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A “pedagogia da fila” em escolas de futebol

Rafael Castellani & João Batista Freire

Cansamo-nos de ler reportagens, artigos e comentários sobre o fim do futebol brasileiro, aquele futebol que conquistou o mundo por cinco vezes e em tantas outras o encantou, e que se parecia com os jogos de bola nas ruas e campinhos brasileiros. As pessoas falam sobre isso como se não houvesse uma razão para o fim do futebol que tanto fascinou o mundo todo. E quando essas pessoas se tornam responsáveis por ensinar futebol às crianças e adolescentes, quer seja nas chamadas Escolas de Futebol, projetos sociais ou nas equipes de base dos clubes profissionais, não sabem ou não querem que seus alunos aprendam a jogar futebol do mesmo modo como aprenderam nossos maiores craques.

Uma rápida caminhada pelas ruas é suficiente para ver que em muitos dos espaços onde, anos atrás, as crianças brincavam de futebol, quais sejam, os campinhos de várzea, as praças e as próprias ruas, atualmente vê-se escolas de esporte, as famosas “escolinhas” de futebol, com seus campos de grama sintética e mensalidades, muitas vezes, exorbitantes. Onde havia crianças se divertindo, driblando umas às outras, fazendo tabelinhas e gols, hoje há crianças em fila, esperando sua vez de driblar cones.   

Já falamos em textos anteriores sobre a “A diferença entre driblar e fintar um cone e uma pessoa”. Nosso objetivo, neste texto, é abordar as frequentes filas nas quais crianças e jovens aguardam sua vez para tocar e brincar com a bola. É impensável para nós, que apreciamos um futebol lúdico, livre e criativo, que professores/treinadores ainda tenham a fila como, praticamente, a base de sua pedagogia.

A fila, recurso pedagógico muito utilizado, inclusive, em escolas de educação formal, nos ciclos iniciais (Infantil e fundamental 1), é predominante em escolas de futebol e projetos sociais. Ao colocar seus alunos (e atletas) em filas, professores e treinadores buscam manter o controle sobre eles, garantindo uma determinada organização. Pretendem manter, a todo custo, a disciplina de seus alunos/atletas. Enquanto isso, crianças que vão às escolas de futebol para “brincar de bola”, aguardam ansiosamente o momento para tê-la aos seus pés, mesmo que por poucos segundos.   Há, certamente, ocasiões em que filas são necessárias. Reconhecemos que não é fácil manter uma disciplina mínima entre os alunos quando se trata de uma quantidade grande deles em uma turma. Porém, se for absolutamente necessário manter filas, que elas sejam formadas de modo a não tirar das crianças e jovens o tempo tão aguardado de contato com a bola. O que temos presenciado, principalmente, em escolas de futebol, é crianças, depois de aguardarem muitos minutos em uma fila, realizarem uma corrida controlando a bola e dando um chute ao gol para, em seguida, retornarem à fila. Isso é altamente frustrante e, sem dúvida, nada tem a ver com aprendizagem do futebol.

Imaginemos duas situações. Na primeira, uma professora tem uma turma de 30 alunos em uma escola de futebol e pretende, em uma determinada aula, ensinar condução de bola para as crianças, que possuem uma média de idade de dez anos, meninos e meninas. Ela decide organizá-los em uma fila única, atrás de uma sequência de oito cones. Ao sinal da professora, o primeiro aluno da fila sai correndo, contorna os cones e, ao final, recebe uma bola da professora, que ele deve chutar em direção a um gol vazio. Como se trata de trinta alunos, esse processo demorará, até que o último realize sua ação, cerca de oito minutos. A aula tem uma hora de duração. Se os alunos fizerem apenas esse exercício, cada um deles realizará a ação aproximadamente sete vezes.

Na segunda situação, a professora organiza os alunos em seis filas com cinco deles em cada uma. Três filas de frente para três gols defendidos por três goleiros e três filas à frente dos gols. As três filas de frente para os gols serão de alunos atacantes; as três à frente dos gols serão de defensores. Ao sinal da professora, os três primeiros atacantes das três filas sairão conduzindo uma bola. Os três primeiros defensores se colocarão à frente dos atacantes e, sem tirar-lhes a bola, atrapalharão a condução dos atacantes. Os atacantes conduzem a bola por cerca de dez metros, ao final dos quais levam a bola para a direita ou para a esquerda e finalizam ao gol. Nessa situação, os alunos cumprirão uma roda completa de exercícios em apenas um minuto, aproximadamente. Em seguida os papéis são trocados e os defensores viram atacantes. Em uma aula de 60 minutos repetiriam os movimentos cerca de 30 vezes. Portanto, não precisariam fazer somente esse exercício, bastaria que gastassem, nele, apenas vinte minutos, por exemplo.

A primeira situação é um exemplo de mau uso da fila. Os alunos nada aprendem de futebol, primeiro, pelo pequeno número de repetições, o que faz com que o contato do praticante com a bola seja muito reduzido. Em segundo lugar, é consenso na literatura do campo da pedagogia do esporte a necessidade de ruptura com práticas pedagógicas como a que serviu de exemplo, tipicamente de natureza analítica/tecnicista, que fragmentam o jogo, a partir do entendimento de que o ensino do futebol se dá a partir da soma das partes que compõem o jogo, ou seus fundamentos. E isso em nada ajuda o atleta a resolver os problemas que o jogo impõe. Por fim, aprenderão aquilo que fazem, isto é, a esperar em uma “interminável” fila e a contornar cones, objetos que, num jogo de bola, não existem. Fintar cones não tem relação alguma com fintar pessoas. Não se trata, portanto, de uma escola para ensinar futebol.

Na segunda situação, a professora continua usando a fila, mas apresenta um exemplo de bom uso dela. As crianças não deixam de brincar de jogar bola, fazem uma brincadeira que adoram fazer, que é driblar. Driblam pessoas e não cones. A condução da bola com um adversário atrapalhando faz sentido para o jogo de bola, e tudo isso é feito para atingir o objetivo de chutar ao gol. O número grande de repetições dessa ação favorece a aprendizagem, neste caso, de meios técnico-táticos (condução de bola, drible/finta, defesa e finalização) que atuam em conjunto, e os ajudam a lidar com situações típicas de um jogo de futebol. Em uma aula, repetir a ação 30 vezes é bem diferente de repeti-la 7 vezes. Além disso, quando não estão conduzindo bolas e atacando, os alunos estão defendendo. Sem contar a atuação dos goleiros. Realizar conduções de bola, defesas, fintas e finalizações na segunda situação faz muito mais sentido que realizar ações apenas para obedecer aos comandos da professora.

As filas podem ser usadas, embora possamos lançar mão de outras alternativas mais lúdicas. Porém, como buscamos discorrer neste texto, é possível recorrer às filas, desde que elas não prejudiquem a aprendizagem e tampouco diminuam o prazer e interesse da criança pelo jogo de bola.

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PONTO CEGO – PARTE 3

Entenda o ponto cego que bloqueia progressões consistentes

Intrigado pelas instabilidades recorrentes que prevalecem em constante renovação nos clubes de futebol do território brasileiro devido às frequentes decisões superficiais voltadas a tão somente desqualificar treinadores profissionais, este estudo se orientou em revelar os efeitos colaterais desencadeados por transições de comando técnico durante o período competitivo. Curiosamente, muito embora a expectativa original por trás das decisões de mudança de liderança técnica condicione o pensamento convencional a acreditar que exista um suposto atalho ao sucesso, as experiências práticas testemunhadas por 30 profissionais ligados a uma múltipla variedade de comissões técnicas ao longo de suas carreiras no futebol brasileiro e internacional manifestaram uma direção oposta à expectativa dos dirigentes e da opinião pública. Isto é, contrário aos argumentos superficiais defendidos por quem frequentemente descarta treinadores sem embasamento objetivo no país, o desempenho e o rendimento esportivo de uma equipe profissional de futebol tendem a se reprimir, e não a progredir, mediante a volatilidade do seu comando técnico.

