adiantar o início e atrasar o término. Fizemos isso a partir da noção de materiais complementares: geralmente na quarta-feira de manhã (portanto, cerca de 30 horas antes do encontro) os atletas recebiam um ou dois conteúdos já diretamente relacionados com o tema da nossa conversa. Considere como exemplos de conteúdos a carta escrita por Romelu Lukaku para o Player’s Tribune, um artigo analisando a evolução posicional de Kevin de Bruyne ou os melhores momentos de Espanha x Itália, na final da Euro 2012.  Os conteúdos sempre eram escolhidos a partir de uma conjunção entre linguagem acessível e material de qualidade. Para uniformizar o material, inclusive do ponto de vista estético, recorremos algumas vezes ao Outline, cujo serviço é de bom nível.

Independentemente do conteúdo que enviássemos, sempre havia um formulário a ser preenchido pelos atletas – ainda antes do encontro. Neste preenchimento, a ideia não era exatamente fazer perguntas binárias, que terminassem no certo/errado, mas trazer à tona perguntas abertas, que lhes fizessem pensar em como articular em palavras o próprio pensamento – também como uma forma de fazê-los perceber que era possível, naquele espaço, ser quem são e dizer o que desejavam.

Basicamente, gostaria que os atletas tivessem voz e que se sentissem responsáveis, ainda que implicitamente, pela articulação dos encontros. Quando penso no processo de humanização, sobre o qual já falamos aqui diversas vezes, penso muito nessa capacidade de dar voz, de dar ouvidos, de dar nossa atenção mas, especialmente, de darmos aos atletas e às pessoas a faculdade de simplesmente serem quem são, evitando ao máximo quaisquer tipos de julgamentos ou represálias. Quanto mais sinceros os atletas forem consigo mesmos e com o mundo, a meu ver melhores jogadores serão, uma vez que as máscaras que os defendem do mundo também existem para, de alguma forma, defendê-los de si mesmos. Sair dessa armadilha é uma tarefa inegociável.

***

O encontro presencial durava cerca de 90 minutos. Como vários de vocês, usamos para os encontros o Zoom, aplicativo de reuniões online. Também como vários de vocês, usamos o Zoom na versão gratuita, o que significa que tinhamos um limite de 40 minutos na utilização da sala. Do ponto de vista de organização, isso basicamente nos trouxe duas consequências básicas: em primeiro lugar, precisaríamos fazer algo como dois ‘tempos’ de 40 minutos, com uma pausa entre eles para fechamento e reabertura da sala. Em segundo lugar (e isso envolve um certo detalhismo da minha parte), decidi abrir a sala precisamente às 17h28, dois minutos antes do início do encontro. Se abrisse às 17h25, como gostaria de fazer, perderia três minutos de debate que talvez fossem a fronteira exata entre uma certa possibilidade de expressão dos garotos ou mesmo o momento de alguma fala nossa que pudesse fazer alguma diferença na formação deles. Repare que esses pontos parecem se tratar de detalhes muito pequenos, mas que não podem ser ignorados.

Em linhas gerais, uma estrutura básica de encontro seria a seguinte: meus colegas de comissão – João Torniziello Rodrigues, Giovanna Morandim, Matheus Figo, Marcelo Matsuguma, Luiz Claudio Matsuguma – e eu fazíamos uma introdução de cerca de cinco a dez minutos, dando informes, fazendo perguntas mais genéricas e etc. Depois, avançávamos para o conteúdo propriamente dito, dividido em duas partes, pelos motivos que citei acima. Nas duas partes, invariavelmente, gostaria que todas as pessoas da sala pudessem falar – portanto, num encontro ideal, todos na sala tinham pelo menos dois espaços de fala. Em uma das partes, normalmente recorríamos a um vídeo, de algum jogo determinado (preferencialmente de 2015 para trás – gostaria de fazê-los pensar que havia futebol antes do que que existe hoje), com cerca de seis a oito minutos de duração. Não raro, trazíamos um vídeo de um jogo, propriamente dito, seguido de um outro vídeo sem relação aparente com o futebol (mas cuja relação era articulada a partir da nossa própria conversa), como esse brilhante TED conduzido pelo Apollo Robbins, a partir do qual discutimos a ideia do futebol como um jogo de atenção. 

