O objetivo aqui não é de forma alguma polemizar e sim trazer uma reflexão, sobre a trajetória e inserção do negro no futebol, valorizar sua história como protagonista ou não, considerar a complexidade do tema, que pode ser relevante para uns e para outros nem tanto, porém, é difícil ser indiferente a todas estas questões com envolvimento, histórico, cultural, racial, social e profissional que contribuíram na construção do nosso produto futebol.
O futebol surgiu no Brasil no fim do século XIX, trazido por Charles Miller na bagagem voltando da Inglaterra, era como esporte de elite, praticado por estudantes de classe alta. Eles se reuniam nos intervalos de suas atividades para praticar o esporte. Só podiam jogar os que fossem sócios do clube, diferenciava classes e raças, trazia um status e aceitação na alta sociedade. Mas aos poucos o futebol foi se popularizando, negros, mulatos, trabalhadores e desempregados foram se interessando pelo esporte.
O Bangu Atlético Clube, fundado por ingleses, mas formado por operários da fábrica de tecidos Bangu no Rio de Janeiro foi o primeiro clube no estado a escalar um negro em 1905 (Francisco Carregal).
O Vasco da Gama em 1923 causou polêmicas, pois tinha em seu elenco a maioria de atletas negros e chegou a ser campeão carioca. Porém, em seguida, os outros clubes formaram uma liga Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA), entidade à qual o Vasco só poderia se filiar se dispensasse seus 12 atletas negros.
O primeiro ídolo do futebol brasileiro foi Arthur Friedenreich, mulato, filho de um alemão com uma negra brasileira, marcou o gol que deu o primeiro título continental ao Brasil, o Sul-Americano de 1919, para parecer mais branco, antes de entrar em campo ele esticava o cabelo junto ao couro cabeludo.
Outro jogador que marcou história foi Carlos Alberto no Fluminense em 1914, que passava pó de arroz no rosto para clarear sua pele. Durante o jogo – com o suor -, esse pó ia saindo fazendo com que a torcida o chamasse de pó de arroz, logo após, passando a ser o apelido dos torcedores do fluminense.
Com a entrada dos negros e mulatos nas equipes, o nível do futebol foi aumentando e os times sendo obrigados a inseri-los.
Os sócios do Fluminense externaram seu preconceito pois, não queriam que esses frequentassem a sede do clube. Para atender a essa reclamação e separar sócios de jogadores, o Fluminense empregou seus jogadores como assalariados fazendo com que entrassem no clube pela porta de funcionários e não como sócios de elite. Tudo isso se deu em 1930 colaborando então mais tarde em 1933 com o início da profissionalização.
Os atletas passaram a ser contratados e pagos conforme seu nível técnico, e a cor da pele deixou de ser preponderante. Com essa abertura de oportunidades surgiram grandes talentos negros, Leônidas da Silva destaque na Copa de 1938, até então a presença de negros na seleção ainda era mal vista. Outros grandes atletas surgiram como: Domingos da Guia, Barbosa, Nilton Santos, Pelé -o atleta do século-, entre muitos.
O tempo foi passando, o futebol se desenvolvendo e com ele as formas de racismo também. Dizem que o futebol é reflexo da sociedade, sendo assim o Brasil ainda não se viu livre do racismo. O negro com toda sua força e cultura participou da construção do Brasil, mesmo por um bom tempo de forma escrava, e mesmo conquistando a liberdade, ainda é visto como escravo por injustiças sociais oriundas de um racismo implícito, por vezes invisível e inconsciente. Da mesma maneira o negro com toda sua técnica participou do desenvolvimento do futebol, com um início sofrido de lutas e humilhações e mesmo conquistando a profissionalização ainda é vítima de um racismo que permeia todo o ambiente do futebol.
Ele pode ter uma discriminação mais suave se for uma celebridade, ter fama, dinheiro e demonstrar inteligência, ou seja, da forma como se apresenta para a sociedade.
Em meio as adversidades, pessoas conscientes com a problemática histórica sócio-cultural e envolvidas com a causa -sejam elas negras ou não-, mesmo de forma tímida sem muito apoio e/ou espaço na mídia e poucos parceiros, estão se mobilizando em prol de uma justiça social igualitária de direitos, deveres, oportunidades e desenvolvimento humano como um todo. Algumas ações e iniciativas, mesmo um pouco isoladas, debates, e estudos apontam caminhos e diretrizes trazendo ao conhecimento da sociedade fatos, casos, dados e números que representam essa realidade não só no futebol, mas no esporte de forma geral.
Uma iniciativa significante foi feita pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol, com “O Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol2016” foi lançado em debate sobre racismo no futebol, no auditório do Ministério do Esporte, evento promovido pelos Ministério do Esporte e dos Direitos Humanos.