Ao encarar uma série de restrições e limitações desafiadoras durante as trocas de treinadores, os profissionais que operam nos bastidores da estrutura esportiva cultivam alternativas inovadoras para assimilarem, lidarem e se ajustarem tanto às rupturas de suas rotinas quanto aos distúrbios causados no processo de evolução coletiva. A escala e a direção desses distúrbios são impulsionadas por distintas combinações de expectativas, práticas de trabalho e comportamentos conflitantes nos domínios individual e coletivo da organização. Fundamentalmente, (uma ou mais) alterações de comando técnico ao longo da mesma temporada moldam uma cultura de restrições contraprodutiva para o clube, cujos efeitos colaterais afetam a mútua colaboração necessária para um melhor desenvolvimento esportivo com o capital humano que sustenta a cadeia de valor da instituição.

Líderes organizacionais que confiam no processo emergente de excelência coletiva tendem a empoderar o potencial humano e promover uma comunicação autêntica, a fim de apoiar uma mudança organizacional positiva. Nesse sentido, uma “mudança positiva” para um clube de futebol profissional representaria uma oportunidade de superar limitações pré-existentes, como os obstáculos já mapeados, antecipados e até bem conhecidos dentro de uma temporada competitiva. Para efeitos práticos, o treinador – aquele que foi inicialmente selecionado e empregado para liderar a equipe principal – receberia a confiança e o respaldo necessários para otimizar as interações com a cadeia de profissionais pertencente à estrutura esportiva da organização. Desse modo, uma “mudança” não deveria ser entendida como uma reposição de nomes em diferentes cargos, seja no posto do treinador ou qualquer outra função dos bastidores, pois tal decisão apenas se manifesta com a finalidade de transferir uma suposta culpa a uma única pessoa (ou grupo de pessoas, no caso de uma demissão de toda a comissão técnica) frente a cenários desafiadores durante a temporada. Pelo contrário, a “mudança” deveria se relacionar ao realinhamento de atitudes e/ou comportamentos entre os colaboradores do clube. Tal situação pode ser percebida como uma tensão positiva que fomenta padrões de aprendizado e inteligência coletiva. Ou seja, quando tratado devidamente como um organismo coletivo, um clube de futebol representa um sistema de tensões que alavanca possibilidades de progressão, em vez de uma entidade estática bloqueada pela reincidência de restrições.

Com base nesse raciocínio, os entrevistados reconheceram que os treinadores dependem prioritariamente de relações prósperas, tanto dentro como fora de campo. Para influenciar os padrões comportamentais de suas equipes, assim como o seu estilo de jogo competitivo mais desejado no contexto do futebol profissional, espera-se que os treinadores tenham condições de se envolver com treinamentos e métodos fluídos, sequenciais e reflexivos como parte do processo esportivo. Dessa forma seria possível oferecer um potencial de construção consistente dentro do clube. Entretanto, tão logo alterações de liderança técnica são impulsionadas com frequência durante a competição, o rendimento esportivo evidentemente demonstra uma contradição entre os distúrbios desencadeados por comandos voláteis e o cenário ideal defendido pelos especialistas das áreas de saúde e desempenho humano.

Dado o senso de urgência, impaciência e vulnerabilidade em que os treinadores profissionais de futebol operam, tensões fundamentais são originadas a partir de diferentes prioridades na relação de um novo treinador com os bastidores da estrutura esportiva. Embora o novo treinador carregue a expectativa de produzir sinais de melhoria imediata (a todo momento enquanto permanecer empregado), os profissionais do clube reconheceram que tensões podem vir à tona devido ao fato do seu foco estar voltado ao desenvolvimento dos jogadores em prazos superiores ao do novo treinador. Além disso, os profissionais também identificaram que, ao invés de transformar tensões em possibilidades de progressão, as trocas de treinadores involuntariamente criam uma cultura de restrições que permeia todos os participantes do processo esportivo. Nesse tipo de cultura contraprodutiva, comportamentos (auto)defensivos que visam reter o poder e o controle prevalecem nítidos entre os líderes da organização, como no caso dos dirigentes de clubes de futebol. Frequentemente, tais comportamentos contribuem para a formação de um sistema subdesenvolvido, cujo rendimento insatisfatório espelha os receios da liderança organizacional em atender novas normas e superar pressões internas. Ou seja, em vez de aceitar os desafios e possibilitar progressões com consistência, a cultura de restrições representa um contexto que reduz o potencial de colaboração humana.

Não se trata tão somente de cessar as oscilações de comando técnico ou de manter o(s) mesmo(s) treinador(es) empregado(s) ao longo da(s) temporada(s). Tal alegação se posicionaria tão superficial e irrealista quanto as decisões de descartes recorrentes e já proliferadas no território brasileiro. Na prática, a continuidade de um processo esportivo se baseia menos na estabilidade e mais na adaptabilidade de interações entre os agentes e suas estruturas. Sem testemunhar esforços mútuos entre a liderança e a rede de conexões internas da organização esportiva, torna-se menos provável que as restrições organizacionais sejam reformatadas rumo a possibilidades de transformação por meio da inteligência coletiva. Por exemplo, um novo treinador pode querer repetir a mesma escalação na sua equipe, utilizando os mesmos jogadores em partidas consecutivas, mas os profissionais da estrutura esportiva devem contabilizar e ponderar as demandas competitivas anteriores, assim como qualquer excesso de viagem ou ausência de descanso que possam conjuntamente afetar a recuperação dos jogadores entre as partidas em questão. Do mesmo modo, um novo treinador pode tentar persuadir um jogador que esteja se recuperando de uma lesão a pular etapas no seu período de transição e logo participar de sessões de treinamento mais intensas no campo, porém os profissionais da estrutura esportiva devem seguir rigorosamente os protocolos e critérios definidos pelas áreas de saúde responsáveis, a fim de assegurar que o jogador retorne ao campo somente quando apresentar as condições mais adequadas e realistas aos seus parâmetros individuais.

Apesar dos entrevistados terem reforçado a importância em saber inspecionar e orientar uma equipe de jogadores como uma complexa rede de interações humanas e movimentos comportamentais no campo (tanto em treinos como em competição), eles também enfatizaram como um novo treinador tende a se guiar por uma mentalidade defensiva na confecção do seu estilo de jogo, utilizando um pensamento convencional que o faz acreditar ser preferencial (e mais provável) evitar derrotas a fim de proteger o seu emprego. Contraditoriamente, entretanto, jogar com o foco na defesa costuma gerar menos controle da bola e condicionar espaços mais apertados para minimizar as ações do adversário, afetando as possibilidades de movimentos criativos com a bola para aumentar a precisão das oportunidades ofensivas durante os jogos.