Embora fossem muito claras as separações entre as duas partes do encontro, acho importante observar que não havia uma hierarquia entre elas, assim como não havia uma hierarquia entre os encontros – basicamente, a ideia era que os encontros estivessem sempre encadeados, mas que esse encadeamento ficasse implícito, subentendido, pois a própria capacidade de interpretar o que está nas entrelinhas é parte do processo pedagógico. Este, aliás, me parece um benefício da distância de uma semana entre um encontro e outro – com isso, havia tempo suficiente para digerir os encontros anteriores e preparar o terreno para o próximo , sem nos esquecermos daquele alargamento do tempo, a que me referi anteriormente.

***

Como disse, gostaria apenas de fazer uma introdução às nossas atividades, como compartilhamento de experiências mesmo. Em breve, trago o relato de um encontro inteiro, deixando mais claras algumas escolhas pedagógicas que fizemos ao longo do tempo e apresentando alguns dos acertos e mesmo dos equívocos que eventualmente cometemos nesse período.

Continuamos em breve.

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A complexa problemática do Flamengo

A cultura futebolística no Brasil foi pautada sempre pela individualidade. No “futebol antigo”, jogadores se sobressaiam com mais facilidade, hoje, o coletivo prevalece mais do que nunca. Podemos ampliar essa visão sobre o conceito de coletivo, que é básico, já que o jogo se dá em onze contra onze, para questões de fora do campo também. Um clube tem que estar alinhado em seus mais variados setores, como financeiro, administrativo, político, jurídico, dentre outros, para que dentro de campo o sucesso esteja mais próximo. Com cada setor funcionando bem e de maneira integrada, as probabilidades de vitória aumentam.

Dentro dessa visão sistêmica e complexa, a figura do treinador é extremamente importante. É ele quem interliga tudo o que o clube gera e canaliza para as quatro linhas, trocar o técnico significa um rearranjo geral. Por isso o dilema do Flamengo hoje é cruel: como fazer Domenec Torrent alcançar os mesmos resultados do seu antecessor, Jorge Jesus?

Pessoas diferentes criam relações igualmente diferentes. Poderíamos aqui falar de princípios e sub-princípios ofensivos e defensivos, de comportamentos de transição e de bola parada, mas não é só a tática que marca a diferença entre o técnico espanhol e o português. A questão é de personalidade, de relacionamento, de comunicação, de liderança. Nesse sentido, é óbvio que a gestão do ambiente será diferente porque se tratam de pessoas diferentes. O simplista argumento de “era só dar sequência ao que vinha sendo feito” não cabe em nenhuma circunstância. Não falamos de um motor no qual se troca uma peça e o seu funcionamento segue o mesmo, ps próprios jogadores passam a interagir de maneira diferente pela “simples” troca no comando.

A direção do Flamengo tem que ser persistente na ideia, mostrar convicção e crença no treinador escolhido. Não prego a permanência de Domenec com fim nela mesmo, se vierem dez derrotas consecutivas não há como segurar, entendo isso, mas perseverar diante de dificuldades iniciais é mais do que necessário. Assumir um trabalho extremamente vitorioso traz inúmeros desafios, esse é o momento dos dirigentes entenderem isso e mostrarem que realmente o Flamengo pensa e age de maneira diferenciada. 

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Quem treina o treinador de futebol no Brasil? – O que é ser um treinador de sucesso

Salve, salve amantes do futebol! Na coluna anterior falamos sobre a importância da melhora no processo de tomada de decisão do treinador e trouxemos algumas sugestões de como ele pode desenvolver tal capacidade. Nesta, falaremos sobre os caminhos que podem ajudar a levar o treinador a uma carreira de sucesso.