O 3º Relatório Anual da Discriminação Racial no futebol é uma análise sobre os incidentes classificados como casos de “racismo no futebol” brasileiro, com dados e informações sobre os desdobramentos dos casos, assim como suas respectivas punições aos envolvidos.
O Relatório 2016 apresentou cinquenta e seis (56) incidentes, destes: trinta (30) casos envolvem o futebol brasileiro; cinco (05) casos que aconteceram em outros esportes no território nacional; cinco (05) casos envolvendo atletas brasileiros no exterior e dezesseis (16) casos durante os Jogos Olímpicos Rio 2016. Dos trinta (30) casos que envolvem o futebol brasileiro; vinte e cinco (25) dizem respeito a discriminação racial; quatro (04) envolvem homofobia e um (01) xenofobia.
Outra iniciativa relevante foi realizada pela FIFA (esperamos maior envolvimento e efetividade) através do seu “Programa Antidiscriminação” com envolvimento do jogador da seleção da Costa do Marfim e do Manchester City, Yaya Toure, e parceria com a FARE -organização que tem uma vasta experiência no combate à discriminação no futebol e na utilização dos observadores em partidas de futebol. O Programa consiste em um sistema de monitoramento que relatam os casos de discriminação, iniciado na Copa das Confederações e também será aplicado na Copa da Rússia 2018. O sistema irá facilitar e complementar o trabalho dos árbitros e órgãos disciplinares da FIFA. O principal objetivo é otimizar os procedimentos legais para obter as provas necessárias para possíveis punições.
Com a globalização racial através de imigrações e povos refugiados que por diversos motivos deixam suas pátrias, seja por comércio escravo, por questões religiosas, ideológicas, ou simplesmente em busca de uma vida melhor e digna fez do futebol um universo miscigenado. Por todas essas questões houve então a chamada “Diáspora africana ou Negra” da Idade Moderna intensamente no século XIX e que perdura de forma mais branda até os dias atuais. O negro em sua maioria se espalhou pelas Américas do Sul (Brasil) e do Norte (EUA), e Europa.
E é notória a participação do negro não só no Brasil como já vimos, mas também nos principais centros econômicos e de visibilidade do futebol, conforme consta a participação de negros e mulatos nos elencos dos clubes, visualizado nos sites na última semana de 2017 e que nos apontam os números da classificação abaixo:
Classificação Países Porcentagem de negros no elenco
1º França 53%
2º Brasil 48%
3º Inglaterra 37%
4º Portugal 30,5%
5º Holanda 25%
6º Alemanha 16%
7º Espanha 14%
8º Itália 12%
Concluímos a importante participação do negro no futebol mundial dentro de campo, porém, fora dele sua participação é praticamente inexistente é grande a falta de treinadores, dirigentes, presidentes nos clubes e, também, a não presença de pessoas negras como comentaristas, repórteres e apresentadores nos principais programas esportivos pelo Brasil e pelo mundo. A superação da desigualdade racial como um caminho para a construção de um futebol e sociedade mais justa e igualitária passa pela formação educacional, capacitação e oportunidade de trabalho gerando assim uma transformação social.
Referências:
Disponível em: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/01/a-trajetoria-do-negro-e-do-racismo-no-futebol-brasileiro.html acesso em 22 de dezembro de 2017
Disponível em: https://www.geledes.org.br/a-insercao-do-negro-no-futebol-brasileiro/?gclid=EAIaIQobChMIgsXd0oet2AIVFQSRCh14UgylEAAYASAAEgI1UPD_BwE acesso em 22 de dezembro de 2017
Disponível em: http://observatorioracialfutebol.com.br/clipagem/relatorio-anual-2016/relatorio-anual-2016-parceria-federal/ acesso em 22 de dezembro de 2017
Disponível em: https://historiadoesporte.wordpress.com/2015/01/04/o-negro-no-futebol-brasileiro/ acesso em 27 de dezembro de 2017
Disponível em: http://observatorioracialfutebol.com.br/observadores-anti-discriminacao-para-as-eliminatorias-da-russia-2018/ acesso em 28 de dezembro de 2017
Disponível em: http://farenet.org/acesso em 28 de dezembro de 2017
Disponível em: http://observatorioracialfutebol.com.br/Relatorios/2016/RELATORIO_DISCRIMINCACAO_RACIAL_2016.pdf acesso em 27 de dezembro de 2017
* Graduado em Educação Física pela Universidade de Mogi das Cruzes, Pós-Graduado como Treinador Profissional de Futebol pela USP, Gestor Esportivo e ex-atleta de futebol.