Seguindo a argumentação dos entrevistados, conforme os novos treinadores priorizam os seus próprios métodos e preferências com o objetivo de reafirmar a sua posição hierárquica na instituição, os profissionais alertaram que repentinas modificações metodológicas representam um fator de risco desnecessário para o desenvolvimento dos jogadores. Particularmente durante a temporada competitiva, há relatos na literatura acadêmica sobre redirecionar a periodização de treinos de força com alternativas mais eficientes na aplicação de cargas segundo as condições individualizadas de cada jogador. Contudo, tanto o tempo disponível para treinamentos quanto o monitoramento de cargas nas sessões de treino são substancialmente afetados no contexto do futebol brasileiro, o que potencialmente leva os especialistas das áreas de saúde e desempenho humano a testemunharem maiores riscos de lesão, danos musculares e estresse fisiológico. Na prática, o processo voltado a monitorar as cargas de treinamento se destaca como um aspecto primordial nos bastidores de uma equipe de alto rendimento, sobretudo a fim de apoiar efetivamente a recuperação fisiológica e psicológica dos jogadores. Portanto, quando as prioridades do clube são subestimadas devido ao favorecimento orientado por trocas de treinadores, a impaciência míope que força resultados inevitavelmente compromete as estratégias de prevenção de lesões e controle de cargas durante a competição.

Canalizando os efeitos colaterais ao domínio individual dos entrevistados, tornou-se revelador como as alterações de comando técnico refletem um fenômeno problemático aos colaboradores do clube, tanto por uma perspectiva profissional quanto pessoal. De um modo geral, os membros dos bastidores da estrutura esportiva absorvem múltiplas ramificações que restringem o seu tempo, a sua confiança e os seus incentivos. Tais restrições travam a condução de tarefas de alta relevância para a organização. Por exemplo, monitorar e instruir apropriadamente os jogadores, resguardar os protocolos internos entre as áreas de apoio à comissão técnica, assim como estimular decisões com base em evidências contextualizadas aos jogadores e à equipe. Na realidade, a pressão absorvida pelos profissionais tende ainda a sofrer sobrecargas devido à incerteza da continuidade de seus empregos, à subjetividade dos estilos de liderança, além de contradições metodológicas originadas pela sucessão de comandos técnicos vulneráveis.

Ameaças iminentes são expostas ao entendimento dos entrevistados tão logo eles compartilham necessidades de apoio junto a novos treinadores que extrapolam a sua resistência frente às práticas já implementadas no clube, prejudicando a qualidade da comunicação interna no processo esportivo. Contraídos por um comportamento que limita o potencial humano ao invés de alavancar oportunidades rumo ao melhor rendimento, torna-se plausível reconhecer como lideranças que favorecem a imposição de metas e opiniões precipitadas acabam por gerar um senso de dúvida, impactando as relações interpessoais entre os profissionais que tentam preservar algum nível de consistência durante a temporada. Lamentavelmente, até mesmo os efeitos prejudiciais às condições de saúde dos colaboradores do clube aparentam passar despercebidos (tanto a eles próprios quanto aos líderes da instituição) conforme as trocas de treinadores se materializam, transportando desafios que ameaçam iniciativas de cuidado pessoal em longo prazo. Nesse cenário de descuido com o ser humano que ocupa distintas funções na estrutura esportiva, destacaram-se o enfraquecimento da (auto)confiança e da motivação, além de potenciais sintomas de esgotamento (burnout).

As noções de colaboração e aprendizagem mútua são reiniciadas a cada substituição de comando técnico. Sobretudo em cenários mais agravantes, caso o novo treinador centralize as decisões e articule ideias conflitantes, os profissionais da estrutura esportiva testemunham restrições em suas tentativas de estabelecer rotinas de trabalho, temporariamente repriorizando suas responsabilidades de modo a se adequarem ao novo regime de liderança. Além disso, o receio imposto por relações menos familiares e o desequilíbrio de poder na hierarquia do clube também atrapalham os esforços dos colaboradores em suas tentativas de harmonizar o ambiente e minimizar discordâncias com a maior cautela possível.

Essencialmente, o inevitável desentrosamento de práticas e comportamentos no trabalho conjunto entre o treinador, a comissão técnica e os demais especialistas das áreas de saúde e desempenho humano empregados pelo clube acaba por exigir e depender do “tempo” como um componente chave à sinergia. A partir do “tempo” como recurso prioritário, o processo que fomenta a excelência coletiva na rede de conexões que circunda o comando técnico poderia, enfim, progredir rumo a um desenvolvimento mais integrado e consistente. No entanto, a realidade que impulsiona as frequentes trocas de treinadores no território brasileiro oferece o “tempo” como um recurso renovável apenas nas oportunidades em que as especulações de curto prazo sejam atendidas com resultados numéricos favoráveis. Caso contrário, os profissionais que transitam nos bastidores demonstraram estar cientes que uma próxima mudança de comando torna-se previsível e que, novamente, acarretará distúrbios nas suas tentativas de construção de hábitos dentro do clube. Visto como os colaboradores são capazes de antecipar a repetição desse mecanismo, eles próprios aparentemente revisam a sua compreensão de práticas institucionais e passam a desempenhar comportamentos adaptáveis às transições de liderança. Isto é, enquanto os efeitos colaterais são negligenciados pelos dirigentes do clube, a ilusão de um atalho ao sucesso é renovada conforme os treinadores entram e saem do comando.

CONCLUSÃO

Este estudo buscou explorar uma área de notável relevância ao desempenho esportivo de uma equipe de futebol no contexto do alto rendimento brasileiro, direcionando o foco da investigação a um ângulo tipicamente ignorado pelas discussões sobre trocas de treinadores profissionais. Em suma, ao analisar os efeitos colaterais que são involuntariamente desencadeados aos domínios coletivo e individual da organização (nesse caso, um clube de futebol), o estudo fez-se valer de depoimentos substanciais para explicar as ramificações escondidas pelas mudanças de comando técnico, cuja reincidência inevitavelmente afeta o desempenho dos jogadores e dos profissionais que transitam nos bastidores da estrutura esportiva do clube. Fundamentalmente, uma cultura de restrições imposta por práticas de trabalho e comportamentos conflitantes revelou como os jogadores tendem a interagir, treinar e atuar durante a temporada competitiva mediante oscilações no regime de liderança. Ademais, os colaboradores que integram a comissão técnica e as áreas de saúde e desempenho humano demonstraram como novos treinadores frequentemente desafiam os seus compromissos, dificultando a construção de rotinas e práticas comportamentais que possam solidificar uma consistência interna ao desenvolvimento de longo prazo.

Embora o estudo justifique a continuidade, a harmonia e o entrosamento das lideranças técnicas junto às instituições que decidiram empregá-las para a condução de (pelo menos) uma mesma temporada, o conteúdo apresentado não pretende acomodar qualquer ingenuidade que possa desconsiderar trocas de profissionais em cenários onde líderes e colaboradores interagem por objetivos coletivos. Visando equipar uma plataforma de argumentação baseada em experiências confiáveis, este estudo revela o impacto colateral gerado por mudanças de treinadores durante a temporada competitiva. Portanto, os líderes organizacionais (nesse caso, os dirigentes dos clubes de futebol do Brasil) deveriam defender, preferencialmente, uma avaliação substancial nos bastidores da estrutura esportiva antes de uma eventual tomada de decisão sobre o treinador do momento. Isto é, ao questionar as potenciais ramificações e consequências internas que podem comprometer o presente e o futuro esportivo da instituição, torna-se mais realista evitar uma turbulência desnecessária aos domínios que valorizam efetivamente as prioridades do clube.

Dentro e fora de campo. Com e sem a bola. O futebol reflete, enfim, um jogo de comportamentos cujo progresso depende do entrosamento entre os seres humanos que colaboram pela mesma cadeia de valor.

“A prosperidade é a melhor protetora de princípios.”

Mark Twain

Para acessar o estudo completo, clique aqui.