O que é sucesso para você? É possível que possa existir um certo relativismo quanto ao que é sucesso para um treinador. No entanto, existem alguns estudos sobre treinadores de sucesso que buscam caracterizar e delimitar o que os próprios treinadores e pesquisadores da área pensam sobre o assunto. Dentre algumas definições, é possível compreender que o sucesso de um treinador vai além de conquistar títulos e resultados.

Em 3 anos de profundo estudo sobre o tema, descobriu-se que pode-se resumir o sucesso de um treinador em 5 proposições: i) Resultado desportivo; ii) Elevar o potencial de performance dos relacionamentos estabelecidos (atletas, comissão técnica, gestores e etc.); iii) construir e deixar legados; iv) Extrair o máximo dos indivíduos e da equipe; v) Agregar valor, processos e potencializar o ambiente em que atua.

Apesar de atuar num contexto de muita instabilidade e alta complexidade, o treinador de futebol se vê refém dos resultados desportivos. Daí surge a necessidade da reflexão sobre o que é ser treinador, a sua definição ou até a ressignifição do sentido de sua atuação. Afinal, muitos se frustram por não alcançarem números, mas talvez encontrar prazer no trabalho diário ao se libertarem e emanciparem do reducionismo da avaliação de uma carreira apenas pelos resultados.

Se essa reflexão faz sentido para você, fica o convite para a reflexão em relação aos questionamentos a seguir, que podem ajudar na ressignificação sobre o que é a carreira de um treinador, e como podemos medir o seu sucesso:

a) O que é potencialmente mais prazeroso na atuação e dia a dia de um treinador?
b) O que leva uma pessoa a escolher por essa carreira?
c) O que significa ser um treinador de futebol?
d) Qual das 5 definições de sucesso supracitadas me fazem mais sentido?
e) Se não é possível vencer sempre, qual o melhor caminho?
f) O que é ser um treinador de sucesso?

Fez sentido? Afinal, o que é ser um treinador de sucesso para você? Deixe seu comentário abaixo! Grande abraço e sucesso!

• MARTENS, Rainer. Successful Coaching. 4. ed. Champaign: Leisure Press, 2012.
• Becker, AJ . It’s not what they do, it’s how they do it: athlete experiences of great coaching. Int J Sports Sci Coach 2009; 4: 93–119.

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O papel dos intermediários no futebol

Empresário, agente, representante, procurador, Agente FIFA, várias já foram as denominações utilizadas para designar a atividade de agenciamento de jogadores de futebol. Com a desregulamentação da figura do agente FIFA, desde 1º de abril de 2015, a entidade máxima do futebol delegou a tarefa de regulamentar as negociações com intermediários, que lhe incumbia, às federações nacionais.

Deste modo, a FIFA desvinculou-se totalmente do processo de obtenção de licenças e excluiu a obrigatoriedade do exame de admissão que era aplicado, imputando às federações associadas a elaboração das regras para o exercício da atividade.

O intermediário, nome técnico exclusivo para a profissão, que pode ser tanto uma pessoa física como jurídica, é visto como uma ponte entre clubes e jogadores que age para tornar as transações transparentes e evitar conflitos de interesses. Diferentemente dos agentes FIFA, que muitas vezes tinham participação no direito federativo dos atletas, ou seja, vínculo com uma das partes, o intermediário atua de forma independente, recebendo somente a comissão para intermediar o acordo entre as partes: treinadores, jogadores e clubes.

Desde 2015, a CBF anualmente publica o Regulamento Nacional de Intermediários (RNI), com regras específicas para regulamentar a profissão e limitar a atuação àqueles que constem na lista de intermediários cadastrados na entidade.

Vale aqui informar que o descumprimento do RNI por intermediário, técnico, jogador ou clube, está sujeito às severas sanções previstas no Regulamento da Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD), podendo o Comitê Disciplinar da FIFA estender sua eficácia a nível mundial, que vão de advertência até a proibição de atuar em qualquer atividade relacionada ao futebol às pessoas físicas/jurídicas ou desfiliação de um clube perante a CBF.