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PONTO CEGO – PARTE 2

Observe os efeitos colaterais das mudanças de treinadores

Sob uma perspectiva teórica, esta investigação qualitativa explora as recorrentes instabilidades ocasionadas por mudanças de comando técnico durante a temporada competitiva. Para engatar o raciocínio, este estudo compreende que uma organização esportiva deve representar não somente uma hierarquia estável, mas sobretudo uma rede de conexões sociais em constante mutação. Tais conexões envolvem colaboradores que compartilham distintas influências em cadeia, potencialmente moldando um sistema próspero a se destacar com consequências positivas. Aproximando-se a uma abordagem paradoxal, tensões e oposições organizacionais tendem a surgir como partes de um processo emergente que desafia suposições convencionais por meio da colaboração criativa e do aprendizado coletivo. Consequentemente, a ênfase interna se desloca a partir das restrições organizacionais rumo às possibilidades de aprimoramento contínuo. Isto é, a realidade das limitações numa organização esportiva deve ser tratada como uma possibilidade para alavancar a sua transformação por meio do capital humano presente na cultura organizacional. Portanto, ao enxergar um clube de futebol como um organismo coletivo, torna-se possível examinar e compreender os efeitos colaterais provenientes das transições de treinadores no âmbito profissional.

Apesar dos entrevistados identificarem um viés positivo entre as múltiplas interações e experiências acumuladas enquanto os mesmos trabalharam com um elevado número de treinadores ao longo de suas carreiras, os resultados deste estudo revelam os efeitos colaterais, indiretos e não-intencionais originados pelas decisões que optam por mudanças de comando técnico no meio da(s) temporada(s) do futebol brasileiro. A fim de replicar os depoimentos dos entrevistados com maior assertividade e sem comprometer o anonimato dos seus testemunhos, o texto apresenta uma série de palavras e frases entre “aspas”, que destacam as informações devidamente associadas ao processo de análise do conteúdo qualitativo neste estudo acadêmico. Ademais, citações individuais com maior aprofundamento também foram utilizadas para enaltecer em detalhes algumas das experiências dos profissionais.

Interrogando os efeitos colaterais sobre o desempenho da equipe:

  • No domínio coletivo, como as mudanças de treinadores afetam o desenvolvimento dos jogadores?

ESTILO DE JOGO PRAGMÁTICO

Inicialmente, os entrevistados reconheceram como as reposições contínuas de treinadores levam os próprios líderes técnicos a cultivarem um senso de pragmatismo dentro de campo durante os seus compromissos com tempo limitado no cargo. Empregados, porém cientes do perigo constante de demissão, “os treinadores implementam um jogo mais pragmático, procurando se defender para correr menos risco possível”. Ao endossar “um comportamento que é menos ousado, menos criativo e menos arriscado”, eles optam por atuar com alternativas mais simples e seguras, originando “um jogo feio e defensivo”. Supostamente, os treinadores minimizam a criatividade de seus jogadores e a evolução de suas equipes para implementarem um jogo reativo, cuja prática afeta o fluxo de informações proativas dentro de campo. Três entrevistados exemplificaram o raciocínio que permeia a prática:

“Existe uma relação muito próxima com a qualidade do futebol no país. O medo de treinar e do resultado que o jogo gera nos treinadores se reflete num jogo mais reativo. Nisso, pensando em longo prazo (o que para mim está muito claro), o futebol brasileiro está caminhando para a decadência muito em função dessa busca incessante pelo resultado. Quando você pensa só no resultado, você não desenvolve, você não promove criatividade. Você não valoriza o trabalho pelo que o jogo apresenta, você valoriza o trabalho só pelo resultado. E aí todo mundo quando entende o mecanismo, por mais corajoso que seja, começa a viver o sistema, começa a jogar em função do que o sistema apresenta. Eu já vi treinadores criativos mudando o jeito de jogar em função do que essa cultura impõe.”

“Eu vejo que os treinadores e as comissões técnicas no Brasil têm uma ideia sobre como trabalhar com alguns conceitos e comportamentos para melhorar o futebol do clube. Ao mesmo tempo, assim que os primeiros resultados negativos aparecem (e você já sabe que está num ambiente instável), a comissão não concentra toda a sua energia no desenvolvimento da equipe, mas sim em vencer a próxima partida para manter o emprego. Eu acho que isso afeta totalmente a qualidade do nosso jogo, porque sem ideias, sem treinamentos e sem tempo para maturar as ideias, nós não vamos melhorar o nosso futebol. E como a gente necessita desse resultado a curto prazo, muitas vezes você abdica das suas ideias para entregar o resultado. Você abdica, por exemplo, de tentar melhorar os jogadores individualmente, ou coletivamente, para focar no resultado do fim de semana. Isso vai virando uma bola de neve, porque o seu time não vai apresentando uma evolução, um futebol melhor com o passar do tempo, e você fica mais concentrado no resultado do que no processo de desenvolvimento da equipe.”

“A autoestima do treinador brasileiro é muito arranhada em decorrência dessas trocas. O jogo brasileiro ficou um jogo feio, um jogo difícil? Claro! O cara tem contas a pagar, tem família a sustentar. Aí ele vai jogar domingo fora de casa e vai colocar o time lá na frente sabendo que, se ele perder, na segunda-feira ele estará demitido? Como você espera que o cara vá propor o jogo? Quem propõe o jogo são as pessoas que têm multas altíssimas nos seus contratos. É isso o que ocorre, não agora, há muito tempo você vê jogos chatos no Brasileirão. É esse o esquema. Aí esse treinador é defensivo, vai se rotular que esse treinador não sabe colocar a equipe para jogar na frente. Ele sabe sim, mas ele sabe muito mais que, se ele perder, na segunda-feira ele vai estar desempregado e muito preocupado em pagar as suas contas.”

DIVERGÊNCIA METODOLÓGICA

Substituições repentinas de treinadores durante a mesma temporada também tendem a desequilibrar metodologias de treinamentos, prejudicando a evolução dos jogadores devido a divergências em torno das características e preferências entre distintas lideranças. Conforme assinalado pelos profissionais, “existem claramente perdas entre treinadores com perfis opostos”, pois os jogadores devem responder a “diferentes metodologias que afetam o seu desempenho”. Mesmo quando há semelhanças no perfil do líder técnico, “trata-se de um processo lento e perigoso durante a competição” devido à probabilidade de mudanças radicais em métodos e rotinas. Dois entrevistados aprofundaram a explicação:

“A gente sabe que precisa de continuidade para implantar um trabalho de ordem técnica ou física para desenvolver um atleta, mas hoje em dia não tem como desenvolver um trabalho, qualquer que seja a ordem. O atleta está em constante mudança de metodologias durante o ano inteiro. Não tem como. São formas e métodos diferentes, isso dificulta muito. A gente já tem a dificuldade normal do calendário com constantes viagens e jogos, sendo poucas semanas inteiras de trabalho para recuperar o atleta, dar uma base de maior sustentação ou melhorar um pouco a força, por exemplo. A gente já tem um trabalho de quebra-cabeça tão grande e a troca do treinador dificulta ainda mais para saber qual é a prioridade. Se é a manutenção no cargo, se é o desenvolvimento do atleta, a prevenção de lesão, a recuperação, ou botar ele para jogar de qualquer forma para ganhar o próximo jogo. Com certeza o desempenho fica em segundo plano.”

“Quando se troca toda a comissão, por mais que eu chegue ao clube, olhe o relatório e dê sequência, sempre existe algo diferente no que se faz, no dia-dia, nas influências em como fazer as coisas. Por exemplo, se um novo treinador executa um trabalho para a sua equipe ficar mais rápida dentro de um curto espaço de tempo, essa abordagem talvez não se sustente com um embasamento adequado de preparação. Mais tarde, se outro profissional vier a substituí-lo com um pensamento ou proposta diferente, haverá um prejuízo estrutural. Você vai fazer mudanças e com isso começam as lesões musculares, porque a solicitação neuromuscular foi orientada e praticada pelo atleta num momento em que ele ainda não estava preparado para isso. Quando há continuidade, a tendência é não ter tantos problemas, mas quando se troca tudo, vai depender das circunstâncias, dos relatórios, de quem analisa. Portanto, é um pouco mais complexo. Não é assim: ‘mudou, não tem problema.’ Tem problema sim!”

Os profissionais alertaram que as transições de treinadores tendem a elevar os riscos de negligência sobre as estratégias de controle de carga e prevenção de lesões já implementadas nos bastidores do clube. Isto porque a variação metodológica que acompanha uma mudança de comando técnico no meio da temporada pode aumentar as incidências de fadiga, reclamações de ordem física, bem como lesões em curto prazo. Ao encarar distintos métodos de treinamento, “o corpo do atleta é o componente que mais sofre, pois uma alteração de conduta se reflete nos estados físico e cognitivo dos jogadores”. Portanto, “se a carga de trabalho é aumentada devido a um sistema de jogo diferente, as consequências serão sentidas pelo organismo dos atletas, já que eles ainda não se encontram prontos para a nova demanda”. Dois entrevistados complementaram a manifestação de uma divergência metodológica ocasionada pela troca de treinadores:

“Eu vejo um impacto muito grande, principalmente nas primeiras semanas de trabalho de um novo treinador, porque a rotina dos atletas muda completamente. Por exemplo, o antigo treinador só treinava pela manhã, mas agora eles treinam no período da tarde. Ou então, o preparador físico que só trabalhava com os jogadores na academia agora passa a sessões funcionais no campo. Tudo isso obviamente impacta os atletas e respinga na gente. Vai sobrar para nós aqui na fisioterapia, sabe? Esse impacto com uma nova comissão técnica é nítido para mim porque os sintomas dos jogadores aumentam muito na minha demanda da fisioterapia. Eu catalogo todas as informações de entrada e saída dos atletas no nosso departamento, a frequência de cada um atendendo o trabalho preventivo, então eu consigo perceber a diferença.”

“Você pode ter duas metodologias excepcionais, só que elas são diferentes. Se você quebrar a primeira e colocar a segunda, por melhor que elas sejam, vai demorar para fluir. Além disso, o clube geralmente muda a comissão toda, agravando ao mesmo tempo as exigências técnicas e físicas. Para você alterar isso, são meses de trabalho, não é de um dia ao outro. Mudar a carga de trabalho por um novo sistema de jogo tem uma repercussão grande no organismo do atleta. Ele está pronto para aquilo? O que eu acho que falta é justamente o clube pensar a médio e longo prazo. Não é apenas o treinador que faz a diferença, mas sim todo esse processo e estrutura metodológica do clube pela manutenção de uma filosofia que possa obter rendimento.”

ATRASOS NO ENTROSAMENTO DA EQUIPE

Ainda sob o viés do desempenho coletivo, as mudanças de liderança técnica são percebidas como uma medida disfuncional e contraprodutiva para construir sinergia entre os jogadores, considerando que, em geral, os treinadores trabalham predominantemente com uma mentalidade de curto prazo e baseada em relações superficiais. Segundo os entrevistados, o clube deveria defender uma consistência de “treinos, jogos e revisões sequenciais”, caso contrário “os jogadores ficam sobrecarregados com diferentes estímulos até conseguirem se acostumar a um novo posicionamento, estilo ou proposta de jogo”. Afinal, “as grandes construções de equipes levam temporadas de trabalho conjunto, mas no Brasil o treinador está muito suscetível à demissão, por isso não existe coesão de grupo significativa”. Expressando suas preocupações sobre como a interatividade dos jogadores pode ser afetada, três profissionais fizeram questão de explicar o desfecho que se repete com frequência em clubes do Brasil:

“A mudança do treinador retorna os jogadores à estaca zero, onde uma minoria se privilegia, mas essa oscilação é muito mais maléfica do que benéfica. Ela freia a evolução de alguns atletas. Um jogador serve, outro não. Um recebe mais ou menos afeto, levando a uma queda técnica, física e tática. Isso é muito evidente. A perda de confiança e de qualidade nos assusta ao ponto que nós (da comissão) nos questionamos se estamos trabalhando com os mesmos jogadores que já havíamos visto antes. É muito prejudicial essa troca de treinadores porque ela não favorece a evolução do futebol como um todo.”

“O grande problema que eu vejo é na proposta de jogo e na função que os atletas têm que desempenhar, porque muitas vezes um atleta que está acostumado e adaptado a uma função acaba tendo que executar uma outra função e ter um outro estímulo com a mudança de treinadores durante a competição. Isso acaba sobrecarregando o atleta. O que a gente vê empiricamente é que alguns atletas sofrem para se adaptar a uma nova proposta de jogo.”

“Como funcionários do clube, a gente vai convivendo com os jogadores do grupo e entendendo o comprometimento de cada um no dia-dia. Aí, por exemplo, chega um novo treinador que quer resgatar alguns jogadores que já passaram por outros treinadores sem dar resposta alguma, sem mostrar compromisso nem mesmo com o grupo. Esse novo treinador acha que ele vai resolver, insistindo em alguns jogadores que nós que já estamos ali há mais tempo temos certeza que não vão funcionar. Você explica, dá exemplos, cita várias situações que já aconteceram, mas às vezes o novo treinador não acredita. Nessa você vai perdendo três ou quatro jogos com um e com outro, porque todos acham que vão conseguir, seja com a maneira de trabalhar ou com o discurso. Só que você não tem mais tempo, porque você joga todo dia, entendeu? Então você acaba atrasando o processo. De repente se deixassem um mesmo treinador que efetivou o elenco e pode entregar um melhor desempenho, eu acho que é um caminho mais fácil.”

PONTO CEGO: A CULTURA DE RESTRIÇÕES ORIGINADA PELAS TROCAS DE TREINADORES

Interrogando os efeitos colaterais sobre o desempenho individual:

  • No domínio individual, como as mudanças de treinadores afetam os profissionais ligados à comissão técnica?

RUPTURA INTERNA

Ao reposicionar o foco da argumentação ao trabalho dos próprios profissionais que navegam pelos bastidores da estrutura esportiva (ou seja, comissão técnica e especialistas das áreas de saúde e desempenho humano), tornou-se possível identificar como as suas práticas laborais são expressamente interrompidas quando os dirigentes do clube permitem que um novo treinador assuma o controle absoluto das operações internas. Após uma troca de liderança técnica, os entrevistados argumentaram que eles devem “convencer o novo treinador a respeito do que já está estabelecido, reafirmando ideias e protocolos”, cuja reincidência contribui para gerar “um estresse interno”. Apesar dos seus esforços em implementar práticas institucionais, caso o novo treinador discorde dos métodos apresentados, “tudo vai por água abaixo, mas os dirigentes do clube pouco se importam com isso”. Agindo com tons de poder e superioridade logo a partir da sua chegada ao posto, “o novo treinador pode alegar que a metodologia e até mesmo o organograma do clube estão errados, por isso mudanças devem acontecer”. No entanto, torna-se primordial defender o fluxo de trabalho interno e reforçar como os profissionais da estrutura esportiva gerenciam “os antecedentes médicos, as operações, as lesões e as limitações que os jogadores apresentam”. Para ilustrar essa realidade, três entrevistados compartilharam a eventual turbulência que acompanha as trocas de treinadores:

“Quando não se acerta o perfil do novo treinador, há mudanças muito bruscas em relação às rotinas e processos. Seja porque ele não acredita na função, no equipamento, na tecnologia, ou nas ideias em geral. O clube passa a correr um risco muito grande de perder processos desenvolvidos ao longo do tempo e que são fundamentais para se chegar ao alto nível daqui a alguns anos. O novo treinador pode atrapalhar o ambiente ao criar desconfiança, com pouca interação entre a comissão técnica e as funções fixas do clube, sem vínculos de lealdade e cumplicidade, que são muito necessários para uma comissão. A todo momento nós precisamos tratar de treinos, reuniões, atletas, viagens, jogos, e na maioria das vezes o ambiente é de muita pressão. Se as relações não partirem ou forem construídas pelo líder, fica muito mais difícil de se conectar. Quando há uma quebra de confiança devido a ideias diferentes e com pouca relação pessoal, a chance de dar errado é muito grande.”