Conforme informado acima, cumprindo o encargo atribuído pela FIFA, desde 2015 a CBF publica anualmente o Regulamento Nacional de Intermediários (RNI)[1], cujo objetivo é organizar e legalizar a profissão, trazendo segurança jurídica às transações e às partes envolvidas.

Publicado em 06 de janeiro, o RNI de 2020, logo em seu artigo 1º, traz o conceito da figura do intermediário, de forma ampla:

Art. 1º. Considera-se Intermediário, para fins deste Regulamento, toda pessoa física ou jurídica que atue como representante de jogadores, técnicos de futebol e/ou de clubes, seja gratuitamente, seja mediante o pagamento de remuneração, com o intuito de negociar ou renegociar a celebração, alteração ou renovação de contratos de trabalho, de formação desportiva e/ou de transferência de jogadores.

As disposições do Regulamento aplicam-se a jogadores, técnicos de futebol e clubes que utilizam os serviços de um intermediário para negociar ou renegociar a celebração, alteração ou renovação de contratos de trabalho, formação desportiva, transferência ou cessão de direito de uso de imagem.

É condição indispensável o registro do intermediário na CBF para atuar nas negociações, tanto no Brasil como nos casos de transferências internacionais, em que envolvam outras associações estrangeiras.

É importante ressaltar que a FIFA vem tentando trazer mais transparência às negociações. Com o declarado propósito de prevenir situações de conflitos de interesses, proibiu que dirigentes possam ser intermediários. Outrossim, proibiu que intermediários detenham percentual do passe de atletas, estabelecendo que só os clubes podem ser donos e possuir os direitos econômicos dos jogadores – salvo a exceção do atleta ser detentor parcial do seu próprio passe, direito conferido em 2019.

Nessa toada, a FIFA já puniu clubes de fachada, criados por intermediários com o intuito de burlar a legislação. Nesses casos, o intermediário utiliza-se do clube para camuflar a real propriedade dos direitos econômicos dos atletas, assegurando o recebimento dos valores pagos a título de transferências destes direitos.

Apesar do regulamento prever uma série de deveres, a atividade do intermediário é muito mais ampla do que a prevista, uma vez que, na prática, sua função é gerenciar a carreira do atleta e não apenas mediar as transferências. Usualmente ele assume a gestão das questões “extracampo” (propostas, patrocínios, por exemplo) para que o atleta, desonerado do encargo de administrar os rumos da sua carreira, possa focar no seu desempenho e apresentar resultados satisfatórios.

Feitas as considerações acima, em resumo, para atuar regularmente como intermediário de atletas é necessário firmar um contrato de intermediação, registrá-lo na CBF com a documentação da pessoa física ou pessoa jurídica, preencher a declaração de intermediário e contratar um seguro de responsabilidade civil, cuja cobertura por danos seja de pelo menos R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais). No caso de intermediários estrangeiros não-residentes no Brasil, o valor do seguro deverá ser de US$ 100.000,00 (cem mil dólares).

No tocante à remuneração, existem duas formas para a figura dos intermediários. Nos casos em que contratados por jogador ou técnico de futebol, os intermediários estipulam sua comissão com base na remuneração total bruta ou no salário total bruto que negociar ou renegociar. Em regra, o pagamento se dá em parcelas anuais ao final de cada temporada contratual.

Nas hipóteses de contratação pelo clube, a remuneração dos intermediários é previamente acordada e paga em valor fixo, à vista ou em parcelas. A remuneração é devida pela parte que contratar o intermediário, sendo vedado o pagamento a dirigente de qualquer valor a título de honorários devidos aos intermediários.

Quando omissa a previsão da remuneração do intermediário, esta será fixada em 3% (três por cento) da remuneração total bruta do jogador ou do técnico de futebol até o prazo final do contrato. Já se o clube cedente contratar os serviços do intermediário, fixar-se-á a remuneração proporcionalmente ao tempo restante de contrato do jogador ou técnico junto a tal clube.