“Nós temos uma linha de trabalho no clube, na qual a gente acredita e tenta colocar em prática, introduzindo algumas situações que nós queremos que sejam institucionais. Por exemplo, nesse momento em que nós estamos no comando da preparação física do clube, está legal porque a gente está aplicando a nossa forma de enxergar e trabalhar, mas daqui a pouco, se trouxerem um outro treinador que tenha outro pensamento, os dirigentes só vão querer cobrar e ver o resultado, entendeu? O impacto é gigantesco quando você se depara com diferentes formas de pensamento e de trabalho. Por quê? Quando o clube está pressionado, os dirigentes abrem a casa toda para o novo treinador. Então assim, geralmente as comissões técnicas chegam ao clube com um poder inimaginável, autorizadas a mudar até a posição da cama dentro do quarto do hotel do clube. Com isso você fica de mãos atadas, porque às vezes você quer implantar um tipo de trabalho ou pelo menos ter um direcionamento do clube, mas se uma nova comissão técnica desacredita completamente naquilo, você sente um impacto grande devido ao poder que eles carregam ao chegar no clube.”

“Via de regra, a substituição do treinador acontece em momentos de crise. Então o sujeito que chega quer recuperar o terreno perdido e eventualmente mudar o que estiver errado. Ele começa a impor até a sua metodologia, porque ele precisa mostrar serviço comparado ao outro que talvez não mostrou. Ele vai querer fazer tudo aquilo que não foi feito. Muitas vezes o novo treinador sobrepõe atitudes, ele é imperativo, ele não é tolerante, porque algo tem que mudar. O treinador quer marcar a sua presença. Ele começa a fazer as suas interferências, até administrativas, para marcar território. Muda hábitos e costumes só para dizer que ele está presente, porque se ele chegou para mudar alguma coisa e não muda nada, já imaginou o que acontece?”

ADAPTAÇÕES REPETITIVAS

Tão logo os compromissos dos treinadores são interrompidos e novos nomes são empregados para ocupar a função, os profissionais que transitam nos bastidores da estrutura esportiva são forçados a se readaptarem continuamente em janelas de curto prazo. Conforme destacado pelos entrevistados, eles se encontram num “reinício constante, sempre recomeçando” e “ajustando a rotina no meio da competição”. De forma compreensível, “se três treinadores trabalham para o clube durante um ano, isso significa três maneiras diferentes para se readaptar”. Na realidade, os profissionais devem aprender rapidamente a como lidar com um novo treinador, “porque alguns querem que você discuta tudo pessoalmente com eles, enquanto outros não querem nem conversar com você”. Encarando as recorrentes trocas de treinadores no meio de uma temporada competitiva, “todos os membros da comissão técnica sofrem para se adaptar a mudanças drásticas de métodos e tratamento humano”. Metaforicamente, um dos entrevistados resumiu a situação argumentando que eles devem “trocar o pneu com o carro em movimento”. Enquanto buscam se sintonizar com diferentes perfis de liderança, preferências de relacionamento e metodologias, os entrevistados percebem as frequentes mudanças de comando como “prejudiciais”, “desagradáveis” e “estressantes”.

“Interfere na questão de você entender o que um novo treinador espera. Tem treinador que quer o jogador (lesionado) no campo o mais rápido possível, independente de qualquer situação. É tipo assim: ‘Ele pode voltar e tratar depois, mas eu quero esse cara no campo.’ Por outro lado, existe treinador que só pede por jogadores que estejam completamente recuperados. Esses dizem: ‘Espera e me entrega o jogador pronto.’ Você precisa entender como funciona a cabeça do treinador e o nível de influência das pessoas que o cercam na nova comissão. Então você tem que, de certa forma, sempre ganhar a simpatia de todos que chegam ao clube, mas isso é cansativo. É desgastante você ter que mudar uma estratégia de trabalho apenas para suprir as expectativas de um novo treinador. É como a sensação de se equilibrar numa corda bamba.”

“Eu me preparo para aquilo que o treinador quer. A minha primeira pergunta ao treinador é: o que você vai fazer? E aí, eu tenho que me adaptar. Desde quando eu comecei a minha carreira, para você ter uma ideia, eu já tentei uma gama de treinamentos para me adaptar ao treinador que estiver na comissão. Então, enquanto eu estou me ajustando ao sistema e também adaptando os atletas ao que o treinador quer ou deseja, geralmente há uma perda com a demissão. Isso nos causa consequências, até porque você aprende a respeitar o profissional, o ser humano. Você passa a ter uma proximidade maior, começa a se envolver mais. Infelizmente isso é interrompido de uma forma até drástica, bem desagradável.”

“Eu tenho que me adaptar ao comando. Não é o comando que tem que se adaptar ao meu modo de trabalho. A partir do momento em que eu consigo me adaptar ao comando, eu tento fortalecê-lo, porque eu sou fiel ao treinador. Por exemplo, se o novo treinador tem um jogo que utiliza muito os pés do goleiro, eu tenho que adaptar os meus goleiros ao que o novo comandante quer. Independente de eu ter um ponto de vista que não seja o mesmo nesse caso, ou talvez eu tenha opiniões diferentes do treinador, mas eu vou sempre fortalecer o comando. É isso o que eu sempre frisei nas reuniões com novos treinadores, independente de como são as mudanças.”

INSEGURANÇA PROFISSIONAL

Atraindo a atenção ao seu lado ocupacional, os entrevistados demonstraram uma tendência a se sentirem inseguros sobre a continuidade dos seus próprios empregos quando eles testemunham transições de treinadores. Segundo os relatos dos profissionais, eles aparentam trabalhar sob uma vigilância implacável, pois “um treinador recém-contratado pode repentinamente demitir qualquer pessoa como se ele fosse o dono do clube”. Para exemplificar, “você não sabe quem o novo treinador irá trazer com ele, nem mesmo como ele irá te avaliar”. Consequentemente, o risco de uma demissão repentina influencia como os profissionais são condicionados a “repensar atitudes para superar uma pressão desconfortável” e “permanecer, de certo modo, seguro no emprego”. Devido a essa instabilidade, eles até questionaram se deveriam priorizar o desenvolvimento de suas carreiras fora do futebol. Especialmente para aqueles que não foram jogadores profissionais, “ninguém possui estabilidade financeira para cuidar da família e pagar as contas, então isso afeta muito a todos nós”. Em retrospectiva, três depoimentos detalham como o cenário de vulnerabilidade dos treinadores efetivamente perturba os bastidores da estrutura esportiva:

“As trocas de treinador trazem uma sensação iminente de volatilidade ao nosso cargo. Sempre que tem uma troca, a gente imagina que está passando por um momento de instabilidade profissional. Por exemplo, eu não sei se o novo treinador vai chegar e pedir para trocar também a equipe de fisioterapia, ou se ele vai trazer um fisioterapeuta com ele. Então toda vez que chega perto de uma troca, todo mundo fica muito inseguro e isso nos atrapalha com grande frequência a desenvolver aquilo que a gente pensa. Esse problema é real! Sem dúvida que essa insegurança, essa iminência de que a qualquer hora você pode perder o emprego, ou que pode haver mudanças que vão nos afetar, isso seguramente influencia o nosso rendimento. Um ponto importante que pode te ajudar no entendimento é que essa situação de muita volatilidade no futebol tem causado uma mudança no perfil dos fisioterapeutas que trabalham com a modalidade. Antes nós tínhamos fisioterapeutas que trabalhavam exclusivamente no clube. Hoje em dia, como é muito volátil, ninguém anima de trabalhar só no clube e entregar ou abrir mão do que se tem por fora para viver apenas de futebol, porque isso não é sustentável. Eu percebo que o perfil do fisioterapeuta que trabalha hoje com futebol é de uma pessoa que acumula funções. Em geral, é a fisioterapia do clube misturada com dar aulas na faculdade, ter um consultório ou a própria clínica. Hoje em dia, cada vez mais o fisioterapeuta tem que segmentar o dia dele, somando outras tarefas e funções para que ele consiga manter a saúde financeira dele e não sofrer um impacto tão grande com toda essa volatilidade de cargos.”

“A partir do momento em que se fala sobre uma troca de comando durante a temporada, isso causa uma intranquilidade entre os empregados do clube. Não apenas para a comissão técnica, mas também para os funcionários e atletas. Essa inquietude se reflete no campo, porque em vez de proteger o treinador, tudo é feito ao contrário. A mudança não vai dar sequência ao trabalho do momento. Então você começa a se questionar: Será que o meu trabalho ou os métodos que eu estou aplicando não são ideais ou corretos? A nossa equipe era a líder do campeonato e, de repente, após dois ou três jogos se tornou a pior equipe? Todo aquele trabalho que foi feito, será que nada daquilo era verdade? Ninguém presta? Não existe parâmetro, porque você é movido pelo resultado. Você fica sempre preocupado porque a expectativa é a de que possa haver mudanças em todos os setores. É difícil trabalhar com essa perturbação, muito difícil.”

“Você não sabe quem chega com o treinador, como eles vêm, com que propósito, se vão dar alguma abertura, se você vai conseguir trabalhar ou continuar. O que acontece é assim: o dirigente chega e dá a chave do clube para o treinador. Isso acontece em muitos clubes. E o novo treinador se mete em tudo também. Se o clube tem nutricionista e ele é contra, ele tira. Se tem psicólogo e ele é contra, ele tira. Se ele não gosta de um funcionário, ele pede para a pessoa não aparecer mais. Por isso que eu falo, não se tem uma coerência dentro do clube. Parece que o treinador é o dono do clube. Se há uma diretriz no clube, você fica menos preocupado.”

DESCONFORTO MENTAL E EMOCIONAL

Alterações sequenciais de comando técnico também desencadeiam momentos de inquietação na vida pessoal dos entrevistados. Considerando a turbulência inerente aos eventos de sucessão de liderança, um dos profissionais argumentou que “o futebol realmente é desumano no Brasil”, visto que ele provoca consequências instáveis na vida privada, social e familiar. Na prática, “os padrões de ansiedade respingam porque, antes de abordar o treinador, os dirigentes descontam a pressão deles em cima de nós.” “Impacta o nosso lado emocional e afetivo, a nossa autoestima cai”, inclusive “com colegas mostrando baixa imunidade e adoecendo.” Coletivamente, os entrevistados compartilharam experiências pouco saudáveis, ponderando como as tensões originadas a partir das mudanças de treinadores tendem a afetar, sobretudo, os seus níveis de dúvida, privação de sono, pressão arterial e estresse ocupacional, cuja combinação interfere até mesmo em relações familiares. Três depoimentos se mostraram reveladores ao âmbito pessoal de cada ser humano:

“Na função de auxiliar, eu não sou o responsável pela tomada de decisões. Eu coloco a minha opinião ao treinador, que formula o que é melhor para a equipe. Agora quando eu assumi como treinador interino, a minha vida mudou totalmente de cabeça para baixo. É até engraçado eu te contar isso porque as pessoas não têm noção do que acontece. Eu passei a não dormir, a não comer. Eu já tinha tido a experiência de comandar um jogo, mas nunca havia passado um tempo como o responsável por todas as decisões. Era tanta coisa acontecendo, tantas decisões a serem tomadas, que a minha vida mudou totalmente. Ali eu pude ver como isso tudo afeta o treinador, como essa pressão é enorme. Um ambiente que parecia estar tranquilo acabou ficando conturbado enquanto eu tentava lidar com todas as situações e problemas. Na verdade, é muita coisa envolvida para o treinador e os dirigentes se escondem ao invés de nos ajudar.”

“Eu posso dizer por mim, pois eu já estou há oito meses sem ver grande parte da minha família, mas convivendo, felizmente, com a minha esposa e a minha filha. Se paga um preço muito alto. Em determinados momentos e para várias pessoas isso não é tão válido. Por exemplo, quando eu assumi como interino há alguns anos, a minha esposa relatou que a minha ausência (em casa) me deixou alienado em relação a ela. Na época eu não conseguia ver isso. Se eu não tivesse as minhas cunhadas ao meu lado para me falar, eu sinceramente não iria perceber isso. Eu estava muito mergulhado com o comando interino no contexto da Série A. Entre idas e vindas aqui, a pressão é muito maior. Isso com certeza acarreta muito à minha saúde e ao meu sono.”

“Posso te falar de mim. Essas trocas sem critério já me afetaram e ainda seguem afetando. Eu também acredito que afeta com certeza a todos. Àquele que diz: ‘Ah, segue a vida!’ Não é assim tão simples. Você tem um planejamento familiar, um modelo de vida. O novo treinador que chega não vai pensar logo nisso, até porque o clube também não pensa muito na pessoa que está chegando. O futebol brasileiro é uma coisa tão maluca que se demite profissionais até quando a pessoa tem um rendimento muito bom. Você pode não fazer um trabalho bom e te demitirem. Aí tudo bem, você vai para casa, fica chateado, vai afetar tudo isso, a pessoa vai ficar triste, mas no final você vai parar e reconhecer que não foi um trabalho legal. Agora, quando você olha um histórico de trabalhos incontestáveis por resultados, títulos, revelação de jogadores e simplesmente chega outra pessoa para te tirar do trabalho, isso nos afeta, lógico que afeta.”

Por fim, a PARTE 3 concluirá o estudo, refletindo acerca da importância em privilegiar o desenvolvimento progressivo e consistente na cadeia de valor que sustenta uma equipe competitiva no futebol profissional.

Para acessar o estudo completo, clique aqui.

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Atuação de futebolistas brasileiros na Liga dos Campeões da UEFA: fatores intervenientes II – Efeito da idade relativa

Crédito imagem – Site oficial Sport Club do Recife

O futebol é uma modalidade esportiva coletiva amplamente praticada no Brasil por diferentes faixas etárias e níveis competitivos. Podemos observá-lo em diversos contextos de prática, como os ambientes formais (escolas), não-formais (escolinhas, clubes, federações) e informais (rua, praça, praia).