Como anteriormente salientado, a FIFA veda a participação de intermediários nos direitos econômicos dos atletas, não podendo receber qualquer valor referente à transferência, sendo papel dos clubes garantir que o pagamento será feito de clube para clube.

Por oportuno, uma das novidades do RNI é que um intermediário pode firmar contrato de representação com um jogador ou técnico de futebol que tenha contrato vigente de representação exclusiva, registrado com outro intermediário, desde que expressamente autorizado por este.

Conclui-se que o papel do intermediário deve ser pautado nos princípios da lealdade, transparência, honestidade, probidade, boa-fé e diligência profissional, seguindo as normas e regulamentos aplicáveis da CBF e da FIFA, bem como a legislação brasileira, para o correto cumprimento de sua função, além de informar a seus clientes sobre eventuais negociações em andamento, esclarecendo, ainda, cláusulas contratuais e dúvidas referentes às operações conduzidas, nos termos do artigo 33, do RNI.

Portanto, cabe a este profissional pautar sua conduta visando à consecução dos interesses dos seus clientes, sendo-lhe vedado exigir recompensas ou condicionar a transação à vinculação do jogador a um intermediário específico.

Concluindo, compete à Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) apreciar quaisquer questões decorrentes deste Regulamento, podendo o Comitê Disciplinar da FIFA estender sua eficácia a nível mundial.


[1] https://www.cbf.com.br/a-cbf/regulamento/de-intermediarios/regulamentos-de-intermediarios/ acesso em 02/05/2020

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Sobre as lentes de contato (humano)

Tá, ‘seo’ Feola, só falta combinar com os russos” – Garrincha

Na coluna passada, falamos da interdisciplinaridade como uma das certezas da vida. Pois bem, essa afirmação – que para alguns soa presunçosa – não nasceu de uma árvore de devaneios interiores. Ela tem fonte e viés epistêmico e está sustentada por um modo de enxergar a vida vivida e as relações humanas, ao admitir que o mundo gira, o tempo passa – e o tempo também voa “para a poupança Bamerindus continuar numa boa”.

O trocadilho de gosto duvidoso do parágrafo acima pode nem fazer muito sentido para um montão de gente, então segue a explicação. A poupança Bamerindus não continua numa boa, porque esse banco, de origem paranaense, deixou de existir ainda no século passado. Mudou, foi comprado, virou outro. E é exatamente disso que trataremos no presente texto: mudança, metamorfose, não-linearidade, interação, inconstância, emergência.

O ato de ensinar/treinar é, tal qual o jogo, imprevisível – um dos motivos pelos quais entendemos porque há tanto sentido nas metodologias pautadas em jogos no futebol, por exemplo. A prática pedagógica tende ao caos, à desordem, justamente porque não é possível controlar todos e todas, tudo que a cerceia, seja lá qual for o contexto. Desde o drible improvisado do atacante ao erro bizarro do goleiro, do chute pouco provável no último minuto, passando pela expulsão relâmpago até a dividida no treinamento que provoca a lesão ou a contaminação coletiva de um vírus contagioso. Todas essas situações que podem emergir, meio que sem mais, nem menos e provocar mudanças bruscas na condução do(a) professor(a)/treinador(a) em meio aos jogos ou treinos.

Por essas e algumas outras, desconfio que o professor(a)/treinador(a) que afirma, com contundência, que possui 100% de controle em suas ações e intervenções é ou demasiadamente ingênuo(a) ou desconhece a própria natureza de sua prática enquanto pedagogo(a) do esporte e do futebol.

Há também uma terceira possibilidade – que não necessariamente exclui as anteriores: a de que esse ou essa profissional esteja simplesmente sustentado(a) por um outro paradigma.