Uma característica comum dos programas de esportes consiste em agrupar os jogadores pela idade cronológica para a composição das equipes que participarão das competições institucionalizadas. Por exemplo: os jogadores da categoria sub-12 são todos aqueles sujeitos que completarão 12 anos dentro do mesmo ano civil. Ou seja: dentro de uma mesma categoria de jogo, podem participar futebolistas que nasceram entre os dias 1 de janeiro e 31 de dezembro. 

Porém, a adoção da referida estratégia tem se tornado problemática, pois entre os 12 e 16 anos os jovens jogadores passam por intensas mudanças nas estruturas corporais, sendo que sujeitos maiores e que amadurecem precocemente apresentam melhores resultados nos indicadores de tamanho corporal (MALINA et al., 2000) e no desempenho em tarefas esportivas (COELHO-E-SILVA et al., 2010), quando comparados com os jogadores atrasados nos processos de crescimento físico e de maturação.

Dadas as referidas variações nas estruturas corporais, os futebolistas que nasceram nos primeiros meses do ano tendem a apresentar vantagens cognitivas, físicas e emocionais em relação aos jogadores que nasceram nos últimos meses do ano, o que pode favorecer uma maior representatividade nas equipes esportivas dos jogadores nascidos nos primeiros meses do ano.

A partir dessas informações, surge a dúvida: os futebolistas brasileiros que nasceram nos primeiros meses do ano são aqueles que jogam nas melhores equipes europeias?

Para refletirmos sobre esse questionamento, buscamos no artigo de Mendes e colaboradores (2021) identificar os efeitos da idade relativa sobre a participação de futebolistas brasileiros atuando em equipes europeias. Foram coletadas informações provenientes de 309 jogadores brasileiros que atuam nas dez principais ligas europeias, respectivamente – Espanha, Alemanha, Inglaterra, Itália, França, Rússia, Portugal, Ucrânia, Bélgica e Turquia, conforme o ranking da UEFA de coeficientes de clubes por país (referente a temporada 2016/2017).

A partir de análises estatísticas, identificamos que os futebolistas que nasceram no segundo (abril a junho) e terceiro (julho a setembro) trimestres do ano tiveram uma maior chance de atuar em uma equipe que disputava a Liga dos Campeões, competição principal, do que em uma equipe que jogava a Liga Europa, competição secundária.

É importante destacar que a análise estatística empregada não considerou a posição de jogo do futebolista. Acreditamos que essa informação poderia nos auxiliar a compreender os efeitos da idade relativa entre as diferentes posições de jogo, que trazem consigo diferentes características.

Considerando os dados previamente publicados na literatura, somados aos achados da nossa investigação, observamos que os jogadores que nascem no primeiro semestre do ano têm maiores probabilidades de serem identificados como talentosos, por apresentarem um desempenho superior nas idades iniciais. Já os jogadores que nasceram no segundo semestre do ano podem acabar tendo menos oportunidades de treinamentos tático-técnicos qualificados, o que coletivamente pode acarretar em prejuízos ao desenvolvimento esportivo. 

Em síntese, sugere-se aos treinadores que trabalham com jovens futebolistas a adoção de uma visão multifatorial do desempenho esportivo, pois enviesar os processos de prospecção e seleção de talentos desconsiderando possíveis efeitos da idade relativa pode trazer resultados imediatos dentro de campo a partir das momentâneas vantagens competitivas que o tamanho corporal ocasiona e uma super representatividade dos nascidos no primeiro semestre do ano em equipes de futebol, mas o desenvolvimento tático-técnico e as oportunidades em treinos de qualidade devem ser acessíveis a todos os praticantes.

Link para o artigo completo

Referências consultadas

COELHO-E-SILVA, M.J.; FIGUEIREDO, A.J.; SEABRA, A.; NATAL, A.; VAEYENS, R.; PHILIPPAERTS, R.; CUMMING, S.; MALINA, R.M. Discrimination of U-14 soccer players by level and position. International Journal of Sports Medicine, v. 31, n. 1, p. 790-796, 2010.

MALINA, R.M.; REYES, M.P.; FIGUEIREDO, A.J.; COELHO-E-SILVA, M.J.; HORTA, L.; MILLER, R.; CHAMORRO, M.; SERRATOSA, L.; MORATE, F. Skeletal age in youth soccer player: implication for age verification. Clinical Journal of Sport Medicine, v. 20, n. 6, p. 469-474, 2010.

MENDES, C.; MENEGASSI, V.; JAIME, M.; COSTA, L.C.A.; MARQUES, P.G.; RECHENCHOSKY, L.; RINALDI, W.; BORGES, P.H. Impacto do tamanho corporal, da idade relativa e do índice de desenvolvimento humano sobre a participação de futebolistas brasileiros na Liga dos Campeões da UEFA. Retos, v. 39, n.1, p. 271-275, 2021.

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Quem treina o treinador de futebol no Brasil? – O que é ser um treinador de sucesso

Salve, salve amantes do futebol! Na coluna anterior falamos sobre a importância da melhora no processo de tomada de decisão do treinador e trouxemos algumas sugestões de como ele pode desenvolver tal capacidade. Nesta, falaremos sobre os caminhos que podem ajudar a levar o treinador a uma carreira de sucesso.

O que é sucesso para você? É possível que possa existir um certo relativismo quanto ao que é sucesso para um treinador. No entanto, existem alguns estudos sobre treinadores de sucesso que buscam caracterizar e delimitar o que os próprios treinadores e pesquisadores da área pensam sobre o assunto. Dentre algumas definições, é possível compreender que o sucesso de um treinador vai além de conquistar títulos e resultados.

Em 3 anos de profundo estudo sobre o tema, descobriu-se que pode-se resumir o sucesso de um treinador em 5 proposições: i) Resultado desportivo; ii) Elevar o potencial de performance dos relacionamentos estabelecidos (atletas, comissão técnica, gestores e etc.); iii) construir e deixar legados; iv) Extrair o máximo dos indivíduos e da equipe; v) Agregar valor, processos e potencializar o ambiente em que atua.

Apesar de atuar num contexto de muita instabilidade e alta complexidade, o treinador de futebol se vê refém dos resultados desportivos. Daí surge a necessidade da reflexão sobre o que é ser treinador, a sua definição ou até a ressignifição do sentido de sua atuação. Afinal, muitos se frustram por não alcançarem números, mas talvez encontrar prazer no trabalho diário ao se libertarem e emanciparem do reducionismo da avaliação de uma carreira apenas pelos resultados.

Se essa reflexão faz sentido para você, fica o convite para a reflexão em relação aos questionamentos a seguir, que podem ajudar na ressignificação sobre o que é a carreira de um treinador, e como podemos medir o seu sucesso:

a) O que é potencialmente mais prazeroso na atuação e dia a dia de um treinador?
b) O que leva uma pessoa a escolher por essa carreira?
c) O que significa ser um treinador de futebol?
d) Qual das 5 definições de sucesso supracitadas me fazem mais sentido?
e) Se não é possível vencer sempre, qual o melhor caminho?
f) O que é ser um treinador de sucesso?

Fez sentido? Afinal, o que é ser um treinador de sucesso para você? Deixe seu comentário abaixo! Grande abraço e sucesso!

• MARTENS, Rainer. Successful Coaching. 4. ed. Champaign: Leisure Press, 2012.
• Becker, AJ . It’s not what they do, it’s how they do it: athlete experiences of great coaching. Int J Sports Sci Coach 2009; 4: 93–119.