Sejamos, pois, didáticos: o paradigma representaria, tomando emprestado algumas noções conceituais do “Pensamento Sistêmico“, da Maria José Vasconcellos, das “Estruturas das Revoluções Científicas“, de Thomas Kuhn e “d’O Método“ de Edgar Morin, as lentes de contato que, com o perdão da redundância, contatam ser humano e mundo. Ao ser validado e interpretado por uma comunidade científica, o paradigma passa, tal qual um farol, a iluminar sociedades, por meio de leis, regras, crenças e concepções de vida supostamente coerentes.

Então, quando acreditamos, enquanto professor(a)s/treinador(a)s de futebol, que somos capazes de controlar tudo, tudinho, o que nos passa nos ambientes de ensino, vivência, aprendizagem e rendimento, é bem possível que estejamos guiados por um modo de pensar associado ao paradigma analítico-sintético, chamado também de tradicional ou dominante, dada sua influência sobre as sociedades que habitam o planeta nos últimos séculos.

Esse paradigma, concebido junto ao Racionalismo cartesiano e aos métodos empiristas nos Séculos XVI e XVII, propõe a explicação dos fenômenos por princípios como o da simplicidade: fragmentamos, nos treinamentos, o todo (o jogo) em partes (ações técnicas) que nem sempre possuem relações entre si, baseadas na relação causa-efeito. Suponhamos: ao treinarmos finalização de modo analítico temos crença que, a despeito do isolamento dessa ação com as situações problemáticas do jogo, o/a jogador/a terá essa ‘habilidade’ potencializada durante as partidas. É o que costuma nortear também os famosos ‘onze contra zero’ e a maioria das jogadas ensaiadas – e pouco importa se elas não foram combinada com os russos.

Outro princípio característico do paradigma analítico-sintético é o da objetividade, que no futebol pode ser caracterizado pela convicção (mesmo sem provas) de que a análise d’um jogo é passível de descrição pura, simples e objetiva, e não de interpretações subjetivas, até mesmo afetivas. O que manda é a estabilidade, materializada, justamente, pelo controle e previsibilidade de toda e qualquer situação que ronda o/a professor/a e treinador/a e seus comandados/as, geralmente pela manipulação de comportamentos.

E a interdisciplinaridade, fica onde? O que significa o papel dos departamentos de fisiologia na prevenção de lesões ou da análise de desempenho, ao monitorar as características – fortes e fracas – do adversário e da própria equipe senão a tentativa de obter o máximo controle sobre quem joga?

Existe um filósofo contemporâneo que cunhou a expressão ‘chegar é uma coisa, passar é outra’. Tentar, nesse caso, não implica em conseguir controlar o jogo, dentre outras coisas porque ele também é feito de carne e osso. Parece-nos possível – e legítimo – minimizar riscos, prever e corrigir situações, sem que haja presunção, no entanto, em domá-las por completo. Trata-se de tornar o imprevisível um pouco menos imprevisível.

Ao afirmarmos que o jogo é incontrolável e, por consequência, ações de jogadores/as e as intervenções pedagógicas de quem ensina/treina, estamos fardados por um outro tipo de ‘lente’: a do paradigma complexo/sistêmico, que contempla o mundo de forma não-linear, pouco causal, como lugar inerente à mudanças e interações constantes e parece dar conta de explicar um bocado de ressignificações nas próprias relações humanas e no jogo de futebol ao assumi-los como indomáveis em essência.

A ‘troca de lentes’, porém, não é simples e costuma ser incômoda. O paradigma analítico-sintético influenciou e continua a persuadir nossa existência e ignorá-lo por completo ou não reconhecer sua benesses, inclusive científicas, beira o imprudente. Romper com ele está para além da simples aplicação, por exemplo, de metodologias ativas, pautadas no jogo, ou em premissas conceituais das chamadas novas tendências da Pedagogia do Esporte, sem entender minuciosamente o contexto a que estamos inseridos. Exige disposição para o auto-conhecimento e empenho para desconstruir e ressignificar parte de nossa identidade, tanto a pessoal, quanto a profissional – diria aquele apresentador de TV – como se ela, aliás, fosse assim, repartida.

Mas isso é papo para outro dia. Afinal, o tempo passa, o tempo voa…